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Dossiê "Envelhecimento, ciclo de vida e desafios societais"
Policy brief

Habitação e dinâmicas sociodemográficas no Portugal contemporâneo : Contributo para uma discussão sobre “Habitação e natalidade : Enquadramento e políticas públicas”

Housing and sociodemographic dynamics in contemporary Portugal : Contribution to a discussion on “Housing and birth : Framework and public policies”
Luís Mendes e Simone Tulumello
p. 85-95

Resumos

Este policy brief debate o contributo que sistemas e políticas de habitação podem fornecer à questão da natalidade e aos desafios demográficos (redução da fecundidade e envelhecimento populacional) em curso em Portugal. Primeiro, identificamos as relações entre acesso à e preços da habitação, estabilidade habitacional, regimes de ocupação e natalidade. Segundo, resumimos o papel do sistema e das políticas portuguesas – a prevalência da habitação própria, o papel das redes familiares e informais, um mercado do arrendamento fortemente liberalizado, o amplo stock de devolutos – na constituição dos problemas identificados. Finalmente, apresentamos algumas recomendações para a constituição de uma política de habitação universal, necessária para mitigar as consequências dos desafios demográficos contemporâneos em Portugal.

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Notas da redacção

Recebido a 08/02/2022. Aceite para publicação a 22/06/2022.

Notas do autor

Este policy brief é a versão resumida e adaptada de um texto preparado a pedido do Grupo de Trabalho Plurianual sobre a Situação Demográfica em Portugal, Comissão Especializada Interdisciplinar para a Natalidade (CEPIN) do Conselho Económico e Social (CES), como contributo ao parecer “A natalidade em Portugal : Uma questão política, económica e social”, aprovado em janeiro de 2022. Agradecemos o CES e a relatora Ana Drago pela autorização a republicar o texto.

Texto integral

Introdução

1As problemáticas demográficas do Portugal contemporâneo estão intrinsecamente relacionadas com potencialidades, limites e fragilidades do mercado de habitação e de arrendamento. Problematizar a relação entre os sistemas de habitação, as políticas de habitação e as tendências sociodemográficos é tarefa de grande dificuldade atendendo a que se trata de processos dinâmicos, estruturais na vida da população residente em Portugal, caracterizados por rápidas e profundas transformações nos últimos 50 anos. Estas dinâmicas colocam desafios amplos à administração pública, às autoridades políticas e ao desenho das políticas públicas.

2Desde pelo menos o último quartel do século XX, as transformações da sociedade e economia portuguesas geravam novas procuras e novas necessidades face ao mercado habitacional, pelo que não só condicionaram como foram condicionadas por este. Devido aos seus impactos nas necessidades de habitação, são especialmente significativos : o envelhecimento populacional, pelo topo e pela base ; a redução da natalidade e fecundidade ; a diversificação de novas procuras residenciais ; a diversificação do tipo de famílias ; novas dinâmicas na relação casa/trabalho em paralelo com a evolução económico-financeira e o mercado de trabalho crescentemente flexibilizado e precarizado ; as diversidades ligadas aos fenómenos migratórios. Tudo isto num contexto de um país da Europa do sul, semiperiférico na economia-mundo, com uma modernidade, urbanização e industrialização tardias e um Estado-Providência muito frágil no setor das políticas habitacionais (Guerra, 2011).

3Este texto, composto por três seções, visa resumir o contributo que a habitação, e as políticas de habitação, podem fornecer à questão da natalidade e, em geral, aos desafios demográficos em curso – nomeadamente, a redução da fecundidade e o envelhecimento demográfico. Numa primeira parte, sumarizar as relações identificadas, pela literatura sobre demografia da habitação, entre acesso à e preços da habitação, estabilidade habitacional, regimes de ocupação e natalidade. Na segunda parte, refletimos sobre o sistema e as políticas nacionais de habitação na constituição dos problemas identificados. Finalmente, apresentamos algumas recomendações de política, argumentando que uma política de habitação universal – assente nos dois eixos da promoção pública e da regulação do mercado – pode, ao incrementar estabilidade, acessibilidade e mobilidade, contribuir para mitigar as consequências dos desafios demográficos e até procurar inverter algumas tendências pesadas de elevado custo económico e social para o Estado.

O contributo da demografia da habitação : Acessibilidade, estabilidade, regimes de ocupação e natalidade

  • 1 Esta e as seguintes traduções são nossas.

Uma conclusão geral que podemos tirar da investigação apresentada neste volume é que habitação e família estão mutualmente ligadas de maneira insolúvel : a família é um contexto para compreender as necessidades habitacionais na mesma forma em que os padrões residenciais na habitação são um contexto para compreender as trajetórias familiares (Mulden & Lauster, 2010, p. 438)1.

