1Desde o reconhecimento do estado pandêmico da covid-19 pela Organização Mundial da Saúde até o presente momento, setembro de 2022, se passaram 2 anos e 5 meses. Durante esse período, a Covid-19 se disseminou pelo mundo por meio da circulação de pessoas, motivadas pelas mais diversas razões, entre as quais o turismo. Desse movimento das pessoas e do vírus, acompanhado da incapacidade humana de produzir uma solução imediata à crise que rapidamente se espalhou pelo mundo, resultou a morte de 6,51 milhões de pessoas e a afetação da economia e da vida cotidiana de outras bilhões. Porém, a pandemia não ocorreu de forma homogênea no tempo e no espaço, sendo este um dos fundamentos que nortearam os estudos realizados para dimensionar seus desdobramentos pelo mundo, tornando-se pauta das agendas de pesquisa em diversas áreas do conhecimento.

2No que concerne ao turismo, destaca-se o papel da United Nations World Tourism Organization – UNWTO, órgão ligado às Nações Unidas, conhecido entre nós como Organização Mundial do Turismo – OMT, na produção de dados, informações e reflexões sobre os impactos da pandemia no setor. Reconhecendo a natureza diferencial desses impactos para diferentes países e regiões a OMT avaliou, entre outros aspectos em suas análises, a participação do turismo na composição do PIB de nações e regiões reconhecidamente com alta dependência econômica da atividade turística, como são os casos de ilhas da América Central e do Pacífico, como Aruba, com 88% do seu Produto Interno Bruto advindo do turismo, e das Ilhas Marshall, em que o turismo participava, antes da crise, com 77% da composição de seu PIB.

7É nesse contexto que, em maio de 2020 teve início a formação da Rede Internacional de Pesquisa Turismo em Tempos de Pandemia: uma abordagem geográfica multi e trans-escalar, sob a liderança da Profa. Dra. Rita de Cássia Ariza da Cruz (USP) e vice-liderança da Profa. Dra. Maria Goretti Tavares (UFPA), com o objetivo de revelar os impactos socioeconômicos da crise gerada pela pandemia de covid-19 no setor de turismo nos lugares, em especial, naqueles em que o turismo se apresenta como um importante vetor no processo de produção do espaço.

8Pela relevância e pertinência da proposta, a Rede se expandiu rapidamente. Atualmente, agrega pesquisadores de 30 instituições de ensino e pesquisa, sendo 23 situadas em 11 estados brasileiros, 1 na Argentina, 2 em Portugal e 4 em Moçambique, envolvendo cerca de 70 pesquisadores.

9Com o intuito de publicizar e democratizar os resultados das pesquisas realizadas sobre os recortes espaciais selecionados pelas equipes das instituições envolvidas na Rede, ao longo de 2021, foi publicado pela editora da FFLCH/USP o livro “Turismo em tempos de Covid-19: ensaios sobre casos na Argentina, Brasil, Moçambique e Portugal” e organizados três dossiês, publicados nos periódicos Geo UERJ (2021), Caderno Virtual de Turismo (2021) e revista Formação (2022).

10Ao final de 2021, a Rede passou por uma rearticulação, proporcionando maior interação entre pesquisadores de diferentes instituições, objetivando produzir estudos com análises espaciais comparativas, contemplando as seguintes áreas temáticas relacionadas ao turismo: meios de hospedagem; segunda residência; transporte; áreas protegidas; patrimônio cultural; trabalho; e políticas públicas.

11O presente dossiê publicado pela revista Confins é fruto desse momento de rearticulação da Rede em novas frentes de trabalho. O dossiê contempla ao todo 8 artigos, que envolvem análises dos recortes espaciais identificados no Mapa a seguir.

12O artigo intitulado “Impactos da pandemia de covid-19 no setor hoteleiro: os casos de Lisboa, Maputo e São Paulo”, de autoria de Rita de Cássia Ariza da Cruz (USP), Eduardo Brito-Henriques (ULisboa), Sara Larrabure (ULisboa) e Dario Chundo (UMP), revela como os meios de hospedagem de três cidades situadas em diferentes continentes foram impactados e se reestruturaram diante da crise, mapeando as transformações ocorridas entre 2020 e 2021.

