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Um Farol chamado Neli

Un phare nommé Neli
A lighthouse called Neli
Alessandro Soares da Silva

Texte intégral

Quiero Ser Ella

Algunas veces, en anocheceres como este,

yo envidio a mi faro y a su luz.

Algunas veces, al atardecer, subo a lo más alto, y me asomo al balcón,

y pretendo ver las mismas cosas que él ve,

y quiero que todos me vean a mi igual que ven su silueta. 

Algunas noches me asomo a la ventana que está a mitad de camino

entre el suelo y la estrella que es su linterna,

y miro la luz que sale de ella,

y quisiera llegar donde llega esa luz,

y tocar las cosas que ella toca,

y que me vean igual que la ven a ella,

pero yo no soy el faro,

ni me ven, ni veo las cosas que él ve,

ni llego cada noche donde llega su luz.

1Não há nada como um farol a iluminar a escuridão durante a tempestade e a mostrar o caminho para um porto seguro. Este farol foi Neli. Neli Aparecida de Mello-Théry. Uma luz viva que nos guiou para caminhos muito além daqueles que pensávamos poder trilhar. E como todo farol fez com que pudéssemos prosseguir navegando por outros mares.

2Momentaneamente sentimos que ele se apagou, mas na verdade apenas tivemos nossos olhos embotados pela dor de sua partida. Na verdade, as memórias que guardamos faz com que possamos seguir navegando e sua ciência servirá de guia a novas gerações que precisam seguir em frente para construir um mundo ambientalmente melhor e mais humano.

3Eu tive o privilégio de topar com ela logo que assumi uma vaga como professor doutor na Universidade de São Paulo. Tinha 33 anos, era um recém-doutor iniciando minha careira e apresentando um campo de saber desconhecido a meus novos colegas em um seminário. E ela me viu. Ela me viu com os olhos de quem vê mais além do que se manifesta a primeira vista. E a partir desse encontro nos tornamos parceiros, depois amigos, depois irmãos... Sim irmãos. Uma irmã mais velha que me ajudou a crescer e me mostrou outros caminhos a trilhar e outras questões a responder.

4Entre tantas lembranças recordo dos cafés, almoços reuniões e celebrações. Lembro-me dos dias de confidências e dos instantes de sonhar com projetos de futuro. Entre coisas sérias e preocupantes e coisas alegres e prazerosas sempre estava presente o seu sorriso. Nunca faltava uma palavra sensata e de estímulo, de cuidado e incentivo, a quem quer que estivesse a seu lado. Como disse, sempre foi um farol a iluminar a escuridão.

Uma breve retrospectiva da criação no IEA do Grupo de Pesquisa

5Nesse momento quero recordar dela a partir do que foi um de seus maiores legado para a ciência. O Grupo de pesquisa em Políticas Públicas, Territorialidades e sociedade fundado em 2009, no Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo. Preocupado com as questões amazônicas, com a produção de conhecimento no campo das políticas públicas ambientais e com as estratégias de ação pública que se produziam, tanto no âmbito nacional quanto internacional, o Professor Cesar Ades convidou a Neli para criar um grupo de pesquisa no IEA para que o instituto pudesse contribuir de maneira ativa nessa área. Ela aceitou esse desafio e reuniu um pequeno grupo de pesquisadores, entre os quais tive o privilégio de estar, para projetar esse grupo de maneira a incidir, tanto nas ações do Estado quanto da sociedade civil. Para isso o tema das territorialidades foi seu eixo estruturante. Espaço e poder eram elementos presentes na construção de seu pensamento como geógrafa política e gestora ambiental experiente.