4Mulder e Lauster (2010) resumem uma ideia central para o nosso contributo : que a habitação e a família – ou, melhor, núcleo doméstico – constituem duas faces da mesma questão. De facto, preferimos utilizar o conceito de núcleo doméstico, não só porque a questão da habitação e da natalidade tem a ver com formas de vivência que não se limitam necessariamente à “família” – isto é, a agregação de progenitores e descendentes ; mas também pela utilidade da palavra “doméstico” em enfatizar a relação fundamental entre espaço de vivência (habitação) e formas de convivência (núcleos domésticos). A partir desta reflexão, a demografia da habitação tem longamente estudado as relações entre as formas de acesso à e ocupação da habitação e as dinâmicas demográficas, inclusive natalidade e fecundidade. Em particular, há três dimensões cruciais :

  • primeiro, a acessibilidade, que remete à possibilidade de aceder a uma habitação digna e adequada às necessidades do núcleo – e, portanto, tem a ver com o custo e disponibilidade de unidades residenciais nos vários contextos geográficos ;

  • segundo, a estabilidade, ou seja, o nível de segurança relativo à ocupação, que remete, além da possibilidade de manter-se em contextos de habitação adequada, também à garantia de manutenção dos laços afetivos e emocionais ligados com o lar doméstico e o contexto residencial ;

  • terceiro, os regimes de ocupação, ou seja, as diferentes formas legais de acesso à casa, com as suas diferentes relações com acessibilidade e estabilidade – e que incluem a habitação em propriedade, o arrendamento no mercado, o arrendamento social, as formas cooperativas e outros regimes menos prevalentes.

5Ora, as relações entre estes três elementos são pouco lineares, contudo, existem padrões bastante claros. Vejamos o resumo feito por Mulder e Lauster (2010, p. 438). Primeiro, a falta de um amplo setor de arrendamento a preços acessíveis, especialmente se associada a um mercado de aquisição de casa própria pouco desenvolvido, faz com que sejam difíceis a formação de um núcleo doméstico e o acesso à habitação adequada por famílias imigrantes. Segundo, em contextos de prevalência do regime de ocupação da habitação enquanto propriedade privada, a propriedade pode tornar-se num verdadeiro pré-requisito para a constituição de um núcleo doméstico – portanto a falta de acesso à propriedade pode ser um travão à emancipação e independência dos jovens relativamente à família de origem ; ou pode levar as famílias existentes a aceitar habitações de pior qualidade e menor dimensão como contrapartida do acesso à propriedade. Mulder e Billari (2010), por sua vez, focalizam a atenção no que chamam de “regime difícil” de acesso à habitação, que combina um alto rácio de habitação em propriedade privada com baixos níveis de acesso aos empréstimos – regime que lembra bastante de perto a situação portuguesa desde o rebentar da crise financeira de 2007/2008. Uma ampla oferta de arrendamento acessível poderia equilibrar este regime ; porém, é no arrendamento que se concentrou boa parte do rápido crescimento dos preços da habitação observado nos últimos anos, sobretudo se atendermos aos novos contratos realizados e mesmo até na renovação de contratos anteriores a 1990. Estes últimos concentrando grande parte da população idosa mais vulnerável e em risco social e que também foram muito pressionados pelas forças da especulação imobiliária, do desenvolvimento desregulado do alojamento local e da turistificação, bem como da financeirização do imobiliário (Drago, 2020, 2021 ; Mendes, 2017, 2020).

6Ora, as relações entre acessibilidade, estabilidade e regimes de ocupação são complexas e há sempre possibilidades de equilibrar algumas dimensões (por exemplo, baixa disponibilidade de empréstimos) com outras (por exemplo, com um mercado de arrendamento acessível e garantias de estabilidade). Contudo, todas estas dimensões jogam um papel nos padrões de natalidade : é consensual que elevados níveis de pressão nos preços de habitação estão associados com baixos níveis de natalidade (Malmberg, 2012) ; e, pelo contrário, a possibilidade de viver numa habitação espaçosa e em ambientes considerados acolhedores durante períodos de tempo relativamente longos leva a níveis mais altos de natalidade (Kulu & Vikat, 2007). Flynn (2017) identifica duas relações entre habitação e dimensão do núcleo familiar : um, indireto, é que uma saída tardia do lar parental corresponde a um atraso na formação da família e na constituição de famílias mais pequenas ; o segundo, direto, é que altos custos da habitação competem com a despesa com os filhos, portanto levando a famílias mais pequenas. De facto, com base nos resultados do Eurobarómetro 2011, Mendes (2016, p. 109) incluiu o custo da habitação entre as principais razões que afetam a escolha de ter um segundo filho em Portugal.

