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África Subsariana e Agendas Globais de Educação: Uma reflexão sobre políticas de educação e de formação de professores

Sub-Saharan Africa and global education agendas: A reflection on education and teacher training policies
Arlinda Manuela dos Santos Cabral
p. 39-72

Resumos

As políticas de educação e de formação de professores são construídas em contextos nacionais heterogéneos, que implicam definição de prioridades e compromissos, e que são influenciados pelas agendas globais de educação, como a Agenda 2030 das Nações Unidas. O presente artigo procura contribuir para a compreensão da forma como as agendas globais de educação interagem no contexto da África subsariana, recorrendo a metodologia qualitativa. Na última década, a satisfação com a oferta educativa e a qualidade do ensino diminuiu, mas persiste uma apreciação positiva do alinhamento da educação com o mercado de trabalho e da formação de professores, refletindo a incorporação das agendas globais nas políticas nacionais, ainda que com necessidade de maior análise do alcance dos objetivos educativos globais.

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Contextualizando políticas educativas na África subsariana

1Refletir sobre a educação nos países da África subsariana constitui um desafio, pois pressupõe ter em conta as especificidades socioculturais, históricas, geográficas, demográficas, políticas e económicas que caracterizam os contextos nacionais. As políticas educacionais são construídas em contextos heterogéneos e complexos, o que implica a definição de prioridades, a escolha de caminhos e a assunção de compromissos para que os objetivos propostos, no campo educacional, possam ser alcançados, refletindo o modo como a sociedade se organiza, se pensa e se projeta no futuro (Durkheim, 2007; Teodoro, 2020). Estes compromissos estratégicos dialogam com as agendas globais de educação, que se fizeram sentir, de forma mais percetível, a partir dos anos 2000, resultando num esforço nacional e regional que tendeu a generalizar-se num alinhamento contínuo com as diretrizes de organizações internacionais, sendo disso exemplo o discurso amplamente disseminado sobre o Objetivo de Desenvolvimento Sustentável 4 da Agenda 2030 da Organização das Nações Unidas (ONU).

2A relação entre as políticas educativas nacionais dos países da África subsa-riana e as agendas globais de educação, que acontece no quadro da “globalização das políticas educacionais” (Verger, 2019, p. 10), chama a atenção para a existência de diferentes dimensões, a considerar de forma simultânea: os níveis local, nacional, regional, continental ou global das políticas de educação, que coexistem e interagem, influenciando as decisões políticas nacionais (Mundy et al., 2016), e que podem contribuir para uma análise e compreensão mais aprofundada dessa relação (Mckenzie & Aikens, 2021, p. 312): (a) a perspetiva mais humanista-emancipatória das agendas globais de educação, representada pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO), ou a perspetiva orientada pelo “movimento económico da educação”, dominante na Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE) (Elfert, 2023, p. 1); (b) o grau de influência dos atores externos (Silva & Oliveira, 2022, p. 510); (c) a conceção da educação como um bem público, ainda que sujeito a discursos sobre a “privatização e marketização da educação” (Locatelli, 2019, p. 2); (d) os mecanismos de influência global sobre as políticas nacionais (Verger et al., 2018; Verger, 2019, p. 15); (e) os atores que disseminam as políticas educativas globais, como o Banco Mundial (BM), a OCDE e a União Europeia (UE), a UNESCO e o Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF) (Mundy et al., 2016).

3Os países da África subsariana têm adotado e implementado as agendas de educação global nas políticas nacionais de educação desde a década de 1990, com a adoção da Declaração de Jomtien, na Conferência Mundial sobre Educação para Todos, que estabeleceu compromissos em torno do acesso universal à educação e da promoção da equidade na educação, e até à atualidade, com a adoção dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da Agenda 2030 das Nações Unidas, que inclui a necessidade de “aumentar substancialmente o contingente de professores qualificados”. As agendas regionais também têm estado presentes nos processos de elaboração das políticas educativas nacionais, através da adoção da Agenda 2063 da União Africana (UA), que define o compromisso com uma África próspera, baseada no crescimento inclusivo e desenvolvimento sustentável através de estratégias de investimento na educação.

4No âmbito das relações de cooperação entre a União Europeia e os países africanos, que remontam aos anos 60 e 70 e perduram até à atualidade, o campo das políticas educativas tem sido igualmente contemplado, desde o “Acordo de Cotonou – Estratégias de Desenvolvimento e Redução da Pobreza” (Cotonou Agreement, 2000) e até mais recentemente no “Relatório sobre Estratégia UE-África: Estimular o Desenvolvimento”, no qual é destacada a importância prioritária de investimento no sector da educação e a promoção de políticas públicas de educação adequadas aos contextos africanos (2017) (Ferreira, 2004; Parlamento Europeu, 2017; Pereira, 2014; União Europeia, 2020).

5No que diz respeito à formação de professores, entre 2006 e 2009 foi implementado o Programa da UNESCO “Avaliação da Iniciativa de Formação de Professores para a África Subsariana (TTISSA)”, centrado na qualificação de professores, e que procurava contribuir para ultrapassar o desafio da falta de professores com formação adequada, em quantidade e qualidade, que constituía um dos maiores obstáculos para a realização dos objetivos de Educação para Todos na África subsariana. Este projeto constitui até à atualidade um marco, na medida em que contribuiu para a formação de professores nos contextos nacionais africanos. Neste sentido, o planeamento de políticas públicas educativas nacionais parece refletir que “os discursos que enquadram os textos das políticas não se situam mais simplesmente no espaço nacional, mas emanam cada vez mais de organismos internacionais e supranacionais” (Lingard & Rizvi, 2010, p. 14).

6É nesta intersecção entre, por um lado, a autonomia da conceção das políticas nacionais e, por outro, a influência das agendas globais, que emergem questões sobre a educação e a formação de professores na África subsariana. Em que medida os objetivos delineados pelas agendas globais são efetivamente alcançáveis? Esses objetivos são traçados tendo em conta as especificidades dos contextos nacionais e regionais? Na elaboração das agendas globais e regionais de educação, é tido em conta o “ponto de partida” e o “possível ponto de chegada”, com base na caracterização dos sistemas educacionais e no aprofundamento do conhecimento da realidade socioeducativa dos países da África subsariana? Estão as agendas globais a contribuir para a melhoria dos sistemas educativos e para a escolarização das populações dos países da África subsariana? Ou estamos perante uma apropriação descontextualizada de objetivos e compromissos difíceis de alcançar, que criam pressão sobre os sistemas de educação nacionais? Será que tem sido benéfico ou prejudicial para os sistemas educativos dos países da África subsariana aderirem aos compromissos das agendas globais?

7Estes questionamentos estão na base da elaboração do presente artigo, que procura analisar de que forma as agendas globais de educação influenciam e têm impacto nas políticas de educação nacionais nos países da África subsariana. Assim, pretende-se contribuir para o conhecimento e a compreensão da forma como os níveis de elaboração de políticas globais de educação e formação de professores são redimensionados e interagem nos contextos nacionais dos países da África subsariana.

8Neste estudo recorre-se à metodologia qualitativa, através da análise de conteúdo das agendas globais e regionais, e do método analítico e método crítico, presente na reflexão tecida ao longo do texto. Para ilustrar de forma breve em que medida os objetivos traçados pelas agendas globais estão a ser alcançados nos contextos nacionais, recorre-se à apresentação de dados referentes à última década, recolhidos em fontes oficiais e em relatórios de organismos internacionais, como a UNESCO, a União Africana (UA), o Índice Ibrahim para a Governação Africana (IIAG) e o Instituto África-América (AAI). Desta forma, pretende-se contribuir para o “conhecimento aprofundado do contexto específico da África subsariana em que as políticas globais estão sendo disseminadas e adotadas” (Verger, 2019, p. 25).

A construção da importância da educação nos países da África subsariana: dos anos 50 aos anos 90

9Nos países de África, a educação assume importância relevante tendo em conta a sua estreita relação com o desenvolvimento socioeconómico e o bem-estar social, dado o seu contributo para a promoção da igualdade, a redução da pobreza, a estabilidade social e política e o desenvolvimento sustentável. Esta premissa confirma a tese de que nos países da África subsariana a educação é percecionada como um direito humano e um bem público, e que constitui “responsabilidade primordial do Estado garantir o direito à educação para todos, e salvaguardar a justiça social e o interesse público na educação” (Locatelli, 2019, p. 2).

10O conceito de bem público aplicado à educação foi utilizado pela primeira vez pela UNESCO para reafirmar uma visão humanista da educação, em contraste com abordagens mais utilitárias e económicas, que prevaleceram a partir dos anos 1990. Ao defender o financiamento público adequado para uma educação de qualidade nos contextos nacionais, este conceito opõe-se à noção de educação como “um bem privado, em que o controlo seria deixado aos indivíduos, atuando através de mecanismos de mercado” (Locatelli, 2019, p. 3). Nesta abordagem, o Estado é o principal responsável pela garantia do direito à educação e deve proporcionar diretamente oportunidades de educação, nomeadamente durante o período de escolaridade obrigatória.