6Por meio desse grupo de pesquisa ela construiu pontes, aparou arestas e aproximou continentes. Inicialmente o grupo liderado por ela chamou-se Políticas Públicas Territoriais e foi composto por Hervé Théry (Cátedra Pierre Monbeig CNRS-USP), Wanderley Messias da Costa (Geografia – USP), Manoel Cabral de Castro (EACH – USP), Diógenes Alves (INPE) e por mim. Criamos o grupo com o propósito de “promover debates e pesquisas interdisciplinares que permitem tratar, de maneira bastante abrangente, problemáticas e temas voltados não apenas para o desenvolvimento da ciência, mas, também, para o seu uso social.” (Mello-Théry, 2009). Essa clareza de objetivo fez com que logo de início o grupo fosse nomeado definitivamente como hoje o conhecemos. E desde o princípio soubesse por onde navegar. As relações entre ciência e sociedade dadas no âmbito das territorialidades são estratégicas para a construção não só de um projeto de pais, mas também de um mundo socioambientalmente mais justo.

7A justificativa da criação do grupo era clara. Sua visão da realidade lhe permitia entender que “Políticas de desenvolvimento resultam normalmente em grandes modificações do espaço geográfico e atuam simultaneamente sobre o econômico e o social. Várias delas são, obrigatoriamente, a base de outras, ao lado das quais funcionam, muitas vezes, os incentivos financeiros desempenhando um papel importante na definição do uso do espaço geográfico, nas dinâmicas territoriais.”. (2009). Esta perspectiva da realidade lhe fazia transitar entre a geografia e a interdisciplinaridade, lhe permitia aprofundar em suas raízes e expandir sua mente e seu fazer para além dos muros da lógica disciplinar.

8Consciente de todos os desafios que sua posição hermenêutica acarretava e de que “Um dos objetivos da ciência geográfica é o olhar sobre o que ocorre no território, seja decorrente dos processos econômicos, das mobilidades populacionais, das mobilizações sociais, das ações de governos” (2009), ela sempre se manteve analisando as transformações e impactos resultantes destes processos dando atenção para o fato de que “a complexidade dos processos e das ações induzem a uma necessária articulação com outros olhares científicos” (2009). Em seu fazer científico Neli sempre soube abraçar as possibilidades de pensar e agir que lhe permitiam uma práxis transformadora. Foi assim sua atuação no IBAMA e na EACH-USP e não foi diferente no IEA-USP.

9Para ela, “O Instituto [IEA] tem a capacidade de ser o agente federador de instâncias em diversos níveis de administração (nacional, local, internacional), de promover o intercâmbio acadêmico e a cooperação entre brasileiros e estrangeiros, pesquisadores, intelectuais, gestores, governantes, estudiosos em geral”. O IEA foi um espaço privilegiado para que ela pudesse reunir forças progressistas, ativas e comprometidas com um fazer científico transformador e marcado pelo diálogo franco, pois sabia que a potência do IEA seria uma força propulsora para formar gerações de cientistas cônscios de seu papel na sociedade. Assim, para ela, “A criação de um grupo de estudos interdisciplinar e multiprofissional sobre políticas públicas, voltado ao debate e à compreensão de políticas estratégicas, bem como dos mecanismos de articulação de instâncias executoras poderia desempenhar um papel significativo na construção do conhecimento e no papel social da Universidade de São Paulo, gerando possíveis contribuições aos gestores públicos” (2009).

10Clara era sua visão do papel social da universidade e a necessidade desta exercer liderança no processo coletivo de construção de um planeta social e ambientalmente melhor. Por essa razão ela desejava que o Grupo de Pesquisa em Políticas Públicas, Territorialidades e Sociedade do IEA-USP tivesse como objetivo “Planejar e realizar discussão a respeito de políticas públicas com pesquisadores, formadores de opinião e representantes governamentais garantindo o caráter interdisciplinar e multiprofissional da temática”. Ao fazê-lo era preciso que nossos esforços não perdessem de vista a dimensão estratégica das políticas públicas, fossem elas federais, estaduais, municipais. Nesse esforço era necessário potencializar a ação pública no território e aproximar atores governamentais, não governamentais e instituições multilaterais.

