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Dossiê

Espaço rural, desenvolvimento e conflitos territoriais em Caetité – Bahia

Rural space, development and territorial conflicts in Caetité – Bahia.
Espace rural, développement et conflits territoriaux à Caetité - Bahia.
Dhione Andrade Figueredo et João Phelipe Santiago

Résumés

Nous avons l’intention de présenter des réflexions sur les transformations de l’espace rural de la municipalité de Caetité – Bahia, dues à l’insertion de projets développementaux dans cet espace. Nous utiliserons des références bibliographiques comme subventions sur la reconfiguration territoriale, ainsi que le biais idéologique du discours de modernisation de développement, et de l’appropriation de celui-ci par l’État. En même temps, nous utiliserons une partie du matériel collecté sur le terrain, dans laquelle des résidents locaux ont été entendus ont repporté les conséquences de l’insertion des activités de Bahia Mineração (BAMIN) et de la construction dun de fer d’intégration ouest-est (FIOL) dans ces communautés rurales locales. De cette manière, nous établirons des parallèles sur les conflits territoriaux vécus par les habitants des communautés rurales qui luttent pour y reste et pour préserver les ressources naturelles existantes, en élaborant un scénario sur la production de l’éspace dans cette situation géographique.

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Texte intégral

1A produção científica e os debates acerca da industrialização e da modernização têm revelado como o espaço urbano e o espaço rural tem passado por transformações. Assim, as constantes mudanças ocorridas mundialmente também repercutem nos espaços rurais, onde transformações econômicas, políticas e sociais reconfiguram e ofertam-lhe novo significado. Como aponta Wanderley (2000),

O “rural” não se constitui como uma essência, imutável, que poderia ser encontrada em cada sociedade. Ao contrário, esta é uma categoria histórica, que se transforma. Cabe, portanto, ao pesquisador, “compreender as formas deste rural nas diversas sociedades passadas e presentes” (p. 70).

2Em uma perspectiva de “continuum”, não mais se permite ver o rural “relacionado ao velho, ao tradicional, ao atrasado, ao passado, um espaço periférico onde se realiza atividades agrícolas”. Considera-se agora esse “continuum” enquanto “integração, continuidade e uma aproximação nas relações entre os dois espaços, sem ignorar as particularidades e nem admitir o fim do rural”. (COELHO NETO, 2013, p.155).

3Essa reconfiguração do campo tem atendido cada vez mais aos interesses do capital, que sustentado pelo discurso ideológico de desenvolvimento tem inserido os moradores dos espaços rurais na dinâmica econômica e social tida como moderna. Nesta perspectiva, o Estado e as conjunturas econômicas e políticas mundiais tem desempenhado papel fundamental, favorecendo o desenvolvimento do modo capitalista globalizante, o que tem provocado grandes impactos regionais e municipais, envolvendo diversas comunidades, que por não terem recursos e infraestrutura significativa, sofrem efeitos diversos devido ao caráter monopolizador e autoritário do processo de expansão capitalista nesses lugares.

4Em Caetité - Bahia, dois megaprojetos tem ganhado destaque e buscado condições para atender as demandas do capital e do plano de desenvolvimento brasileiro: a) a extração mineral realizada pela Bahia Mineração (BAMIN), empresa privada que se beneficiará com obras governamentais; e b) a construção da Ferrovia de Integração Oeste-Leste (FIOL), cujo objetivo é justamente a escoação do minério de ferro extraído.

5Tanto a extração mineral quanto as obras da ferrovia tem apresentado impactos nas comunidades rurais onde estão instaladas, modificando o modo de vida e gerando conflitos pela preservação do patrimônio natural.

6 Nesse contexto, busca-se analisar as transformações do meio rural do município de Caetité – Bahia ocasionadas pela inserção de projetos desenvolvimentistas de extração mineral realizada pela Bahia Mineração (BAMIN) e de construção da Ferrovia de Integração Oeste-Leste (FIOL).

7 Para tanto, foi necessário a realização de revisão de literatura acerca das reconfigurações dos espaços rurais, assim como sobre a relação entre Estado, políticas públicas e desenvolvimento rural. Foi primordial para o desenvolvimento deste trabalho a realização de atividade de campo, com observação sistemática e coleta de dados por meio de entrevistas semiestruturadas com lideranças comunitárias.

