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As faces da memória: Contributos para a diversificação mnemónica da luta de libertação de Angola

Introdução

Vasco Martins
p. 163-165

Texto integral

1Os três textos que se anexam a este número especial, de temática diferente daquela que pauta o dossiê, foram recolhidos no âmbito de uma call for papers sobre a memória da luta de libertação de Angola, entretanto reformulada e adaptada para publicação neste volume. Nesta secção do dossiê figuram o artigo de Fidel Reis, intitulado “Em nome do pai, do filho e do espírito de corpo: Ou como recordar a provável 1ª edição da Cartilha do Guerrilheiro da UNITA”; o artigo de Jéssica Höring, “A representação da trajetória da Unita no boletim Kwacha-Angola (1966-1973)”; e o artigo de Margarida Paredes, de título “A história de luta de Maria Henriqueta Miguel Pedro na FNLA, Frente Nacional de Libertação de Angola”.

2O espírito inicial da call for papers pautou-se pelo desafio de diversificar e complexificar histórias e memórias menos dominantes, procurando diferentes rizomas da gesta de libertação de Angola que são, e continuam a ser, menos públicos, menos populares e menos conhecidos, quer nacional, quer internacionalmente. Os três artigos que aqui se apresentam cumprem e materializam esse critério eximiamente. Recorrendo a materiais empíricos originais e de difícil acesso, entre materiais de arquivo, entrevistas, jornais, boletins e documentos oficiais, os autores tecem uma leitura inovadora das peripécias da memória em Angola, das suas ruturas e continuidades, dilemas e controvérsias, elementos em constante evolução e metamorfose.

3Recorrendo a trabalho conduzido no arquivo da Torre do Tombo em Lisboa, Fidel Reis apresenta uma reflexão sobre a configuração da União Nacional para a Independência Total de Angola – UNITA – enquanto movimento de libertação, e das propriedades que foi induzindo à sua estrutura, através de uma leitura detalhada e criteriosa da 1ª Edição da Cartilha do Guerrilheiro, um documento ímpar na história da UNITA. Desvendando os processos de construção de identidade e de organização do movimento, Reis demonstra que esta Cartilha do Guerrilheiro, à semelhança de outros documentos fundadores produzidos por movimentos de guerrilha, foi essencial na edificação da estrutura e da disciplina militar da UNITA. No entanto, o autor argumenta que este documento aderiu e contribuiu para uma lógica de produção de capital político que se imiscuiu com a personalidade do chefe da organização, Jonas Savimbi, um processo que se foi repetindo até ao seu desaparecimento físico.

4Jéssica Höring traça a construção de uma narrativa de excecionalidade, uma história mítica que a UNITA narrou e construiu assente no que apelidou de “longa marcha”, ecoando a mítica marcha de Mao Zedong. Analisando várias edições do boletim Kwacha-Angola, uma publicação do movimento, Höring desvenda as configurações e estratégias que categoriza como de nivelamento e diferenciação, elementos que, argumenta a autora, integram uma narrativa mais vasta de superação que foi sendo ativada em contextos de crise.

5Por fim, Margarida Paredes recorre a uma entrevista de longo escopo a uma antiga combatente da Frente Nacional de Libertação de Angola – FNLA –, Maria Henriqueta Manuel Pedro, “Joia”. Cruzando dados recolhidos em entrevista com a história oficial e disponível da FNLA, Paredes complexifica noções e categorias de género, etnicidade e religião, elementos que durante várias décadas pautaram a historiografia angolana. A autora aplica processos de desconstrução e construção histórica para demonstrar que Maria Henriqueta Manuel Pedro, à semelhança de várias mulheres que participaram na luta de libertação de Angola, não foi condignamente reconhecida pelas suas contribuições, quer no seio da FNLA, quer para a independência de Angola, sublinhando um viés que perpetua uma injustiça histórica que teima em resistir às metamorfoses da memória.

6É relevante sublinhar que os três artigos comunicam entre si de forma original, já que apontam para histórias e memórias da luta de libertação de Angola que diferem, se distanciam e reequacionam a memória oficial sobre a gesta, largamente centrada em eventos e atores de um único movimento de libertação, o Movimento Popular de Libertação de Angola – MPLA. Para além dos dados originais, este é um elemento inovador nos artigos, a diversificação mnemónica que os subjaz e que alicerça novas leituras sobre um passado histórico denso e controverso.

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Para citar este artigo

Referência do documento impresso

Vasco Martins, «Introdução»Cadernos de Estudos Africanos, 43 | 2022, 163-165.

Referência eletrónica

Vasco Martins, «Introdução»Cadernos de Estudos Africanos [Online], 43 | 2022, posto online no dia 01 outubro 2023, consultado o 09 fevereiro 2025. URL: http://journals.openedition.org/cea/7105; DOI: https://doi.org/10.4000/cea.7105

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Autor

Vasco Martins

Centro de Estudos Sociais (Alta)
Colégio de S. Jerónimo, Largo D. Dinis
Apartado 3087, 3000-995 Coimbra, Portugal
vascomartins@ces.uc.pt
ORCID: 0000-0001-6205-4053

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