1Esse dossiê, amplamente debatido com os Editores da Confins, Revista franco-brasileira de geografia, se caracteriza fundamentalmente pela interdisciplinaridade. As mudanças climáticas são reconhecidas, junto com a perda de biodiversidade, como os principais desafios da humanidade neste século XXI e a cada dia assume maior importância, estudadas por diversas áreas do conhecimento, não apenas em termos dos processos físicos e químicos, mas também seus impactos sobre a sociedade. Nesse aspecto, a sociedade, causadora e vítima das referidas mudanças climáticas e seus governos reconhecem que ações concretas são essenciais para encontrar formas de mitigação e adaptação dos territórios, de abrangência internacional, nacional e local, por meio de políticas públicas.

2Nesse dossiê sobre Políticas de Mudanças Climáticas observa-se inicialmente que a formação e a trajetória de seus autores é diversa – advogado, agrônomo; cientista político; economista; geógrafo; zootecnista, dentre outras – e reforça a ideia de que o tema é abrangente e não só permite mas exige o envolvimento tanto de cientistas da física e da natureza quanto das humanidades e das ciências sociais.

3A diversidade encontrada nesse dossiê se expressa não somente na formação de trajetória de seus autores mas também nas metodologias - “estudos de caso”, únicos e comparados, com análises quantitativas e qualitativas, coleta de dados meteorológicos, entrevistas com atores locais, dentre outras. Ainda no aspecto metodológico, todos os artigos, seguindo a tradição da Revista Confins, valorizaram as imagens e suas leituras.

4Do ponto de vista geográfico propriamente, os artigos abrangem, em escala multinível, o território brasileiro: usando os estados como padrão de localização dos estudos, esses foram realizados no Rio Grande do Sul, São Paulo, Minas Gerais, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul e Paraná de tal modo que 03 das 05 regiões do país estão contempladas.

5Em termos territoriais, foram analisados desde municípios como Rosana (SP) e Paranavaí (PR) com baixo contingente populacional até a capital de São Paulo (SP), de tal modo que é possível perceber as alterações do clima e observar as políticas de mitigação e adaptação às mudanças climáticas em municipalidades de diversos portes.

6A principal convergência entre os artigos é a prevalência de análise sobre aspectos adaptativos das políticas de mudança climática. É bem verdade que o assunto é tratado de muitas formas, o que favorece o aproveitamento da leitura integral do dossiê para comparar os artigos, analisar formas de aprofundamento das análises e construir novas hipóteses de pesquisa.

7O artigo “Dos acordos globais às interpretações locais sobre agricultura sustentável: tradução e implementação do Plano e do Programa ABC” discute como os acordos climáticos internacionais foram traduzidos pelos atores do agronegócio brasileiro na construção do Plano Setorial de Mitigação e de Adaptação às Mudanças Climáticas para a Consolidação de uma Economia de Baixa Emissão de Carbono na Agricultura (Plano ABC) e como foi sua implementação nos estados de Minas Gerais e Rio Grande do Sul. O mesmo demonstra que a construção do Plano ABC envolveu certa antecipação dos atores do agronegócio brasileiro com relação às ideias internacionais. Esses atores participaram da COP15 com uma proposta estruturada de política pública para a agricultura de baixa emissão de carbono e “traduziram” os termos do acordo para o contexto nacional. Assim, há uma sucessão de “traduções” de ideias e articulação de interesses até sua implementação nos espaços locais. Se as ideias de redução de emissão de gases de efeito estufa (GEE) estavam presentes no momento de formulação do Plano e do Programa, as mesmas não encontram correspondência nas interpretações e atuações dos burocratas de nível de rua. Estes interpretam o Programa como “mais uma” linha de crédito, apontando questões formais e administrativas que desestimulam o acesso a essa política pública. Observa-se, deste modo, um “distanciamento interpretativo” entre as ideias presentes na escala global e suas traduções nas escalas nacional e local.

8O artigo “a climatização das políticas no contexto de fragmentação e setorialização das agendas e da implementação de instrumentos” é resultado parcial de dois amplos projetos de pesquisa chamados ‘Typoclim’ e ‘Tackling Climate Change’ financiados por MUSE-Université de Montpellier que trata da formulação e implementação de instrumentos de adaptação da agricultura às mudanças climáticas (AACC) e se insere na literatura sobre os desafios de efetivação de políticas climáticas nos territórios. O foco deste artigo é a dinâmica dos atores políticos e sociais tanto no processo de construção da agenda política quanto no processo de produção e implementação de instrumentos de políticas públicas no Estado de São Paulo. Dentre os instrumentos analisados, destacam-se o protocolo de transição os planos agroecológicos por um lado e o seguro rural, que embora antigo, foi « adaptado » aos riscos climáticos. Conclui-se que as políticas de adaptação entraram com fragilidade na agenda política diante das políticas de mitigação; que a escolha do instrumento molda a agenda; que o setor agrícola marginalizado, criou políticas adaptativas desarticuladas dos outros setores e « climatizadas ». O desenvolvimento do protocolo agroecológico não segue uma lógica sequencial: união, estados e municípios. As políticas de mudanças climáticas no setor agrícola em São Paulo não estão articulados entre si, mas sugerem uma espécie de « bricolage » de políticas setoriais, cada qual com suas próprias lógicas e processos.