13Já, os grandes empreendimentos hoteleiros aliados às segundas-residências são o foco do artigo “Os dois lados do Atlântico: o impacto da pandemia nos Empreendimentos Turísticos Imobiliários no Brasil e nos Conjuntos Turísticos (Resorts) em Portugal”, de Cristina Araujo (UFPE), Claudete Moreira (UC), Ilana Kiyotani (UFPB), Denise Marques (UFPE) e Norberto Santos (UC). O estudo adota a escala nacional, abarcando em sua análise esses dois países, que, conforme evidenciado pelos autores, reagiram de forma diferenciada frente à pandemia.

14O fenômeno da segunda-residência também é tema do artigo “Efeitos da pandemia da covid-19 na dinâmica do turismo de segundas residências em Armação dos Búzios/RJ e Bertioga/SP: transformações e permanências”, de Luciano Abreu (UFRRJ), Isabella Beil (USP) e Daniel Barretti (USP). O estudo, focado nessas duas localidades do litoral do sudeste brasileiro, discute como a pandemia intensificou processos de acumulação, reprodução e valorização do capital imobiliário.

15As repercussões da crise sanitária no turismo em áreas protegidas são tratadas no artigo “Impactos da pandemia de covid-19 no fluxo e práticas de visitação em parques nacionais no Brasil”, de Susy Simonetti (UEA), Eloise Botelho (UNIRIO) e Edvaldo Moretti (UFGD). O recorte espacial adotado para análise abarca três unidades de conservação situadas em diferentes macrorregiões brasileiras: o Parque Nacional de Anavilhanas, localizado no estado do Amazonas, o Parque Nacional da Tijuca, situado no Rio de Janeiro, e o Parque Nacional da Serra da Bodoquena, no estado de Mato Grosso do Sul.

16O artigo “Turismo e patrimônio imaterial na pandemia: o caso do centro histórico de Belém (CHB) do Pará na Amazônia brasileira” de Maria Augusta Canal (UFPA), Milene Castro (UNIVALI), Jorge Alex Souza (UFPA) e Maria Goretti Tavares (UFPA) aborda as festividades populares da capital paraense patrimonializadas e as estratégias adotadas pelos sujeitos sociais envolvidos para enfrentar os desafios impostos pela pandemia.

17O cenário da precarização do trabalho em tempos de crise é o pano de fundo do artigo “A pandemia da covid-19 e a vulnerabilidade dos trabalhadores no/do turismo no Brasil”, de Claudia Moraes (UFF), Roberson Buscioli (Unesp), Mara Aline Ribeiro (UFMS), Fábia Trentin (UFF) e Monique Serra (IFMA). O estudo revela como as demissões em massa e as políticas de flexibilização dos direitos trabalhistas estão fragilizando ainda mais as condições de trabalho na área do turismo no Brasil.

18Também nessa perspectiva de abordagem dos impactos da pandemia sobre o trabalho no turismo, o artigo “Turismo, políticas públicas e pandemia: uma análise do emprego nas Atividades Características do Turismo (ACTs) nos municípios de Belém e Santarém (Pará), Brasil”, de Elcivânia Barreto (UFPA), Ágila Rodrigues (UFPA), Kássia Farias (IFPA) e Sandra Silva (UFOPA), trata de identificar as políticas que repercutiram nos empregos do setor nessas cidades que são os dois principais destinos turísticos do estado do Pará.

19A queda brusca dos fluxos aéreos e a situação crítica da aviação civil, em 2020 e 2021, são o panorama do artigo “O Estado perante a crise do transporte aéreo: os casos de Brasil e Moçambique”, de autoria de Carolina Todesco (UFRN), José Guambe (UPM), Thays Pinho (UFMA), Marcos Fernandes (USP) e Amilton Novaes (UFGD). O artigo analisa o perfil das ações governamentais direcionadas às companhias aéreas, adotando como estudo de caso dois países com realidades bastante distintas em relação à sua malha aérea e à sua orientação política.

20Conforme se pode observar, o dossiê da Rede Internacional de Pesquisa Turismo em Tempos de Pandemia publicado pela Confins expõe duas características intrínsecas à Rede: é “multi” tanto em sua abordagem geográfica, como em sua abordagem temática, pois a complexidade das repercussões socioespaciais e políticas da pandemia requer esse olhar; e é também trans-escalar, pois como poderá notar o leitor, conexões entre as diferentes escalas geográficas de análise são mobilizadas a partir de uma perspectiva dialética que integra o universal e o particular.

21Desejamos uma ótima leitura!