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Cal 109: Os mundos do trabalho “contemporâneos” na América Latina

Chamada de artigos Os mundos do trabalho “contemporâneos” na América Latina

Coordenação:

Mariana Busso – Laboratorio de Estudios en Economía y Sociología del Trabajo (LESET-IdIHCS, CONICET-UNLP, Argentina) – marianabusso@yahoo.com

Delphine Mercier – Maison française d’Oxford (CNRS-MEAE) et Laboratoire d’économie et de sociologie du travail (LEST-CNRS-AMU), França – delphine.mercier@cnrs.fr

Apresentação

Nas últimas décadas, os mundos do trabalho contemporâneo têm experimentado importantes transformações, rupturas e permanências. Uma das permanências mais notáveis é certamente a centralidade do trabalho nos percursos individuais e nas trajetórias das sociedades. Constantemente submetidos a mudanças, inovações técnicas e sociais, os mundos do trabalho continuam sendo um reflexo impactante dos modos de vida e das estruturas sociais. Em particular na América Latina, região marcada pelas desigualdades sociais, a fragmentação e a heterogeneidade foram constitutivas do mercado de trabalho. Tais características estenderam-se a diferentes setores de atividade desde o início deste século e se agravaram no contexto da pandemia de Covid-19.

O aumento do número de trabalhadores precários e não declarados é evidente na região, mas nas primeiras décadas deste século vimos surgir um fenômeno novo, ligado à proliferação dos« trabalhadores pobres ». Trata-se de pessoas que, ainda que possuindo empregos assalariados e declarados em tempo integral, não têm acesso a rendimentos superiores à linha de pobreza. Esta situação, assim como a multiplicação de trabalhadores na denominada « economia popular », desenvolve-se paralelamente ao crescimento de certo número de grandes empresas de primeira linha na região que aumentaram seus lucros graças à incorporação de tecnologia e à sua participação no mercado mundial, contribuindo assim para fragilizar ainda mais as estruturas tradicionais do mercado de trabalho. Estes fenômenos deram origem a um processo de exarcebação das desigualdades no mundo do trabalho latino-americano. Neste dossiê, desejamos explorar a proliferação dos « trabalhadores pobres », do trabalho informal e da economia popular em sociedades profundamente desiguais.

  • 1 Economias de plataforma pensadas como ambientes de intermediação digital para a comercialização de (...)

Neste cenário, os progressos da inteligência artificial e a difusão do modelo das assim chamadas « economias de plataforma »1 também desempenham um papel nesta região do planeta, constituindo uma nova revolução tecnológica que ameaçaria não somente inúmeros empregos (como sustentam diversos relatórios de organizações multilaterais, como a OCDE, o FMI e o Banco Mundial), mas que colocaria em xeque o próprio conceito de trabalho tal como o conhecemos nos dias de hoje.

Diversos estudos demonstraram que os empregos mais facilmente substituíveis pela tecnologização e pela inteligência artificial são aqueles que implicam tarefas rotineiras, efetuadas por trabalhadores e trabalhadoras pouco qualificados. No entanto, se estes processos supõem a supressão de alguns postos, também implicam a criação de novos, assim como a transformação de outros. Ao mesmo tempo, vários estudos indicaram o impacto disparate das economias de plataforma sobre os mercados de trabalho locais. Desse modo, seria importante distinguir as oportunidades ou as restrições associadas aos diferentes tipos de plataforma, seja de serviços físicos (logística, distribuição) ou virtuais (informáticos, desenhistas, tradutores etc.), estes últimos possibilitados pelo trabalho remoto e/ou pelo home office.

Mudanças nos quadros normativos acompanham um discurso contemporâneo que ganha visibilidade e que estimula o empreendedorismo e a racionalidade neoliberal. Tais fatores possibilitam e até mesmo potencializam o desenvolvimento das economias de plataforma, com características singulares de acordo com o país ou a região.

Sendo assim, a digitalização dos modos de trabalho, o desenvolvimento das plataformas digitais de intermediação, a “pluralização” do modelo tradicional de emprego, por meio da expansão de suas novas formas jurídicas, a valorização crescente do empreendedorismo e a promoção das start-ups constituem outro eixo temático que nos propomos a abordar neste dossiê.