11Na África subsariana, o modelo de “educação como um bem público” parece prevalecer, pois “na maioria dos países, a escolaridade básica foi transformada num serviço gratuito, universalmente disponível e obrigatório prestado pelo Estado” (Locatelli, 2019, p. 3). Neste sentido, o Estado garante as oportunidades de educação de qualidade para todos e assegura, por essa via, a promoção dos princípios de equidade, igualdade de oportunidades, justiça social, liberdade e direitos humanos, que devem inspirar toda a política educativa (Locatelli, 2019, p. 7). Esta definição de educação como bem comum encontra alinhamento com a perspetiva de Burnett (2014), que defende que “a educação, e principalmente o ensino fundamental, é um direito humano, consagrado na Declaração Universal dos Direitos do Homem de 1948 e em muitos documentos internacionais e nacionais subsequentes […] a educação resulta no aumento da produtividade e conduz ao crescimento económico e, por isso, é essencial para o desenvolvimento” (Burnett, 2014, p. 28).

12A importância estratégica e prioritária da educação tem sido, assim, reafirmada pelo reconhecimento da sua contribuição para as mudanças sociais, em consonância com as necessidades e avanços das sociedades contemporâneas, independentemente do grau de desenvolvimento dos países (Teodoro, 2020). A importância atribuída à educação nos contextos nacionais tem se traduzido, por um lado, na crescente demanda deste bem social e, simultaneamente, no papel atribuído à educação na apresentação de soluções para os problemas sociais e económicos, essenciais para o desenvolvimento sustentável (Teodoro, 2020).

13No entanto, o quadro sócio-histórico do continente africano, que inclui a África subsariana, foi palco de avanços e retrocessos educativos, a contextualizar numa perspetiva sociocontemporânea. A história do continente africano é pautada por um longo período de colonização, caracterizado pela dominação e exploração dos povos e bens, que durou aproximadamente entre o século XV e o século XIX, a que se seguiu o neocolonialismo, com a expansão do capitalismo industrial (Fauvelle & Surun, 2020). A Conferência de Berlim de 1884, que estabeleceu normas para a ocupação e divisão de África entre potências europeias, como a Inglaterra, França, Bélgica, Holanda e Alemanha, constitui um fator marcante no continente africano. Nessa divisão, não foram consideradas as características étnicas e culturais de cada povo, o que gerou guerras internas. Com a Segunda Guerra Mundial, ocorrida na Europa entre 1939 e 1945, as nações europeias perderam o controlo dos territórios africanos, o que deu origem a movimentos de luta pela independência nas colónias africanas. Durante a década de 1960 e até à década de 1970, assistiu-se a lutas pela independência e aos processos de descolonização em relação às “metrópoles europeias”. Na África subsariana, predominaram três modelos principais de descolonização: (i) o “britânico”, em que há uma antecipação da emancipação das colónias, pois cada colónia teve rapidamente acesso ao “autogoverno” e constituição como um “novo Estado”; (ii) o “francês”, em que se assiste a reformas e à transferência de soberania apenas quando pressionados pelos acontecimentos; e (iii) o “belga” e o “português”, caracterizados pelo despreparo para os processos de descolonização ou resistência a todas as ideias de independência (Fauvelle & Surun, 2020, p. 129).

14O continente africano integra atualmente aproximadamente 55 países, que fazem parte da organização regional internacional União Africana, fundada em 2002, e sucessora da Organização da Unidade Africana, criada em 1963. Considerando a localização geográfica dos países do continente africano, pode-se falar de: a) África do Norte; b) África Ocidental; c) África do Sul; d) África Central, e) África Oriental. Pelas características das populações, pode-se falar do Norte de África, que compreende as populações árabes africanas, e da África subsariana, caracterizada pela população africana com uma maior diversidade étnica. Em termos linguísticos, a África subsariana contemporânea integra: a) países francófonos; b) países anglófonos; c) países lusófonos.

A construção da importância social da educação no continente africano remete para os movimentos de independência dos anos 1950 e 1960, que coincidiram também com a retomada da popularidade da teoria do capital humano, que estipulava que a educação, sobretudo os níveis mais elevados, constituía um investimento para a realização socioeconómica individual e a mobilidade social, bem como nacional e estrutural. (Assié-Lumumba, 2011, p. 178)

15Nos anos sessenta eclodiram formas de protesto, e na década de 1980 assiste-se a crescentes manifestações, que prepararam o novo quadro geopolítico dos anos 1990 com “promessas de democratização” (Fauvelle & Surun, 2020, p. 145), que incluem a promessa de acesso à educação, em quantidade e qualidade para todos. Assim, desde a segunda metade dos anos setenta, assistimos ao surgimento destes novos Estados-nação independentes e soberanos, cujos objetivos pretendiam compensar os anos de atraso em termos de condições básicas de vida e, simultaneamente, acompanhar os avanços das agendas globais, inclusive no campo da educação, identificado como essencial para o desejável crescimento económico e desenvolvimento social.

16A década de 1990 desempenha, assim, um papel de destaque na história do continente, visto que coexiste a dupla abordagem da realidade socioeconómica africana. Por um lado, a abordagem do “afropessimismo”, em que o foco é colocado nas repercussões negativas no desenvolvimento social e económico dos países, bem como nos projetos de vida das populações, na medida em que “os efeitos da crise minam completamente os jovens africanos, principalmente os jovens da escola e da universidade, para os quais os anos 90 representam uma incerteza” (Mazrui & Wondji, 2010, p. 1136). E, por outro, a visão do “afro-otimismo”, assente num discurso que defende que o contexto africano se caracteriza igualmente “pela construção de sistemas assentes na democratização e no maior respeito pelos direitos humanos” (Mazrui & Wondji, 2010, p. 1134), com fundamentação numa leitura da realidade social e demográfica e do potencial económico, natural e humano que projetava a economia africana e perspetivava um futuro de crescimento económico e desenvolvimento social, refletindo uma visão otimista, ainda que pouco realista, do futuro dos países da África subsariana.

17Em ambas abordagens prevalece o reconhecimento da importância da educação, ainda que tenham sido identificadas repercussões negativas no campo da educação: “as políticas de ajustamento estrutural limitam o recrutamento de trabalhadores e, portanto, de professores num continente caracterizado pela explosão escolar, acelerada pelo crescimento demográfico” (Mazrui & Wondji, 2010, p. 1136).

Tabela 1 Breve nota histórica das matrículas no ensino primário (milhões de habitantes) por continente, 1950-1997

Tabela 1 Breve nota histórica das matrículas no ensino primário (milhões de habitantes) por continente, 1950-1997

Fonte: Adaptado de UNESCO, 2000, p. 41

18A década de 1990 marca, desta forma, a esperança de uma “transição democrática”, para os países da África subsariana, com expetativas estimuladas pela renovação das gerações (Fauvelle & Surun, 2020, p. 146), num contexto em que a educação é percecionada como um fator essencial para o crescimento económico e o desenvolvimento social das suas agendas nacionais, conforme exemplificado na tabela 1, com enfoque nos primeiros anos de escolaridade, que podem ser designados por ensino fundamental, ensino primário ou educação básica, nos diferentes países da África subsariana. Segundo a UNESCO (2000), entre 1950 e o ano 2000 a diferença entre África e outras regiões do mundo permaneceu significativa:

Gráfico 1 Taxas estimadas de iliteracia adulta, por grandes regiões do mundo, 1950 e 2000 (%)

Gráfico 1 Taxas estimadas de iliteracia adulta, por grandes regiões do mundo, 1950 e 2000 (%)

Fonte: Adaptado de UNESCO, 2000, p. 17

19Os países africanos, na década de noventa, marcam presença nos fóruns globais de educação, denotando que pretendiam impulsionar um esforço coletivo para a promoção do acesso à educação e a consequente massificação e democratização do acesso à educação. O que representa uma evolução da alfabetização em África, denotando que:

No continente africano, ainda que produto da dominação imperial, cada Estado independente concebeu um projeto nacional, que visava a construção de um Estado-nação com uma agenda de desenvolvimento claramente articulada. A educação como instituição social foi considerada um requisito para a atualização do projeto nacional. (Assié-Lumumba, 2011, p. 175)

20Assim, na África subsariana, “educação é o processo através do qual as competências técnicas, os valores e a capacidade de pensamento crítico são transmitidos às gerações presentes e futuras de uma sociedade com base em necessidades internas cuidadosamente identificadas” (Assié-Lumumba, 2011, p. 202).