7As relações entre natalidade, habitação e regime de propriedade poderão estar a tornar-se menos rígidas que no passado, por causa de processos de transformação cultural pelos quais as novas gerações estão mais preocupadas com ter um espaço de independência e emancipação, do que com o facto de ser detentoras de “propriedade” em si, enquanto património a conservar e a transmitir às gerações futuras. Assim, formas de apoio ao arrendamento parecem estar a associar-se de forma mais intensa com o momento da parentalidade (Brauner-Otto, 2010).

8As necessidades e as preferências habitacionais mudam ao longo da vida, o que resulta numa grande diversidade nas interligações entre percursos individuais, dinâmicas familiares e trajetórias habitacionais. As diferenças entre os ritmos de crescimento dos preços da habitação e do rendimento levantam dificuldades acrescidas no acesso à habitação, com importantes implicações na saída dos jovens da casa dos pais, na (re)composição familiar em geral, na mobilidade residencial (Azevedo, 2020), em última instância retardando a idade do nascimento do primeiro filho e a constituição de núcleo próprio. Não obstante, nas políticas de natalidade continuam ausentes instrumentos facilitadores do acesso à habitação. Por outro lado, as políticas de habitação não favorecem de forma assertiva o arrendamento acessível a famílias numerosas, nem aos mais jovens. Programas especificamente dirigidos a este grupo etário, como o “Porta 65” que concede subsídios para o pagamento da renda2, são insuficientes face à situação sobreaquecida do mercado de arrendamento, com valores extremamente elevados face ao rendimento dos jovens-adultos em território nacional e as dificuldades de estabilidade no trabalho.

9A habitação acessível é importante para a mobilidade dos jovens, que precisam mudar de emprego e prosseguir os estudos (estabilidade laboral), mas também para a constituição própria de família (estabilidade emocional). Portanto, para os jovens, assim como para a generalidade da população, o custo e a qualidade da habitação são fundamentais para o bem-estar e um elemento de inclusão social. Ao mesmo tempo, trata-se de uma variável decisiva para aumentar a taxa de natalidade e o índice de renovação de gerações, por si, fulcrais para reduzir a expressão do envelhecimento pela base da pirâmide etária, assegurando a sustentabilidade do sistema de segurança social a longo prazo.

10Entre os 20 e os 34 anos concentra‑se grande parte dos casos de emancipação residencial. Os jovens adultos saem de casa dos pais por várias razões, estando a formação familiar, os estudos e o emprego entre as mais frequentes (Azevedo, 2016). Enquanto alguns jovens partem definitivamente, outros são obrigados a regressar a casa dos pais por motivos de separação ou divórcio, transição entre educação e emprego, mudança de emprego ou mesmo em resposta a trajetórias residenciais goradas por questões de mobilidade social descendente ou mesmo perda de casa – como aconteceu, por exemplo, em Lisboa e no Porto com muitos indivíduos entre os 20 e 40 anos, nos últimos 10 anos, a viver no centro da cidade e que se viram obrigados a regressar a casa dos pais nos subúrbios, por agudização da crise habitacional no pós-crise de 2008-2009. Ao mesmo tempo, desde finais do século XX os percursos escolares são mais longos, a inserção e consolidação de posição relativa no mercado de trabalho mais precária, pelo que a saída de casa dos pais ocorre em idades mais avançadas. Assim, em 2018, 63,9 % dos jovens portugueses entre os 18 e os 34 anos viviam em casa dos pais (Azevedo, 2020, p. 40).

11Azevedo (2020) argumenta que o aumento das adversidades no acesso à habitação poderá até vir a fortalecer o contrato e a solidariedade intergeracionais, de ajudas familiares na provisão de habitação, com longa tradição no sistema português – acrescentaríamos nós, com base nos trabalhos de Esping-Andersen (1990) e Allen (2006), características de um país semiperiférico em que a Sociedade-Providência tem de se sobrepor e substituir ao apoio do Estado-Providência (ver abaixo). Contudo, tendo evidentes vantagens, este familiarismo não deixa de perpetuar as clivagens sociais existentes, sendo infrutífero aos jovens oriundos de famílias com baixos recursos ou sem rede familiar a quem recorrer, situação frequente, por exemplo, entre os imigrantes.

12Em outras palavras, o contexto familiar e o seu estatuto socioeconómico são determinantes para de deixar a casa dos pais (Xerez et al., 2019). Se os pais podem, por exemplo, utilizar a sua habitação própria como hipoteca para a compra da casa para os filhos, os filhos de proprietários têm maior vantagens do que os filhos dos arrendatários – reproduzindo as desigualdades socioeconómicas de geração em geração.