8Observou-se conflitos existentes principalmente no que se refere ao uso e conservação dos recursos hídricos, pois verificam-se muitas mudanças nos espaços rurais em foco, com relevantes alterações na paisagem e impactos no modo de vida dos moradores; que vivem um processo de enfrentamento e luta pela preservação dos recursos naturais, e de permanência nesses espaços.

Do fim do rural às novas ruralidades.

9As constantes mudanças ocorridas mundialmente repercutem nos espaços rurais, onde transformações econômicas, políticas e sociais o reconfiguram, dando novos significados; visto que novas redes de apropriação dos recursos naturais, no caso a mineração e de circulação, transportes no caso a ferrovia, resvalam praticamente no atendimento aos interesses do capital; indutor das reconfigurações espaciais que se tornam adjacentes ou não às novas valorizações do uso solo local dos distritos municipais e comunidades, e em escala regional e global.

10Nessa reconfiguração de territórios, muitos autores defendem que o desenvolvimento capitalista e os processos de industrialização e urbanização culminariam no “desaparecimento completo das sociedades rurais/camponesas” (WANDERLEY, 2000, p. 89). Desse modo, “os camponeses inevitavelmente irão desaparecer, pois eles seriam uma espécie de ‘resíduo’ social que o progresso extinguiria” (OLIVEIRA, 2003, p. 34).

(...) na sociedade capitalista avançada não há lugar histórico para os camponeses no futuro dessa sociedade. Isso porque a sociedade capitalista é pensada por esses autores como sendo composta por apenas duas classes sociais a burguesia (os capitalistas) e o proletariado (os trabalhadores assalariados). (OLIVEIRA, 2003, p. 34).

11A literatura costuma enfatizar certos aspectos que definem o meio\espaço rural: a relação com a natureza, a importância das áreas não densamente povoadas e a dependência do sistema urbano (ABRAMOVAY, 2000). Wanderley (2000) converge com o que propõe Ricardo Abramovay, porém apresenta apenas duas características definidoras do “rural”:

Por um lado, uma relação específica dos habitantes do campo com a natureza, com a qual o homem lida diretamente, sobretudo por meio de seu trabalho e do seu habitat. [...] Por outro lado, relações sociais, também diferenciadas, que Mendras(1976) definiu como “relações de interconhecimento”, resultante da dimensão e da complexidade restritas das “coletividades” rurais. Destas relações resultam práticas e representações particulares a respeito do espaço, do tempo, do trabalho, da família etc. (WANDERLEY, 2000, p. 88).

12Essa relação social pode também ser observada como aspecto na “relação com outros seres humanos “em que os indivíduos e as famílias conhecem-se intimamente, assistem-se em tempos de necessidade e confiam uns aos outros para cooperar na busca de objetivos que não podem ser atingidos por meio de um esforço solitário”. (ABRAMOVAY, 2000, p. 10). Por isso não devemos entender essas características como definições invariáveis: “o rural não se constitui como uma essência, imutável, que poderia ser encontrada em cada sociedade. “Ao contrário, esta é uma categoria histórica, que se transforma” (WANDERLEY, 2000, p. 88).

13Contrários aos autores que supunham o fim do rural acham-se estudiosos apresentando outra compreensão, que não concebem que a modernização pode levar a uma “uniformização da sociedade, que provocasse o fim das particularidades de certos espaços ou grupos sociais”. No sentido amplo, a modernização redefiniu a dialética campo-cidade, mudando “o lugar do agricultor na sociedade”; porém, esse agricultor, “pelo fato mesmo de ser familiar, guarda laços profundos – de ordem social e simbólica – com a tradição “camponesa” que recebeu de seus antepassados”. (WANDERLEY, 2000, p.89).

14Como afirma Wanderley (2000), “o recorte rural-urbano permanece como um recorte pertinente para analisar as diferenças espaciais e sociais das sociedades modernas, apontando não para o fim do mundo rural, mas para a emergência de uma nova ruralidade. ”(p. 89)

15Mesmo quando se considera os processos de modernização e industrialização como responsáveis por homogeneizar os espaços, estes não podem ser percebidos como responsáveis por extinguir a dicotomia entre urbano e rural, levando ao fim do último; pois “as representações sociais dos espaços rurais e urbanos reiteram diferenças significativas, que tem repercussão direta sobre as identidades sociais, os direitos e as posições sociais de indivíduos e grupos, tanto no campo quanto na cidade.” (WANDERLEY, 2000, p. 130).

