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Dossier

Avaliação técnico-cultural e energético-ambiental da reabilitação de edifícios habitacionais urbanos

Joana Fazenda Mourão

Resumo

Nos últimos anos as obras em edifícios urbanos existentes tornaram-se mais frequentes e mais profundas, transformando parte significativa do parque edificado habitacional urbano. Entre 2014 e 2019 este tipo de obras decorreu ao abrigo de um regime excecional e temporário com a isenção do cumprimento de alguns requisitos da construção. Este regime foi recentemente revogado pelo novo regime aplicável à reabilitação de edifícios e frações autónomas (DL 95/2019) que estabelece princípios e exigências específicas para a reabilitação.
Para melhorar a qualidade e a adequação das obras de reabilitação de edifícios, e para assegurar a coerência com os princípios e exigências do novo quadro regulamentar, a reabilitação de edifícios requer apoio técnico-científico complementar. Este apoio deve permitir avaliar edifícios e projetos com critérios estabilizados, no projeto e no controlo prévio de obras. Neste âmbito, instrumentos que apoiem a preservação do património edificado com valor cultural e considerem a otimização do consumo de materiais e de energia, ao longo do ciclo de vida dos edifícios e das suas componentes, são especialmente necessários e oportunos.
Este artigo apresenta um instrumento de diagnóstico de valores e de avaliação de impactes destinado ao apoio à decisão em matéria de reabilitação de edifícios habitacionais urbanos, designado método IMPACTE REHURB. Este instrumento permite avaliar e classificar o contributo da reabilitação de edifícios habitacionais para a preservação do valor cultural do património edificado (impacte técnico-cultural) e para a sua eficiência ambiental (impacte energético-ambiental), visando melhorar a cultura e as práticas de reabilitação de edifícios habitacionais urbanos.
O artigo descreve a estruturação e procedimento de aplicação do método multicritério proposto, apresenta uma aplicação-piloto e identifica desenvolvimentos futuros, sugerindo a aplicação do método para a operacionalização dos princípios enunciados pelo novo quadro regulamentar em vigor.

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Texto integral

A autora agradece à Fundação para a Ciência e Tecnologia (FCT) o apoio ao projeto de investigação (SFRH/BPD/118089/2016) “Assessing urban and building rehabilitation impacts on urban metabolism and heritage”, ao consultor João Branco Pedro, aos orientadores Samuel Niza e Vítor Campos, e ao atelier Consultório de Arquitetura, Lda.

1. Introdução

1A reabilitação de edifícios urbanos é um desafio para os agentes da construção e da gestão do ambiente construído que implica olhar para os edifícios existentes com especial atenção e ponderação. É necessário apoio específico para qualificar e atualizar esta atividade, de natureza diferente da construção nova, melhorando as suas práticas.

2A participação do público no escrutínio desta atividade é crescente, face aos intensos processos de transformação no edificado urbano nos últimos anos, não raras vezes sem corresponder às expetativas do público em encontrar as suas cidades melhoradas, mas também preservadas, acessíveis e apropriáveis pelos residentes. Também por esta razão, deve haver maior exigência, transparência e escrutínio desta atividade, conhecendo e regulando impactes da intervenção no património edificado urbano com valor, em particular naquele com uso habitacional.

3Por outro lado, a sustentabilidade ambiental do modo de vida industrial e urbano é um desígnio com importância crescente para a sociedade, exigindo mudanças no modo de produção e consumo de todos os bens e serviços, incluindo os edifícios e a habitação.

4Assim, a reabilitação integrada de edifícios urbanos inclui a melhoria do desempenho ambiental e energético das áreas urbanas, dos edifícios e da construção civil, devendo considerar não apenas os impactes culturais (no património edificado) mas também os ambientais (no uso dos recursos naturais, e em particular da energia nos edifícios).

5Considerando este enquadramento, encontra-se em desenvolvimento o projeto de investigação “Decarbonising Cities. Assessing urban and building rehabilitation impacts on urban metabolism and heritage”, que estabelece um quadro metodológico para a avaliação combinada dos valores técnico-culturais e energético-ambientais dos edifícios habitacionais urbanos, e dos impactes respetivos da sua reabilitação.

6Este artigo apresenta o método de avaliação multicritério IMPACTE REHURB, parte integrante de um processo de apoio técnico destinado ao controlo prévio de obras em edifícios habitacionais urbanos, desenvolvido no âmbito do projeto de investigação referido. Este método é uma ferramenta operacional, que utiliza uma avaliação traduzida numa escala numérica para motivar uma análise integrada de dimensões conflituantes e permitir o apoio e o balizamento objetivo do licenciamento de projetos de reabilitação.

7Pretende-se sistematizar uma avaliação qualitativa a do valor cultural para que conste nos procedimentos de controlo prévio de forma sistematizada e objetiva. Com esse fim e para permitir balizar impactes e atribuir incentivos de forma criteriosa, usam-se critérios, qualificadores e descritores que conduzem a uma pontuação na escala de 1 a 3. Este procedimento será detalhadamente explicado ao longo do artigo e ilustrado por uma aplicação piloto.

2. Valorização do património edificado urbano

8Dentro do lato conceito de património cultural, como algo que queremos valorizar e preservar porque permite a transmissão de uma cultura às gerações seguintes, o conceito de património edificado urbano tem um papel relevante e que se tem vindo a alargar, integrando hoje muitas realidades para além dos centros históricos, do património classificado ou da arquitetura de autor (Choay, 2011).

9As áreas urbanas consolidadas não classificadas, onde os edifícios comuns dominam sobre monumentos e onde existe um equilíbrio entre homogeneidade e diversidade, têm sido reconhecidas como valiosas e insubstituíveis (Rossa, 2013).

10Choay (2010 [1992]) indica autores fundamentais no processo de reconhecimento das áreas urbanas como um valor cultural, incluindo Giovannoni pelo seu entendimento da cidade como um conjunto patrimonial (1993 [1931]) mas também pelo reconhecimento de que esse património deverá ser adaptado às necessidades do momento, considerando o longo prazo da vida útil dos edifícios.