13Relativamente ao grupo etário dos idosos, proprietários de habitação sem hipoteca ou cuja casa está já paga, a habitação satisfaz as necessidades de alojamento a um custo baixo, atendendo as despesas de manutenção e conservação. Todavia, para os idosos que estão na situação de inquilinos, as alterações no Novo Regime de Arrendamento Urbano (NRAU) introduzidas em 2012 (Leis 30/2012 e 31/2021) – na sequência das recomendações feitas pela intervenção em Portugal do Fundo Monetário Internacional, Banco Central Europeu e Comissão Europeia, que tiveram como objetivo dinamizar o mercado do arrendamento (ver Tulumello et al., 2020 ; Tulumello & Dagkouli-Kyriajoglou, 2021, p. 53ff.) – aumentaram precariedade e vulnerabilidade habitacional. A revisão do NRAU possibilitou maior rapidez na atualização das rendas dos contratos antigos, anteriores a 1990, que tinham valores de rendas mais baixos, mantendo um período transitório para as famílias com menores rendimentos e para os idosos e pessoas com incapacidade, protegendo-os (Alves et al., 2015 ; Antunes, 2018 ; Lavadinho, 2017). Este período transitório tem sido sucessivamente alargado para evitar uma nova onda de despejos. Neste momento, e a não existirem mais alterações ao NRAU, o período transitório findará em novembro de 2022, antevendo-se uma crise habitacional grave para o grupo dos idosos nesta situação.

14Uma proporção significativa da população vive em casas maiores do que o necessário face a composição do agregado doméstico. A sublotação é mais comum entre os indivíduos com 65 e mais anos, decorrendo da combinação do envelhecimento com a reduzida mobilidade residencial. Sendo fundamental promover a possibilidade de as pessoas continuarem a viver nas suas casas e de participarem na comunidade com segurança, conforto e independência, é igualmente importante assegurar a criação e manutenção de espaços seguros e inclusivos (vide a noção de habitat e direito ao lugar da Lei de Bases da Habitação ; Lei 83/2019), meios de transporte eficazes e de um parque habitacional adequado de forma a evitar que os indivíduos se vejam confinados em casas pouco adequadas às necessidades inerentes ao processo de envelhecimento. A diversificação dos modelos de alojamentos coletivos para alternativas de comunidades intencionais de partilha de casa poderá vir a contribuir para melhores condições habitacionais nas idades mais avançadas e para mudanças nas formas de envelhecer. Veja-se o exemplo do co-housing (Azevedo, 2020).

15É importante frisar a questão das migrações, que foram cruciais nas dinâmicas demográficas nacionais : por um lado, no pós-crise assistiu-se a um crescimento em força da emigração ; e, pelo outro, as famílias imigrantes tiveram taxas de fecundidade mais elevadas do que a média das famílias portuguesas, contribuindo, especialmente nas áreas metropolitanas, para desacelerar a queda da natalidade (Gomes et al., 2016). A disponibilidade de habitação adequada, especialmente em arrendamento, é um fator central seja na atração de imigrantes, seja na prevenção da emigração, enquanto a escassez de habitação torna a entrada de imigrantes mais difícil e encoraja a emigração de jovens adultos que querem sair do lar parental (Mulder, 2006).

16Finalmente, Garha e Azevedo (2021) têm analisado recentemente algumas destas questões no caso de Lisboa – levando a conclusões relevantes além dessa cidade. No período entre 1981 e 2018, assistimos a um crescente desequilíbrio entre procura e oferta de habitação, devido, por um lado, a transformações demográficas (acima de tudo, envelhecimento e aumento de núcleos individuais ou monoparentais) e, pelo outro, a uma oferta desadequada.

Uma geral preferência para a habitação de propriedade, um mercado de arrendamento pouco regulado e a dificuldade em obter empréstimos para a habitação têm criado novos problemas em termos de habitação adequada e acessível pela população de Lisboa que, no entanto, tem-se diversificado por causa dos processos de imigração por grupos de origens diferentes. A crescente proporção de população imigrante, a falta de arrendamento de longo prazo e as dificuldades em obter empréstimos fizeram com que os preços de arrendamento estejam, neste momento, mais altos do que as prestações hipotecárias (Idem, p. 14).

17Situação, esta, caracterizada pelo “regime difícil” descrito acima, em ausência de uma oferta de arrendamento estável que possa equilibrar a situação. Ora, em consideração das relações entre habitação e natalidade acima resumidas, parece evidente que o regime de habitação em Lisboa – e, mais em geral, nas áreas urbanas e metropolitanas do país que estão a sofrer de forte pressão urbana – não estão a contribuir para criar as condições necessárias aos núcleos domésticos no sentido de aumento da natalidade nem proteção da habitação dos mais idosos.