16Seguindo essa perspectiva, pode-se pensar o rural a partir de uma “dupla face”: enquanto “espaço físico diferenciado”, que tem a ocupação territorial por meio da posse das terras e do uso dos recursos naturais disponíveis; e enquanto um “lugar de vida”, com suas especificidades identitárias bem definidas, referindo-se à inserção dos moradores do campo nos diferentes meios sociais.

17Na conclusão apresentada em seu trabalho, Wanderley (2000) enfatiza que “as novas e múltiplas faces do rural não podem ser vistas como obra acabada. Está em curso uma nova visão do rural, que propõe uma nova concepção das atividades produtivas”. (p.113).

18Essa conjuntura de modernização do campo, consequência dos “processos de globalização/mundialização e o pós-fordismo”, passa a exigir novas formas de se pensar a questão rural, principalmente no que refere-se “à necessidade de inserir plenamente os espaços e as populações rurais na dinâmica econômica e social moderna,e de assegurar a preservação dos recursos naturais presentes no meio rural como um patrimônio de toda a sociedade”.(Idem, 113)

Estado, Políticas Públicas e Desenvolvimento Rural.

19Em uma perspectiva que, atrelada a modernização, difunde a ideologia do desenvolvimento, o Estado assume a responsabilidade de fomentar o progresso, dando condições para a propagação do modo capitalista de produção nos espaços rurais brasileiro.

20Após a Segunda Guerra Mundial se acirrou o discurso de superação do subdesenvolvimento. No Brasil, por meio de políticas econômicas foram instaurados projetos desenvolvimentistas, dando condições para plena promoção da “modernidade” em detrimento na maioria das vezes do modo de vida rural tradicional fixado nas localidades e comunidades. Diante disso, é questionável que o campo deixe de ser visto como simples lugar de “atraso” e torna-se espaço com possibilidades de “modernização” e “desenvolvimento”:

O campo passa a ser visto como contínuo do processo de urbanização. A presença do Estado é fundamental para a criação das condições de “desenvolvimento” docampo, que se concretiza desde os incentivos creditícios e criação de órgãos para odesenvolvimento de pesquisas e tecnologias ate a expansão da fronteira agrícola em direção anovas áreas como as regiões Norte e Centro-Oeste do Brasil, abrindo novas possibilidadespara a “territorialização do capital” ou “monopolização da produção”, conforme destacado por Oliveira (1998) (SOUZA, 2009, p.4).

21 Assim, o Estado tem contribuído fundamentalmente para a concretização desse almejado “desenvolvimento”. Isso se dá principalmente por meio de “políticas de subsídios fiscais, financeiros e na construção de infra-estrutura que favoreça sua instalação com baixo investimento privado em diferentes frações do território”. (ALENCAR e MENEZES, 2009, p. 127).

22Dourado e Thomaz Júnior (2014) ao analisarem a “expansão do agrohidronegócio do semi-árido baiano a partir da década de 1990”, percebem o Estado enquanto “fomentador das disputas territoriais através da implantação de Políticas Públicas de caráter desenvolvimentista” (p.2). Buscando compreender tais processos, estes afirmam ainda:

Os projetos desenvolvimentistas implantados pelo Estado no Semi-árido baiano fomentam a mobilidade e plasticidade do trabalho no campo, através do desmonte de comunidades tradicionais (camponesas, fundo de pasto, ribeirinhas, povos indígenas e quilombolas) para viabilizar o processo expansionista do capital. Esse desmonte não se refere apenas ao aspecto econômico ou territorial; além disso, cria novos valores e modifica o modo de vida dos sujeitos, passando estes a viver sob uma lógica que não a sua. Sua relação com a natureza e com o outro são fortemente transformadas de modo a torná-los cada vez mais atrelados à lógica do mercado, facilitando assim a reprodução ampliada do capital. (DOURADO E THOMAZ JÚNIOR, 2014, p. 3) - grifos próprios.