21Mas se inicialmente o reconhecimento da importância estratégica e incontornável da educação parece se enquadrar no âmbito da soberania dos Estados-nação africanos, ao longo das ultimas décadas as políticas públicas de educação na África subsariana têm sido influenciadas por atores internacionais, refletindo que “os discursos que fazem o enquadramento dos textos políticos já não se situam simplesmente no espaço nacional, mas emanam cada vez mais de organismos internacionais e supranacionais” (Lingard & Rizvi, 2010, p. 14).

A educação na África subsariana: breve caracterização da década de 90 e da década de 2010

22A importância da educação na África subsariana constitui um campo de investigação a aprofundar, por forma a promover um maior conhecimento dos constrangimentos do contexto e contribuir para a identificação de respostas para os múltiplos desafios com que se depara, como a escassez de recursos humanos qualificados e financeiros necessários para o investimento no desenvolvimento dos sistemas educacionais, num continente cujas taxas de matrícula em termos gerais são inferiores à média global. Esses desafios foram incorporados nas políticas educacionais, mas, em termos de resultados, é revelada uma realidade que exige um investimento contínuo e crescente na educação e na formação de professores.

23Na África subsariana, entre 1990 e 2012, assiste-se a um progresso positivo no número de crianças matriculadas nos primeiros anos de escolaridade, que passou de 62 milhões para 149 milhões de crianças (AAI, 2015).

24Em 2012, apenas sete países alcançaram a meta de taxa bruta de matrícula de 80% ou de mais alunos matriculados em programas de educação pré-primária, e apenas 20% das crianças frequentavam a educação pré-primária (AAI, 2015). Porém, após conclusão do ensino primário, muitos alunos enfrentavam dificuldades relacionadas com a continuidade da frequência escolar, ao nível do ensino secundário. A dificuldade de deslocação até às escolas secundárias, muitas vezes localizadas em locais distantes das casas das crianças e dos jovens, aliava-se à dificuldade de acesso à oferta neste nível de ensino: “em toda a África, as escolas secundárias podem acomodar apenas 36% dos alunos do ensino secundário” (AAI, 2015, p. 8).

25No que diz respeito ao acesso ao ensino técnico e profissional e aos programas de formação profissional, a procura era superior à oferta, o que refletia que este subsistema de educação não tem sido uma prioridade em muitos países africanos, correspondendo a apenas 6%, em 2012, do total de matrículas no ensino secundário na região (AAI, 2015, p. 8). No que se refere ao ensino superior, em 2015, apenas 6% dos jovens da África subsariana se encontravam matriculados em instituições de ensino superior, em comparação com a média global, que era de 26%. No entanto, os países africanos foram caracterizados, em 2012, como os países que atribuíram a maior parte das despesas do orçamento de Estado à educação, na ordem dos 18,4%, seguidos da região do Leste Asiático e Pacífico, com 17,5%, e do Sul e Oeste da Ásia, com 12,6% (AAI, 2015, p. 12).

26Estes dados revelam que o sistema educativo africano se encontrava “numa encruzilhada”, pois, se por um lado, “mais alunos do que nunca na história estão matriculados em escolas em toda a África”, o que constitui “um bom motivo para comemorar”, por outro, “o fluxo de professores capacitados, material didático e desenvolvimento de infraestrutura não acompanhou a alta demanda” (AAI, 2015, p. 11). Esta situação reflete que “o aumento nas taxas de matrícula ultrapassou drasticamente o aumento do financiamento da educação, resultando numa escassez de materiais e suprimentos instrucionais, bibliotecas com estoque insuficiente e uso excessivo das instalações escolares” (AAI, 2015, p. 11). Com base nesta análise preliminar da realidade social educativa,

embora haja mais alunos nas salas de aula, há um quadro mais profundo de crise de aprendizagem em jogo: muitos alunos não estão a adquirir habilidades básicas enquanto frequentam a escola. Na verdade, alguns alunos na escola não estão muito melhor do que aqueles que faltaram. Consequentemente, a qualidade da educação em África está em um estado perigoso. (AAI, 2015, p. 11)

27Nos países da África subsariana, a promoção do acesso à educação em quantidade, não se traduziu em qualidade, em termos de trajetórias escolares conducentes a aprendizagens com significado para o futuro dos alunos, pois diante do aumento do número de alunos matriculados nos níveis de ensino primário e secundário, a aprendizagem por parte dos alunos parece ficar aquém do desejado. Este aspeto remete para a importância da formação de professores, que se encontra diretamente associada à qualidade da educação.

28Parece, pois, ser de destacar que o investimento na educação deve incluir a dimensão da qualidade, tanto na dimensão “qualidade-desempenho” como na dimensão “qualidade-melhoria” (Pacheco, 2014, p. 369), por forma que os alunos possam ser protagonistas de trajetórias escolares que assegurem o acesso ao conhecimento escolar, teórico, analítico e, quando consentâneo, técnico, que permita prosseguir os estudos, a preparação para o ingresso no mercado de trabalho, e adoção de uma postura de proatividade consentânea com o exercício da cidadania ativa, crítica e que sejam atores que contribuem para o desenvolvimento socioeconómico nacional.

29De acordo com a UNESCO (2016a, p. 37), o direito à educação de qualidade assume a mesma importância que o direito ao acesso à educação, visto que traduz o direito a uma aprendizagem significativa e relevante, ainda que as necessidades de aprendizagem possam variar de forma distinta.

30O discurso veiculado pela UNESCO (2023) na Cimeira de 2022 parece apontar no sentido de se alinhar os aspetos de quantidade e qualidade nas políticas educativas, pois destaca a necessidade de os Estados-membros assumirem compromissos na implementação de ações nos contextos nacionais, tendo em vista o alcance dos objetivos estipulados no contexto global. A perspetiva da apropriação das políticas globais nos contextos nacionais é destacada como uma prioridade, conforme defendido no “Pilar 1: Dos compromissos às ações a nível nacional”, no qual os Estados-membros são convidados a traduzir “os seus compromissos nacionais em ações, a assegurar a afetação de recursos públicos suficientes e a relatar os progressos realizados nas Reuniões Mundiais de Educação” (UNESCO, 2023, p. 5). Na Cimeira de 2022, da UNESCO (2023), foi ainda feito o apelo: (a) ao reforço do apoio à educação e ao alinhamento desse apoio nacional com as prioridades e os objetivos dos Estados-membros, no respeito pelos compromissos assumidos nos processos intergovernamentais; (b) ao incentivo a uma maior mobilização do sector privado com a cooperação e coordenação com os Estados-membros; (c) à realização de diálogos nacionais inclusivos a todos os níveis, a fim de fazer avançar os progressos na educação.

31O discurso das agendas globais parece destacar a importância do investimento na educação de qualidade na África subsariana, entendida como a educação para a inclusão, “que combina qualidade e quantidade como duas faces da mesma moeda” (Benavente & Panchaud, 2008, p. 121).

Agendas globais de educação: diretrizes estratégicas para a formação de professores na África subsariana

As agendas globais de educação: abordagens teóricas e lógico-concetuais

32A adoção de agendas globais de educação reflete uma mudança no desenho das políticas educacionais nos países da África subsariana, destacando que se inicialmente os sistemas educacionais estavam intimamente associados à formação do Estado-nação, atualmente a governança da educação em contextos nacionais é “desnacionalizada”, “supranacionalizada” e “transnacionalizada”, pois a “política educacional está a ser ‘feita’ em novos lugares, por diferentes atores e organizações” (Ball, 2012, p. 4).

33O estudo das políticas globais de educação tem encontrado suporte em duas macroabordagens principais, que exploram a relação entre a globalização e a política educacional e a natureza dos impulsionadores globais (Verger et al., 2018; Verger, 2019, p. 12): (a) a abordagem do “institucionalismo sociológico”, representado pela “Teoria da Sociedade Mundial ou da Cultura Mundial”, que defende que “as medidas educacionais são globalmente aplicáveis, independentemente das necessidades e das capacidades dos países que as adotam” e que “é algo especialmente desafiador para os países em desenvolvimento, uma vez que, apesar de terem menos recursos e capacidade organizacional do que os países ricos, sentem pressões similares para cumprir os objetivos das agendas globais” (Verger, 2019, p. 12); e (b) a abordagem da “Economia Política Internacional (EPI)”, representada pela “Agenda Globalmente Estruturada para a Educação” (AGEE), que tem como base fatores económicos, no quadro da “economia capitalista mundial”, e que considera “os efeitos indiretos da globalização na educação, sendo exemplo os Programas de Ajuste Estrutural (PAE)” (Verger, 2019, p. 14).

34O estudo da difusão das políticas globais pelas organizações internacionais remonta ao período após a Segunda Guerra Mundial, quando a UNESCO e a OCDE desempenharam um papel fundamental na reconstrução da importância do papel da educação e da escola para “a mudança social e na concretização dos ideais democráticos” (Elfert, 2023, p. 3).