11Ao tecido urbano, e respetivo parque edificado habitacional, é atribuído um papel fundamental na perceção individual e coletiva do espaço urbano, sendo também atribuído um importante valor de uso (Riegl, 2016 [1903]).

12Assim, saindo do museu, o património urbano tem vindo a ser transportado para o território do quotidiano (Aguiar, 2014), e aí encontra desafios face às transformações urbanas financeiramente globalizadas (Sassen, 2014). Nesta transposição, a identificação e qualificação dos valores que o património edificado urbano comporta é complexa, variável e subjetiva (Lacerda & Zancheti, 2012).

13Na perspetiva da conservação urbana integrada (Queiroz & Portela, 2009) os valores afetados e criados na intervenção no património edificado urbano são sociais, culturais, ambientais e económicos.

14Os valores sociais, culturais e ambientais são abrangentes e encontram-se associados entre si muito estreitamente na transformação e reuso dos edifícios. Contudo, porventura dada a abrangência estendida desde o património cultural imaterial ao ambiental, raramente estes valores têm sido ponderados em conjunto de forma operativa e estratégica, ainda que selecionada e focada. Por essa razão, estes valores constituem o foco deste artigo e do projeto de investigação que o enquadra.

15Este artigo é desenvolvido visando contribuir para o debate em aberto sobre a interpretação da noção de reabilitação integrada de edifícios como uma noção complementar à da conservação urbana integrada que acrescenta a perspetiva da otimização do valor de uso e da melhoria do desempenho.

16A reabilitação integrada de edifícios é um desafio para o setor da construção pois desenvolve intervenções no edificado que são de conservação e de transformação, visando objetivos múltiplos como a identificação e valorização de elementos fundamentais da identidade e representatividade do edifício existente – mas também uma adequação às exigências atuais de habitabilidade, conforto, saúde e segurança e uma resposta a necessidades sociais (Pedro & Mourão, 2020).

2.1. Dimensão técnico-cultural

17Na perspetiva do desempenho dos edifícios na prestação de habitabilidade e conforto, quer nos edifícios preexistentes quer nos reabilitados, o valor cultural é também um valor técnico, relacionado com a ciência da construção que produziu os edifícios que agora herdamos. Esse legado técnico é um legado cultural específico pois representa uma cultura arquitetónica e de construção (Baukutur in Frampton, 2000), podendo designar-se por valor técnico-cultural, sendo assim também designada a primeira dimensão da avaliação que se propõe e apresenta.

18Nesta perspetiva, não são aqui considerados, por exemplo, os valores imateriais associados a um edifício que, embora possam apresentar uma significância relevante em edifícios habitacionais urbanos, não são objeto do método proposto. Este é destinado a um âmbito restrito de decisão : o controlo prévio de operações urbanísticas correntes, sobre património não classificado, que incluem obras de reabilitação de edifícios que alteram positiva ou negativamente o seu valor técnico-cultural, valor decorrente de uma cultura de construção específica que é iminentemente uma cultura material.

19A cultura de produção de edifícios e de áreas urbanas reflete-se na génese e evolução urbanística, arquitetónica e construtiva dos edifícios urbanos, que permanece ao longo do tempo, testemunhando e contendo valores técnico-culturais relevantes para as gerações atuais e futuras. Estes valores são particularmente vulneráveis face à transformação dos tecidos urbanos inseridos no mercado imobiliário globalizado.

20Desde 1972 que a UNESCO considera esta vulnerabilidade na convenção para a proteção do património edificado ao nível mundial e, com esse enquadramento, o International Council on Monuments and Sites tem-se dedicado a proteger os sítios e monumentos (ICOMOS, 2011).

21Porém, é necessário alargar esta proteção criteriosa ao património edificado urbano não classificado com valor técnico-cultural e energético-ambiental relevante, em particular ao património habitacional.

22A investigação académica (e.g. Queiroz & Portela, 2009 ; Lacerda & Zancheti, 2012 ; Oliveira, 2018) e operacional (e.g. CEN/TC 346, 2017 ; Pedro, 2000) sobre património edificado e urbano fornece algumas orientações para a identificação e qualificação de valores culturais em edifícios, guiando-nos na seleção de critérios e elementos para a avaliação do impacte na qualidade urbanística, arquitetónica e construtiva da sua reabilitação.

2.2. Dimensão energético-ambiental

23O conceito de sustentabilidade ambiental, entendido como conservação do capital natural a longo prazo, à escala do Planeta Terra (WSDC, 1987), relaciona-se com o de sustentabilidade cultural e social. É um conceito de grande amplitude, incluindo temas desde a biodiversidade, ciclos ecológicos, água e energia. Um dos principais domínios da sustentabilidade ambiental é o da sustentabilidade energética : a forma como produzimos e consumimos energia é determinante da sustentabilidade do nosso modo de vida a médio e longo prazo e, no paradigma industrial vigente, está na base da insustentabilidade comprovada desse modo de vida.

24Dentro da sustentabilidade ambiental é possível focar o desígnio da poupança e eficiência energética, que permite reduzir o consumo de combustíveis fósseis e reduzir as emissões de carbono para a atmosfera, reduzindo o aquecimento global e demais alterações climáticas (WSDC, 1987 ; LNEC, 2012).

25A sustentabilidade energética é simultaneamente causa e consequência de um conjunto de outras ações para a sustentabilidade ambiental, e pode ser promovida reduzindo a procura de energia em edifícios e na construção. Nesta perspetiva não são considerados na avaliação desenvolvida, por exemplo, o consumo de água ou os riscos de toxicidade nos edifícios e na construção que, embora representem problemas ambientais relevantes, não são objeto do método proposto.

26Este método é destinado a avaliar as obras de reabilitação de edifícios que alteram – positiva ou negativamente – o seu valor em termos de otimização e poupança energética na prestação de habitabilidade e conforto, quer incorporada (da construção) quer operacional (do uso). Esse valor é, portanto, designado por valor energético-ambiental, sendo assim também designada a segunda dimensão da avaliação que se propõe e apresenta.

27Deste modo considera-se que, para além dos valores urbanísticos, arquitetónicos e construtivos, os edifícios urbanos mantêm também, ao longo do tempo, um conjunto de valores energéticos incorporados e operacionais, também vulneráveis e em evolução.