Outro fenômeno observável é a desconexão cada vez mais forte entre o trabalho e os territórios produtivos dedicados às empresas transnacionais. Esta desconexão é o resultado de diferentes transformações, ocorridas desde os anos 70 e vinculadas a uma divisão internacional do trabalho organizada por empresas multinacionais e pelos Estados. Esta segmentação foi novamente alterada nos anos 90 com a implantação de zonas, territórios e concessões duaneiras com o intuito de aceder a recursos e a uma mão de obra qualificada com baixos níveis de remuneração. Estas zonas abrigam a exploração intensiva de territórios ricos e favorizam a circulação de recursos naturais ali produzidos e transformados. Elas são constituídas por territórios produtivos ou por parques industriais, verdadeiras extraterritorialidades administradas sob distintos regimes de exceção tributária.

Na década de 90, com o desenvolvimento concomitante da informática e do digital, e portanto do intercâmbio de dados informáticos, produziu-se uma transformação no conceito e no modo de produção, incarnado por dispositivos como as ferramentas de gestão que revolucionaram a organização, o controle e o conteúdo do trabalho e da atividade. Entramos em cheio na fase do management pela “gestão”, distanciando os diferentes estratos da empresa uns dos outros (sede, unidade de produção, unidade financeira…), empresas estas estratificadas por diferentes camadas nas quais os espeços de produção são implantados em zonas francas, enclaves isentos de impostos. Diante deste movimiento incessante – internacionalização de um lado e deslocalização de outro – os mercados de trabalho na América Latina foram impactados, fragilizando os setores formais e informais, e dando lugar a formas de emprego variadas. O terceiro eixo deste dossiê tratará portanto da deslocalização versus internacionalização, ou mesmo desterritorialização, dos regimes de trabalho.

Constatamos que 1) o aumento de trabalhadores pobres, 2) a deslocalização do trabalho qualificado (retorno a um trabalho doméstico) e 3) a “desterritorialização” dos territórios produtivos em áreas de baixos salários contribuíram para a fragilização das relações profissionais.

De fato, observa-se uma verdadeira diluição e mutação das relações profissionais, com consequências diretas sobre as organizações e as mobilizações coletivas. Este fenômeno será objeto do quarto eixo temático. Neste sentido, nos interessa o impacto que a transformação das relações de trabalho teve sobre a organização coletiva da mão de obra, em uma região na qual as mobilizações operárias e as organizações sociais e sindicais ainda têm forte presença na cena política (principalmente em países como México, Brasil, Uruguai, Argentina, entre outros). As organizações sindicais tradicionais perceberam as transformações do mundo do trabalho como um desafio ao qual responderam de diversas formas, ao mesmo tempo em que multiplicaram-se as formas de organização dos trabalhadores precários e/ou informais e da economia popular.

Convidamos assim os autores e autoras a submeter artigos que contribuam para a compreensão das distintas realidades que conformam o mundo do trabalho na América Latina, região permeada por múltiplas desigualdades sociais que se exarcebaram no contexto da pandemia e parecem se aprofundar ainda mais no contexto da nova virada à direita dos últimos anos. Em resumo, são esperadas contribuições que abordem distintos setores de atividade (indústria, logística, comércio etc.), dando conta de múltiplos mundos do trabalho e que abordem alguns dos quatro eixos centrais do dossiê:

1/ A proliferação de “trabalhadores pobres”, do trabalho informal e da economia popular em sociedades profundamente desiguais;

2/ A digitalização dos modos de trabalho, o desenvolvimento das plataformas digitais de intermediação, a “pluralização” do modelo tradicional de emprego por meio da expansão de suas novas formas jurídicas, a crescente valorização do empreendedorismo e a promoção das start-ups, a externalização de missões de serviço que desestabilizam os mundos do trabalho;

3/ Deslocalização versus internacionalização, ou mesmo desterritorialização, dos regimes de trabalho;

4/ O fim das relações profissionais, as problemáticas vinculadas às mobilizações coletivas no trabalho e às transformações das relações de trabalho.

Envio de artigos : https://ojs.openedition.org/index.php/cal

Date limite para envio de artigos: 20 de novembro de 2025

Notes

1 Economias de plataforma pensadas como ambientes de intermediação digital para a comercialização de bens e serviços, colocando em relação clientes, trabalhadores/as et mercadorias.

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