Introdução

1O período da adolescência é pautado por rebeldia e desafio das normas e regras sociais, que podem levar a consumos de substâncias e violência, sendo este um período difícil quer para os pais, quer para os filhos (Relvas, 2000). Benoit et al. (1988, p. 3) referiram-se à adolescência como uma etapa caraterizada por “um processo de maturação que dá ao indivíduo a possibilidade de adquirir um conjunto de elementos que lhe permitem autonomizar-se em relação à sua família de origem”. Para os adolescentes, esta é uma etapa de grandes dualidades: por um lado, há um desejo de autonomia, mas também dependência; vontade de ir embora e de estar distante da família, e ao mesmo tempo uma necessidade de suporte e proteção; momentos de depressão e tristeza alternam com momentos de otimismo e entusiasmo, que fazem com que por vezes o adolescente se sinta em confronto com ele próprio (Relvas, 2000).

2 As relações fraternas são, salvo exceções, as mais longas das nossas vidas (Bank e Kahn, 1997) e têm por isso grande influência. Quando as interações entre irmãos são positivas, trazem grandes benefícios, nomeadamente no que concerne ao desenvolvimento de competências cognitivas e sociais e de cooperação com os outros (Noller, 2005). É no contexto fraterno que se desenvolvem competências ao nível da expressão dos sentimentos, da partilha de experiências e conhecimentos (Dunn, O’Connor e Cheng, 2005). Contudo, para Johnston e Freeman (1989), quando estas relações são negativas, também acarretam muitas consequências nocivas. As relações entre irmãos acabam, assim, por influenciar muitas outras relações em outros subsistemas: as relações entre pais e filhos, extra família nuclear (como os pares), e até de namoro, na procura de aprovação dos irmãos nestes relacionamentos (Hetherington, 1994). Pode até afirmar-se que as relações fraternas não ocorrem isoladamente, mas em parceria com outros subsistemas (Criss e Shaw, 2005).

3Um estudo de Bassuk et al. (2002) concluiu que as relações entre irmãos têm grande importância na saúde mental, chegando a ter um papel mais relevante do que a relação com os pais. O mesmo estudo refere ainda que em famílias com baixos recursos quer económicos, quer ao nível das competências parentais, os irmãos tendem a oferecer um maior suporte e segurança uns aos outros, colmatando assim as ausências dos progenitores.

4Sendo a violência exercida na fratria uma das mais comuns no contexto familiar (Khan e Cooke, 2013), ainda são escassos os estudos desta temática (Relva et al., 2014), incidindo maioritariamente na violência doméstica no sentido mais estrito. Os estudos realizados em Portugal (Relva et al., 2012a, 2012b, 2014) sugerem que no contexto fraternal a estratégia de resolução de conflitos mais utilizada é a negociação, seguindo-se a violência psicológica e a violência física, tal como corroborado por Straus et al. (1995); o seu impacto nas vítimas é bastante negativo (Button e Gealt, 2010; Khan e Rogers, 2015).

5O principal motivo para a desvalorização da violência na fratria deve-se à dificuldade em delimitar que comportamentos são normativos ou não entre irmãos, muitas vezes considerando-a inofensiva ou integrante do quotidiano familiar (Eriksen e Jensen, 2009) ou ainda como uma forma de resolução comum dos conflitos (Dunn e Kendrick, 1982). Não só a violência entre irmãos é aceite, como é esperada, e também por este motivo é normalizada tanto pelas vítimas (Kettrey e Emery, 2006), como pela família (Caffaro e Conn-Caffaro, 2005), e até mesmo por profissionais de saúde (Omer, Schorr-Sapir e Weinblatt, 2008). A falta de intervenção dos pais nas situações de violência entre irmãos reforça a continuidade do problema (Hoffman e Edwards, 2004; Kiselica e Morrill-Richards, 2007).

6Existem alguns fatores que estão diretamente relacionados com a violência na fratria, nomeadamente a idade, que parece ter algum peso nos tipos de violência exercidos e na sua gravidade: em crianças mais jovens (até aos 8 anos de idade), a violência física é utilizada como forma de resolver conflitos; entre os 9 e os 13 anos, é utilizada para definir fronteiras; e os adolescentes tendem a utilizá-la, maioritariamente, como forma de lidar com as responsabilidades e obrigações inerentes à idade (Kiselica e Morril- Richards, 2007).