35Esta crença social na importância da educação, associada a “uma forte orientação para a justiça social e o papel da educação e das escolas”, foi acompanhada pela preocupação com “as aspirações democráticas, a preocupação com as desigualdades e a defesa da tradição emancipatória da educação” (Elfert, 2023, p. 4), no campo das políticas educativas globais. Nesta perspetiva, a educação é associada ao humanismo, pois “deve contribuir para a realização do potencial individual e a capacitação e, por conseguinte, para a melhoria da vida humana” (Elfert, 2023, p. 7). E a educação é igualmente associada à democracia, na medida em que

se refere à ideia liberal ocidental de um sistema político baseado em instituições legais e nos direitos humanos, que garante a liberdade individual e proporciona as condições que tornam possível às pessoas comuns melhorar as suas vidas. (Elfert, 2023, p. 7)

36Esta relação entre a educação, o humanismo e a cidadania remete para o princípio da “dignidade humana”, associada à liberdade individual e entendida como “um direito constitucional fundamental em muitas sociedades democráticas e nos documentos normativos internacionais” (Elfert, 2023, p. 7).

37A relação entre as políticas educativas nacionais dos países da África subsariana e as agendas globais de educação, que acontece no quadro da “globalização das políticas educacionais” (Verger, 2019, p. 10), chama a atenção para a existência de diferentes aspetos mediadores e tem em conta múltiplos fatores.

38As agendas globais de educação acontecem no quadro do processo de globalização, que não beneficia de uma definição consensual. Se, por um lado, existe “um consenso generalizado sobre a globalização como uma construção ideológica multifacetada que define uma convergência de dimensões culturais, económicas e políticas” (Zajda, 2005, p. xxvii), por outro lado, existe uma abordagem que defende que a globalização convida simultaneamente a:

interpretações concorrentes e contestatárias […] que incluem as noções de homogeneização e hibridação de culturas, o crescimento de redes sociais que transcendem as fronteiras nacionais, organizações supranacionais, o declínio do Estado-nação, o novo modo de comunicação e as tecnologias da informação que alteram a noção de tempo e de espaço. (Zajda, 2005, p. xxvii)

39Os efeitos da globalização na educação têm sido percecionados segundo duas abordagens (Verger, 2019, p. 14): (a) as reformas do tipo neoliberal e orientadas para a eficiência, que pode colocar em segundo plano objetivos e valores de equidade; (b) o enfraquecimento da soberania e do controlo democrático, pois muitas decisões educacionais relevantes “são tomadas ou influenciadas por redes difusas de especialistas que não foram eleitos democraticamente” (Verger, 2019, p. 14).

40Neste sentido, estamos perante “novos espaços políticos globais para a educação” (Mundy et al., 2016, p. 2), com atores políticos globais na educação, que pretendem assegurar a continuidade na construção da(s) agenda(s) global(ais) da educação, incluindo através do estabelecimento de mecanismos para a governação global da educação.

41As duas abordagens dos efeitos da globalização nas políticas educativas nacionais podem ser associadas a duas perspetivas, veiculadas pela UNESCO e pela OCDE. A perspetiva “humanista-emancipatória”, referida como “futuros sustentáveis”, guiada por preocupações com a construção de um futuro sustentável, representada pela UNESCO, que contrasta com a perspetiva do “movimento económico da educação”, referido como “tecno-solucionismo”, caracterizado pela promoção da digitalização, das neurociências e das competências do século XXI, representada pela OCDE (Elfert, 2023, p. 1). Ainda que com pressupostos diferentes, estas duas perspetivas partilham características comuns de evocar o “estado de emergência e crise” e “evitar o debate político em termos de uma análise estrutural do poder” (Elfert, 2023, p. 11), o que se pode traduzir num risco para a democracia. Na perspetiva dos “futuros sustentáveis”, a aposta numa visão humanística utópica de coletividade, do “bem comum global” e com enfoque numa “noção abstrata coletiva de cidadania” poderá desviar a atenção de uma análise crítica das estruturas políticas e das relações de poder, “que levaram a esta conjuntura histórica” (Elfert, 2023, p. 11). A vertente “tecno-solucionista”, que se baseia “num cidadão forte e empoderado, dotado de dignidade humana, potencial humano e direitos” (Elfert, 2023, p. 13), pode levar à suposição de que os seres humanos podem ser programados e atualizados como máquinas. Neste sentido, nas duas vertentes, seria necessário promover uma análise histórica e estrutural do poder, “e rejeitar a homogeneização que decorre das ideias universais, pois toda forma de idealismo pode muito bem se tornar uma nova forma de imperialismo” (Elfert, 2023, p. 13).

42No quadro da “globalização das políticas educacionais” (Verger, 2019, p. 10), as “políticas educacionais globais (PEG)” fazem parte do discurso sobre as “reformas educacionais” que se pretende implementar em diferentes países. Se por um lado, “o grau de influência dos atores externos é ainda mais elevado nos Estados pequenos e frágeis” (Silva & Oliveira, 2022, p. 509), por outro, “os atores nacionais no Sul Global não são passivos: pelo contrário, eles são criadores e intérpretes” (Silva & Oliveira, 2022, p. 510). Um exemplo desta forma diferenciada de relação com as políticas globais é a relação entre os países africanos e a “Parceria Global para a Educação (PGE)”, cuja organização anfitriã é o Banco Mundial, que se autodefine como a “única parceria mundial inteiramente centrada na educação nos países em desenvolvimento”, e que em 2011 “adquiriu uma nova roupagem e um novo nome para responder a várias críticas sobre as suas operações, incluindo a gestão pouco democrática e ideológica de aconselhamento em matéria de política educativa” (Silva & Oliveira, 2022, p. 510). Esta Parceria Global para a Educação é associada a uma “estratégia de despolitização”, que desvia a atenção do “centro de poder e autoridade” na conceção e definição das políticas globais de educação, com recurso a mecanismos de distração (Silva & Oliveira, 2022, p. 511: (a) a “fachada da racionalidade”, que critica a tentativa de utilizar a noção de planeamento baseado em provas para negar a natureza profundamente política da elaboração de políticas; (b) a “fachada da precisão”, que critica a autoridade incontestada atribuída a números e dados estatísticos; (c) a “fachada da universalidade”, que desafia a abordagem de tamanho único. Estas críticas à Parceria Global para a Educação destacam a sua dimensão de “projeto hegemónico que não promove o consenso nem é coerente na sua abordagem” (Silva & Oliveira, 2022, p. 514).

43A configuração e disseminação das agendas globais de educação nos contextos nacionais implicam, assim, a promoção dos discursos educacionais como soluções de políticas preferenciais, por parte das organizações internacionais, que contribuem para a “convergência das políticas da educação” (Verger, 2019, p. 15), que, se por um lado representam o sistema ocidental de organização política, por outro, “expressam agendas educacionais divergentes e até rivais” em diversos temas e noções das políticas de educação. Perante este cenário, existem mecanismos de influência global por parte das organizações internacionais, que pretendem enquadrar e influenciar as políticas nacionais, de forma mais ou menos coerciva (Verger et al., 2018; Verger, 2019): (a) imposição, quando alguns atores externos compelem alguns países a adotar determinadas políticas educativas em particular; (b) harmonização, quando um conjunto de países assume a responsabilidade de implementação de políticas comuns numa determinada área; (c) disseminação, quando agentes externos utilizam a persuasão e o conhecimento técnico para convencer os países a implementarem determinadas políticas; (d) padronização, quando a comunidade internacional define e promove a adesão a um conjunto de princípios de políticas e padrões estandardizados que moldam o comportamento dos países; e (e) instalação de interdependência, quando os países concordam e comprometem-se a alcançar objetivos comuns para resolver problemas que requerem cooperação internacional.

44As organizações internacionais alicerçam a sua atuação no exercício de poder através de “tipos de ações aparentemente apolíticas e técnicas” (Verger, 2019, p. 16): (a) “classificar o mundo”, de acordo com o desempenho em avaliações internacionais; (b) “corrigir significados no mundo social”, através da definição do que se entende por qualidade de educação e de indicadores e referenciais; (c) “articular e divulgar novas normas, princípios e crenças”, através da disseminação de “boas práticas” educativas. Estas três ações são ainda reforçadas dentro do campo da política educacional global pelo poder que as organizações internacionais têm para “definir as principais prioridades e objetivos da mudança educacional, bem como quais os principais problemas que os sistemas educacionais devem abordar” (Verger, 2019, p. 16).

45Na relação entre as políticas educativas nacionais e as agendas globais de educação, coexistem e interagem diferentes níveis de políticas, que podem ser de nível local, nacional, regional, continental ou global, e que influenciam as decisões políticas de educação nacionais (Mundy et al., 2016), e que podem assumir a dimensão de “categorias de escala” (Mckenzie & Aikens, 2021, p. 312), que contribuem para uma análise e compreensão mais aprofundada dessa relação.