11Sua maneira de liderar era generosa e integrativa. Como um farol, ela não distinguia quem poderia beneficiar-se de sua luz, estivesse no mar ou na terra. Quem quer que fosse alcançado por sua luz era chamado a dela aproximar-se. Neli Aparecida de Mello-Théry sempre ensinou o valou da colaboração e de manter a mente aberta ao aprendizado. Como líder do grupo no IEA ela sempre buscou interagir com outros grupos do instituto, construindo atividades comuns ou colaborando com o que fosse possível para ampliar a força das ações feitas dos demais grupos de pesquisa. Ela não caminhava só. Sempre agregava alguém pelo caminho e colaborava com quem com ela se encontrasse. Por isso ela nos conduziu como equipe a darmos atenção a atividades críticas, calcadas na realidade social e amparadas no saber científico.

12Seus esforços conduziram sempre o grupo a produzir conhecimento na área das Ciências Ambientais, visando a promover ações conjuntas capazes de ampliar a visibilidade do conhecimento que pudesse amparar processos de tomada de decisão em políticas públicas. Com essa finalidade o grupo inicia sua atividade em 2009 com três ações claras e de repercussão internacional.

13A primeira foi o seminário Políticas europeias e a valorização da coesão territorial: vantagens e críticas ao modelo europeu. Nesse evento, liderado e concebido por ela, pudemos estabelecer pontes entre pesquisadores de ambos nos dois lados do atlântico. Com o objetivo de realizar uma cuidadosa análise crítica de experiências ultramarinas e examinar a viabilidade delas no Brasil, Neli buscou fomentar reflexões sobre algumas políticas levadas a cabo pela União Europeia que reforçavam a base de um modelo europeu de ação em contraposição a outros modelos no contexto da globalização atual.

14Ao propor a reflexão sobre quais seriam as vantagens e as críticas ao modelo europeu, nascido da aproximação entre França e Alemanha, antes adversários na II grande guerra, Neli traz um olhar crítico sobre o bloco Europeu e o mercado comum, bem como a construção das bases de uma constituição entre 27 países. Desde a geopolítica ela se perguntava e perguntava aos pesquisadores que com ela se reuniram, sobre “como este continente, econômico, social, político e culturalmente tão diverso era visto pelos estrangeiros?”, em um exercício de alteridade que a sua condição, entre dois mundos, favorecia.

15Questionava-se se haveria um olhar respeitoso, confiante, propulsor de experiências comuns ou se ao contrário, quem vê do exterior este imenso continente que procura enfrentar os desafios e as crises de uma maneira muito particular, é capaz de encará-lo sem ceticismo. Sob sua coordenação se debateu sobre temas como Disparidades e Dinâmicas; Políticas territoriais na Europa; Relação Brasil – Europa; Políticas europeias de apoio ao desenvolvimento; Visões externas da Europa: aspectos culturais da Europa; Visões externas da Europa: EuroBroadMap (Mello-Théry, 2013).

16A segunda atividade foi realizada no marco do ano da França no Brasil. O encontro de pesquisadores franco-brasileiros no IEA durante o evento Dynamiques du territoire du mondial au local (Dinâmicas do território, do global ao local) possibilitou que Neli liderasse um importante debate acerca do modo como a economia e a política mundiais reproduzem-se e refletem-se no território local. Se, de um lado, a economia mundial tem traços aparentemente homogêneos, por outro, ela provoca efeitos locais no meio urbano e rural, heterogêneos e distintos, que originam, por vezes, configurações especiais que produzem uma múltipla variação de dinâmicas geopolíticas locais. Com isso em vista, ela propunha aos debatedores refletir sobre como estas dinâmicas podem ser identificadas e analisadas? As abordagens diversas apoiam-se em bases metodológicas próprias de cada ciência ou abarcam a interdisciplinaridade? Quais as contribuições do olhar geográfico nesse processo?

17Sua ação investigativa, sempre preocupada em encontrar elementos de avanço científico, procurou nessa ocasião desvendar alguns dos efeitos sobre os territórios e as sociedades ao articular a problemática global/local, pois era relevante – e segue sendo – entender como respondem os territórios urbanos aos processos econômicos e sociais ou como os territórios rurais, recebem maior ou menor influência da globalização.

