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Dossiê Políticas e mudanças climaticas

Ilhas de calor urbano em cidades de pequeno e médio porte no Brasil e o contexto das mudanças climáticas

Les îlots de chaleur urbains dans les petites et moyennes villes au Brésil et le contexte des changements climatiques
Urban heat islands in small and medium-sized cities in Brazil and the context of climate change
Margarete Cristiane de Costa Trindade Amorim

Résumés

Depuis la constitution de la planète, le climat a déjà été plus chaud et plus froid, plus humide et plus sec que les conditions actuelles. Cependant, nous sommes confrontés à de fortes altérations du paysage naturel résultant des actions humaines, en particulier dans les zones urbaines, capables d’engendrer un climat urbain spécifique. L'expansion territoriale urbaine et les activités exercées par la société interfèrent sur le bilan énergétique du fait du remplacement de la végétation par des constructions et l'imperméabilisation du sol ainsi que par la génération de chaleur anthropogénique, associée aux activités humaines. Les conséquences de ces changements sont les îlots de chaleur urbains, qui se caractérisent par une augmentation de la température dans les villes par rapport aux zones rurales adjacentes. L'objectif de cet article était d'analyser les changements climatiques qui se produisent à l'échelle locale, en particulier dans la génération d'îlots de chaleur, dans les villes moyennes et petites situées dans l'environnement tropical continental, ayant, à titre d'exemple analytique, des épisodes de la saison sèche. Des considérations ont également été présentées sur la complexité scalaire dans laquelle le changement climatique est impliqué. Pour cette raison, l'importance des petites et moyennes villes de Brésil a été reflétée, en raison de l'expression économique et sociale qu'elles ont prise ces dernières années. Des données horaires de température de l'air ont été utilisées dans un point urbain et un point rural à Presidente Prudente (SP), Rosana (SP), Paranavaí (PR) et Nova Andradina (MS). L'analyse de la variabilité horaire des îlots de chaleur dans les villes susmentionnées a montré que les villes de moyenne et petite taille, lorsqu'elles ne disposent pas d'actions efficaces de planification et de gestion, disposent d'îlots de chaleur de très forte amplitude (supérieure à 6ºC), montrant la gravité des résultats diagnostiqués, soulignant la nécessité de mesures pour atténuer les altérations climatiques à l'échelle locale.

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Texte intégral

1Atualmente, cerca de metade da humanidade vive em cidades. A população urbana do mundo cresceu de 751 milhões em 1950 para 4,2 bilhões em 2018. Projeções indicam que, dos atuais 55% de pessoas vivendo em áreas urbanas, em 2050, o percentual chegará a 68% (ONU, 2018a). No Brasil, em 2018, estima-se que o percentual da população urbana atingiu 86,6%, e projeções indicam que em 2050 chegará a 92,4%. Este crescimento foi muito rápido, pois nos anos de 1950, esta parcela demográfica correspondia a 36,2% (ONU, 2018b).

2A expansão territorial urbana e as atividades desempenhadas nesses ambientes, modificam radicalmente a paisagem natural. Obviamente que modificações na superfície da Terra não se limitam às áreas urbanizadas, pois vastas áreas com cobertura vegetal nativa foram convertidas para agricultura, mineração, pastagens, reservatórios, dentre outros usos.

3Entretanto, o balanço de energia é fortemente alterado nas cidades devido a substituição da vegetação por construções e a impermeabilização do solo. Estas alterações resultam na absorção e reflexão de calor dos diferentes materiais da superfície, e também na geração do calor antropogênico, associada às atividades humanas, como, por exemplo, o aumento do calor produzido pelos veículos, pelas indústrias e pelos climatizadores de ambientes internos.

4Tais alterações na superfície e as atividades desenvolvidas proporcionam o aumento da temperatura urbana, formando as ilhas de calor. A definição clássica de ilha de calor foi apresentada por Oke (1978) e Oke, Mills, Christen, Voogt (2017), ao evidenciar que o aumento das temperaturas nas cidades é definido como a diferença de temperaturas entre o urbano e a área adjacente não urbana e a sua magnitude é modulada por condições em ambos os ambientes e pelos sistemas atmosféricos atuantes (Amorim, 2019).

5O aumento da temperatura nas áreas metropolitanas passou, muito recentemente, a fazer parte das preocupações do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC), embora os efeitos urbanos sobre o clima na escala local sejam uma das mais antigas observações em climatologia (início do século XIX).