23 Sobre os interesses de quem atende o Estado, este têm concretizado as políticas desenvolvimentistas favorecendo os “médios e grandes proprietários de terras, condenando as unidades de produção familiares e excluindo milhares de camponeses que tinham no cultivo da terra sua única possibilidade de reprodução. (SOUZA, 2009,p.4)

24 O desenvolvimento implementado nos espaços rurais a partir dessas políticas públicas e dos projetos desenvolvimentistas, têm inserido a industrialização no campo; principalmente por meio do agronegócio, da produção de energia e da extração mineral. Essa modernização, objetiva um aumento da produção e da produtividade, em contrapartida, “pouco preocupando-se com os reflexos dessa política na vida daqueles que há séculos se reproduziam no campo – os camponeses e trabalhadores assalariados”. (Idem, p. 7)

25 Sustentado pelo falso discurso do Nordeste enquanto atraso e miséria, o Estado brasileiro viabilizou ao longo do tempo políticas públicas que teriam como objetivo amenizar e superar tais problemas característicos dessa região:

Ainda no ano de 1909 e criado o primeiro órgão oficial de combate aos efeitos da seca, por meio do decreton° 7619, a Inspetoria de Obras Contra as Secas (IOCS), que em 1919 passa-se a chamar IFOCS, transformado no Departamento Nacional de Obras Contra as Secas (DNOCS), no ano de 1945, assumindo o caráter de desenvolver estudos voltados ao aproveitamento dos recursos hídricos. No ano de 1959 e criada a Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste (SUDENE), cujo principal objetivo era o armazenamento de água para desenvolver projetos de irrigação. Para atuar, de forma mais especifica no Vale do São Francisco são criadas a Comissão do Vale do São Francisco (CVSF), em 1948, transformada em Superintendência do Vale do São Francisco (SUVALE), em 1968 e passando a se chamar Companhia de desenvolvimento do Vale do São Francisco (CODEVASF) em 1974(SOUZA, 2009, p.10).

26Desse modo, o Estado atrelado a esse discurso de superação do atraso e modernização do Nordeste brasileiro, apresenta como definidora as características semiáridas dessa região e desconsidera “as relações sociais e de produção, a concentração fundiária, a inserção subordinada ao capitalismo mundial, a divisão social do trabalho e as práticas políticas que sustentam as classes dominantes”. (SOUZA, 2009, P.10).

27Percebe-se então que o Estado desempenha papel primordial no processo de modernização do campo, com o desenvolvimento de políticas públicas, que vinculado ao discurso de suplantação da miséria, tem levado projetos desenvolvimentista aos espaços rurais brasileiro.

28Diante do que foi até aqui exposto, analisaremos a seguir as transformações ocorridas no espaço de comunidades rurais do município de Caetité – Bahia, que tem sido alvo de ação de grandes empresas de produção de energia e extração mineral. Para isso, considera-se que a inserção do campo no modelo capitalista de produção altera a dinâmica e o modo de vida dos moradores que passam a experienciar uma realidade totalmente diferente do seu cotidiano.

Resistência e conflitos no campo: em foco comunidades rurais de Caetité - Bahia.

  • 1 A questão da cidadania, o meio ambiente e o usufruto do direito a existência e a terra é um tema re (...)

29Intensificados no nordeste brasileiro, os projetos desenvolvimentistas, com forte apoio do Estado, estão reconfigurando o campo brasileiro, tornando este grande atrativo para o capital. Com isso, mudanças profundas vêm acontecendo, e os moradores das comunidades rurais são diretamente atingidos, desde o aumento do êxodo rural até problemas com o uso da água e da terra, e conflitos pela permanência nesses espaços, bem como na dinâmica do modo de vida diário e dos direitos à cidadania plena.1 (MORAES, 1994; TERRA, 2011, 2013, 2019; SANTIAGO, 2013)

30Essa contradição entre aquilo que vem sendo aplicado na Região Nordeste e os interesses e desejos dos moradores do campo “caracteriza bem qual é o projeto pensado para essa região, porque interfere diretamente na (re)organização do território, criando as condições necessárias para que o capital se reproduza”. (DOURADO E THOMAZ JÚNIOR, 2014, p.2)

31Além da expansão do agronegócio, outros setores também têm ganhado destaque na Bahia, e encontrado condições favoráveis para se desenvolverem. Assim, focaremos nos projetos implantados no município de Caetité – Bahia e que tem contribuído para o desenvolvimento do plano econômico brasileiro.

32Dentre estes projetos, a extração mineral realizada pela Bahia Mineração (BAMIN) com o Projeto Pedra de Ferro, tem tido grande relevância tanto por atender ao discurso ideológico de “desenvolvimento”, quanto pelos impactos causados às comunidades do seu entorno, gerando conflitos pelo uso da água e conservação dos recursos naturais ali presentes.

Imagem 1: Localização Mina Pedra de Ferro.

Imagem 1: Localização Mina Pedra de Ferro.