7As consequências da violência entre irmãos são inúmeras e podem ter um impacto muito prejudicial a curto e a longo prazo na vida dos sujeitos; com efeito, quem experiencia um ou mais tipos de violência na fratria tende a exibir maiores dificuldades no futuro, ao nível da saúde mental (Tucker et al., 2013), como problemas emocionais, ansiedade (Mackey, Fromuth e Kelly, 2010) e depressão (Stocker, Burwell e Briggs, 2002), perturbações alimentares (Relva et al., 2014), dificuldades académicas, problemas comportamentais (Caffaro e Conn-Caffaro, 1998; Duncan, 1999; Relva et al., 2014), abuso de substâncias e alcoolismo (Button e Gealt, 2010) e perturbações relacionadas com o trauma (Finkelhor, Turner e Ormrod, 2006).

8Ensor et al. (2010) concluíram que em crianças pequenas a violência entre irmãos influencia significativamente a ocorrência de episódios de bullying num futuro próximo. Vários estudos referem que os rapazes são mais frequentemente agressores no que toca à violência na fratria do que as raparigas (Eriksen e Jensen, 2006, 2009; Graham-Bermann et al., 1994; Tippett e Wolke, 2015), sendo que as vítimas tendem a ser de ambos os sexos (Button e Gealt, 2010; Tucker et al., 2013).

9Nas relações fraternas pautadas por violência, as consequências tanta a curto como a longo prazo são variadas, quer ao nível emocional – com depressão, ansiedade (Duncan, 1999), baixa autoestima e, em casos mais extremos, danos na personalidade (Fernandes, 2005) –, quer ao nível social – com problemas no relacionamento com os pares.

10No que toca à idade, existem evidências de que a violência fraterna tende a diminuir na adolescência (Eriksen e Jensen, 2006; Finkelhor, Turner e Ormrod, 2006), podendo isso explicar-se pelo facto de crianças mais pequenas apresentarem maior dificuldade em regular as emoções e o uso da violência (Tippett e Wolke, 2015).

11Uma investigação de Tippett e Wolke (2015) concluiu que a violência na fratria é generalizada e assumida por mais de um terço dos participantes no estudo; também ter mais do que um irmão e ter irmãos rapazes aumenta a probabilidade de vitimação. Os irmãos mais velhos tendem a iniciar com mais frequência interações agressivas, o que pode ser explicado pela vantagem física e/ou mental que o mais velho tem sobre os restantes irmãos (Abramovitch et al., 1986). O contrário também se verifica com os irmãos mais novos a iniciar comportamentos violentos. Uma das explicações apresentadas é de que os irmãos mais novos entendem que os primogénitos estão mais próximos dos pais (Saroglou e Fiasse, 2003), e o ciúme leva-os a exibir comportamentos mais agressivos (Tippett e Wolke, 2015).

12Estudos recentes indicam que, quando comparado com o sexo feminino, o sexo masculino tende a utilizar com maior prevalência estratégias de resolução de conflitos com recurso à agressão física (sem sequelas) (Carvalho, Relva e Fernandes, 2018; Relva et al., 2014), o que pode estar associado à maior aceitação social da violência por parte dos rapazes (Fernandes, 2005). Quando a fratria é constituída por rapazes, também parece verificar-se uma maior incidência da violência (Lopes, Fernandes e Relva, 2017), indo ao encontro das teorias avançadas anteriormente. A vivência e/ou exposição à violência a que algumas crianças estão sujeitas dentro do contexto familiar pode igualmente influenciar a repetição dos comportamentos na relação fraterna (Hoffman, Kiecolt e Edwards, 2005; Wallace, 2007).