6Os trabalhos sobre o Primeiro Relatório de Avaliação sobre Alterações Climáticas e Cidades (ARC3) foram publicados por Rosenzweig, Solecki, Hammer, Mehrotra (2011), com o objetivo de construir a base científica para a ação nos ambientes urbanos sobre as alterações climáticas. Os estudos foram realizados em doze cidades de grande porte (Atenas, Dakar, Delhi, Harare, Kingston, Londres, Melbourne, Nova York, São Paulo, Xangai, Tóquio e Toronto). Entretanto, as cidades de pequeno e médio porte não foram mencionadas como produtoras de características climáticas específicas que podem contribuir negativamente para a qualidade de vida de milhares de pessoas que nelas vivem.

7O tema sobre as mudanças climáticas globais tem centrado as discussões tanto no âmbito científico como político. Há muitas perspectivas dissonantes quando se busca quantificar as mudanças e explicar suas causas e repercussões.

8O quarto relatório elaborado pelo IPCC (AR4), publicado em 2007, aponta que a causa principal das mudanças climáticas é a ação antrópica por meio da emissão de poluentes e gases de efeito estufa. No referido relatório, “o sistema natural consta como um atributo de menor significado nos processos e causas das dinâmicas climáticas” (Grimm, Prado, Giacomitti e Mendonça, 2012, p. 59). Os relatórios elaborados pelo IPCC indicam que o clima está mudando e esta mudança decorre das transformações do homem na superfície do planeta e na atmosfera, sendo este um fenômeno mundial com repercussões negativas sobre a sociedade e sobre os ecossistemas (Fernández García, 2009).

9Na escala global, a grande questão que está colocada se refere à definição da causa do fenômeno, ou seja, se a tendência de aumento da temperatura observada resulta de modificações naturais e/ou da ação antropogênica.

10Compartilhamos com as ideias de Conti (2005), ao mostrar que:

A elevação da temperatura global vem, efetivamente, ocorrendo, mas é indispensável avaliar as causas com base numa investigação abrangente, que leve em conta, não só a ação antrópica, representada pela liberação intensa de gases de efeito estufa, derrubada das florestas tropicais, superexploração da natureza desconsiderando os princípios da sustentabilidade, e outras práticas predatórias, mas, também, os processos naturais de macro-escala, incluindo os da esfera geológica e astronômica.

A mudança climática envolve um dinamismo mais complexo do que a simples elevação da média térmica, mesmo porque o clima não se define só pela temperatura. Contudo, a reação em cadeia que se estabelece a partir do aquecimento deve ser avaliada em profundidade.

Por outro lado, a alteração do perfil climático do globo, que se manifesta sob forma de tendências, rupturas e ciclicidades, faz parte da história do planeta e está documentado em relevos residuais, em depósitos sedimentares, em paleossolos, em formações vegetais relictuais, além de registros meteorológicos, disponíveis, ainda que em caráter pontual, desde o século XVII (Conti, 2005, p. 71).

11Conforme apontaram Dubreuil, Amorim, Froissard e Quenol (2014, p.80-81), em um contexto de aquecimento global, “[...] o clima urbano levanta a questão de impactos concretos e sensíveis de um fenômeno global, em nível local. Portanto, é necessário compreender os mecanismos do clima local, a fim de avaliar os efeitos futuros do aquecimento global na cidade e iniciar processos de adaptação”.

12Diante da complexidade escalar em que as mudanças climáticas estão envolvidas, este texto tem como objetivo discutir as alterações climáticas que ocorrem na escala local, particularmente na geração de ilhas de calor, em quatro cidades de médio e de pequeno porte localizadas nas regiões centro-oeste (1), sul (1) e sudeste (2) do Brasil, em ambiente tropical continental, tendo, como exemplo analítico, episódios da estação seca.

13Tais cidades foram escolhidas porque fazem parte da divisa entre três estados (São Paulo, Paraná e Mato Grosso do Sul), denominada por Passos (2006) como Raia Divisória São Paulo, Paraná, Mato Grosso do Sul. A região em que as cidades estão inseridas foi explorada no século XX, inicialmente pela retirada da madeira e depois pela inserção de culturas temporárias, seguida pela pastagem, geração de hidroeletricidade e atualmente pelo plantio da cana de açúcar. Trata-se, portanto, de cidades inseridas em área de fronteira com características naturais praticamente homogêneas, mas que ao longo do tempo tiveram distintas formas de ocupação e criaram formas diferentes de construção da paisagem (Passos, 2011).