O sistema de habitação e o papel das políticas no longo prazo

18Ora, as questões e os problemas identificados são estruturais ao sistema nacional de habitação – que precisamos, portanto, de enquadrar. O sistema português de habitação é fortemente apoiado no regime de propriedade privada, na compra e aquisição de casa própria e numa diminuta provisão direta de habitação social e pública. Trata-se, primeiramente, do resultado de políticas de apoio ao crédito bonificado e das contas poupança‑habitação dirigidos a apoiar a aquisição ou construção da habitação própria (Santos, 2019) – que representaram 73,3 % do total despendido pelo Estado em políticas de habitação entre 1987 e 2011 ((Instituto da Habitação e da Reabilitação Urbana [IHRU], 2015). Mas há também outros fatores : por um lado, as estratégias familiares de rentabilização do seu património através do investimento em stock habitacional ; e, pelo outro, a inexistência de alternativas eficazes, por exemplo, no mercado de arrendamento privado que continua rígido, pouco estável, incerto e com um claro desequilíbrio entre oferta e procura. Logo, em Portugal continua a ser mais barato comprar casa do que arrendar. Finalmente, como vimos, o sistema é complementado por um papel relevante das famílias na provisão e financiamento da habitação própria (Allen, 2006 ; Esping-Andersen, 1990 ; Xerez et al., 2019).

19Tudo isto associado a uma dinâmica construtiva muito pujante nas últimas três décadas do século XX e ainda com algum prolongamento até 2011, que reflete a forte expansão do mercado imobiliário. O aumento dos alojamentos ao longo dessas três décadas foi sempre muito intenso : 27 % na década de setenta, 22 % na década de oitenta e 21 % na década de noventa – um ritmo de crescimento sempre superior ao do número de famílias, o que colocou Portugal com o segundo maior rácio de habitação por agregado familiar no seio da UE (Guerra, 2007).

20Uma maior complexidade na composição da família (novos tipos de família : monoparentais, solteiros, casais sem filhos), associada a mais mobilidade residencial em função da flexibilidade e incerteza do mercado de trabalho, aconselha a uma maior flexibilidade do mercado de habitação. Porém, o mercado de arrendamento, mais facilmente adaptável às opções individuais e familiares, permanece com uma expressão muito limitada em Portugal. Para além de parco, o mercado de arrendamento é incerto, frágil, e não oferece garantias quer à oferta quer à procura. A carga fiscal sobre os contratos de arrendamento, elevadíssima (ronda os 28 %) é um convite ao arrendamento informal, ausente algum tipo de fiscalização ou monitorização.

21Recentemente, como esperado, houve uma importante redução na construção de edifícios residenciais novos, com a reabilitação urbana a surgir como paradigma inevitável para preservar o património edificado, revitalizar os centros das cidades e garantir trabalho ao sector da construção ; para além de que, do ponto de vista do ordenamento do território, garante contenção do perímetro urbano e consolidação do tecido já construído, prevenindo a insustentável expansão (sub)urbana. 

22Mas a dinâmica da nova construção persiste e relaciona-se com a forma como a urbanização é um setor “eficiente” de depósito de capital e de sua reprodução fácil, ciclo vicioso que, à escala das autarquias, é difícil de quebrar, pois a nova construção alimenta, através do IMI e de outras taxas e impostos, as finanças locais. Para além de que este setor gera um impacto direto e indireto muito significativo na economia nacional, emprego e criação de riqueza. Contudo, este superavit encontra-se disperso por todo o território e não polarizado junto das áreas urbanas de maior pressão, onde deveria estar para dar resposta às novas procuras, sobretudo no litoral e nas principais capitais de distrito, onde se concentra o maior dinamismo sociodemográfico, havendo um contínuo desajustamento entre oferta e procura (Azevedo, 2020).

  • 3 À data de fecho deste documento, em fevereiro de 2022, só estão disponíveis os resultados parciais (...)

23A forte e pesada tendência de meio século de produção de nova habitação tem, assim, elevado o número de devolutos, que atinge cerca de 15 % do stock habitacional nacional, um dos mais elevados da UE. É difícil, contudo, ter uma estimativa categórica do número de devolutos total, pois o dado que temos é o do censo de 20113. As estimativas recentes rondam entre as 730 e as 750 mil casas vazias. Alem da construção de habitação nova, contribui à expressão dos devolutos o crescimento do número de alojamentos vagos e a existência de alojamentos familiares usados como segunda residência de ocupação temporária/sazonal. Revela também uma dependência de crescimento da economia portuguesa à custa das dinâmicas do imobiliário ligadas à nova construção, em detrimento da reabilitação urbana do edificado existente, ainda que a atual política de habitação aposte no paradigma da requalificação e reabilitação.

24Finalmente, a existência de uma parcela considerável de devolutos e vagos fora do mercado aumenta artificialmente os preços, pois faz escassear a oferta, contribuindo, assim, à recente crise de habitação. Apesar de melhorias das condições materiais e habitacionais da maioria da população na última metade do século, o peso relativo das despesas com habitação no consumo das famílias não é uniforme. O rácio entre custo de acesso à habitação – isto é, prestação bancária ou renda – e salário mediano do núcleo doméstico em Lisboa, por exemplo, ronda os 60 % (Seixas & Antunes, 2019), ultrapassando para o dobro as referências sobre taxas de esforço aconselhadas pelas organizações a nível internacional, isto é, cerca de 30 %. A habitação, e demais custos associados, é uma das despesas de consumo final que mais pesa nos orçamentos das famílias portuguesas e é também a que evidencia mudanças mais significativas nos últimos anos.