13Para Fernandes (2005), os conflitos entre irmãos dependem de diversos fatores, nomeadamente: a diferença de idades, sendo que, quanto maior for a diferença, melhor será a relação no que aos conflitos diz respeito; o género, pois irmãos de géneros diferentes exibem menos rivalidades, uma vez que não competem pelas mesmas coisas (objetos, atenção dos progenitores, etc.); e a forma como são tratados pelos progenitores, os quais, mesmo pretendendo tratar os filhos de igual modo, fazem-no de forma diferente e com expetativas diferentes em relação a cada um deles.

14O papel dos pais na resolução de conflitos entre os filhos é determinante, sendo importante salientar que a individualidade de cada um deve prevalecer e que as suas necessidades e desejos são diferentes; o papel dos pais é responder de forma distinta, mas justa, a cada um deles, de modo a minimizar os conflitos (Fernandes, 2005).

15Apesar da forte conotação negativa associada aos conflitos, existem autores que defendem a sua importância para o desenvolvimento. O fortalecimento do caráter, a agilidade motora, a capacidade de argumentar e de chegar a um consenso, a perseverança face às dificuldades, são algumas das competências que os irmãos desenvolvem com os conflitos (Faber e Mazlish, 1995).

16A relação que os irmãos estabelecem entre si é ímpar e dotada de um vínculo especial, que permite uma vivência de sentimentos variados e intensos, sejam eles positivos ou negativos, sendo esta uma relação muito ambivalente, principalmente nas fases infância e adolescência (Moreno, 2004). A relação fraterna é pautada por conflitos e rivalidades fruto da constante convivência entre os membros da fratria, no entanto as relações mantem-se indissolúveis (Campione-Barr e Smetana, 2010).

17O papel dos irmãos na família é relevante, promovendo entre os seus membros uma noção de partilha e reciprocidade, quer em termos emocionais, sociais e relacionais, quer na vivência de momentos e experiências. A relação fraterna pode também ser entendida como um laboratório onde é possível vivenciar sentimentos e momentos cruciais para o futuro, como por exemplo a capacidade de empatia com o outro (Losso, 2001). Um estudo de Milevsky (2005) analisou a relação fraterna com base no apoio que os irmãos desenvolvem dentro das fratrias, concluindo que este apoio, não só permite que a passagem à vida adulta seja menos solitária, como se encontra associado a níveis mais baixos de depressão e mais altos de satisfação com a vida e autoestima. O apoio dos irmãos mostra-se ainda extremamente relevante, quando a relação com os progenitores é deficitária (Tucker e Updegraff, 2009).

18Em função do que foi exposto, e dada a escassez de relação entre as variáveis acima mencionadas estabelecemos como objetivos específicos: (a) explorar a influência da idade no afeto positivo e negativo e na relação entre irmãos; (b) analisar as táticas de resolução de conflitos segundo o sexo e o número de irmãos dos participantes; (c) explorar a associação entre os afetos positivo e negativo, a relação entre os irmãos e as táticas de resolução de conflitos; e ainda (d) aferir o papel do sexo, da relação entre irmãos e das táticas de resolução de conflitos na predição dos afetos positivo e negativo.

1. Método

1.1. Participantes

19A amostra desta investigação foi constituída por 210 participantes, com idades compreendidas entre os 11 e os 16 anos (M = 14.1; DP = 1.3), sendo que 65,2% dos participantes eram do sexo feminino. Os participantes eram alunos de escolas públicas do Norte do país; 69 frequentavam o 7.º ano, 31 o 8.º ano, 44 o 9.º ano, e 66 o 10.º de escolaridade. Relativamente à família, a grande maioria dos participantes refere que os progenitores são casados (86,1% (pai) – 84,1% (mãe)).

20Para este estudo, a amostra foi selecionada no sentido de todos os participantes terem um ou mais irmãos, independentemente do tipo (irmãos de sangue, meios-irmãos, irmãos por parentesco ou irmãos adotivos). Dos participantes, 143 têm apenas um irmão, 51 têm 2 ou mais irmãos, e 13 têm 3 ou mais irmãos (máximo de 5 irmãos).