46De igual forma, essa relação é mediada por atores que influenciam as políticas nacionais através da disseminação global e regional das agendas globais, como o Banco Mundial (BM), a OCDE e a União Europeia (UE), a UNESCO e o Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF) (Mundy et al., 2016).

47A adoção das agendas globais de educação tem sido percecionada como uma decisão voluntária por parte dos países, o que destaca a importância de se compreender quais são os processos, os motivos e as circunstâncias que favorecem a adoção das políticas educativas globais. De acordo com Verger (2019, p. 18), os formuladores das políticas locais, nos contextos nacionais, adotam e implementam políticas globais porque: (a) identificam evidências que demonstram que essas políticas funcionam bem noutros países; (b) consideram que algumas soluções políticas globais são apropriadas para os fins educativos dos contextos nacionais e para interagirem na arena global; (c) consideram as novas políticas como tecnicamente viáveis e adequadas; (d) constituem políticas baseadas em evidências. Num raciocínio diferente, os países também podem instrumentalizar a arena global para promover reformas educativas políticas, recorrendo à fundamentação da adoção de determinadas agendas nacionais com base nas “recomendações políticas globais […] por razões legitimadoras e como forma de suavizar a resistência interna” (Verger, 2019, p. 21). Nesta perspetiva, os países adotam as políticas globais de educação e abordam as instituições globais para reduzir custos de transação para fins de resolução de problemas e formulação de políticas e para alavancagem no nível doméstico quando pretendem avançar com mudanças políticas (Verger, 2019, p. 21).

48Entre estas possibilidades diferenciadas de diálogo entre as políticas internacionais e os contextos nacionais, encontra-se ainda a referência a uma perspetiva de “circulação ou mobilidade das políticas” (Verger, 2019, p. 22), que destaca que “as políticas globais mudam durante a sua jornada”, pois fazem parte de um debate técnico e político muitas vezes controverso e que é altamente contingente e situado.

49No mesmo sentido, Mckenzie e Aikens (2021) defendem a necessidade de se prestar maior atenção ao estudo das diferenças nacionais e regionais na elaboração e na “circulação das políticas de educação”, que deve contemplar os efeitos dos contextos políticos nacionais e subnacionais nas políticas globais (Mckenzie & Aikens, 2021, p. 311). Nesta abordagem, é defendida a atuação dos Estados-nação como potenciais agentes ativos na “circulação e mobilidade das políticas educativas globais”, o que destaca a importância das categorias de “escalas de análise”, que podem ser “global, nacional, regional ou local”, as quais são constituídas e operacionalizadas em relação à política. As autoras distanciam-se da “expetativa de movimentos lineares de políticas: por exemplo, a transferência horizontal de políticas de um país para outro com o objetivo ou a expetativa de que uma política seja adotada na sua totalidade”, na medida em que defendem a influência das particularidades dos contextos concretos em que as políticas são adotadas, como “a história contextual, as políticas sociais existentes, os papéis dos atores políticos locais e outros fatores que influenciam a forma como as políticas itinerantes são mobilizadas ou não”. De igual forma, defendem que “as transferências ‘verticais’ de políticas são igualmente problematizadas pelo facto de se reconhecer que as políticas ou conjuntos de políticas que circulam globalmente são necessariamente variadas na sua apropriação pelas instâncias políticas que as adotam, em parte e combinadas com outras políticas” (Mckenzie & Aikens, 2021, p. 313).

50A ideia de que “o desenvolvimento dos programas educacionais globais […] não leva suficientemente em conta o contexto e as necessidades sociais” (Verger, 2019, pp. 22-24) pode estar associada a quatro aspetos: (a) “material”, na medida em que os modelos têm funcionado principalmente em sistemas educacionais consolidados, com financiamento, profissionalizados e regulamentados, muito divergente das condições locais educacionais e como tal refletindo propostas que não se adequam ao contexto; (b) “institucional”, em termos políticos, em que as ideologias governamentais representam um filtro quando se trata de adotar e adaptar recomendações das agendas globais; (c) “cultural”, como a interpretação e a criação de significados e os quadros culturais que podem mediar a adoção e implementação das políticas de educação globais; (d) “de escala”, quando a reforma educativa é vista como algo imposto de cima, que vem de escalas supranacionais, com relação a políticas importadas de outros lugares e inicialmente projetadas por gentes alheias às realidades locais.

51Perante as abordagens teóricas e perspetivas lógico-concetuais apresentadas, vários conceitos têm sido mobilizados para o estudo das políticas globais de educação e da sua interação com os contextos nacionais. Por um lado, conceitos que traduzem uma visão hierárquica na interação entre as agendas globais e as políticas nacionais, e um fluxo unidirecional e efeitos homogeneizadores dos discursos globalizados, como “empréstimo e transferência de políticas”. Por outro lado, conceitos que refletem uma abordagem que destaca processos diferenciados na apropriação e na integração das diretrizes das agendas globais, tendo em vista considerar as especificidades dos contextos e os interesses e estratégias políticas nacionais, num “fluxo de ideias cada vez mais complexo, plurilateral e inter-escalar” entre os diferentes níveis e atores que interagem no âmbito das agendas globais e políticas nacionais de educação (Mundy et al., 2016, p. 7).

As agendas globais e a formação de professores na África subsariana

52No atual contexto globalizado depara-se, por um lado, com uma “gramática escolar, que tem procurado responder ao desafio de ensinar a muitos como se fossem um” (Teodoro, 2003, p. 7), o que traduz uma visão da escola enquanto espaço de “invenção da cidadania nacional e, consequentemente, afirmação do Estado-nação” (Teodoro, 2003, p. 7). No entanto, assiste-se simultaneamente à “internacionalização dos problemas educacionais” (Teodoro, 2003, p. 31) por meio da incorporação das agendas globais dos organismos internacionais de carácter intergovernamental nas agendas nacionais de educação, independentemente das características e especificidades dos contextos nacionais dos diversos países.

53A interação entre estes dois níveis de políticas de educação aponta para ao argumento dos teóricos da Sociedade Mundial, que defendem que “um único modelo global de escolarização se espalhou pelo mundo” (Verger, 2019, p. 12), contribuindo para a difusão de um modelo geral de Estado-nação, que utiliza a educação como uma “área fundamental para que os governos demonstrem à comunidade internacional que estão construindo um Estado moderno” (Verger, 2019, p. 12).

54A análise das políticas educacionais deve, contudo, considerar também as dimensões dos contextos nacionais: o aluno, o currículo, o processo de ensino-aprendizagem e os professores. É neste sentido que se torna pertinente conhecer os conhecimentos, aptidões e competências que os professores devem ter, que afetam o seu desempenho profissional, e que não são indiferentes ao contexto em que ocorre a “relação pedagógica” (Morgado, 1997, p. 18). Para além do domínio de conhecimento, nas sociedades atuais, é expectável que os professores interajam com os alunos, o currículo, as práticas pedagógicas, os recursos didático-pedagógicos, os métodos e técnicas de ensino e os processos de ensino-aprendizagem. A estas expetativas, e simultaneamente exigências, acrescem as condições estruturais e conjunturais dos contextos nacionais, que podem influenciar as trajetórias dos alunos nos países da África subsariana.

55Os sistemas educacionais modernos nasceram na Europa, nos séculos XVIII e XIX, e expandiram-se globalmente durante a segunda metade do século XX, refletindo uma “difusão mundial da escola” (Nóvoa & Schriewer, 2000, p. 103), que contempla as dimensões acima referidas. A formação de professores, que constitui uma destas dimensões, não é indiferente às especificidades do contexto, pois pode ser influenciada pelo índice de desenvolvimento humano (IDH), que considera o nível de alfabetização como um indicador, pelo orçamento que um determinado Estado aloca para a educação, que influencia a quantidade e a qualidade da oferta educativa, e as estruturas nacionais de formação de professores, o número de professores qualificados e o número de alunos a frequentar o ensino podem influenciar a oferta educativa.

56As características do contexto influenciam, assim, a formação de professores e consequentemente o seu desempenho profissional, mas, em termos gerais, é esperado que os professores sejam capazes de: planear e organizar aulas eficazes; gerir o processo de ensino-aprendizagem; criar e desenvolver recursos e materiais didáticos; utilizar métodos de ensino eficazes; contribuir para a formação e realização integral dos alunos; colaborar com todas as partes interessadas no processo educacional (Delors, 2010; Perrenoud, 2003). Neste sentido, a formação de professores deveria constituir uma prioridade nas políticas nacionais, para que a influência de aspetos institucionais, como a seleção de professores, os programas de formação inicial e continuada, a renovação das práticas pedagógicas, a melhoria dos meios de educação, ensino e condições de trabalho, na África subsariana, possam se traduzir em aspetos a ter em conta, no desenho de políticas educativas nacionais, e aquando dos processos de “incorporação” das agendas globais de educação, por forma a se alcançar educação, em quantidade e qualidade, para todos.