Recomendações políticas : Políticas públicas para um regime de habitação acessível, estável e flexível

25Na primeira seção, vimos que embora as relações entre habitação e dinâmica sociodemográfica sejam bastante complexas, pudemos observar que há pelo menos duas dimensões cruciais no suporte às escolhas de natalidade dos núcleos domésticos : por um lado, o acesso à habitação (que remete aos custos, mas também à disponibilidade) tem um papel crucial decisão de criar filhos ; e, pelo outro, a estabilidade na habitação tem, de forma parcialmente independente do regime de ocupação, um papel crucial na formação de famílias maiores. Porém, observamos na segunda seção, o sistema e as políticas de habitação não têm contribuído nesta direção.

26A dinâmica da oferta e da procura, bem como as necessidades e as preferências da população mudam ao longo das fases e do ciclo de vida e são fortemente condicionadas pelo estatuto socioecónomico, nível etário e pertença étnico-cultural. Todavia, é importante que as casas onde as pessoas vivam, assim como o habitat, a comunidade e a envolvente, cumpram as funções de abrigo, segurança e conforto, assegurando a privacidade individual e familiar, quer através da mobilidade residencial, quer através de construções mais flexíveis e adaptáveis, cumprindo o direito à habitação consagrado no artigo 65º na Constituição da República Portuguesa e, portanto, como direito humano inalienável, incondicional e universal.

27Assim, uma política pública de habitação que queira contribuir como estímulo à natalidade e reduzir as desigualdades intergeracionais e socioeconómicas no direito à habitação deverá, por um lado, aliviar as condições de acesso e, pelo outro, contribuir para a estabilidade da ocupação – e deverá fazê-lo em consideração dos vários regimes de ocupação e permitindo ao mesmo tempo a flexibilidade necessária à mobilidade dos núcleos domésticos.

28O estado pode perseguir estes objetivos através de uma política de habitação universal – ou seja, políticas que, em vez de responder a problemas específicos (como no paradigma do Estado Social residual), pensem o sistema de habitação na sua inteireza. As experiências dos países do Centro e Norte da Europa demonstram que se trata de ter, ao mesmo tempo, amplos parques de habitação pública – isto é, pensados para largas camadas da população e não só necessariamente para “os pobres” – e de sistemas de regulação do mercado. Estas duas dimensões são cruciais para manter os preços da habitação compatíveis com o rendimento dos núcleos domésticos (permitindo, assim, o acesso e a mobilidade) e garantir estabilidade residencial independentemente das formas de ocupação (o que é especialmente relevante para os núcleos domésticos em situação de arrendamento).

29Passamos, portanto, às medidas que podem conduzir o sistema de habitação nacional na direção da universalidade, começando pelo lado do acesso.

30Em termos gerais, o Estado tem de assumir as responsabilidades, incumbidas pela Constituição e pela Lei de Bases da Habitação, como regulador, executor, construtor e provisor direto de habitação pública e de acesso à habitação, ao contrário do papel, de gestor ou de mero garantidor, facilitador e promotor do mercado privado, que tem assumido com maior peso nos últimos anos. Alargar e requalificar a oferta pública de habitação e arrendamento acessível é crucial. Mais concretamente, é imperativo avançar com a regulamentação da Lei de Bases da Habitação para concretizar os diversos programas e projetos de financiamento público, com mais prioridade nos que estão destinados a satisfazer as necessidades mais urgentes de dezenas de milhares de famílias portuguesas que ainda não têm assegurado o seu direito à habitação – o programa 1º Direito, agora financiado pelas verbas do Programa de Recuperação e Resiliência, é claramente insuficiente para esse fim (Rede H, 2021).

31É fundamental reforçar o papel do poder local na resolução dos problemas habitacionais. Segundo o princípio da subsidariedade, por melhor conhecerem o território os municípios podem mais eficazmente propor e aplicar medidas. As câmaras municipais têm um papel decisivo como principal agente de produção do espaço urbano e planeamento urbano, tanto a nível fiscal (em sede de IMI) como administrativo para garantir o acesso a habitação acessível. Deve haver lugar, por exemplo, à atribuição de benefícios fiscais às entidades públicas e privadas, coletivas e singulares, que coloquem os seus prédios ou frações em arrendamento habitacional permanente com um limite de valor de renda. Deve também promover-se a redução ou isenção de taxas municipais para imóveis destinados ao arrendamento acessível ; e a imposição de quota de arrendamento acessível em novos empreendimentos (Mendes, 2020), algo que está já a acontecer em alguns produtos imobiliários na cidade de Lisboa, a começar pela Operação Integrada dos terrenos da antiga Feira popular.