1.2. Instrumentos

21O Questionário sociobiográfico (QSB), baseado no Social Environment Questionnaire (SEQ), de Toman (1993), foi adaptado para a população portuguesa por Fernandes e Relva (2013). Este questionário permite recolher informações relativamente ao participante (sexo, idade, ano de escolaridade, nacionalidade) e ao seu seio familiar (número e tipo de irmãos, estado civil dos progenitores, idade e profissão).

22A Escala Portuguesa de Afetos Positivo e Negativo (PANAS), inicialmente concebido por Watson, Clarck e Tellegen (1988), pretende avaliar o afeto positivo e o afeto negativo. Para isso são apresentados 20 estados emocionais, 10 positivos (interessado, entusiasmado, excitado, inspirado, determinado, orgulhoso, ativo, encantado, caloroso e agradavelmente surpreendido) e 10 negativos (perturbado, atormentado, amedrontado, assustado, nervoso, trémulo, com remorsos, culpado, irritado e sentindo repulsa), sendo pedido ao participante que indique em que medida sentiu cada uma destas emoções no último ano, utilizando para isso uma escala tipo Likert (1 = Nada ou muito ligeiramente; 2 = Um pouco; 3 = Moderadamente; 4 = Bastante; 5 = Extremamente). A validação para a população portuguesa foi realizada por Galinha e Ribeiro (2005). A consistência interna da escala geral foi avaliada, sendo o seu valor adequado (α de Cronbach = .82). Para as subescalas, os valores de confiabilidade foram também eles adequados: afeto positivo .80; afeto negativo .84. No que respeita às análises fatoriais confirmatórias, a PANAS mostrou valores ajustados, sendo (χ² (167) = 343.77; p = .00; Ratio = 2.10; RMR = .09 e RMSEA = .07), à exceção do CFI = .85, que se encontra abaixo do valor recomendado, podendo explicar-se este facto com o tamanho da amostra (Mulaik et al., 1989).

23As Revised Conflict Tactics Scales – Sibling Version (CTS2-SP) (Straus, et al., 1995, traduzido e adaptado por Relva e Fernandes, 2013) permitem avaliar as táticas de resolução de conflitos entre irmãos, sendo um instrumento de autorrelato com 39 itens, divididos em cinco escalas relativas à forma como os irmãos resolvem os seus conflitos, recorrendo à negociação, agressão psicológica, agressão física sem sequelas, coerção sexual (dimensão excluída deste estudo por não ser adequada aos seus objetivos) e agressão física com sequelas (Fernandes et al., 2016). No caso concreto deste instrumento, foi pedido aos participantes para responderem tendo em conta o irmão mais próximo em idade. No que concerne à consistência interna da escala geral, o valor é adequado (α de Cronbach = .93). Para as subescalas, os valores de confiabilidade foram também adequados relativamente a: negociação .91; agressão psicológica .92; abuso físico sem sequelas .91. Apesar de a dimensão abuso físico com sequelas apresentar uma boa consistência interna (.78), as suas subescalas vitimação (α de Cronbach = .58) e perpetração (α de Cronbach = .57) apresentavam baixos valores de consistência interna, optando-se por isso por não utilizar esta dimensão em análises futuras.

24Relativamente às análises fatoriais confirmatórias, este instrumento mostrou valores ajustados, sendo que para a perpretação os valores são (χ² (267) = 601.32; p = .00; Ratio = 2.25; CFI = .84; RMR = .20 e RMSEA = .08) e para a vitimação (χ² (269) = 677.72; p = .00; Ratio = 2.52; CFI = .80; RMR = .20 e RMSEA = .09). O valor do CFI inferior ao recomendado, .90, é explicado pelo tamanho da amostra (Mulaik et al., 1989).

25O Questionário do irmão ou irmã (BSQ), de Graham-Bermann e Cutler (1994), validado para a população portuguesa por Relva et al. (2016), é um instrumento de autorrelato que permite avaliar a relação entre irmãos, com base em quatro dimensões: empatia, ou seja, a medida em que os irmãos se preocupam um com o outro, partilham momentos e vivências; manutenção de limites, que avalia a distância, quer física, quer psicológica, existente na relação entre os irmãos; semelhanças, que permite compreender se os irmãos têm interesses comuns, visões semelhantes sobre um dado assunto e reações semelhantes numa dada situação; coerção, que avalia o poder e o controlo que um irmão tem sobre o outro. Este instrumento é composto por 35 itens (Relva et al., 2016).