28Neste âmbito, recentemente, o Comité Europeu para a Normalização publicou uma norma específica para a conservação do património cultural edificado e melhoria do desempenho energético dos edifícios históricos (CEN/TC 346, 2017), visando que estes consumam menos energia sem por isso perderem o seu valor cultural.

29É dada crescente atenção à eficiência energética, para reduzir o consumo de energia na fase de uso de um edifício (energia operacional) para suprir as necessidades de conforto ambiental (REH) (DR, 2013) mas é também crescente o enfoque na eficiência material e na redução do consumo de energia na fase de construção e reabilitação de um edifício (energia incorporada), recorrendo à análise do ciclo de vida de produtos da construção (CEN, 2011 e 2013).

30Este último enfoque revela que a energia operacional no uso pode ter uma importância relativamente reduzida em edifícios antigos, concebidos para baixos consumos energéticos e para o conforto passivo (Curtis, 2016), face à energia incorporada na construção e reabilitação. Desse ponto de vista, os edifícios são depósitos de materiais com valor energético a considerar.

31Paralelamente, o mais recente conceito de economia circular legitima a importância da convergência da proteção do património cultural material para a sustentabilidade no uso de recursos e para uma melhor gestão da energia. Torna-se portanto cada vez mais evidente a relação entre sustentabilidade energético-ambiental e a reabilitação do ambiente construído, e dos edifícios urbanos em particular, por permitirem a contração de áreas urbanas e a otimização do solo e outros recursos ambientais já ali alocados.

32A investigação, bem como a produção regulamentar sobre eficiência energética e ciclo de vida dos edifícios e suas componentes (DR, 2013 ; CEN, 2017 ; CEN, 2013 ; CEN, 2011 ; Jones, 2108 ; Dixit, 2017 e 2018), fornece algumas orientações e normas para a identificação de valores ambientais e energéticos em edifícios em reabilitação, guiando-nos na seleção de critérios e elementos para a avaliação dos impactes no consumo de energia em materiais, no conforto e na energia despendida pelos sistemas ativos nos edifícios habitacionais.

2.3. Dimensão socio-habitacional

33Face ao reconhecimento crescente do problema de escassez de oferta de habitação nos centros urbanos, referente a habitação adequada às efetivas carências e acessível a um leque alargado de cidadãos, considera-se que a reabilitação de edifícios urbanos, se devidamente orientada, pode contribuir para uma maior coesão social urbana (Sassen, 2014). Por essa razão, num processo de avaliação da reabilitação, a dimensão socio-habitacional deve ter uma valorização idêntica à técnico-cultural, ou energético-ambiental.

34Na fase atual do projeto de investigação (que se encontra a cerca 60 % do plano de trabalhos), o procedimento de avaliação e respetivo método multicritério ainda não inclui critérios e qualificadores respetivos à dimensão socio-habitacional. Este desenvolvimento previsto já foi iniciado e os resultados serão publicados oportunamente, porém considera-se relevante dar desde já a conhecer a metodologia proposta, considerando apenas as duas primeiras dimensões de avaliação, técnico-cultural e energético-ambiental, mas permitindo já ilustrar e testar a operacionalidade e coerência do processo e método propostos.

3. Método IMPACTE REHURB

3.1. Apresentação

35O método IMPACTE REHURB destina-se à avaliação multicritério de projetos de reabilitação de edifícios habitacionais urbanos, permitindo a classificação do seu impacte técnico-cultural e energético-ambiental. Esta classificação poderá ser usada na gestão urbanística municipal corrente das áreas habitacionais urbanas consolidadas, dando apoio ao controlo prévio de obras (licenciamento ou comunicação prévia de obras de reabilitação, nas categorias de obras de alteração, reconstrução e/ou ampliação (RJUE, 2014 [1999])). O método multicritério é parte integrante de um processo de mediação e avaliação de impactes da reabilitação de edifícios habitacionais urbanos, descrito em sede própria (LNEC, 2020). A aplicação deste método visa promover a preservação das características originais, representativas, e adequadas do edificado urbano existente e, simultaneamente, promover a eficiência energética e conforto ambiental.

36O método IMPACTE REHURB comporta uma primeira fase de diagnóstico e uma segunda fase de avaliação. Nestas duas fases distintas procede-se, respetivamente, ao diagnóstico do valor nos critérios e elementos avaliados – face a qualificadores estabelecidos – e, posteriormente, à avaliação do impacte da alteração ou inalteração desses elementos. Assim, na fase de diagnóstico são avaliados os valores dos elementos constituintes do edifício e, na fase de avaliação, são avaliados os impactes da obra de reabilitação preconizada em projeto, com uma escala de descritores de acordo com a teoria dos estudos de avaliação multicritério (Bana e Beinat, 2010).

3.2. Qualificadores e descritores (Como avaliar ?)

37Os valores e impactes técnico-culturais e energético-ambientais para poderem ser descritos necessitam de ser organizados por pontos de vista e desagregados em elementos concretos (vd. 3.3). Posteriormente, estes valores são qualificados por qualificadores, numa escala definida, que pode ser numérica. O procedimento de avaliação qualitativa previsto (Quadro 2) é assim ser revertido para uma pontuação numérica, permitindo ponderações na qualificação dos diversos critérios e elementos – o que constitui a mais valia dos métodos multicritério. O que se pretende avaliar são qualidades, embora se possam considerar quantidades de referência, de acordo com guia de apoio (LNEC, 2020).

38Nos métodos de avaliação multicritério admitem-se qualificadores de natureza distinta que podem ser avaliados por uma escala comum de descritores de impactes (Bana, 1993). No método IMPACTE REHURB, selecionaram-se sete qualificadores distintos, que se aplicam aos elementos de avaliação considerados e são avaliados numa escala de 3 níveis.

39Para cada qualificador foram formuladas questões de referência a utilizar para a sua aplicação. Consoante as respostas a estas questões foram atribuídos descritores pré-estabelecidos (escala de 1 a 3). Nas secções seguintes apresentam-se os qualificadores e os descritores de valor e de impacte considerados.