32É igualmente necessário que as câmaras municipais mobilizem e valorizem o seu património imobiliário devoluto com vocação residencial e promovam a sua manutenção ou reabilitação, de modo a salvaguardar o cumprimento da função social da propriedade, sobretudo tendo em conta as necessidades das populações mais vulneráveis ou em risco social, dando prioridade aos despejados ou em situação de despejo.

33Há que retomar a iniciativa municipal nas obras de reabilitação urbana, através de empreitadas circunscritas e de mais reduzido valor, mas com maior utilidade social e valor de uso habitacional para as populações mais carentes e deficitárias no acesso ao direito à habitação.

34É necessária a concretização de programas de arrendamento acessível e social municipal, a partir do património municipal imobiliário disperso, fundamentalmente financiado por dinheiros públicos, não excluindo a criação de incentivos aos particulares para que coloquem património seu nesta bolsa.

35Mais especificamente, o parque de habitação social em Portugal é verdadeiramente exíguo. Se bem que represente cerca de 10 % em Lisboa, a média nacional não ultrapassa os 2 %. Comparem-se esses dados com o 30 % na Holanda, 24 % na Áustria, Dinamarca com 20 %, Suécia com 19 %, França com 17 %. É necessário que a política, a economia e a sociedade civil adotem outro paradigma de habitação social desembaraçado da ideia de que este tipo de habitação é para os mais pobres. O modelo de habitação social deve ser articulado com programas de habitação e arrendamento acessível, num modelo de reabilitação e reconversão de património público devoluto, que garanta cotas de atribuição a diferentes grupos sociais, permitindo uma mistura residencial e social, numa lógica inclusiva e interclassista. Ao nível do planeamento urbano e de licenciamento urbanístico, a execução de programas de habitação social deverá envolver a cedência de terrenos ou edifícios públicos em regime de comodato com uma distribuição territorial mais equilibrada, privilegiando as áreas mais consolidadas da cidade, com um melhor acesso a equipamentos e serviços públicos, forma de garantir o mix residencial e social, o interclassismo na apropriação residencial do espaço urbano, mitigando a fragmentação socioespacial (Allegra et al., 2017).

36Além da intervenção direta, a melhoria do acesso à habitação passa pelo contraste à especulação imobiliária. A política de solos deve dar utilização e gestão pública das mais-valias decorrentes da transformação do solo urbano resultante da edificabilidade, quer pelo planeamento urbano em geral quer pelo licenciamento urbanístico ; contribuindo para diminuir os níveis de endividamento dos municípios, mas também para uma gestão do solo urbano de acordo com princípios redistributivos de justiça social e espacial. Esta é uma prática corrente no planeamento urbano mesmo em países em que este se apresenta neoliberalizado, sendo que há consenso generalizado de capturar e cativar mais-valias, canalizando-as para provisão de habitação pública e/ou social ; dando uso a medidas municipais de perequação, ou seja, de redistribuição equitativa dos benefícios e dos encargos resultantes da execução de um instrumento de gestão territorial vinculativo.

37A nível municipal, há que garantir o reforço do direito de preferência pelo valor patrimonial do imóvel, e os direitos de expropriação e de posse administrativa de habitação devolutas, sobretudo em áreas de pressão urbana, e onde estejam identificadas carências habitacionais e não exista stock de habitação pública, ou a propriedade privada não esteja a cumprir a função social que lhe está incutida pela Lei de Bases da Habitação.

38A política nacional de habitação deve esforçar-se por fazer coexistir os três modelos de regime de propriedade previstos na Constituição : o do setor privado (mercado livre), o do setor público e o do setor cooperativo e social, sendo que começam a surgir interessantes iniciativas que procuram renovar o movimento cooperativo de habitação, as cooperativas de inquilinato, entre outras formas inovadoras de habitação que as parcerias público-comuns podem trazer ao modelo de cidade, aliando-se às comunidades e a uma lógica participativa de base que garanta melhor escrutínio público das políticas e da sua implementação.

39Pelo lado da estabilidade, é primariamente crucial garantir que as dificuldades financeiras não impliquem a perda do lar residencial. É necessário regulamentar a Lei de Bases da Habitação no sentido de não permitir, em nenhuma circunstância, despejos sem alternativas dignas ou meios de subsistência suficientes, devendo forçosamente analisar-se a situação familiar e encontrar-se os meios adequados para o apoio às famílias em caso de incapacidade financeira para manter a habitação.