O clima urbano em cidades de pequeno e de médio porte

14Os estudos sobre as ilhas de calor em cidades de pequeno e médio porte, embora desconsiderados na maioria das políticas públicas tanto na escala global como local, têm se pautado no fato de que, assim como nos grandes centros urbanos, em aglomerações com menores dimensões territoriais e complexidades do ponto de vista de sua estruturação, são observadas fortes transformações na paisagem natural, materializadas através de diferentes formas de poluição do ar, água, solo e subsolo, além de transformações na morfologia e estrutura do ambiente urbano (Amorim, 2010; 2017; 2018; 2019).

15Os rios e córregos são canalizados ou têm seus cursos alterados; a morfologia é modificada através de aterros e construções; a vegetação é retirada; e a associação das atividades urbanas com a forma de ocupação da terra provoca alterações nos processos dinâmicos da atmosfera e, consequentemente, nos elementos climáticos (Amorim, 2017; 2019).

16Seja na escala global ou na escala local, as alterações no clima têm sido verificadas no decorrer do tempo. Os estudos das ilhas de calor nas cidades de pequeno e médio porte se justificam pela expressão que as cidades tomaram nos últimos anos.

17No Brasil, as cidades de pequeno e médio porte apresentam importância na economia nacional e nelas vive a maioria das pessoas. Conforme as informações apresentadas na Tabela 1, em 2010, somando-se o percentual da população nas cidades de pequeno e médio porte, este atingia 66,22% do total nacional. Além disso, segundo Motta e Mata (2008), possuíam em 2005, 58,06% de participação no produto interno bruto (PIB) nacional. Desde a década de 1970, as cidades médias têm desempenhado um papel importante na dinâmica econômica e espacial do país.

Atualmente o seu fortalecimento é evidenciado pelo processo de desconcentração da produção e da população no território nacional. Enquanto as cidades com mais de 500 mil habitantes estão perdendo participação no PIB nacional – queda de 1,64 ponto percentual (p.p.) no período de 2002 até 2005 –, as cidades médias estão ampliando sua participação (aumento de 1,28 p.p. no mesmo período). Do ponto de vista populacional, as cidades com mais de 500 mil habitantes estão crescendo a taxas percentuais abaixo das cidades médias (entre 100 mil e 500 mil habitantes) (Motta, Mata, 2008, p. 33).

18As cidades refletem as contradições inerentes ao processo capitalista de produção do espaço e resultam na segregação social e espacial e na exclusão de grande parte de sua população (Santos, 1994).

Tabela - Participação dos municípios por tamanho na população nacional em 2010

Tamanho do município

Número absoluto da população total em 2010

% na população total em 2010

Maior que 500 mil habitantes

54.357.615

33,78

Entre 100 mil e 500 mil habitantes

43.992.408

27,34

Menor que 100 mil habitantes

62.575.769

38,88

Total

160.925.792

100

Fontes: IBGE/Censo Demográfico de 2010.

19Deste modo, há expressiva quantidade de pessoas que vivem nos centros urbanos de pequeno e médio porte e, consequentemente, são afetadas por suas características específicas, particularmente no que diz respeito ao desconforto térmico e aos problemas decorrentes das altas temperaturas.

20Situações de estresse térmico são comuns no ambiente tropical e as ilhas de calor contribuem para intensificar situações de desconforto para os citadinos. Deste modo, os estudos de clima urbano em cidades médias e pequenas também são importantes pela necessidade de se ter cidades mais agradáveis e saudáveis para seus moradores.

21Além dos aspectos estruturais na geração dos diferentes tipos de ilhas de calor urbanas, compartilhamos das ideias de Sant’Anna Neto (2012), quando trata da necessidade de se avançar e enriquecer as análises incorporando-se a dimensão social na interpretação do clima urbano. Esta perspectiva pressupõe que a compreensão da repercussão dos fenômenos atmosféricos na superfície terrestre ocorre em um território, transformado e produzido pela sociedade, de maneira desigual e apropriado conforme os interesses dos agentes sociais.