3.2.1. Qualificadores e questões respetivas

40A representatividade (Q1) avalia se os elementos são representativos do conjunto edificado, ou específicos do próprio edifício. Estes serão representativos por serem específicos, originários de uma época ou originais da obra de um autor, relacionando-se com recursos, tecnologias, estilos ou teorias e práticas inerentes à produção do edifício em causa. Para este qualificador sugere-se que o avaliador questione se o elemento é representativo do conjunto urbano ou específico do tipo edifício ? No guia de aplicação do método são dadas referências gerais para esta avaliação (LNEC, 2020) devendo este ser completado com informação morfo-tipológica específica para este fim, presente em atlas ou inventários locais, já elaborados ou a promover (Aguiar, 1989).

41A adequabilidade (Q2) avalia se os elementos são adequados ou adequáveis ao uso do edifício (ou da fração, ou do espaço), considerando o uso habitacional previsto e otimizando o seu valor de uso. Na fase de avaliação este qualificador permite avaliar se, após a reabilitação, o elemento se encontra adequado à sua função no uso do edifício, fração ou compartimento. Para este qualificador sugere-se que o avaliador questione se o elemento é adequável à função/uso, ou se esta pode adequar-se ao elemento preexistente.

42A integração (Q3), permite avaliar se determinados elementos são coerentes, quer visual quer fisicamente, com o edifício existente. A integração é aplicável a elementos sujeitos a alterações tecnológicas sucessivas, como as instalações e redes, que podem ter maior ou menor coerência com o edifício existente. Questiona-se se o elemento está integrado de forma coerente na fração, no edifício ou no conjunto edificado.

43A recuperabilidade (Q4), considera o estado de conservação do elemento questionando se o elemento se encontra num estado que permite que seja mantido, conservado ou recuperado.

44Visando os critérios e elementos de avaliação da dimensão energético-ambiental, a energia incorporada (Q5), considera a conservação e reaproveitamento de materiais e componentes já fabricados, bem como a seleção dos materiais e componentes adicionados. Para este qualificador sugere-se que o avaliador questione se o elemento é de elevada energia incorporada que pode ser mantido ou reutilizado. No guia de aplicação do método são fornecidos valores de referência para esta avaliação (LNEC, 2020) que podem ser progressivamente atualizados.

45Outros elementos são avaliados em termos de conforto ambiental passivo (higrotérmico ou lumínico) (Q6). Para este qualificador sugere-se que o avaliador questione se o elemento contribui para se obter conforto passivo na habitação, na maior parte dos dias do ano e no balanço verão-inverno. No guia de aplicação do método são indicadas condições de referência para esta avaliação (Idem).

46Finalmente, o qualificador da energia operacional do edifício para conforto térmico (Q7) traduz-se na questão se o elemento apresenta elevada eficiência ou aproveita uma fonte de energia renovável, no edifício ou conjunto urbano, fornecendo energia ao edifício.

Quadro 1. Descritores aplicáveis por domínio de avaliação

Q1

Q2

Q3

Q4

Q5

Q6

Q7

Morfologia Urbana

X

X

X

X

Tipologia Arquitetónica

X

X

X

X

Sistema Construtivo

X

X

X

X

Materiais

X

X

X

X

X

Componentes I - Vãos

X

X

X

X

Componentes II - Envolventes

X

X

X

X

Sistemas de Energia

X

X

Elaboração própria.

47Os 7 qualificadores não são aplicados a todos os elementos de avaliação. Para fins operacionais definiu-se um procedimento de qualificação dupla, cada um dos 56 elementos avaliados é sujeito a 2 qualificadores (Quadro 1).

3.2.2. Descritores de valor e de impacte

48No método IMPACTE REHURB foram definidos descritores simplificados para o diagnóstico de valor, em três níveis, e para a avaliação dos impactes, também em três níveis e aqui referentes a uma escala numérica de 1 a 3.

49No diagnóstico do edifícios existente, antes da reabilitação preconizada, o valor é classificado como : i) valor elevado, se cumpridos os todos os qualificadores aplicáveis ; ii) valor médio, se verificado apenas um qualificador aplicável ; ou, iii) valor reduzido, se não se alcançar nenhum dos qualificadores aplicáveis.

50Os descritores de impacte são atribuídos de acordo com a ação sobre os elementos de avaliação, prevista no projeto de reabilitação preconizado, relativamente ao valor prévio, na seguinte escala : i) impacte positivo, se mantidos ou adquiridos os dois qualificadores aplicáveis – pontuação 3 ; ii) impacte neutro, se mantido ou adquirido apenas um qualificador aplicável – pontuação 2 ; iii) impacte negativo, se perdidos ou não adquiridos os qualificadores aplicáveis – pontuação 1.

Quadro 2. Aplicação dos descritores de valor e de impacte

Diagnóstico do Existente

VALOR

Avaliação da Reabilitação

IMPACTE

O elemento de avaliação cumpre dois qualificadores

Elevado

Mantém dois qualificadores

Positivo

3

Mantém apenas um qualificador

Neutro

2

Perde todos os qualificadores

Negativo

1

O elemento de avaliação cumpre apenas um qualificador

Médio

Adquire um qualificador

Positivo

3

Mantém o qualificador

Neutro

2

Perde o qualificador

Negativo

1

O elementos de avaliação não cumpre nenhum qualificador

Reduzido

Adquire dois qualificadores

Positivo

3

Adquire um qualificador

Neutro

2

Não adquire nenhum qualificador

Negativo

1

Elaboração própria.

51O procedimento descrito é repetido para cada elemento de avaliação e agrupado por critério, domínio e dimensão, podendo ser aplicadas ponderações em qualquer destes níveis. A pontuação é seguidamente agregada na totalidade, ainda numa escala de 1 a 3, permitindo a classificação do impacte total numa de sete classes previstas, desde impacte muito positivo até impacte muito negativo.

3.3. Árvore de pontos de vista (O que avaliar ?)

52Para estruturar o método de avaliação selecionaram-se domínios relevantes nas dimensões técnico-cultural e energético-ambiental, agrupando critérios e elementos de avaliação (Quadro 3).