26No que respeita à consistência interna da escala geral, o valor é adequado (α de Cronbach = .86). Para as subescalas, os valores de confiabilidade foram também eles adequados: empatia .89; Fronteiras .83; e semelhanças .71. Uma vez que a escala coerção apresentava uma baixa consistência interna (.47), optou-se por não a utilizar nas análises futuras. Relativamente às análises fatoriais confirmatórias, este instrumento mostrou valores ajustados, sendo (χ² (367) = 958.12; p = .00; Ratio = 2.61; CFI = .80; RMR = .18 e RMSEA = .09). Apesar de o valor do CFI ser inferior ao recomendado (.90), vários autores sugerem que o tamanho da amostra poderá condicionar este valor, aceitando-se por isso valores inferiores ao recomendado (Mulaik et al., 1989).

1.3. Procedimentos

27Definido o tema de estudo, iniciou-se uma intensa pesquisa da literatura existente sobre a temática em livros, artigos científicos e bases de dados online como a b-on e o Google Académico, essencial para definir o plano de investigação a seguir. Após esta fase, o projeto foi submetido à Comissão de Ética da UTAD, que deu a sua aprovação, dando-se assim continuidade à investigação. Foram selecionadas as escolas da zona norte do país para a recolha da amostra, tendo-se obtido o consentimento de três escolas para a realização da investigação. Após o consentimento por parte da direção das escolas e a seleção das turmas que iriam integrar o estudo, foram entregues os consentimentos informados aos encarregados de educação dos alunos participantes para que consentissem na participação dos seus educandos no estudo.

28A administração dos instrumentos decorreu em contexto de sala de aula, com duração média de 35 minutos. Antes do início do preenchimento dos instrumentos, foi dada uma breve explicação sobre os objetivos do estudo e dadas todas as instruções relevantes para o seu preenchimento; igualmente, foi explicado que a participação na investigação era voluntária e respeitava as regras de confidencialidade e anonimato, pelo que os participantes poderiam desistir a qualquer momento.

1.4. Análises estatísticas

29O tratamento dos dados obtidos iniciou-se com a sua codificação e foi criada uma base de dados recorrendo ao programa estatístico Statistical Package for the Social Sciences – IBM SPSS, versão 23.0; para o estudo das propriedades psicométricas dos instrumentos, recorreu-se ao IBM SPSS Amos, versão 24.0.

30 Primeiramente foram analisados superficialmente todos os questionários com o intuito de excluir os que estavam preenchidos incorretamente ou que omitiam informações de interesse relevante para a investigação, a fim de se obter uma amostra o mais fidedigna possível. Após esta etapa foi feita uma limpeza da amostra, através da identificação de missings e outliers. Para o cálculo dos outliers, recorreu-se à determinação de Zscores e ao cálculo da distância de Mahalanobis. Durante estes procedimentos foram excluídos alguns sujeitos da amostra, por poderem comprometer futuros cálculos.

31 Após limpeza da base de dados, foram criados grupos para as variáveis sociodemográficas de modo a evitar erros futuros e a facilitar a análise dos dados e a concretização dos testes paramétricos, nomeadamente testes-t e análises de variâncias (ANOVAS). Em todas as análises estatísticas foram considerados valores de significância de 5%. Foram então criados dois grupos respeitantes à idade (Grupo 1: dos 11 aos 13 anos; Grupo 2: dos 14 aos 16 anos) e ainda outros dois relativos ao número de irmãos de cada participante (Grupo 1: 1 irmão; Grupo 2: mais de 1 irmão).

32Foram então efetuadas análises da amostra ao nível da afetividade, associando-a a vários fatores como a idade dos participantes, as táticas de resolução dos conflitos, o sexo dos participantes e ainda o número de irmãos de cada fratria. Realizaram-se também analises relativamente às relações entre irmãos tendo em conta a idade.