18A terceira atividade programada para dar início ao grupo de pesquisa foi o seminário Desenvolvimento e meio ambiente: que políticas para os países emergentes? Como se pode observar, o ponto de partida das três atividades são as políticas púbicas de desenvolvimento e suas relações com as dinâmicas sócio territoriais. Neste caso, o foco que Neli propunha o debate sobre a perda de poder do Estado como ente capaz de induzir o desenvolvimento. Apesar dessa mutação na figura do Estado, políticas públicas continuam sendo elaboradas e implantadas. Mas, a questão que movia Neli, pesquisadora talhada na produção e políticas públicas ambientais em diferentes níveis de ação, era saber “Em que medida, estas políticas conseguem enfrentar os sérios desafios sociais, econômicos e ambientais?”.

19Sabedora de que, no Brasil, tais políticas são realizadas em parceria com outras instituições e com a sociedade e de que elas nem sempre produzem resultados no tempo esperado, Neli lidera o debate propondo como interrogações para a reflexão “Qual a situação dos outros países emergentes? As soluções que os mesmos têm adotado são comparáveis às brasileiras ou suas políticas têm mais sucesso? Como indianistas, africanistas e estudiosos desses países [emergentes] podem, com suas abordagens, contribuir para uma troca de reflexões sobre as ações e políticas públicas?” (2009).

20A quarta atividade inaugural programada e realizada permite um olhar para o Brasil orientado pelas discussões que antecederam o evento Brasil e sua inserção na competitividade global: parcerias estratégicas. Se iniciamos nossas atividades com encontros produzindo reflexões sobre experiências fora do Brasil, estas foram sempre pensadas a partir da possibilidade de iluminar a prática local.

21Entender como e o que se realiza fora das fronteiras do território nacional é relevante para a reflexão crítica sobre o que fazemos e sobre a utilidade para nós daquilo que se faz noutros lugares do globo. Como resultado de seu olhar arguto ela nos ofereceu para participar de um processo de encontros com pesquisadores que nos possibilitasse acolher, descartar ou aprimorar fazeres de outras sociedades no intuito de aprimorar científica e tecnologicamente a práxis nacional. Nesta ocasião, Neli lidera o grupo num primeiro encontro de pesquisadores, executores de políticas, gestores públicos, nacionais e regionais, para analisar os caminhos estratégicos adotados pelo Brasil para a sua inserção global.

22Para tanto, ela questionava quais seriam as diretrizes de política externa brasileira, visto que naquele momento o país tinha o manifesto objetivo de integrar o Conselho de Segurança e Comissões temáticas estratégicas das Nações Unidas. Isso induziria a constantes negociações com os diferentes países membros. Nesse cenário, Neli indagava “Por que este interesse? Por que conquistar seu lugar como parceiro internacional incontornável?” (2009). Como uma investigadora atenta aos processos de construção geopolítica da realidade nacional, ela observava que alguns temas foram priorizados na agenda internacional brasileira e as relações da Europa com o Mercosul foram o foco das ações nacionais durante alguns anos. Essa diretriz interferia no modo como se operacionalizam políticas locais e as prioridades nacionais de governança.

23Nesse evento Neli como que costura os debates sobre Europa, sobre percepção regional e local, sobre estratégias políticas na cena de países emergentes e outros temas. Agora todos eles vistos desde o prisma nacional. Ao comandar reflexões sobre as políticas emergidas desse processo de construção de um projeto nacional, ela lidera um debate um rico sobre as perspectivas e desafios de políticas de desenvolvimento, envolvendo acadêmicos e gestores de políticas públicas e ao mesmo tempo, permitindo à sociedade, maior acesso a conhecimentos, muitas vezes, tratados em espaços herméticos. Com seu modo de liderar ela aproximava, com maestria, o debate entre acadêmicos gestores e sociedade de maneira a permitir que o conhecimento sobre os temas nacionais e internacionais fossem acessíveis também ao público leigo.