3.3.1. Domínios, critérios e elementos da avaliação

53Na dimensão técnico-cultural o edifício é analisado à escala urbana (i.e., unidade morfológica como um quarteirão, uma rua ou um bairro homogéneo) focando o exterior do edifício mas também à escala do edifício habitacional e respetivos fogos, frações ou compartimentos, incluindo os interiores do edifício.

54Na dimensão energético-ambiental o edifício é interpretado em termos energéticos considerando a energia contida nos materiais na vertente da conservação, transformação e adição de materiais e componentes com valor material ; e, também considerando as componentes e os sistemas que determinam condições de conforto no edifício reabilitado e anergia utilizada durante a sua ocupação.

55Avaliação do valor e impacte técnico-cultural

56Considerando o objetivo de preservação do património edificado com valor cultural, que se refere à conservação do valor técnico-cultural presente em edifícios e bairros consolidados, o método IMPACTE REHURB incorpora três domínios de avaliação.

57• A morfologia urbana, que comporta características como a configuração e dimensão dos lotes (parcelário), a implantação dos edifícios ou os elementos compositivos das fachadas, acessos e coberturas, ao longo de um conjunto edificado ou unidade morfológica, sendo afetada não apenas pelas alterações cadastrais mas também pelas transformações nos edifícios.

58• A tipologia arquitetónica, que para um determinado programa funcional resulta da sistematização, da geometria, dimensões e articulação espacial dos compartimentos (Pedro, 2000). Tipificar edifícios e fogos visa identificar o que distingue tipos de edifícios e frações, as correspondentes soluções espaciais, relacionadas com as soluções estruturais e construtivas.

59• O sistema construtivo, que é o conjunto de materiais, técnicas, componentes e elementos empregues num determinado edifício. Inclui fundações, elementos primários, secundários e acabamentos. Resulta de relações entre materiais, recursos, tecnologias construtivas e também da própria organização e gestão do espaço.

Quadro 3. Árvore de valores, diagnóstico e avaliação da aplicação piloto

Domínio

Critérios

Elemento de avaliação

D

A

Dimensão técnico-cultural

D1.

Morfologia

Urbana

Tecido Urbano
consolidado

Dimensões do lote

E

3

Alinhamento da implantação do edifício face à rua

E

3

Alinhamento da implantação do edifício a tardoz

M

3

Cérceas da envolvente

Cércea média dos dois lados da rua

M

3

Cércea média dos edifícios contíguos

R

2

Cércea média do quarteirão

E

3

Alçado de conjunto

Alinhamento dos vãos e elementos salientes

E

3

Materiais e cores das fachadas

M

2

Perfil das coberturas

R

3

Perfil dos pisos térreos

E

2

D2.

Tipologia Arquitetónica

Organização espacial

Distribuição das frações por piso

E

2

Distribuição dos compartimentos por fração

M

3

Localização dos espaços com usos fixos

E

2

Separação espaços públicos e privados

R

1

Comunicações

Circulações verticais (escadas e elevadores)

E

3

Circulações horizontais (corredores e passagens)

E

2

Caracterização estética

Cores dominantes

E

3

Materiais dominantes

E

1

Pormenores construtivos

E

3

Arte decorativa integrada

M

1

D3.

Sistema

Construtivo

Elementos primários

Estrutura

E

3

Paredes

E

2

Pavimentos

E

2

Coberturas

R

3

Escadas

E

2

Elementos secundários

Revestimentos de pavimentos e tetos

M

1

Elementos salientes

R

1

Caixilharias e portas

E

3

Revestimentos de paredes e acabamentos

M

1

Instalações e redes

Águas e Esgotos

E

3

Energia e Telecomunicações

M

3

Dimensão energético-ambiental

D4.

Materiais

Materiais existentes

Materiais de elementos primários

E

3

Materiais de elementos secundários

E

2

Materiais adicionados

Materiais novos

-

2

Materiais reutilizados ou reciclados

-

1

D5.

Componentes

(Vãos e Envolventes)

Ganhos solares

Superfície de área envidraçada NE-NW

E

3

Sombreamento dos vãos envidraçados

M

2

Iluminação natural

Posição e altura dos vãos envidraçados

E

3

Elementos translúcidos nas partes comuns e interiores

E

3

Controlo visual dos vãos envidraçados

R

1

Ventilação natural

Ventilação direta nos espaços habitáveis

E

3

Ventilação cruzada nas frações e partes comuns

R

1

Ventilação híbrida

R

3

Controlo de humidade

Envolvente e acabamentos interiores

E

1

Envolvente e acabamentos exteriores

M

3

Inércia térmica

Paredes exteriores e interiores

E

3

Pavimentos e revestimentos

E

2

Coberturas e tetos

M

1

Isolamento térmico

Coberturas e pavimentos exteriores

R

2

Paredes

E

3

Vãos envidraçados

R

2

D6.

Sistemas de

Energia

Climatização

Instalações de climatização

R

1

AQS

Redes e sistemas de AQS

R

3

Energia renovável

Coletores solares térmicos

R

1

Bomba de calor aerotérmica

R

1

Fotovoltaico ou outros sistemas

R

1

Elaboração própria.

60Avaliação do valor e impacte energético-ambiental

61Considerando o objetivo de eficiência ambiental e de otimização de recursos energéticos em edifícios e bairros consolidados, o método IMPACTE REHURB incorpora ainda outros três domínios de avaliação.

62• Os materiais de construção, existentes ou adicionados, que comportam os elementos primários e secundários da construção em geral.

63• As componentes com influência no conforto térmico e visual passivo (vãos e envolventes) cuja configuração ou propriedades afetam o desempenho térmico e o consumo energético (DR, 2013).

64• Finalmente, os sistemas de energia para o conforto ativo, que se referem à climatização, águas quentes sanitárias e fornecimento energético.

4. Aplicação Piloto IMPACTE REHURB

4.1. Caso a avaliar e diagnóstico sumário do edifício

65O projeto de reabilitação de um edifício habitacional urbano, a avaliar com o método multicritério apresentado, tem lugar na Rua Nova do Loureiro, no Bairro Alto em Lisboa, num edifício aparentemente datado de 1867, sendo da autoria das Arquitetas Madalena Silva e Joana Pinheiro (Consultório de Arquitetura, Lda.).