33A implantação da Bahia Mineração (BAMIN) no município de Caetité (região Sudoeste da Bahia) para a extração de minério de ferro, embora seja um investimento privado, será beneficiado com as obras do PAC, pois o governo atuará na construção da Ferrovia de Integração Oeste-Leste (FIOL), cuja função será escoar a produção de grãos do Centro-Oeste e o minério de ferro explorado pela BAMIN. Trata-se da maior obra do PAC no estado da Bahia, cuja construção será feita pelo consórcio VALEC formado pelas empresas Andrade Gutierrez, Barbosa Melo e Serveng. (DOURADO E THOMAZ JÚNIOR, 2014, p.6-7).

34Atrelado as atividades da BAMIN, tem-se a ação do Estado viabilizando o escoamento da produção por meio da construção da Ferrovia de Integração Oeste-Leste (FIOL), megaprojeto que também tem interferido no modo de vida dos moradores das comunidades.

35Sobre a BAMIN, Rodrigues e Costa (2016, p.81), nos apresentam:

A empresa Bahia Mineração é um empreendimento brasileiro pertencente à mineradora Eurasian Natural Resources Corporaation (ENRC), com sede no Cazaquistão. Esse grupo possui receitas anuais superiores a 4,1 bilhões. A instalação do projeto Pedra de Ferro abrange uma área afetada de 700 quilômetros se contabilizadas as áreas desde a adutora de água do Rio São Francisco no município baiano de Malhada até o terminal Portuário Ponta da Tulha, em Ilhéus, Bahia. A mina a ser instalada para retirada do minério de Ferro se localiza na Fazenda Pedra de Ferro, Distrito de Brejinho das Ametistas englobando parte dos municípios de Caetité e Pindaí. Com a implementação do Projeto a Bamin pretende explorar 19, 5 toneladas de minério de ferro por ano.

36A apropriação desses espaços, muito além de agir em função do sonhado “desenvolvimento”, têm ocasionado conflitos e vários problemas para os moradores rurais que lutam pela preservação do seu modo de vida e pela conservação dos recursos naturais.

37Em Caetité, esse conflito tem se acirrado principalmente no que se refere ao apoderamento dos recursos hídricos pelas grandes empresas.

Desde o início das ações e investimentos da empresa na região já se tem registrados 1320 famílias atingidas diretamente pelo empreendimento, das quais, cerca de 261 estão em conflito por água. A partir do ano de 2007 as ações do empreendimento são cada vez mais explícitas nos territórios camponeses da região Sudoeste: apropriação das águas e das terras que historicamente as comunidades fazem usufruto, expropriação de terras de comunidades tradicionais a exemplo das comunidades de Antas e Palmito. (RODRIGUES e COSTA, 2016, p.82).

  • 2 A questão da água como bem alienável e inalienável e das redes geográficas é de suma importância. V (...)

38Como a água é um elemento indispensável2 para um bom exercício desses mega projetos, “há todo um lobby acerca de seu controle e gestão, demonstrando os interesses e estratégias utilizados pelos agentes do capital e pelo Estado para apropriar das fontes de água, de modo que estas estejam disponíveis para serem utilizadas”. (DOURADO E THOMAZ JÚNIOR, 2014, p. 3).

Relatos do campo3

  • 3 Atividade prática realizada pelo PPGEO (Programa de pós Graduação em Geografia da UESB), como parte (...)

39Em atividade de campo realizada em setembro de 2018 foi possível perceber, a partir de observação sistemática e coleta de dados por meio de relatos dos moradores locais, que os conflitos pela preservação do patrimônio ambiental têm sido frequentes. Dentre as consequências para os recursos naturais ali existentes, desde a implantação desse projeto até essa tentativa de construção da barragem de rejeito, os moradores relatam:

40a) Alteração da paisagem, com mudanças significativas no solo e no relevo local, como detalhadamente é apresentado Relatório de Impacto Ambiental da implantação da Mina Pedra de Ferro na Bahia – RIMA:

Serão efetuadas ações na área explorada como a remoção da cobertura vegetal e da camada superficial de solo nas áreas de acessos e estradas, decapeamento das áreas de lavra, processo de lavra e disposição de estéril que levarão ao aumento da propensão dos solos à erosão. A geração de áreas expostas em taludes de corte e aterro também poderá favorecer a ocorrência de movimentos de massa ou escorregamentos. (2009, p.124).