24Retomar o projeto e o programa que permitiu a criação e início das atividades do grupo de pesquisa em Políticas Públicas, Territorialidades e Sociedade, no Instituto de Estudos Avançados, nos permite compreender como Neli Aparecida de Mello-Théry exercia liderança e protagonismo na cena científica e política nacional. Em torno dela, se associavam pesquisadores de diferentes origens disciplinares e de distintas partes do planeta. Ela nunca quis ou desejou exercer uma liderança personalista e autocentrada em si mesma. Ela sempre foi aquela líder carismática que sabia liderar, acolher a variedade de opiniões e pensamentos, sintetizar os consensos, sem eliminar os dissensos; e distribuir responsabilidades e oportunidades a todos, para que, com elas, pudessem crescer. Permitir que o outro crescesse era sua forma de garantir uma ciência potente e capaz de oferecer perspectivas à altura dos problemas públicos do presente.

25E não poderia ser diferente. Uma grande mulher que sempre abriu caminho no mundo dos homens. Ela se converte em um exemplo da forma e da capacidade de as mulheres liderarem e transformarem lugares míticos atribuídos ao masculino e no qual elas são desqualificadas e desprestigiadas. Ela como cientista abre caminho a uma geração de mulheres que se inspiram e se inspirarão nela para construir seu caminho e transformar o mundo dos homens no mundo de todxs.

26Não é por acaso que nos espaços em que atuou, entre eles o IEA, ela liderou a homens. E foi sob sua liderança, pude me tornar um homem melhor, um cientista melhor. Sua influência, sua capacidade de questionar, de refutar, de acolher e de propor caminhos, de iluminar em meio a tempestades para que não nos percamos era – e segue sendo – uma das grandes qualidades que faz com que sua memória mereça ser preservada e difundida.

27Tentando refletir sobre suas relevantes contribuições científicas e humanas, indissociáveis, realizamos um evento que buscou cobrir alguns de muitos lugares que ajudou a significar. Nos dias 20 e 21 de maio de 2021, nós pesquisadores e pesquisadoras do IEA, em particular do grupo e Pesquisa, nos associamos a colegas de diferentes países e regiões com os quais ela construiu pontes de relação e conhecimento sólido e comprometido com a mudança social (Silva, Mello-Théry & Romero, 2018). Reunimo-nos para celebrar e refletir sobre seu legado no simpósio Entre Geografias e Ambientes: reflexões sobre a vida e a obra de Neli Aparecida de Mello-Théry.

Entre Geografias e Ambientes, Entre Afetos e Saberes

28Não é possível olhar para a obra deixada por Neli sem sentir o afeto, a emoção que permeava a razão que orientava sua ciência. Uma ciência sensível, afetuosa como ela, uma ciência robusta, forte e altiva como ela. Razão e emoção se imbricavam em seu fazer científico. Um fazer apaixonadamente sério e comprometido. Razão e emoção lhe conduziram a estar entre lugares, entre mundos, entre países. Razão e afeto lhe permitiram navegar entre geografias e ambientes e construir conhecimentos que iluminam, inspiram quem se dedica a contribuir para um mundo ambientalmente preparado para enfrentar, e mesmo resistir, as mazelas de uma governança desordenada que afeta profundamente a dinâmica humanidade-natureza.

29Em seu olhar sobre os fenômenos aos quais se dedicou, ela sempre buscou superar dualismos e maniqueísmos que embotam a visão de quem não se permite superar fronteiras duras. Seu pensamento era fluido, complexo e crítico. Inclusive seu olhar nunca perdia de vista as múltiplas paisagens que a vida lhe apresentava. E convidava-nos, constantemente, ao exercício de contemplar e descobrir a paisagem a nossa frente. Sempre nos desafiando a descobrir o novo em tudo, mesmo que parecesse velho.

30Entre geografias e ambientes, entre afetos e saberes foi como ela viveu, foi como ela mudou o mundo. Sim, ela mudou o mundo e o mundo é muito melhor porque ela passou por ele como uma força viva da natureza. Com ela aprendi a ser um homem feminino, ser um masculino revolucionário na minha maneira de agir e pensar. Agora resta o desafio de seguir seu exemplo, sua inspiração e continuar atuando para difundir seus legados e aprofundá-los nas tantas esferas que ele é capaz de alcançar. Sua força e sua contribuição vão muito além de onde a vista pode ver.