Figura 1. Localização do edifício em foto recente de satélite

Figura 1. Localização do edifício em foto recente de satélite

Google Earth.

Figura 2. Localização do edifício em planta antiga do Bairro Alto

66O edifício a reabilitar é atualmente constituído por três pisos e seis frações habitacionais, dispostas em “esquerdo-direito”. Em geral, as frações do lado esquerdo encontram-se em pior estado de conservação e mais adulteradas, mas no geral o edifício encontra-se em razoável estado de conservação.

67Para efetuar o diagnóstico de valores, de acordo com o método proposto, o edifício foi visitado e foi consultado o seu levantamento, bem como o Relatório Prévio elaborado pelas projetistas para apresentar à Direção Geral do Património Cultural (CdA, 2017).

68O diagnóstico do valor seguiu o procedimento explicado em 3.2, e considerou os critérios listados em 3.3, sendo esse valor classificado como reduzido (R), médio (M) ou elevado (E) – de acordo com a verificação do cumprimento dos pares de qualificadores aplicáveis a cada elemento de avaliação. O resultado deste diagnóstico para cada elemento de avaliação é apresentado na penúltima coluna da direita do Quadro 3 (D). Os elementos de avaliação foram diagnosticados consoante a situação dominante no conjunto dos pisos, frações e compartimentos, após uma avaliação “unidade a unidade”.

69Este diagnóstico permite avançar para o passo seguinte do procedimento, correspondente à avaliação do impacte da reabilitação em cada elemento de avaliação, face aos mesmos critérios e qualificadores aplicáveis.

4.2. Síntese dos impactes avaliados

70Para efetuar a avaliação de impactes, também de acordo com o método proposto, foram consultados os elementos do projeto de reabilitação, de arquitetura e especialidades, tal como apresentado a controlo prévio junto da Câmara Municipal de Lisboa.

71A avaliação do impacte seguiu o procedimento explicado em 3.2, e considerou os critérios listados em 3.3, sendo esse impacte classificado de acordo com os pares de qualificadores, considerando a reabilitação preconizada (Figura 4).

72O resultado da avaliação do impacte da reabilitação em cada elemento foi classificado como positivo (3), neutro (2) ou negativo (1), admitindo-se um perfil equitativo de ponderação, onde todos os elementos valem o mesmo. Esta classificação é apresentada na última coluna da direita do Quadro 3 (A) e representada graficamente nas figuras 11 e 12, agrupada pelos critérios respetivos a cada dimensão de avaliação.

Figura 3. Exterior do edifício

Figura 3. Exterior do edifício

Elaboração própria.

Figura 4. Vista da reabilitação

Figura 4. Vista da reabilitação

CdA.

4.2.1. Impacte técnico-cultural

73Nos nove critérios e 31 elementos que representam o sistema de valores desta dimensão (Quadro 3) aplicaram-se os qualificadores de representatividade, adequabilidade, integração e recuperabilidade, em diferentes combinações de pares de qualificadores específicas para cada elemento (Quadro 1).

74No que se refere ao impacte nos valores da dimensão técnico-cultural desta reabilitação, no domínio da morfologia urbana no critério tecido urbano consolidado é respeitado, mantendo-se a representatividade e adequabilidade do lote, cérceas e alçados. Em termos das cérceas da envolvente, mantêm-se a dissonância das cérceas entre os dois lados da rua e entre edifícios contíguos, mas a cércea após a reabilitação (e ampliação) do edifício aproxima-se mais da média do quarteirão. A coerência do alçado de conjunto é mantida e reposta ao nível do r/c e primeiro piso, mantendo materiais e atribuindo cor, e assegurada nos últimos pisos, cujo perfil da cobertura segue do edifício contíguo (Figura 4). No perfil dos pisos térreos não há introdução de vãos dissonantes (e.g. garagens). Em geral, os elementos de avaliação neste domínio mantêm-se representativos e adequados.

75No domínio da tipologia arquitetónica, no critério organização espacial ocorrem algumas alterações com a reabilitação preconizada. O fracionamento do edifício em cada piso mantém a distribuição de duas frações por piso, embora a localização da separação entre frações seja pontualmente alterada. Na compartimentação das frações ocorrem alterações nas frações a Sul (lado esquerdo), beneficiando a capacidade dos espaços mas eliminando o espaço de entrada e reduzindo assim a hierarquia entre espaços sociais e provados da habitação. As cozinhas são relocalizadas em 5 das 6 frações.

76Nas comunicações, as circulações verticais são mantidas e adaptadas apenas no piso de cima, dada a reconfiguração das escadas para ampliação com um piso adicional. As circulações horizontais originais (corredores e passagens entre compartimentos), mantidas nas frações a Norte (lado direito), são eliminadas nas restantes frações.

77Em termos de caracterização estética, quanto às cores e materiais dominantes da envolvente interior e exterior, ocorre a substituição generalizada dos materiais de acabamento tradicionais, embora com a manutenção pontual de cores (na caixa de escadas), onde são ainda identificáveis. A maior parte das carpintarias são preservadas, mas os vestígios de arte decorativa integrada, já em grande parte removidos antes da obra, são eliminados com a substituição total dos revestimentos, perdendo-se representatividade em prol da adequabilidade ao uso habitacional corrente, tendo em vista as expetativas dos futuros utilizadores.

78No domínio do sistema construtivo, quanto aos elementos primários, a intervenção mantém a estrutura principal de alvenaria de pedra mas elimina elementos estruturais complementares nas compartimentações e pisos em metade das frações reabilitadas. O reforço dos pisos com vigas metálicas e das alvenarias com reboco armado altera a estrutura complementar.

79Nos elementos secundários, no caso dos elementos salientes estes são de valor reduzido pois encontram-se praticamente ausentes (trata-se de um edifício de fachada bastante plana). Nos pavimentos e tetos há remoções generalizadas ; no caso dos revestimentos a compatibilidade entre materiais é limitada, devido à introdução generalizada de soluções à base de cimento. Nas instalações e redes a pré-instalação de climatização por ar condicionado, em parte das frações, e a eliminação da rede de gás beneficia o edifício e a integração da rede e equipamentos elétricos é assegurada.