22Embora as cidades não sejam homogêneas e a forma como os ambientes urbanos são estruturados mundialmente, particularmente no Brasil, resulta na geração de espaços cada vez mais desiguais. Os grupos sociais que habitam a cidade sofrem de maneira diferenciada as consequências que as ilhas de calor podem proporcionar aos seus habitantes. Neste artigo, foram priorizadas análises que demonstrem claramente a capacidade de cidades pequenas e médias de alterar a atmosfera local por meio da geração de ilhas de calor.

23Desta maneira, considerando-se a definição clássica de ilha de calor, que analisa a diferença de temperaturas entre o urbano e a área adjacente rural (Oke, 1978 e Oke, Mills, Christen, Voogt, 2017), são apresentados a seguir, alguns exemplos que mostram claramente a capacidade das cidades de médio e de pequeno porte na alteração do clima na escala local.

Exemplos analíticos de estudos sobre a geração de ilhas de calor em cidades de médio e de pequeno porte

24A fim de exemplificar a capacidade que os ambientes urbanos têm para alterar a temperatura em relação ao rural próximo, foram utilizados dados horários de temperatura do ar em um ponto urbano e outro rural de pesquisas realizadas junto ao grupo de pesquisa GAIA – Interações na superfície terrestre, água e atmosfera, com sede na Universidade Estadual Paulista, Faculdade de Ciências e Tecnologia, e contou, no decorrer do tempo, com financiamento da FAPESP, CNPQ e CAPES.

25As cidades escolhidas foram Presidente Prudente (SP), Rosana (SP), Paranavaí (PR) e Nova Andradina (MS) (Figura 1). Sob outra perspectiva, tais cidades foram analisadas por Amorim (2017), quando se priorizou o estudo das ilhas de calor de superfície por meio da utilização de imagens do canal infravermelho termal do satélite Landsat 8 (banda 10). Naquele estudo, tais cidades foram analisadas considerando-se as temperaturas superficiais (temperaturas dos alvos) e a distribuição espacial da cobertura vegetal arbórea, da vegetação rasteira, das construções e dos tipos de materiais construtivos dos telhados.

26Presidente Prudente apresentou população estimada de 228.743 habitantes em 2019, e é sede da 10a região administrativa do Estado de São Paulo. Rosana localiza-se a 236 metros de altitude e a cerca de 10km da confluência dos rios Paraná e Paranapanema, a 7km da margem do Paranapanema e a 1km do rio Paraná (Figura 1). O rio Paraná é o limite territorial natural com o Estado do Mato Grosso do Sul a oeste, e o rio Paranapanema é o limite com o Estado do Paraná ao sul. Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a estimativa da população em 2019 foi de 16.643 habitantes.

27Paranavaí localiza-se na porção noroeste do Estado do Paraná com população estimada de 88.374 habitantes (IBGE, 2019) e Nova Andradina, localiza-se na porção sudeste do Estado do Mato Grosso do Sul, com total de 54.374 habitantes (IBGE, 2019).

28No presente artigo, serão feitas análises das ilhas de calor atmosférica inferior, definida por Oke (1978; 2017), como urban canopy layer, compreendendo as diferenças de temperatura entre o ambiente urbano (U) e o rural (R) circundante (ΔT = U-R), dos registros realizados entre a superfície e o nível médio dos telhados em meses representativos da estação seca.

Figura 1 – Localização de Presidente Prudente (SP), Rosana (SP), Paranavaí (PR) e Nova Andradina (MS).

Figura 1 – Localização de Presidente Prudente (SP), Rosana (SP), Paranavaí (PR) e Nova Andradina (MS).

Fonte: Amorim, 2017.

29As cidades em análise se caracterizam pelo clima tropical continental em área de transição entre as massas de ar tropicais (Atlântica e Continental), polares e equatoriais e por temperaturas elevadas na maior parte do ano. Na primavera/verão as temperaturas diárias oscilam entre 20ºC e 32ºC, com média das máximas entre 27°C e 29°C e máximas absolutas próximas aos 40ºC. Nesta época do ano, concentra-se cerca de 75% da precipitação anual de 1.300mm. No outono/inverno, as temperaturas decrescem ligeiramente, mas permanecem elevadas, com média das máximas em torno de 25oC e máxima absoluta próxima de 34ºC, à exceção dos episódios das invasões do anticiclone polar, quando as temperaturas mínimas oscilam entre 16ºC e 18ºC, com valores absolutos que chegam a 0ºC (-1,8°C em julho de 1975) (Amorim, Dubreuil, Quenol e Sant´Anna, 2009; Amorim, 2017).