57De igual forma, as políticas de formação de professores não são indiferentes às agendas globais de educação. Após as independências, os países africanos integraram organizações internacionais, que introduziram mudanças nos sistemas educativos, com vista à construção da escola de massas. Registaram-se alterações ao nível das políticas nacionais que colocaram novas exigências à formação de professores, num contexto em que a educação e o conhecimento são reconhecidos como variáveis ​​importantes e relevantes no processo da nova organização social e económica (Tedesco, 2001).

58Assim, desde a década de 1990, os países da África subsariana têm adotado documentos orientadores globais, como a Declaração de Jomtien, na Conferência Mundial sobre Educação para Todos, realizada em 1990, que estabeleceu compromissos globais em torno do acesso universal à educação e da promoção da equidade na educação (Delgado & Melo, 2015). A partir da década de 2000, assiste-se a um alinhamento das políticas educacionais nacionais com a Agenda das Nações Unidas, que integrava a temática da formação de professores:

  • No Marco de Ação de Dakar Educação para Todos (UNESCO, 2002), é defendido como um objetivo apostar na melhoria do profissionalismo dos professores;

  • Nos Objetivos de Desenvolvimento do Milénio (ODM) (ONU, 2015a), é defendida a necessidade de garantir que haja professores e salas de aula suficientes para atender à demanda, especialmente na África subsariana;

  • Nos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) (ONU, 2015), é defendido que até 2030 é necessário aumentar substancialmente o número de professores qualificados, inclusive por meio da cooperação internacional.

59No contexto regional africano, com a adoção da Agenda 2063: A África que Queremos, da União Africana (UA) (2015), é defendido que o compromisso com uma África próspera, baseada no crescimento inclusivo e desenvolvimento sustentável, implica a definição e implementação de estratégias de investimento na educação, incluindo a promoção do pleno acesso à educação.

60No quadro das relações de cooperação entre a União Europeia e os países africanos, que remontam aos anos 60 e 70 e perduram até à atualidade, a União Europeia estabeleceu mecanismos de cooperação multilateral que incluem os países africanos, celebrou acordos com os Estados de África, Caraíbas e Pacífico (ACP) e tem realizado cimeiras União Europeia-África. Constituem, ainda hoje, marcos de referência, as Convenções de Yaoundé, as Convenções de Lomé e o Acordo de Cotonou (2000), a Declaração e o Plano de Ação do Cairo (2000), a Estratégia Europeia para África, a Estratégia Conjunta UE-África, as Declarações de Lisboa e Trípoli (2010) e a definição de uma “Nova dinâmica de parceria África-UE”, na Cimeira de Bruxelas (2014 e 2017). No campo das políticas educativas, assumem destaque: (a) o “Acordo de Cotonou – Estratégias de Desenvolvimento e Redução da Pobreza” (2000), que integra a melhoria dos sistemas de educação como um dos elementos principais do desenvolvimento social e humano; (b) a Cimeira de Bruxelas (2014), que estipulou como objetivo da parceria UE-África aprofundar a cooperação que atribua prioridade às pessoas que estão no centro da parceria. Os dirigentes deverão debater a forma de promover o capital humano através da educação e da formação, incluindo as mulheres e os jovens, proporcionando-lhes competências e conhecimentos para estarem mais bem qualificados para o mercado de trabalho. Em 2017, no “Relatório sobre Estratégia UE-África: Estimular o Desenvolvimento, com referência ao conceito de “resiliência social”, a educação é destacada na vertente de promoção de políticas públicas prioritárias e adequadas, alvo de investimentos nos sectores da educação (Ferreira, 2004; Parlamento Europeu, 2017; Pereira, 2014; União Europeia, 2020).

61As agendas globais foram, assim, sendo incorporadas nos planos nacionais de educação de diversos países, o que tem possibilitado um esforço de acompanhamento da evolução dos sistemas educativos e a sua comparação internacional. Neste sentido, a comunidade internacional pode ser percecionada como responsável pela “governança dos bens comuns globais”, um dos quais é a educação.

62O projeto “Avaliação da Iniciativa de Formação de Professores para a África Subsariana (TTISSA) (2006-2009)” constitui um exemplo da influência das agendas globais de educação na formação de professores. Este projeto pretendia contribuir para a melhoria do acesso, da qualidade e da equidade da educação na África subsariana, através da melhoria da quantidade e da qualidade do corpo docente (UNESCO, 2009, p. 10). Esta iniciativa teve como principal objetivo apoiar a formação de professores, com base num quadro lógico que associava a preocupação com a qualidade e a equidade, assente em quatro aspetos: (i) a melhoria do estatuto e das condições de trabalho dos professores; (ii) o estabelecimento de estruturas administrativas e de gestão coerentes; (iii) a harmonização das políticas relacionadas com os professores, para permitir o seu desenvolvimento; (iv) melhorar a qualidade e a consistência do seu desenvolvimento profissional (Benavente & Panchaud, 2008, p. 28). No entanto, apesar da importância atribuída à formação de professores na África subsariana, ao nível do debate internacional, o desenvolvimento de políticas e estratégias para os professores tem sido amplamente negligenciado em muitos países africanos.

63Na esteira do pensamento de Verger (2019, p. 12), a associação do investimento na educação como forma de demonstração, perante a comunidade internacional, da aposta na construção do Estado-nação moderno, nos países da África subsariana, “não tem sido relacionada ao seu nível de desenvolvimento, de industrialização ou de urbanização”, mas antes como forma de afirmação no contexto global, e perante o Norte Global. Apesar da retórica de apropriação pelos países, as agendas globais como Educação para Todos, os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM) e os ODS têm um efeito homogeneizador nas políticas educacionais (Elfert, 2023, p. 10) e representam uma política de conversão, que exclui as questões relativas ao não cumprimento dos princípios e valores da democracia nos decisores das agendas internacionais e mantém ausentes as vozes dos países mais pobres nesses processos (Elfert, 2023, p. 10).

O compromisso político nacional com a educação e a formação de professores e as influências globais (Agenda 2030, ONU) e regionais (Agenda 2063, UA)

64A ONU e, em especial, a UNESCO têm procurado fortalecer a cooperação em políticas públicas e práticas educativas, através do estabelecimento de padrões internacionais, que pretendem orientar a governança nos contextos nacionais. A UNESCO tem ainda se destacado no papel de “liderança da coordenação” e definição de modelos de “inspiração”, como se pode observar no movimento Educação para Todos e no desenvolvimento de objetivos normativos para a educação (UNESCO, 2016a, p. 89). Assim, a perspetiva que defende que as agendas globais de educação visam contribuir para “repensar a educação” parece destacar-se no atual contexto de “globalização de políticas educativas nacionais” e simultaneamente de “nacionalização de políticas educativas constantes nas agendas globais”. Neste sentido, a UNESCO parece assumir-se como um observatório global das transformações sociais, que tem como objetivo estimular o debate sobre políticas públicas educativas. De igual forma, a definição de objetivos educacionais pela UNESCO parece apontar para um esforço conducente à “conquista da voluntariedade” por parte dos diversos países que adotam as agendas globais de educação, para que os esforços coletivos e globais, bem como nacionais dos diferentes países, estejam alinhados e possam seguir uma orientação comum.

65A adoção da Agenda 2030 parece, assim, relevar um alinhamento entre os países que delineiam as “prioridades comuns de educação”, pois destaca a perceção da importância que tem sido atribuída à educação no plano global e consequentemente nos contextos nacionais. Esta agenda global destaca ainda o reforço do reconhecimento da “dimensão trilateral” que a educação pode assumir nos contextos nacionais, na aceção de Burnett (2014): (a) com a inclusão da educação como um direito humano nas constituições da República dos países; (b) com a defesa da ideia de que os indivíduos somente podem atingir seu pleno potencial e capacidade se forem “equipados” através da educação; e (c) com o reforço da ideia do “retorno do investimento na educação”, numa perspetiva mais ampla, incluindo os benefícios económicos, de coesão social, melhoria da saúde, redução dos índices de criminalidade e maior engajamento cívico.