80Apenas em seis elementos avaliados (três na tipologia arquitetónica e três no sistema construtivo, entre um total de 31 elementos da dimensão técnico-cultural) não se alcança nenhum dos qualificadores aplicáveis após a reabilitação (designadamente, na separação espaços públicos e privados, nos materiais dominantes da envolvente interior e na arte decorativa integrada, nos revestimentos e nos elementos salientes).

81A figura seguinte ilustra a classificação obtida em cada critério, agrupando os equitativamente os elementos de avaliação considerados.

Figura 5. Classificação dos impactes por critério de valor técnico-cultural

Figura 5. Classificação dos impactes por critério de valor técnico-cultural

Elaboração própria.

82Em geral, os elementos de avaliação neste domínio mantêm-se representativos e/ou adequados, embora com recuperabilidade variável, e no caso das instalações e redes, estas estão bem integradas e atualizadas. Agregando as pontuações atribuídas com uma ponderação equitativa, a reabilitação apresenta uma classificação do impacte técnico-cultural de 2,41, na escala de 1 a 3.

4.2.2. Impacte energético-ambiental

83Nos 11 critérios e 25 elementos que representam o sistema de valores desta dimensão (Quadro 3) aplicaram-se os qualificadores de representatividade, adequação, integração, recuperação, energia incorporada, conforto ambiental, energia operacional em diferentes combinações de pares de qualificadores específicas para cada elemento (Quadro 1).

84No que se refere ao impacte energético desta reabilitação, no domínio dos materiais, no critério dos materiais existentes, vários elementos primários são conservados (alvenarias de pedra e parte da estrutura dos pisos) qualificando em termos de representatividade e de recuperabilidade (e efetiva recuperação). Porém, ocorre a remoção de elementos secundários em metade das frações, apenas com reincorporação de carpintarias.

85Considerando a energia incorporada dos materiais adicionados, em geral novos, não são dadas alternativas de baixa energia incorporada para as novas vigas metálicas de reforço, isolamentos incorporados em painel sandwich (polistireno) e tetos falsos (lã de rocha), reboco armado e microcimento. Estes qualificam em termos de adequabilidade ao uso mas não em termos de energia incorporada. Não está prevista a reincorporação de materiais reciclados ou provenientes de reutilização, não se alcançando também a qualificação em termos de energia incorporada.

86No que se refere às componentes I (vãos) em termos de ganhos solares os vãos exteriores apenas são alterados no piso amansardado, considerado ampliação. O sombreamento integrado nos vãos a Sul e Poente é assegurado apenas pelo interior, por portadas prestando conforto térmico mas apresentando menor versatilidade no que se refere ao controlo lumínico-visual.

87No que se refere à iluminação natural, mantém-se a altura relativa dos vãos e mantêm-se bandeiras envidraçadas em mais de 50 % dos vãos. Nas escadas a iluminação natural passa a ser direta em todos os lances. A ventilação natural é beneficiada nas frações a Sul e mantida nas frações a Norte e é adicionada ventilação híbrida (exaustores).

88No que se refere às componentes II (envolventes) com forte influência no conforto passivo, em termos de controlo de humidade na envolvente interior este critério é penalizado pela substituição das argamassas tradicionais nas paredes, reduzindo a higroscopicidade, sendo mantido parcialmente em tetos e pavimentos. Já na envolvente exterior este critério é melhorado pois esta encontrava-se com um desempenho desadequado devido à acentuada degradação e entrada de água.

89No critério inércia térmica as alvenarias exteriores mantêm a inércia forte nas paredes, mas esta reduz nos tetos falsos em parte dos compartimentos. Assim nos critérios controlo da humidade e inércia térmica, não se alcança nenhum dos qualificadores. Quanto ao isolamento térmico, com a adição de cobertura isolada e a substituição de caixilharias este é melhorado, onde era insuficiente, e mantido nas paredes.

90No domínio dos sistemas de energia, para climatização é prevista a pré-instalação de ar condicionado em 4 das 6 frações e são introduzidos termoacumuladores para águas quentes sanitárias (AQS) em todas as frações. Não foram introduzidos sistemas de aproveitamento de fontes de energia renovável, não estando presentes sistemas solares térmicos pois a colocação de painéis solares foi desaconselhada pela DGPC (CdA, 2017).

91Em nove elementos avaliados (entre um total de 25 elementos da dimensão energético-ambiental) não se alcança nenhum dos qualificadores aplicáveis após a reabilitação (designadamente, nos materiais reutilizados ou reciclados, no controlo lumínico-visual nos vãos envidraçados, na envolvente interior e acabamentos interiores, nas coberturas pesadas e tetos não falsos (introdução de tetos de gesso cartonado), nas instalações de climatização, nas bombas de calor e nos coletores solares térmicos e fotovoltaicos).

92A figura seguinte ilustra a classificação obtida em cada critério, agrupando os equitativamente os elementos de avaliação considerados.

Figura 6. Classificação dos impactes por critério energético-ambiental

Figura 6. Classificação dos impactes por critério energético-ambiental

Elaboração própria.

93Em geral, os elementos de avaliação neste último domínio não contribuem para a redução da energia operacional dada a ausência de sistemas de elevada eficiência ou de energia renovável. Agregando as pontuações atribuídas com uma ponderação equitativa, a reabilitação apresenta uma classificação do impacte energético-ambiental de 2,00, na escala de 1 a 3.

4.3. Discussão dos resultados

94O edifício estudado apresenta um diagnóstico de valor elevado em muitos dos elementos de avaliação e a intervenção preserva parte significativa das características e dos elementos selecionados para avaliação. No total da avaliação com o método IMPACTE REHURB, o impacte positivo técnico-cultural (2,41) supera o impacte positivo energético-ambiental (2,20). A Figura 7 apresenta as pontuações atribuídas, agrupadas por domínios.

95Em termos globais, a avaliação totaliza 2.20 na escala de 1 a 3, alcançando a terceira de entre as sete classes de impacte estabelecidas (impacte muito positivo, impacte positivo relevante, impacte positivo, impacte neutro, impacte negativo, impacte negativo relevante, impacte negativo).