Intensidade das ilhas de calor atmosféricas em cidades de médio e de pequeno porte

30Nas cidades em estudo verificaram-se as diferenças das temperaturas horárias (Figuras 2 a 5), considerando-se os dados registrados em uma estação urbana e outra rural de referência para cada uma das cidades.

31Para definir a intensidade e magnitude das ilhas de calor atmosféricas foi utilizada a classificação de Fernández García (1996). Segundo esta classificação as ilhas de calor atmosféricas de muito forte magnitude são aquelas com diferenças de temperatura entre o urbano e o rural acima de 6 °C, as ilhas de forte magnitude são aquelas registradas entre 4 °C e 6 °C, as de média magnitude entre 2 °C e 4 °C e as de fraca magnitude entre 0 °C e 2 ºC. Por outro lado, também foram registradas “ilhas de frescor”, conceito utilizado por Mendonça (1994), Steinecke (1999) e Amorim (2000; 2017), que ocorreram quando as diferenças entre as temperaturas do ar de áreas urbanas e rurais foram menores do que zero (T).

32As Figuras 2 a 5 foram elaboradas com o objetivo de mostrar a variabilidade horária da intensidade da ilha de calor urbana no decorrer de um mês em cada uma das cidades e também foram inseridos os totais diários de precipitação, devido as ilhas de calor diminuírem de intensidade sob condições atmosféricas instáveis, especialmente com eventos de precipitação.

33As maiores intensidades das ilhas de calor urbanas são registradas sob condições de estabilidade atmosférica, ou seja, com céu claro, vento calmo e sem precipitação (Oke, 1978; Amorim, 2000; 2010; 2017). A instabilidade atmosférica, percebida por fortes movimentos advectivos do ar e precipitação, tende a homogeneizar as diferenças de temperaturas entre os ambientes, por maiores que sejam as diferenças entre as suas caraterísticas de construções e de uso da terra.

34Nas cidades foram registradas as maiores intensidades das ilhas de calor, predominantemente, no período noturno nos meses representativos da estação seca (julho de 2019 para Presidente Prudente, julho de 2008 para Paranavaí e Nova Andradina e junho de 2007 para Rosana).

35Com exceção de Paranavaí, nas outras cidades, independentemente de seu porte, as ilhas de calor registradas foram de forte e de muito forte magnitude no período noturno, nos dias sem registros de precipitação. As menores intensidades das ilhas de calor e mesmo alguns eventos de ilhas de frescor foram registrados no período diurno (em Presidente Prudente, Rosana e Nova Andradina).

36Em Presidente Prudente (Figura 2), a maior das quatro cidades, sem o registro de precipitação, a partir das 18h ocorreu o aumento das intensidades das ilhas de calor, que estiveram acima de 6 ºC na maioria dos dias. As altas magnitudes perduraram por toda a noite e se enfraqueceram no início das manhãs, havendo, em alguns dias, o registro de ilhas de frescor, particularmente nos horários de maior incidência dos raios solares (12h).

Figura 2 - Presidente Prudente: intensidade e evolução horária da ilha de calor em julho de 2019

Figura 2 - Presidente Prudente: intensidade e evolução horária da ilha de calor em julho de 2019

37Em Nova Andradina e Rosana (Figuras 3 e 4), também foram registradas intensidades parecidas com Presidente Prudente. Entretanto, a menor das cidades (Rosana), a persistência das ilhas de calor de muito forte magnitude foi evidente.

Figura 3 - Nova Andradina: intensidade e evolução horária da ilha de calor em julho de 2008

Figura 3 - Nova Andradina: intensidade e evolução horária da ilha de calor em julho de 2008

Figura 4 - Rosana: intensidade e evolução horária da ilha de calor em junho 2007

Figura 4 - Rosana: intensidade e evolução horária da ilha de calor em junho 2007

38Paranavaí, a segunda maior cidade das quatro em análise, teve as maiores intensidades das ilhas de calor, predominantemente, nos horários de maior aquecimento diurno, entre 13h e 18h (Figura 5).