66Perante esta abordagem, os países da África subsariana parecem estar alinhados com a perceção de que a educação constitui um bem comum global, mas tal posicionamento implica “reexaminar o propósito da educação à luz de uma visão renovada de desenvolvimento humano e social sustentável, que seja equitativo e viável” (UNESCO, 2016a, p. 35). Esta ideia reflete uma perceção da educação como um direito humano e um bem público comum que possibilita a realização de outros direitos humanos, “como valores, virtudes cívicas e o sentido de justiça e, como tal, inerente às relações existentes entre os membros de uma sociedade unidos num esforço coletivo de desenvolvimento” (UNESCO, 2016a, p. 84). Nesta perspetiva, a educação constitui uma instituição social que

possibilita e promove a aquisição de conhecimentos e competências e a ampliação dos horizontes pessoais, sendo uma oportunidade de socialização que favorece a compreensão de valores comuns e a internalização de regras fundamentais para o funcionamento das sociedades. (Giddens, 2014, p. 944)

67O ODS 4 da Agenda 2030 das Nações Unidas pretende, assim, representar uma reafirmação da importância do movimento global Educação para Todos, iniciado em Jomtien, em 1990, e reiterado em Dacar, em 2000. Nestes “compromissos globais”, é defendido que, para além das organizações internacionais, as organizações regionais, intergovernamentais e não governamentais podem desempenhar um papel de destaque nos contextos nacionais, no que se refere ao estímulo ao compromisso político com a educação. Destaca-se, assim, o potencial que a educação tem para impulsionar o desenvolvimento e o alcance de outros ODS da Agenda 2030, o que traduz a partilha de uma visão “inspiradora”, transformadora e universal para os desafios globais e nacionais, que o desenvolvimento de uma “educação inclusiva, equitativa e de qualidade” para todos enfrenta (UNESCO, 2016b, p. 7).

68A Agenda 2030 pretende, desta forma, realçar a importância de políticas públicas que concretizem uma educação que contribua para a inclusão e a equidade, por meio de um acesso mais generalizado à educação para todos, como forma de combater a exclusão e a marginalização. De igual forma, parece destacar a importância que a educação para todos assume no que se refere à promoção da igualdade de género, da criatividade, do conhecimento e da aquisição de competências básicas em literacia, matemática, competências analíticas e na resolução de problemas. Destaca, simultaneamente, a importância da promoção de uma educação que desenvolva habilidades, valores e atitudes que permitam aos cidadãos ter vidas saudáveis ​​e gratificantes, tomar decisões informadas e responder aos desafios locais e globais por meio da educação para o desenvolvimento sustentável e da educação para a cidadania global.

69No que se refere à “educação de qualidade”, a Agenda 2030 integra no discurso a importância da aposta na formação de professores, ao defender que é necessário promover a melhoria dos resultados da aprendizagem, o que implica que os “professores e educadores sejam capacitados, devidamente recrutados, bem formados, profissionalmente qualificados, motivados e apoiados em sistemas que disponham de bons recursos e sejam eficientes e dirigidos de maneira eficaz” (UNESCO, 2016b, p. 8). Esta ideia encontra-se reforçada na meta 4.c do ODS 4, que estipula como compromisso o esforço de, até 2030, se aumentar substancialmente o número de professores qualificados, inclusive por meio da cooperação internacional para a formação de professores nos países em desenvolvimento, especialmente nos países menos desenvolvidos e nos pequenos Estados insulares em desenvolvimento. Neste contexto, é dada particular ênfase à UNESCO, na medida em que “medeia uma agenda global da educação, especialmente no que diz respeito aos conhecimentos geográficos de progressão” (Forsberg, 2019, p. 32), com base em padrões de comparabilidade que pretendem facilitar a leitura do alcance das metas educativas, no entanto, pouco compatíveis atendendo à diversidade dos contextos nacionais.

70Em 2018, assiste-se no continente africano à definição de políticas a serem implementadas nos contextos nacionais tendo em vista o cumprimento, pelos diversos países, dos objetivos da Agenda 2063 da União Africana e da Agenda 2030 das Nações Unidas. No que diz respeito à educação, o alinhamento entre as agendas 2030 e 2063 parece destacar uma “visão de conjunto” quanto ao reconhecimento da “importância de uma educação de qualidade” e “que promova o emprego produtivo”, sob a inspiração de “Uma África próspera, baseada no crescimento inclusivo e no desenvolvimento sustentável” (Mo Ibrahim Foundation, 2020, p. 24). Ambas agendas parecem reconhecer que “a educação é um bem público essencial para ajudar as pessoas a se desenvolverem socialmente, intelectualmente e economicamente”, com base na quantidade da oferta educativa, traduzida nas oportunidades de acesso à educação, e simultaneamente com base na qualidade do ensino oferecido pelas instituições nacionais, o que denota o reconhecimento da importância da qualidade do ensino.

71A Agenda 2030 e a Agenda 2063 destacam, desta forma, a importância do investimento na melhoria contínua da educação, quer ao nível do acesso, da conclusão do ensino básico, quer da maior frequência de alunos no ensino secundário. Nos últimos anos, a maioria dos países africanos tem registado uma melhoria significativa no que diz respeito ao acesso à educação pelas crianças e jovens.

72A maioria destes países assistiu, nos últimos dez anos, ao crescimento significativo de alunos que concluíram o ensino básico fundamental e dos alunos matriculados no ensino secundário, “evidenciando que o acesso foi, em média, ampliado” (Mo Ibrahim Foundation, 2020, p. 25). Da mesma forma, na última década, assistiu-se ao maior aumento do número de alunos do ensino secundário e do ensino superior em África, bem como no que se refere ao número de professores por aluno nas escolas primárias. Mas os avanços e as conquistas na área da educação podem não refletir um ritmo satisfatório, pois “as tendências atuais não estão a melhorar suficientemente rápido para acompanhar o crescimento demográfico, com a faixa etária maioritária de África sendo menor de 15 anos” (Mo Ibrahim Foundation, 2020, p. 25).

Breve apresentação de alguns dados educativos dos países da África subsariana na década de 2010 a 2020

73No que se refere ao período de 2010 a 2019, assiste-se a uma diminuição do grau de satisfação com a oferta educativa e com a qualidade do ensino nos países da África subsariana. No entanto, verifica-se uma avaliação positiva do alinhamento da educação com as necessidades do mercado de trabalho e dos recursos humanos que atuam nas escolas primárias, com particular destaque para a formação de professores. Perante este cenário, regista-se uma evolução positiva na taxa de conclusão do ensino básico e na taxa de matrícula no ensino pré-escolar, no ensino básico, no ensino secundário e no ensino superior. Da mesma forma, regista-se uma maior paridade de género na educação, bem como um crescimento acentuado na formação de professores, o que parece representar os “resultados do investimento” nesta dimensão crucial da educação na África subsariana.

74Entre 2010 e 2019, regista-se uma evolução positiva na taxa de conclusão do ensino básico, na taxa de matrícula no ensino secundário e na taxa de matrícula no ensino superior nos países da África subsariana:

Gráfico 2 Matrículas em educação na África subsariana 2010-2019 (%)

Gráfico 2 Matrículas em educação na África subsariana 2010-2019 (%)

Fonte: IIAG (2020). https://iiag.online/​data.html?meas=_1&loc=g1&view=table

75Nos últimos dez anos, a frequência escolar permaneceu constante na África subsariana. No entanto, regista-se um aumento que pode ser considerado significativo na frequência do ensino secundário (6,5%) e do ensino superior (6,0%). Regista-se, no entanto, uma redução na frequência do ensino básico (-2%). A conclusão de estudos parece ter permanecido, igualmente, constante na África subsariana:

Gráfico 3 Conclusão da educação na África subsariana 2010-2019 (%)

Gráfico 3 Conclusão da educação na África subsariana 2010-2019 (%)

Fonte: IIAG (2020). https://iiag.online/​data.html?loc=g1&meas=SROL|PRI|FEO|HD&view=table

Gráfico 4 Recursos humanos afetos à educação na África subsariana 2010-2019 (%)

Gráfico 4 Recursos humanos afetos à educação na África subsariana 2010-2019 (%)

Fonte: IIAG (2020) https://iiag.online/​app.html?loc=g1&meas=SROL|PRI|FEO|HD&view=table

76Em dez anos, houve um aumento de 4% na conclusão dos estudos, em geral, e de 3,4% no ensino fundamental. Esse aumento parece refletir o esforço dos países da África subsariana em garantir que as meninas e os meninos concluam o ensino básico e secundário, que deve ser gratuito, justo e de qualidade, com resultados de aprendizagem relevantes e efetivos para todos os alunos.

77No que se refere aos recursos humanos alocados à área da educação, parece ter havido um aumento nos países da África subsariana entre 2010 e 2019 (Gráfico 4).

78Registam-se avanços positivos em relação à proporção professor-aluno (4,9%), bem como no número de professores com formação adequada para a docência (6%). Estes resultados parecem refletir um investimento na formação de professores, em resposta ou em consonância com as diretrizes das agendas globais.