33Para análise da correlação entre as variáveis em estudo, recorreu-se à correlação de Pearson, que avalia em que medida duas variáveis se correlacionam entre si. Por última, foi feita uma análise da regressão múltipla hierárquica.

2. Resultados

2.1. Análise dos afetos positivo e negativo, táticas de resolução de conflitos e relação entre irmãos em função de variáveis sociodemográficas

34Para a análise das variáveis em estudo, começou-se por associá-las aos fatores sociodemográficos recolhidos, recorrendo-se aos teste-t e ANOVA. Importa salientar que foram assegurados os pressupostos da homogeneidade através do teste de Levene e confirmando a homogeneidade das variâncias sempre que os valores de significância fossem superiores a 0.05. Relativamente às táticas de resolução de conflitos entre irmãos, os resultados demonstraram diferenças estatisticamente significativas na vitimação em função do sexo dos adolescentes na seguinte variável: negociação (t(210) = –2,726; p =.007), com IC [-1.09, –.18], sendo que o sexo feminino apresentou um maior nível de negociação (M =3.67, DP =1.64) comparativamente ao sexo masculino (M = 3.03, DP = 1.52), como é possível observar na tabela 1.

35Nas situações de perpetração, e no que concerne à variável negociação (t(210) = 2.907; p = .004), com IC [.22, 1.13], verificou-se que os participantes com apenas 1 irmão recorrem mais a esta estratégia (M = 3.55, DP = 1.6) do que os do grupo 2 (M = 2.88, DP = 1.6). Ainda ao nível da vitimação, são observadas diferenças significativas em termos de agressão psicológica (t(210) = 2,397; p = .017), com IC [.08, .83], voltando a verificar-se que os participantes com apenas 1 irmão apresentam uma maior vitimação (M = 1.58, DP = 1.4) do que os participantes com mais do que 2 irmãos (M = 1.12, DP = 1.2).

36Nas situações de perpetração da variável negociação: (t(210)= 2,907; p =.004), com IC [.22, 1.13], observou-se que os participantes com apenas 1 irmão apresentam um nível mais elevado desta variável (M=3.55, DP=1.6) do que os adolescentes do grupo 2 (M=2.88, DP=1.6). Sobre a perpetração da agressão psicológica (t(210)= 2,741; p =.007), com IC [.14, .88], também existem diferenças estatisticamente significativas entre ambos os grupos, sendo que o grupo 1 apresenta maiores níveis de perpetração (M = 1.55, DP = 1.3) do que o grupo 2 (M = 1.04, DP = 1.1), como observado na tabela 2.

37Para a análise diferencial da relação entre os irmãos, no que concerne à idade, foram estabelecidos dois grupos: grupo 1 (11-13); e grupo 2 (14-16). Os resultados da análise diferencial revelaram diferenças estatisticamente significativas na empatia (t(210) = 2,971; p =.003), com IC [.11,.55] em função da idade dos adolescentes. Deste modo, os adolescentes com idades compreendidas entre os 11 e os 13 anos experimentam maiores níveis de empatia com os irmãos (M = 3.97, DP = .70) do que os adolescentes com idades entre os 14 e os 16 anos (M = 3.64, DP = .80), como observado na tabela 3.

2.1. Associação entre os afetos positivo e negativo, táticas de resolução de conflitos e relação entre irmãos

38Relativamente às correlações entre as variáveis em estudo (PANAS, CTS2-SP e BSQ), os resultados simplificados podem ser observados na tabela 4. Existem associações entre as diversas variáveis, nomeadamente no que diz respeito à afetividade: a variável afeto positivo apresenta algumas correlações significativas, embora de baixa magnitude, com diversas variáveis como a negociação (tanto na vitimação (r = .259, p < .01), como na perpetração (r = .240, p < .01)) e a agressão psicológica (r = .229, p < .01). É relevante referir ainda as correlações entre as variáveis das táticas de resolução de conflitos, de grande magnitude, e as variáveis dos vários tipos de agressão, nomeadamente agressão psicológica (vitimação e perpetração (r =.934, p < .01)) e agressão física (vitimação e perpetração (r = .905, p < .01)). Observam-se ainda correlações negativas entre as variáveis do BSQ – Relação entre irmãos e as táticas de resolução de conflitos que implicam recurso à agressão (física ou psicológica), variando entre baixa e média magnitude, tendo em mente os valores sugeridos por Cohen (1988).