Figura 5 - Paranavaí: intensidade e evolução horária da ilha de calor em julho 2008

Figura 5 - Paranavaí: intensidade e evolução horária da ilha de calor em julho 2008

39Em estudos realizados por Dorigon (2015), Dorigon e Amorim (2011; 2019) também se verificou que Paranavaí apresenta características diferentes, seja do ponto de vista da intensidade das ilhas de calor ou de sua variabilidade horária, de outros estudos realizados. Nas pesquisas realizadas por Porangaba (2015), Cardoso, Dorigon, Teixeira e Amorim (2017), Amorim (2010), Moreira, Amorim e Fernández García (2019) as maiores diferenças, tanto térmicas quanto higrométricas foram registradas no período noturno e não no período da tarde como ocorreu em Paranavaí.

40A explicação para estas diferenças pode estar relacionada com a presença de cobertura vegetal arbórea na malha urbana, especialmente nas calçadas e no interior dos terrenos (jardins e quintais). Dorigon e Amorim (2011; 2018; 2019), mostraram que o modelo de urbanização adotado em Paranavaí, apresenta-se de uma forma particular, pois é possível identificar planejamento no crescimento da cidade, fato que não ocorreu na maioria das cidades brasileiras.

Considerações finais

41Atualmente, as preocupações com as mudanças climáticas e, particularmente, com o aumento da temperatura em escala planetária, são evidenciadas por alguns governantes, cientistas e parcela da população. Entretanto, pouca atenção é dada para as alterações da temperatura na escala local.

42Conforme demonstrado, as ilhas de calor são diagnosticas nas cidades de pequeno e de médio porte, com intensidades e magnitudes muito elevadas. As características climáticas das cidades localizadas no ambiente tropical continental, a exemplo do que se mostrou, apresentam temperaturas mais elevadas do que no rural circundante. Embora não tenha sido o foco do presente artigo, sabe-se que as diferenças de temperatura entre o urbano e o rural contribuem para deslocamentos advectivos do ar, proporcionando a concentração de poluentes nas áreas com as maiores temperaturas, além do que, sob episódios de temperaturas elevadas, são responsáveis pela intensificação do desconforto térmico. Neste sentido, as ilhas de calor urbanas, mesmo no inverno, são prejudiciais a qualidade de vida das pessoas que vivem nesses ambientes.

43Embora outros estudos de climatologia urbana tenham sido publicados sobre cidades localizadas na raia divisória São Paulo, Paraná, Mato Grosso do Sul (Amorim, 2010 e 2017), a particularidade do presente artigo está em comparar as intensidades das ilhas de calor atmosféricas no decorrer das 24 horas do dia, em episódios da estação seca. Esta análise, mostrou claramente que as magnitudes das ilhas de calor não dependem apenas do porte populacional, dos sistemas atmosféricos atuantes, do tipo e adensamento das construções, mas, fundamentalmente, da presença de cobertura vegetal arbórea na malha urbana.

44Deste modo, a análise da variabilidade horária das ilhas de calor atmosféricas em cidades localizadas nesta região de fronteira, com características climáticas regionais semelhantes é inédita.

45Estudos desta natureza são fundamentais, porque as temperaturas elevadas podem proporcionar efeitos diretos sobre a mortalidade e morbidade, e a maioria da população está sujeita a esses efeitos, já que não apenas no Brasil, mas em escala planetária a maior parte das pessoas vivem em áreas urbanas.

46Essas relações pouco têm sido estudadas no Brasil, entretanto, a influência das altas temperaturas sobre a morbidade e mortalidade foi demonstrada em diversos estudos. Dentre eles, destaca-se o realizado por Díaz et alii. (2002), que verificou a existência de algumas condições críticas a partir das quais a mortalidade aumenta.

47As temperaturas elevadas também interferem no aumento do consumo de energia e, na realidade brasileira, há parcela significativa da população de baixa renda que tem sua situação agravada na medida em que, por falta de opção, se utiliza de materiais construtivos pouco adequados ao conforto térmico, além de ocuparem lotes pequenos, completamente construídos e sem cobertura vegetal significativa. Tais fatores contribuem para os efeitos adversos do calor armazenado nas edificações, expondo essas pessoas a situações de insalubridade que podem se manifestar na forma de enfermidades como doenças respiratórias e do aparelho circulatório.

48Um aspecto importante a ser lembrado, refere-se ao que Gartland (2010, p. 179) abordou sobre os óbitos relacionados ao calor. Segundo a autora, essas situações aumentam durante as ondas de calor, como, por exemplo, o evento de cinco dias de calor em Chicago, em julho de 1995, que foi responsável por pelo menos 700 mortes.