79A promoção da igualdade de género, que constitui uma questão transversal nas agendas que visam defender o desenvolvimento socioeconómico sustentado, equitativo e inclusivo, encontra-se presente no processo de recolha de dados no campo educacional na África subsariana:

Gráfico 5 Igualdade na educação na África subsariana 2010-2019 (%)

Gráfico 5 Igualdade na educação na África subsariana 2010-2019 (%)

Fonte: IIAG (2020) https://iiag.online/​app.html?loc=g1&meas=SROL|PRI|FEO|HD&view=table

80A promoção da paridade de género na educação tem sido alvo de políticas educacionais globais. Na África subsariana observa-se um aumento positivo deste indicador (6,1%). No entanto, no que diz respeito à igualdade na educação, não se regista um aumento significativo (0,9%). O aumento na paridade de género destaca o alinhamento com a eliminação das disparidades de género na educação, o que denota que a educação pode constituir um “potencial equalizador do equilíbrio das desigualdades de género” (UNESCO, 2016b, p. 49) nos países da África subsariana.

81A avaliação da qualidade da educação na África subsariana diminuiu nas suas diferentes dimensões, nos últimos dez anos:

Gráfico 6 Avaliação da qualidade da educação na África subsariana 2010-2019 (%)

Gráfico 6 Avaliação da qualidade da educação na África subsariana 2010-2019 (%)

Fonte: IIAG (2020) https://iiag.online/​app.html?loc=g1&meas=SROL|PRI|FEO|HD&view=table

82Em termos gerais, a avaliação positiva da educação diminuiu, no que se refere à qualidade da educação (-5,3%), no que diz respeito à qualidade das políticas educacionais (-5,4%) e no que concerne ao alinhamento entre a educação e as necessidades do mercado de trabalho (-2,6%). Esse aspeto é particularmente relevante segundo a UNESCO (2016a), pois representa a oportunidade de reconsiderar o vínculo entre a educação e o desenvolvimento social, que se traduz na incorporação de novas formas de reconhecer, validar e avaliar a aprendizagem, num mundo do trabalho em rápida mudança.

83Assim, registaram-se avanços positivos na formação de professores (6%) e na frequência do ensino secundário (6,5%) e do ensino superior (+ 6,0%). Em sentido inverso, encontram-se as políticas nacionais de educação (-5,4%) e a qualidade da educação (-5,4%).

84Desde 2015, os países da África subsariana têm assistido a uma tendência inversa quanto ao progresso anteriormente registado no campo da educação. Essa trajetória de desaceleração pode ter sido impulsionada por três indicadores (IIAG, 2020, p. 62): (a) diminuição contínua das taxas de matrícula no ensino básico e na educação pré-escolar, entre 2015 e 2019; (b) desaceleração das taxas de conclusão do ensino básico nos anos esperados de escolaridade e ao longo da vida dos alunos; e (c) progresso mais lento no aumento do número de professores por aluno no ensino primário. Neste sentido, a importância do investimento na formação de professores destaca-se como fator determinante para o alcance dos objetivos estipulados e assumidos no âmbito das agendas globais, com particular destaque para a Agenda 2030 das Nações Unidas.

Considerações finais

85O conhecimento sobre a realidade educacional na África subsariana e da sua relação com a Agenda 2030 das Nações Unidas e a Agenda 2063 da União Africana constitui um campo de análise a ser aprofundado. A incorporação das agendas de educação global nos contextos educativos nacionais dos países da África subsariana parece refletir um alinhamento quanto à perceção de que a educação constitui um bem público comum global e um direito humano, que possibilita a realização de outros direitos humanos. Mas os países da África subsariana não devem ser percecionados apenas como recetores passivos das agendas globais de educação, pois também podem recorrer à “arena global” para promover reformas políticas educativas nacionais.

86Nos últimos anos, tem-se assistido à diminuição do grau de satisfação com a oferta educativa e com a qualidade do ensino nos países da África subsariana. No entanto, depara-se com uma apreciação positiva do alinhamento da educação com as necessidades do mercado de trabalho e dos recursos humanos educativos, com particular destaque para a formação de professores.

87A nossa reflexão parece apontar para uma distinção entre a “dificuldade de objetividade (das organizações internacionais)”, na definição de políticas e objetivos estipulados pelas agendas globais de educação, e a “inspiração da subjetividade (dos contextos nacionais)”, quanto ao esforço para o alcance dos objetivos estipulados pelas agendas globais de educação. Os objetivos educativos estabelecidos nas agendas globais, que se sobrepõem às características e especificidades dos contextos nacionais, parecem “inspirar os esforços de melhoria contínua”, enquadrados nas características de contextos socioeducativos nacionais concretos, traduzindo uma visão mais alargada dos objetivos das agendas globais de educação.

88Os objetivos comuns e metas estipulados nas agendas globais de educação nem sempre parecem ser alcançáveis. No entanto, poderão assumir-se como um “imaginário nacional inspirador”, que, tendo em conta as especificidades económicas, políticas, sociais e culturais, “inspiram” e “motivam” o esforço nacional continuo de melhoria. Nesta perspetiva, as agendas globais de educação devem ter em conta as condições objetivas dos contextos nacionais, para que possa ser possível a adoção e a implementação de políticas educativas nacionais que respondam, simultaneamente, às aspirações e prioridades nacionais e para o alcance dos objetivos educativos globais.

89As agendas globais de educação identificariam, assim, objetivos e metas “mais alcançáveis”, por terem em conta as condições dos contextos nacionais, promovendo assim um maior alinhamento com as políticas de educação nacionais, no pressuposto de que “embora a educação não possa ser vista como uma ‘varinha mágica’, ainda é uma extraordinária portadora de ganhos para o desenvolvimento dos países” (Santos, 2014, p. 22) e nos processos democráticos, sempre inacabados, de construção de sociedades mais justas e igualitárias.

90AAI (Africa-America Institute). (2015). State of education in Africa report 2015: A report card on the progress, opportunities and challenges confronting the African education sector. The Africa-America Institute.

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Índice das ilustrações

Título Tabela 1 Breve nota histórica das matrículas no ensino primário (milhões de habitantes) por continente, 1950-1997
Legenda Fonte: Adaptado de UNESCO, 2000, p. 41
URL http://journals.openedition.org/cea/docannexe/image/7367/img-1.png
Ficheiro image/png, 26k
Título Gráfico 1 Taxas estimadas de iliteracia adulta, por grandes regiões do mundo, 1950 e 2000 (%)
Legenda Fonte: Adaptado de UNESCO, 2000, p. 17
URL http://journals.openedition.org/cea/docannexe/image/7367/img-2.png
Ficheiro image/png, 11k
Título Gráfico 2 Matrículas em educação na África subsariana 2010-2019 (%)
Legenda Fonte: IIAG (2020). https://iiag.online/​data.html?meas=_1&loc=g1&view=table
URL http://journals.openedition.org/cea/docannexe/image/7367/img-3.png
Ficheiro image/png, 12k
Título Gráfico 3 Conclusão da educação na África subsariana 2010-2019 (%)
Legenda Fonte: IIAG (2020). https://iiag.online/​data.html?loc=g1&meas=SROL|PRI|FEO|HD&view=table
URL http://journals.openedition.org/cea/docannexe/image/7367/img-4.png
Ficheiro image/png, 19k
Título Gráfico 4 Recursos humanos afetos à educação na África subsariana 2010-2019 (%)
Legenda Fonte: IIAG (2020) https://iiag.online/​app.html?loc=g1&meas=SROL|PRI|FEO|HD&view=table
URL http://journals.openedition.org/cea/docannexe/image/7367/img-5.png
Ficheiro image/png, 47k
Título Gráfico 5 Igualdade na educação na África subsariana 2010-2019 (%)
Legenda Fonte: IIAG (2020) https://iiag.online/​app.html?loc=g1&meas=SROL|PRI|FEO|HD&view=table
URL http://journals.openedition.org/cea/docannexe/image/7367/img-6.png
Ficheiro image/png, 19k
Título Gráfico 6 Avaliação da qualidade da educação na África subsariana 2010-2019 (%)
Legenda Fonte: IIAG (2020) https://iiag.online/​app.html?loc=g1&meas=SROL|PRI|FEO|HD&view=table
URL http://journals.openedition.org/cea/docannexe/image/7367/img-7.png
Ficheiro image/png, 36k
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Para citar este artigo

Referência do documento impresso

Arlinda Manuela dos Santos Cabral, «África Subsariana e Agendas Globais de Educação: Uma reflexão sobre políticas de educação e de formação de professores»Cadernos de Estudos Africanos, 44 | 2022, 39-72.

Referência eletrónica

Arlinda Manuela dos Santos Cabral, «África Subsariana e Agendas Globais de Educação: Uma reflexão sobre políticas de educação e de formação de professores»Cadernos de Estudos Africanos [Online], 44 | 2022, posto online no dia 01 fevereiro 2024, consultado o 27 março 2025. URL: http://journals.openedition.org/cea/7367; DOI: https://doi.org/10.4000/cea.7367

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Arlinda Manuela dos Santos Cabral

LusoGlobe - Lusófona Centre on Global Challenges, Universidade Lusófona, Campo Grande, 376, 1749-024 Lisboa, Portugal, p6218@ulusofona.pt, ORCID: 0000-0002-7399-1760

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