2.3. Análises preditivas: O papel preditor do sexo, das dimensões das táticas de resolução de conflitos e da relação fraternal nos afetos positivo e negativo

39Com o intuito de analisar a influência que o sexo, as táticas de resolução de conflitos e a relação entre irmãos têm na predição dos afetos positivo e negativo, recorreu-se à regressão múltipla hierárquica. Neste sentido foram criados três blocos. O bloco 1 diz respeito à variável dummy: sexo (0 = Masculino; 1 = Feminino), o bloco 2 engloba as táticas de resolução de conflitos e o bloco 3 inclui as variáveis da relação entre irmãos, como é possível observar na tabela 5. Relativamente ao afeto positivo, o bloco 2 apresenta um contributo significativo (F (7,202) = 3.343, p = .002): 10,6% do modelo. O valor da variância geral é explicado apenas pelas variáveis do bloco 2, sendo excluídas as variáveis do bloco 1. Assim sendo, as variáveis das táticas de resolução de conflitos explicam 10,6% (R² Change = .106) da variância no afeto positivo. Ainda sobre o afeto positivo, o bloco 3 apresenta também um contributo relevante (F (9,200) = 3.595, p = .000), explicando 13,9% da variância global e 3,5% (R² Change = .035) da variância individual. A análise do papel de cada uma das dimensões de todos os blocos revelou que uma das variáveis do bloco 3 evidencia uma contribuição significativa (p ≤ .05), predizendo positivamente o afeto positivo: a empatia (β = .219).

3. Discussão

40O trabalho apresentado pretendeu: analisar as táticas de resolução de conflitos utilizadas pelos adolescentes com base nas variáveis sexo e número de irmãos; compreender a relação entre os irmãos tendo por base a idade; correlacionar as variáveis dos afetos positivo e negativo, a relação entre os irmãos e as táticas de resolução de conflitos, entendendo as correlações existentes entre as variáveis; e por fim compreender o papel do sexo, das táticas de resolução de conflitos e da relação entre irmãos nos afetos positivo e negativo.

41Relativamente às táticas de resolução de conflitos, é possível observar que da amostra recolhida para este estudo, o sexo feminino apresentou maior nível de negociação, quando comparado com o sexo masculino. Este resultado vem ao encontro do estudo de Lopes et al. (2017), que refere que a negociação é, em geral, a estratégia mais identificada na resolução de conflitos, sobretudo no caso das raparigas. Este resultado concorda ainda com a grande maioria dos estudos desta temática, que afirmam que o sexo masculino é o mais violento na fratria, utilizando com mais frequência as táticas de agressão física (Carvalho et al., 2018; Relva et al., 2014; Relva, Fernandes e Mota, 2012), enquanto as raparigas optam mais frequentemente pela via da negociação (Relva et al., 2019; Lopes et al., 2017); este é, de resto, culturalmente, o resultado mais esperado de cada um dos géneros (Wallace, 2007).

42Sobre as táticas de resolução de conflitos tendo por base o número de irmãos, os participantes com apenas 1 irmão apresentam maior nível de negociação em geral e maior nível de agressão psicológica (vitimação e perpetração) do que os participantes com 2 ou mais irmãos. Apesar de não terem sido encontrados estudos que analisassem o efeito do número de irmãos nas estratégias de resolução de conflitos, estes dados corroboram estudos mais gerais que afirmam que a estratégia mais utilizada é a negociação, seguindo-se a agressão psicológica e depois a física (Lopes et al., 2017; Relva et al., 2014).