41b) Retirada da cobertura vegetal, com desmatamento de 710 hectares de uma terra historicamente usada pelos moradores. Os conflitos relacionados a isso se acentuaram a partir do momento em que por meio de decisão judicial os moradores locais foram proibidos de adentrar os espaços onde antes sempre tiveram acesso, não tendo, inclusive, condições de verificar se a área de preservação ambiental está sendo explorada. Sobre isso, um morador local nos diz:

  • 4 O que demonstra a importância das vantagens dos recursos ligados a situação geográfica, questão con (...)

Meu bisavô se tivesse vivo estaria com 300 anos, e ele pegava água aí dentro. A Bahia Mineração chega tem 10 anos e já é dona de tudo e a gente não tem direito a mais nada!? E isso a justiça não ver. (Morador 01)4

42c) Alteração na fauna e na flora:

Fatores como a elevação dos níveis de ruído, aumento da circulação de pessoas e veículos, detonações, escavação, obras civis diminuirão a qualidade ambiental local afugentando animais para fora da área afetada. A fuga de animais das áreas afetadas poderá resultar na diminuição da qualidade ambiental e perda de indivíduos nos locais para onde os espécimes fugirem, devido a um aumento na competição entre os indivíduos residentes e os recém – chegados e à diminuição dos recursos (RIMA, 2009, p.103)

43d) Impactos nos recursos hídricos tanto superficiais quanto subterrâneos: Os moradores afirmam que antes da chegada da BAMIN, o Riacho Pedra de Ferro tinha água em abundância no seu curso durante todo o ano. Além disso, a Bahia Mineração pretende rebaixar a água do lençol freático, que inicialmente estava em torno de 900 metros de água e eles precisariam rebaixar e diminuir para 300 metros, o que já tem diminuído fluxo de água devido aos poços por eles perfurados. Acrescenta-se ainda o uso de grande quantidade de água para a operação das atividades da mineração, que corresponderia a cerca de mil litros de água por hora, e para a barragem de rejeito iriam mais 375 mil litros de água por hora.

44Diante disso, e visando permanecer usando água de qualidade como sempre fizeram, os moradores têm realizado um forte enfrentamento na luta por barrar a construção da Barragem de Rejeito no local pretendido pela BAMIN:

Quem é pai, quem é filho, quem é mãe, quem é irmão, quem é avô, tudo depende da água. Quem achar que não depende, deixa o dia que faltar ela. Eu vejo aqui, quando falta quinze dias numa casa, falta endoidar todo mundo. Então tem que saber respeitar a água. Eu, com a minha família e com aquela família que quer se organizar, nós vamos lutar pela água, porque esse é o bem mais precioso que nós temos; e nós temos parceria para lutar por nossa água. Barragem de rejeito? Nunca! (Morador 02)

45Nesse processo de busca por permanência nas comunidades, e de manutenção das condições naturais favoráveis, os moradores locais reconhecem o importante apoio recebido pela Comissão Pastoral da Terra (CPT) e pelo Movimento pela Soberania Popular na Mineração (MAM).

46Em contato com integrante do MAM, e objetivando entender a atuação desse movimento no município de Caetité, este diz:

O MAM surgiu no estado do Pará, e depois foi tornado em um movimento nacional, com o propósito de lutar pelas pessoas que são impactadas por mineração, por ferrovias, barragens, etc. A palavra de ordem do MAM já diz “Por um país soberano e sério, contra o saque do nosso minério”, ou seja, o MAM é contra esse modelo atual de exploração do minério; não é contra a mineração, mas contra esse modelo que existe que acaba com o meio ambiente, muitas pessoas são aniquiladas por conta da poluição. Minha vivência em Caetité foi de acompanhar as comunidades, fazendo formações, trazendo informações, deixando as comunidades em alerta, e fazendo um papel de solidariedade com aquelas que já foram atingidas, sempre lutando pelos direitos. e as que ainda não foram atingidas, o MAM chega nesses lugares alertando sobre os riscos de implantação desses projetos.

47 Vinculada a Bahia Mineração, também está sendo realizada nos espaços rurais de Caetité – BA, a construção da Ferrovia de Integração Oeste-Leste (FIOL), que conectará Ilhéus – BA a Figueirópolis (TO). Essa construção está sendo apresentada a população como um megaprojeto que viabilizará o escoamento da produção agrícola e extração mineral, comungando com os ideias de desenvolvimento e modernização incorporados pelo Estado.