9O artigo “Dinâmica da cobertura da terra e carbono em 55 assentamentos na Amazônia Legal entre 2008 e 2016: implicações para políticas de mudanças climáticas” foi produzido a nove mãos como resultado de um amplo projeto de pesquisa e articula a dinâmica de cobertura da terra e as emissões brutas de carbono nesses assentamentos, situados em 22 municípios do norte de Mato Grosso. Por meio de estudo de caso e georeferenciamento os autores concluem que é possível associar reforma agrária, desenvolvimento econômico e social e conservação da floresta amazônica. No entanto, os autores defendem a valorização de políticas voltadas para o pagamento de serviços ambientais e para os produtos da floresta em pé (manejo florestal de baixo impacto e de recursos não madeireiros). Do ponto de vista político, os autores indicam a necessidade de estabelecer uma governança multinível capaz de articular esforços do governos federal, estadual e municipal, além da sociedade civil e do mercado.

10No artigo “A conjuntura e as decisões governamentais sobre clima no Estado do Mato Grosso, Brasil” os autores analisam as dinâmicas territoriais de uso e ocupação da terra no Estado do Mato Grosso e suas implicações políticas e administrativas no processo de tomada de decisão sobre a questão climática. Do ponto de vista metodológico, destaca-se o trabalho de campo por meio do qual foram realizadas entrevistas com os atores locais, dentre os quais gestores públicos e políticos. Resulta do estudo a percepção de que a política local de mudança climática esbarra nos interesses do setor do agronegócio, dominante no território. Por mais que haja uma tentativa de organizações não governamentais e instâncias mistas influenciarem a construção de uma agenda local ambiental, os conflitos de interesse entre o setor dominante e os outros setores e as ambiguidades expressas nas políticas emergem nas entrevistas como entraves.

11Em “Ilhas de calor urbano em cidades de pequeno e médio porte no Brasil e o contexto das mudanças climáticas” trata -se do tema das políticas de mudanças climáticas a partir da escala local, utilizando estudos de caso em municípios pequenos e médios. Parte-se da constatação de que a expansão territorial urbana e as atividades desempenhadas pela sociedade interferem no balanço de energia por causa da substituição da vegetação por construções, compactação e impermeabilização do solo, que resulta na absorção e reflexão dos diferentes materiais da superfície e na geração do calor antropogênico, ou seja, associada às atividades humanas. As consequências de tais alterações são as ilhas de calor urbanas, que se caracterizam pelo aumento de temperatura nas cidades em relação às áreas rurais adjacentes. O artigo analisa as alterações climáticas que ocorrem na escala local, particularmente na geração de ilhas de calor, em cidades de médio e de pequeno porte localizadas no ambiente tropical continental, usando como exemplo analítico episódios da estação seca. A análise da variabilidade horária das ilhas de calor nas cidades como Presidente Prudente (SP), Rosana (SP), Paranavaí (PR) e Nova Andradina (MS) mostrou que as cidades de médio e de pequeno porte, quando não dispõem de ações efetivas de planejamento e gestão, possuem ilhas de calor de forte magnitude (acima de 6oC).

12Finalmente, em “A inclusão da variável climática no processo de licenciamento ambiental: uma breve análise da realidade do Estado de São Paulo” procura-se analisar a (des)articulação de diferentes instrumentos de políticas públicas: um já histórico que diz respeito às formas de licenciamento ambiental; e outros condizentes ao tema das mudanças climáticas. O artigo parte do pressuposto de que as atividades empresariais precisam se adequar às questões globais urgentes, como as mudanças climáticas. Seu objetivo é traçar um histórico da inclusão da questão climática no licenciamento ambiental brasileiro, tendo em vista a sua importância na viabilização de atividades empresariais com impacto sobre as emissões de gases de efeito estufa. Pautado na pesquisa bibliográfica, o artigo demonstra a falta de inclusão da obrigatoriedade de mensuração das emissões de gases de efeito estufa no licenciamento ambiental, especificamente no estado de São Paulo. Verificou-se que, apesar dos comprovados impactos das atividades econômicas e do desenvolvimento de instrumentos específicos para o enfrentamento das mudanças climáticas não há uma exigência normativa de análise das questões relacionadas às emissões de GEE no processo de licenciamento ambiental do estado de São Paulo.

13Boa leitura!