43Ao nível da relação entre os irmãos, foi possível observar que os adolescentes entre os 11 e os 13 anos apresentam maior empatia na relação fraterna do que os participantes com idade superior a 14 anos. Um estudo de Graaff (2014) refere, no entanto, que a capacidade de demonstrar empatia apenas é conseguida após a entrada na adolescência, sendo os nossos resultados de certa forma incongruentes com esta investigação. Também Oliveira (2017) concluiu na sua investigação que os adolescentes com mais de 13 anos apresentavam mais empatia, tal como havia sido sugerido por outros autores (Geng, Xia e Qin, 2012). A incongruência dos nossos resultados com os apresentados na literatura poderá ser explicada pelo facto de as médias dos dois grupos (11-13 anos e 14-16 anos) estarem estatisticamente muito próximas.

44 No que diz respeito à associação das variáveis em estudo, foi possível observar correlações significativas positivas no afeto positivo e na negociação, indo ao encontro da literatura já existente, uma vez que a negociação é a forma mais positiva de resolução de um conflito, pois implica que as partes conversem e debatam sobre o assunto (Morley e Stephenson, 2015), chegando a uma decisão que satisfaça ambas as partes sem recurso à violência (Monteiro, 2010). Também são notórias as correlações negativas entre as variáveis da relação entre irmãos (BSQ) e as variáveis de agressão quer física, quer psicológica de baixa e média magnitudes. Como já vários autores tinham evidenciado, a agressividade em adolescentes relaciona-se negativamente com a empatia (Matias, 2012); isto é, a empatia associa-se positivamente com a resolução cooperativa dos conflitos, acontecendo o oposto quando os conflitos se resolvem com base na agressividade (Ferronha et al., 2014).

45 Relativamente à capacidade preditiva do sexo, da relação entre irmãos e das táticas de resolução de conflito nos afetos positivo e negativo, concluiu-se que a relação entre irmãos consegue predizer o afeto positivo, isto porque, apesar de a relação ser pautada por competição, ciúmes e rivalidade (Goldsmid e Féres-Carneiro, 2011), também oferece aos seus elementos a possibilidade de aprender e construir relações duradouras que proporcionem apoio (Muniz e Carneiro, 2012) e afetos, tornando-se assim num laço muito rico (Núñez, Rodrígues e Lanciano, 2007). Desta forma, é esperado que uma melhor relação fraterna consiga predizer o afeto positivo. Neste sentido, a empatia é capaz de predizer o afeto positivo, assim como o aumento dos comportamentos positivos (Ferronha et al., 2014). Sendo a empatia a capacidade de fazermos nossos os sentimentos do outro, é de alguma forma expectável que melhore a convivência entre as pessoas, aumente os comportamentos de ajuda e promova relações positivas (Oliveira, 2017).

3.1. Implicações práticas, limitações e propostas para estudos futuros

46O trabalho apresentado debruçou-se sobre as questões da resolução de conflitos entre irmãos, associando-os aos afetos positivo e negativo, na tentativa de perceber uma realidade ainda muito ignorada ou desvalorizada pela sociedade em geral: a violência na fratria.

47Por esta razão, é crucial chamar a atenção para estas questões, que chegam a ser mais frequentes do que a violência entre homem e mulher e podem assumir consequências nefastas tanto no momento como no futuro. Nesta perspetiva, é também fundamental compreender a relação entre irmãos tanto nas vivências saudáveis, como nas violentas. É pertinente que se comece a olhar para as questões da fratria e da violência que ocorre no seu seio, na prática clínica, como forma de travar e prevenir a continuidade deste tipo de violência, que acaba por afetar toda a família.

48No que concerne às limitações deste estudo, é de referir a sua aplicação em contexto de sala de aula, muitas vezes no fim de um dia de aulas, o que poderá ter levado a respostas menos refletidas por parte dos participantes. O facto de no geral o protocolo aplicado ser muito grande também levou a que os alunos ficassem cansados, preenchendo o mesmo com maior leviandade. Por fim, é de notar que a amostra não poderá ser generalizada a todo o país devido ao seu tamanho reduzido e por se tratar de dados recolhidos numa zona muito concreta, o interior norte do país.

49Num estudo futuro seria importante analisar mais as questões da violência na fratria e o papel dos pais para a boa resolução dos mesmos, visto continuar a ser ainda um tema que desperta pouco interesse e estudo entre a comunidade científica e a população em geral.

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116- Receção: 04.07.2022

117- Aprovação: 12.10.2022