Imagem 2: Polos de Carga da Ferrovia de Integração Oeste-Leste

Imagem 2: Polos de Carga da Ferrovia de Integração Oeste-Leste
Fonte: VALEC, 2015.

48A VALEC Engenharia, Construções e Ferrovias S.A. elencou os principais objetivos da estruturação dessa ferrovia:

Estabelecer alternativas mais econômicas para os fluxos de carga de longa distância; favorecer a multimodalidade; interligar a malha ferroviária brasileira; propor nova alternativa logística para o escoamento da produção agrícola e de mineração por meio do terminal portuário de Ilhéus/BA; e incentivar investimentos, para incrementará a produção e induzir a processos produtivos modernos. (VALEC, 2018)

49Porém, para além dos desses objetivos e dos benefícios propostos para o desenvolvimento nacional, a implantação da FIOL apresenta repercussões negativas para os moradores do seu entorno. No caso de Caetité, em pesquisa de campo foi possível visualizar um cenário de destruição, com a transformação da paisagem, comunidades sendo divididas pela ferrovia, e casas diretamente afetadas pelas explosões realizadas, apresentando rachaduras e danos nas estruturas.

Imagem 3: Danos estruturais.

Imagem 3: Danos estruturais.

Fonte: Trabalho de campo, 2018.

50Deve-se ressaltar ainda que além desses impactos, tem-se profunda transformação no modo de vida dos moradores dessas comunidades, com inserção de atividades e demandas completamente diferentes do que estavam acostumados a vivenciar cotidianamente.

Sempre vivemos em paz por aqui. Nossos antepassados viviam bem aqui, a gente também vivia. Sempre cultivamos, tiramos nosso sustento dessas terras, água sempre tivemos em abundância. As coisas eram calmas, não passava tanto carro, não tinha tanta gente de fora, muito menos aparecia tanta gente interessada em nossas terras. Hoje tá tudo diferente, mesmo com nossas reuniões de associação, nossa participação em audiência, mesmo com o apoio da Pastoral da Terra e do Movimento pela Soberania Popular na Mineração tem sido difícil enfrentar tudo isso, o dinheiro sempre fala mais alto. Mas continuaremos lutando, não entregaremos nossos maiores bens para essas empresas que vem de fora e querem mandar em tudo. (Morador 03)

51Nesse contexto, percebe-se que as atividades da mineração e o projeto de implementação da FIOL tem modificado substancialmente o modo de vida dos moradores locais, que viram seu cotidiano sendo são cada vez mais inserido à lógica do capital.

Em se tratando das comunidades rurais atingidas pelas obras da FIOL, muitas passaram a ter uma dinâmica local totalmente diferenciada de sua realidade, com intenso fluxo de pessoas e máquinas, assumindo um caráter totalmente urbano. Esse fato acaba fomentando o mercado de terras, a especulação imobiliária no campo, visto que há a demanda por locais para abrigar os operários da obra, locais para a compra de suprimentos básicos e locais de lazer (bares e prostíbulos, por exemplo). (DOURADO E THOMAZ JÚNIOR, 2014, p. 7).

Considerações finais

52A existência de uma nova ruralidade tem contraposto a ideia de fim do rural, reconhecendo uma reconfiguração desses espaços rurais, que estão adquirindo características antes tidas como específicas dos espaços urbanos, tais como a modernização, industrialização e pluriatividades. Porém, essas alterações no campo não podem ser pensadas a partir de uma homogeneização, visto que as relações sociais e o modo de vida ainda apresentam particularidades. No entanto há que também se pensar no conceito de formação territorial associado ao modo de vida. Essa visão da totalidade viva foi bem trabalhada por Milton Santos, e retomada por Santiago (2013) que associou numa conceituação mais ampla incluindo a noção de complexidade e cidadania. Logo tudo a ver com a questão do modo de vida e seus rebatimentos da dinâmica do cotidiano dos moradores das comunidades, que sofrem os impactos dos projetos de expansão capitalista nessa nova fase da formação territorial e produção regional do espaço.

53Esse processo de modernização do campo tem ganhado respaldo no Estado, que alimentando o discurso ideológico de desenvolvimento e progresso concebe meios para que o capital seja inserido nesses espaços e possibilite a implantação de projetos desenvolvimentistas.