40Ao mesmo tempo, é crucial reformar o sistema de arrendamento no sentido de tornar este regime de ocupação tão estável quanto a propriedade. O primeiro passo será avançar com a revogação do NRAU de 2012 e aprovação de uma nova Lei do Arrendamento Urbano que garanta contratos de longa duração (por exemplo, com o modelo italiano de 4+4 anos), proteja os inquilinos e impeça os despejos ; garantindo um equilíbrio de direitos e deveres de inquilinos e senhorios, conduzindo a um ajustamento entre oferta e procura que traga estabilidade e segurança a um mercado historicamente frágil. Neste domínio, deve-se reforçar a proteção dos moradores abrangidos pela renda apoiada no sentido de adequar os valores de renda aos rendimentos reais do agregado familiar. Uma nova lei do arrendamento deverá permitir a criação de um ambiente de confiança no mercado de arrendamento, contrário ao desenvolvido nos últimos 60 anos, com garantias efetivas de proteção aos senhorios, no caso do incumprimento dos contratos, mas proteção, estabilidade e segurança de contrato para os inquilinos, para além de boas condições de habitabilidade e de prestação de serviço.

41O diferencial dos valores entre as opções de compra e de arrendamento podem ainda ser maiores, caso não sejam promovidas alterações no sistema fiscal sobre os imóveis e sobre o arrendamento. A competitividade entre o valor fixado para uma renda e o montante mensal de um empréstimo bancário para aquisição de casa própria só é atingida se forem aplicados ao senhorio e ao inquilino os mesmos benefícios fiscais que são permitidos à banca, aos fundos de investimento imobiliário ou às sociedades de investimento e gestão imobiliária. Apenas com um conjunto de políticas de natureza fiscal, a desenvolver, será possível introduzir uma maior apetência pela opção de arrendamento versus opção de compra, superando o peso de outros fatores de natureza cultural associados ao investimento em casa própria. Este incentivo, à opção de arrendamento, será fundamental para contribuir para a dinamização do mercado de fogos devolutos. 

42Finalmente, vários estudos têm demonstrado como o processo de financeirização tem puxado na direção oposta o que aqui defendemos, contribuindo a piorar as condições de acesso e estabilidade nos mercados de habitação (Madden & Marcuse, 2016 ; Tulumello & Dagkouli-Kyriakoglou, 2021). É, portanto, necessário proceder à desfinanceirização do setor que, no caso português, significa abolir os programas dos vistos gold, dos residentes não permanentes, bem como os benefícios fiscais aos fundos de investimento imobiliário e às sociedades de investimento e gestão imobiliária, pois estas são as grandes causas estruturais da crise de habitação e distorção do mercado de habitação. Considerando o investimento estrangeiro considerável que estes programas atraem e a reabilitação urbana que promovem, quer do parque habitacional, quer do património público e privado ; sugerimos uma diversificação das fontes de financiamento, sobretudo, em setores da economia produtiva. Sugere-se a procura de novos recursos, diversificando as fontes de financiamento e aproveitando os mecanismos fiscais e financeiros, e de política de cidade, para ampliação dos recursos para provimento de habitação a baixo custo, mobilizando recursos financeiros alocados no Orçamento de Estado ou em Programas Europeus (veja-se o caso do Plano de Recuperação e Resiliência) ou outros que começarão a desenvolver-se à medida que a temática da habitação comece a inserir-se na agenda urbana europeia.

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Notas

1 Esta e as seguintes traduções são nossas.

2 Ver www.portaldahabitacao.pt/web/guest/porta-65-jovem.

3 À data de fecho deste documento, em fevereiro de 2022, só estão disponíveis os resultados parciais do Censo de 2021.

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Para citar este artigo

Referência do documento impresso

Luís Mendes e Simone Tulumello, «Habitação e dinâmicas sociodemográficas no Portugal contemporâneo : Contributo para uma discussão sobre “Habitação e natalidade : Enquadramento e políticas públicas”»Forum Sociológico, 40 | 2022, 85-95.

Referência eletrónica

Luís Mendes e Simone Tulumello, «Habitação e dinâmicas sociodemográficas no Portugal contemporâneo : Contributo para uma discussão sobre “Habitação e natalidade : Enquadramento e políticas públicas”»Forum Sociológico [Online], 40 | 2022, posto online no dia 30 junho 2022, consultado o 29 março 2024. URL: http://journals.openedition.org/sociologico/10607; DOI: https://doi.org/10.4000/sociologico.10607

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Autores

Luís Mendes

Universidade de Lisboa, Instituto de Geografia e Ordenamento do Território, Centro de Estudos Geográficos, 1600-276 Lisboa, Portugal. Email: luis.mendes@campus.ul.pt ORCID: https://orcid.org/0000-0001-5281-4207

Artigos do mesmo autor

Simone Tulumello

Universidade de Lisboa, Instituto de Ciências Sociais, 1600-189 Lisboa, Portugal. Email: simone.tulumello@ics.ulisboa.pt ORCID: https://orcid.org/0000-0002-6660-3432

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