31Ciência, ativismo ambiental e político, esperança generosa marcam essa grande mulher. Foi – e seguirá sendo – uma gigante, um farol cuja silhueta sempre vou contemplar por mais distante que o tempo e as memórias deixem aquele presente que vivemos juntos e que já se foi. Indubitavelmente ela foi uma das grandes geógrafas que o mundo conheceu e um ser humano ainda melhor! E como recorda Cesar Ricardo Simoni em sua intervenção durante o evento, seu “ativismo na produção acadêmica [era] um traço marcante, mas apenas um traço dentre tantos outros que poderiam ser elencados no conjunto dos imprescindíveis num tempo como o nosso. Um tempo de retrocessos dilacerantes, de desespero, mas também, e por isso, dos mais carentes desse veio engajado, destemido e forte que é trazido nos trabalhos de Neli”.

32Hoje, tenho apenas o desejo de ter parte de sua sabedoria, de sua capacidade de diálogo e de seu rigor amoroso e educativo. Desejo poder, na condição de sucessor na coordenação do grupo Políticas Públicas, Territorialidades e Sociedade, saber seguir conservando e construindo pontes como ela fez como ninguém. Ainda tenho muito a aprender com ela, com as lembranças dela, com os escritos dela, com as conferências que ministrou, com as pessoas, que como eu, por ela foram tocados e transformados. E é por isso que me sinto confortado e animado para seguir em frente e trabalhar, pois Neli segue viva em mim, em nós. Sua memória nos alimenta e nos impulsiona a navegar porque ela será sempre nosso farol fulgurante.

33Muito obrigado, Neli!

34Neli, presente!

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Bibliographie

Mello, Neli A. de., Politicas territoriais na Amazônia. São Paulo: Annablume, 2006.

Mello, Neli A. de., Grupo de Estudos sobre Políticas Públicas Territoriais. IEA. Proposta de criação de Gruo, 2009.

Mello, Neli A. de., Território e gestão ambiental na Amazônia. Terras públicas e os dilemas do Estado. 1a.. ed. Sao Paulo: Annablume, 2011. 198p .

Mello, Neli A. de., Théry, Hervé. (Org.). Visões da Europa, Representações e Discursos. 1a.. ed. São Paulo: Annablume Editora. 2013.

Mello, Neli A. de., “O campo é um laboratório para a gestão ambiental”, Confins [En ligne], 45 | 2020, mis en ligne le 03 juin 2020, consulté le 19 mai 2021. ; DOI : https://doi.org/10.4000/confins.27859

Silva, Alessandro Soares da., Mello, Neli A. de., & Romero, Juan Carlos. Reflexiones acerca del cambio social y participación política como campo interdisciplinar de producción del saber”. Revista de Investigacion Psicologica, [En ligne], 20 | 2018, (20), 83-96. consulté le 19 Jun 2021. URL: http://www.scielo.org.bo/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S2223-30322018000200007&lng=es&tlng

Théry Hervé., Mello, Neli A. de., et al. Atlas do trabalho escravo no Brasil. São Paulo: Amigos da Terra, 2012.

Théry Hervé., Mello, Neli A. de., Atlas do Brasil, Disparidades e dinâmicas do território. 3. ed. São Paulo: EDUSP, 2018.

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Pour citer cet article

Référence électronique

Alessandro Soares da Silva, « Um Farol chamado Neli »Confins [En ligne], 50 | 2021, mis en ligne le 05 juillet 2021, consulté le 19 mars 2024. URL : http://journals.openedition.org/confins/38250 ; DOI : https://doi.org/10.4000/confins.38250

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Auteur

Alessandro Soares da Silva

Coordenador do Grupo de pesquisa em Políticas Públicas, Territorialidades e Sociedade, do Instituto de Estudos Avançados, e do Programa de Pós-Gradação em Estudos Culturais da Escola de Artes, Ciências e Humanidades da Universidade de São Paulo, alessoares@usp.br

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