54Contudo, verifica-se a inexistência de atenção específica do Estado quanto ao reflexo da inserção desses megaprojetos nas comunidades rurais. No caso específico de Caetité – Bahia, as atividades desenvolvidas pela BAMIN e pela construção da FIOL tem alterado as paisagens e as características geomorfológicas locais, bem como na dinâmica das redes geográficas; assim como tem apresentado riscos a preservação da fauna e flora e dos recursos hídricos tanto superficiais quanto subterrâneos existentes. Destaca-se ainda a mudança no modo de vida dos moradores das comunidades rurais que são enquadrados numa rotina totalmente diferente do que desenvolviam cotidianamente.

55Desse modo, alerta-se para uma necessidade de que o Estado tenha verdadeiramente um papel nacionalizador; não somente atendendo ao dar subsídios para que esses megaprojetos consigam se instalar e realizar suas atividades; mas que da mesma maneira que é pertinente frisar sobre a luta dos moradores pela manutenção de sua rotina cotidiana e de preservação dos bens naturais; nesse sentido o Estado têm carecido de dar conta dos problemas sociais e da sustentabilidade (RAMPAZZO, 2011) que considere o espaço geográfico como uma totalidade viva e complexa e que se construa uma sociedade com vista a uma cidadania plena.

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Bibliographie

ABRAMOVAY. Ricardo. Funções e medidas da ruralidade no desenvolvimento contemporâneo. Disponível em: http://www.ipea.gov.br/portal/index.php?option= com_content&view=article&id=4121. Acesso em 08 de agosto de 2018.

ALENCAR, M. T de; MENEZES, A. V. C. de. Ação do Estado na produção do espaço rural, in: Campo-Território: revista de geografia agrária, v.4, n.8, pgs 121-147, 2009.

COELHO NETO, A. S. Política de desenvolvimento territorial rural no Brasil: limites da concepção de ruralidade e de territórios rurais. In: CAMPO-TERRITÓRIO: revista de geografia agrária, v. 8, n. 16, p. 152-169, ago., 2013

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Notes

1 A questão da cidadania, o meio ambiente e o usufruto do direito a existência e a terra é um tema recorrente discutido amplamente.

2 A questão da água como bem alienável e inalienável e das redes geográficas é de suma importância. Ver Santiago, 2013. Onde o autor trata da teorização que envolve o valor das vantagens da situação geográfica, associada a uma conceituação das redes de circulação e comunicação, estruturando uma teoria geral sobre o espaço geográfico. Sobre a produção do espaço questão conexa ver os trabalhos de Milton Santos na bibliografia.

3 Atividade prática realizada pelo PPGEO (Programa de pós Graduação em Geografia da UESB), como parte dos requisitos da disciplina do mestrado: RELAÇÃO CAMPO-CIDADE E MOBILIDADE DO TRABALHO – ministrada pelo Prof. Dr. Jânio Roberto Diniz dos Santos, em 2018.

4 O que demonstra a importância das vantagens dos recursos ligados a situação geográfica, questão conexa a valorização do espaço em função da propriedade do recurso. (Idem Santiago, 2013).

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Table des illustrations

Titre Imagem 1: Localização Mina Pedra de Ferro.
URL http://journals.openedition.org/confins/docannexe/image/37718/img-1.jpg
Fichier image/jpeg, 446k
Titre Imagem 2: Polos de Carga da Ferrovia de Integração Oeste-Leste
URL http://journals.openedition.org/confins/docannexe/image/37718/img-2.jpg
Fichier image/jpeg, 86k
Titre Imagem 3: Danos estruturais.
Crédits Fonte: Trabalho de campo, 2018.
URL http://journals.openedition.org/confins/docannexe/image/37718/img-3.jpg
Fichier image/jpeg, 222k
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Pour citer cet article

Référence électronique

Dhione Andrade Figueredo et João Phelipe Santiago, « Espaço rural, desenvolvimento e conflitos territoriais em Caetité – Bahia »Confins [En ligne], 50 | 2021, mis en ligne le 20 juin 2021, consulté le 19 mars 2024. URL : http://journals.openedition.org/confins/37718 ; DOI : https://doi.org/10.4000/confins.37718

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Auteurs

Dhione Andrade Figueredo

Mestre em Geografia – UESB-BA, dhionegeo@hotmail.com

João Phelipe Santiago

Prof. Titular Doutor- Departamento de Geografia – UESB-BA, Líder do Grupo de Pesquisa Anthropos – CNPq, pphhee@hotmail.com

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Droits d’auteur

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