96Dos seis domínios avaliados destaca-se a morfologia urbana com impactes mais positivos, enquanto o domínio de avaliação que apresenta um impacte mais negativo é o dos sistemas de energia.

97Na avaliação relativa a componentes – vãos embora a avaliação seja díspar nos numerosos elementos envolvidos, no balanço final obtêm-se impactes positivos, ao nível dos identificados para o sistema construtivo, ficando estes dois domínios em segundo lugar em termos de impactes mais positivos na avaliação global.

Figura 7. Impactes por domínio de avaliação

Figura 7. Impactes por domínio de avaliação

Elaboração própria.

98Considera-se que o impacte da reabilitação avaliada podia ser mais positivo face a ajustes pontuais na proposta de intervenção, em particular na parte sul do edifício, onde há alterações mais profundas e, em geral, em termos energéticos e de conforto, onde o impacte positivo alcançado é menor.

99Porém, obter a classificação de impacte positivo máximo, com pontuação 3 em todos os elementos de avaliação, significaria uma obra com maiores condicionantes programáticas, maior apoio da investigação em materiais e sistemas e, eventualmente, custos mais elevados.

5. Conclusões e desenvolvimentos em curso

100A aplicação piloto do método IMPACTE REHURB demonstrou que a avaliação qualitativa proposta, baseada na aplicação de qualificadores a uma árvore de valores, e cujos resultados são expressos em pontuação, oferece resultados consistentes que poderão apoiar a regulação da reabilitação de edifícios de habitação urbana.

101Considera-se que este método permite uma melhor descrição e classificação prévia dos impactes da reabilitação de edifícios, tendo em vista uma avaliação criteriosa de cada projeto, com vista a assegurar exigências mínimas de preservação do valor técnico-cultural do património edificado habitacional urbano e de eficiência ambiental da sua reabilitação e uso dos edifícios existentes, em particular em áreas urbanas consolidadas.

102Esta regulação de impactes poderá produzir recomendações para o controlo prévio de obras e respetiva apreciação do projeto, por parte da entidade de gestão territorial competente, em geral o município, podendo constituir um importante instrumento de negociação entre promotores e licenciadores nos processos de gestão urbanística corrente. Esta previsão de impactes poderá também constituir um instrumento de apoio à atribuição de incentivos ou até financiamento a determinadas obras.

103A possibilidade de ponderação relativa dos elementos de avaliação e em particular dos critérios, domínios e dimensões da avaliação, permite estabelecer perfis-tipo de ponderação em que alguns elementos são considerados dominantes face a outros, de acordo com particularidades de cada situação da área urbana ou contexto em que o edifício e a intervenção se inserem (por exemplo perfil pró-cultural ou pró-ambiental).

104Este método foi já apresentado a representantes de várias entidades destinatárias que manifestaram interesse em adotá-lo. Assim, a aplicação piloto apresentada e a auscultação dos destinatários permitiram identificar os desenvolvimentos necessários para a melhoria do método multicritério de avaliação proposto, nomeadamente :

105• prever a desagregação da pontuação por unidades físicas do edificado (pisos, frações ou compartimentos), e ;

106• ampliar a árvore de valores – e respetivos qualificadores – a uma dimensão referente ao impacte social relacionado com a oferta de habitação adequada em áreas urbanas consolidadas.

107No que se refere à desagregação da pontuação por unidades físicas, no futuro, deverá ser possível ter em conta a desagregação e a importância relativa de cada unidade em cada nível físico (edifício, piso, espaços comuns, fração, compartimento).

108No que se refere a ampliar a árvore de valores considerada, considera-se oportuno e necessário adicionar esta dimensão ao procedimento de avaliação e respetivo método multicritério, e este trabalho encontra-se em curso.

109Por último, é de salientar a possibilidade de relacionar o método de avaliação apresentado com o novo regime aplicável à reabilitação de edifícios e frações autónomas (DL95/19, in DR, 2019), considerando os princípios que invoca de proteção e valorização do existente e de sustentabilidade ambiental – aos quais correspondem os objetivos da regulação prévia de impactes e as duas dimensões de avaliação do método multicritério IMPACTE REHURB aqui apresentado.

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Índice das ilustrações

Título Figura 1. Localização do edifício em foto recente de satélite
Créditos Google Earth.
URL http://journals.openedition.org/cidades/docannexe/image/3855/img-1.jpg
Ficheiro image/jpeg, 119k
Créditos Torre do Tombo.
URL http://journals.openedition.org/cidades/docannexe/image/3855/img-3.png
Ficheiro image/png, 188k
Título Figura 3. Exterior do edifício
Créditos Elaboração própria.
URL http://journals.openedition.org/cidades/docannexe/image/3855/img-4.jpg
Ficheiro image/jpeg, 293k
Título Figura 4. Vista da reabilitação
Créditos CdA.
URL http://journals.openedition.org/cidades/docannexe/image/3855/img-5.jpg
Ficheiro image/jpeg, 137k
Título Figura 5. Classificação dos impactes por critério de valor técnico-cultural
Créditos Elaboração própria.
URL http://journals.openedition.org/cidades/docannexe/image/3855/img-6.png
Ficheiro image/png, 22k
Título Figura 6. Classificação dos impactes por critério energético-ambiental
Créditos Elaboração própria.
URL http://journals.openedition.org/cidades/docannexe/image/3855/img-7.png
Ficheiro image/png, 21k
Título Figura 7. Impactes por domínio de avaliação
Créditos Elaboração própria.
URL http://journals.openedition.org/cidades/docannexe/image/3855/img-8.png
Ficheiro image/png, 18k
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Referência eletrónica

Joana Fazenda Mourão, «Avaliação técnico-cultural e energético-ambiental da reabilitação de edifícios habitacionais urbanos»Cidades [Online], 42 | 2021, posto online no dia 23 junho 2021, consultado o 28 março 2024. URL: http://journals.openedition.org/cidades/3855

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Joana Fazenda Mourão

Laboratório Nacional de Engenharia Civil, Portugal, jmourao [at] lnec.pt

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