49Outro exemplo de eventos relacionados ao excesso de calor, refere-se a onda de calor que ocorreu na Europa, em 2003, quando milhares de pessoas morreram, notadamente idosos. Estima-se que, apenas na França, vieram a óbito cerca de 14.000 pessoas. Embora seja raro um número tão grande de mortes associadas a esse tipo de evento, elas não são incomuns. Segundo Fernández García (2009),

El aumento de la mortalidad y morbilidad asociada al calor es un hecho demostrado y el mejor ejemplo lo encontramos en la ola de calor del verano de 2003, que provocó más de 35000 muertes en Europa. Es preciso tener en cuenta, sin embargo, que aunque es probable que haya aumentos en la mortalidad relacionada con el calor, estos podrían ser compensados por la disminución de la mortalidad relacionada con el frío. Como en el caso anterior la cuantificación presenta grandes incertidumbres por la capacidad de adaptación de la población y por la eficiencia de medidas de prevención como los sistemas de alerta, ya implantados en numerosos países (Fernández García, 2009, p. 179).

50As intensidades das ilhas de calor atmosféricas apresentadas neste artigo e em várias outras pesquisas realizadas em cidades de pequeno e médio porte, evidenciam a gravidade dos resultados diagnosticados e a necessidade de medidas para amenizar altas temperaturas nos ambientes urbanos.

51As políticas públicas podem ser capazes de contribuir para amenizar as diferenças de temperaturas entre o rural e o urbano. Exemplo disso foi verificado em Paranavaí, tanto nos dados aqui apresentados, como em pesquisa realizada por Dorigon e Amorim (2011; 2014; 2019).

52Projetos de arborização urbana com espécies adequadas ao ambiente tropical podem ser fundamentais para a amenização das temperaturas elevadas e, além disso, deve-se investir na utilização de materiais construtivos adequados que não exijam a climatização dos ambientes internos, além de aumentar as áreas permeáveis urbanas, por meio da manutenção das áreas de preservação ambiental e de preservação permanentes, recomposição de áreas degradadas, criação de parques urbanos e manutenção das áreas verdes já existentes.

53Deste modo, existem problemas que necessitam de medidas imediatas quando o tema é mudança climática – aumento da temperatura, que passa pela questão da escala de análise. A escala local deve ser prioritária nas medidas para mitigar as altas temperaturas.

54As alterações climáticas que resultam do processo de urbanização fazem parte do cotidiano da sociedade e, particularmente as ilhas de calor urbanas, na maioria das cidades não são consideradas nas políticas públicas e nem conhecidas pelos cidadãos.

Agradecimentos

55Ao programa CAPES/COFECUB (Processo: 88881.191765/2018-01) pelo financiamento do projeto intitulado CiClAMEn: Cities, Climate And vegetation: Modeling and Environmental public policies.

56Ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico - CNPQ – Bolsa de Produtividade em Pesquisa – Processo: 307191/2018-4.

57A Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo – FAPESP – Processos: 2005/55505-3; 2014/16350-3; 2015/50439-4.

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Table des illustrations

Titre Figura 1 – Localização de Presidente Prudente (SP), Rosana (SP), Paranavaí (PR) e Nova Andradina (MS).
Crédits Fonte: Amorim, 2017.
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Titre Figura 2 - Presidente Prudente: intensidade e evolução horária da ilha de calor em julho de 2019
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Titre Figura 3 - Nova Andradina: intensidade e evolução horária da ilha de calor em julho de 2008
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Titre Figura 4 - Rosana: intensidade e evolução horária da ilha de calor em junho 2007
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Titre Figura 5 - Paranavaí: intensidade e evolução horária da ilha de calor em julho 2008
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Pour citer cet article

Référence électronique

Margarete Cristiane de Costa Trindade Amorim, « Ilhas de calor urbano em cidades de pequeno e médio porte no Brasil e o contexto das mudanças climáticas »Confins [En ligne], 46 | 2020, mis en ligne le 30 juin 2020, consulté le 05 février 2025. URL : http://journals.openedition.org/confins/31403 ; DOI : https://doi.org/10.4000/confins.31403

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Auteur

Margarete Cristiane de Costa Trindade Amorim

Profa. Livre-docente da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Presidente Prudente, SP, Brasil, margarete.amorim@unesp.br

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