1A instabilidade sempre foi uma das características do mundo do trabalho, nas mais diferentes esferas e períodos históricos e, considerando os tempos de pandemia desencadeado em 2020, Antunes, Mattos e Pochmann - citados por Cruz (2021) - desvelam que o mundo do trabalho está vivenciando transformações profundas, e essas mudanças não estão sendo favoráveis às classes trabalhadoras.

2No Brasil, dentre as mudanças percebidas pela classe trabalhadora, estão as diversas reformas trabalhistas, que alteraram a Consolidação das Leis do Trabalho – CLT, instituída em 1943. A última delas ocorreu por meio da Lei nº 13.467 de 13 de julho de 2017 (Brasil, 2017), modificando-a em 201 pontos, sob o discurso da necessária ‘modernização’ da legislação para atender as relações laborais contemporâneas, mas o que se observou foi um processo de regulamentação da precarização do trabalho acompanhando o movimento mundial de acirramento da neoliberalização.

3No contexto da crise estrutural do capital, abordada por Mészáros (2000), entende-se que tal reforma objetiva promover - a partir de atos normativos - um ajuste espaço-temporal, tal como apresentado Harvey (2005). Entende-se o ajuste espaço-temporal como um processo que busca pelo ponto específico do espaço em que capital e trabalho se encontram para a produção com um determinado nível de tecnologia, normatização e possibilidades de circulação dessa produção em tempo economicamente viável até completar o processo de realização do capital. Quando a produção, enfim, é consumida, adquirindo novamente o status de valor de uso. Esse movimento imputa a necessidade de uma nova configuração da relação trabalho e capital, demandando um novo ajuste do espaço.

4Nesta perspectiva, a desregulamentação trabalhista retirou parte da esfera protetiva laboral, inserindo novas formas jurídicas de contratação por regras menos interventivas e protecionistas, sustentada no tripé flexibilização das relações de trabalho, fragilização das instituições de proteção e individualização dos riscos, o que condena os trabalhadores à maior vulnerabilidade social (Krein & Colombi, 2019).

5A vulnerabilidade relaciona-se à imprevisibilidade da existência de jornada e de remuneração dos trabalhadores, sob a égide da contratação mais flexível e das negociações não necessariamente passarem pelos sindicatos ou associações, e sim, diretamente entre o capital e o trabalho. Apontada com uma ação direta positiva pelo lado do capital, encobre a fragilização a que estão expostas as associações que tornavam os trabalhadores mais fortes nas negociações, necessária a união por serem a parte mais fraca. Assim, a vulnerabilidade laboral expõe o trabalhador a contratos que não possuem medidas protetivas frente à inferioridade contratual entre o capital e o trabalho (Zandonai, 2020).

6Quando a World Health Organizations (WHO) decretou a pandemia da Covid-19, que acentuou cenários de crise, relacionados ao desemprego e ao fechamento temporário ou definitivo de empresas, ressaltou as desigualdades socioeconômicas entre e dentro dos países. No Brasil, as novas relações de trabalho decorrentes da citada reforma associadas à pandemia da Covid-19 exacerbaram fatores que já estavam em curso, como o baixo crescimento econômico, consideráveis níveis de desemprego, aumento das desigualdades, questionamentos à hiperglobalização e as evidentes dificuldades de políticos e sindicalistas de lidarem com esses elementos (Santos & Jakobsen, 2020).

7O turismo, em sua essência, é um fenômeno móvel (Allis, Moraes e Scheller, 2020) e foi fortemente afetado pela imobilidade instalada em decorrência da pandemia da Covid-19. Resultante das políticas de distanciamento social para conter o vírus ou pelo medo de se deslocar e ser contaminado, o fato é que houve diminuição real da receita nominal das Atividades Características do Turismo - ACTs e o desemprego no setor.

8Toda a efervescência desta pandemia desencadeou muitas inquietações, tanto que pesquisadores da Rede de Pesquisa Turismo em Tempos de Pandemia - uma abordagem geográfica multi e trans-escalar, ao observarem os seus reflexos no trabalho do/no turismo, elencaram, como objetivo deste artigo, conhecer a dinâmica do emprego nas ACTs durante o período pandêmico, considerado exceção no contexto nacional, com o intuito de compreender o agravamento ou não da situação de vulnerabilidade laboral do/no trabalho no turismo a partir da análise dos tipos de contratos de trabalho vigentes durante os anos de 2020 e 2021.

9Escolheu-se como percurso metodológico a análise qualitativa e quantitativa dos dados coletados no Novo Cadastro Geral de Empregados e Desempregados - Novo Caged, analisando o saldo de empregos nas ACTs: Agência de Viagens e Operadores Turísticos; Alojamento; Alimentação; Arte, Cultura, Esporte e Recreação; Transporte Aéreo; Transporte Aquaviário; Transporte Terrestre. A escolha das sete ACTs considerou o apontado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada - IPEA (2013), que as define como atividades diretamente relacionadas ao turismo e disponibilizadas nos dados do Novo Caged. Cotejou-se os achados sistematizados com a teoria sobre relações de trabalho no/do turismo e, por fim, analisou-se a vulnerabilidade em relação aos contratos de trabalho nas ACTs no período estudado.

Relações de trabalho no turismo: definições, legislações, contratos e realidades

10O território deve ser visto na multiplicidade e nos poderes nele incorporados a partir da ação dos múltiplos sujeitos envolvidos (Fratucci, 2014). Partindo desta ideia, ressalta-se que o fenômeno socioespacial do turismo contemporâneo pode ser compreendido a partir das ações de agentes sociais (capital, trabalhador, trade, comunidade, turista e poder público), que produzem o território em processos territorializantes. Neste movimento, a chave para a existência do produto turístico está no emprego da força de trabalho do trabalhador do turismo para a sua operação.

11Entre os processos de acumulação e circulação do capital da sociedade atual está o turismo. Harvey (2013) ressalta que a mais valia extraída da atividade turística é decorrente dos gastos que os turistas despendem ao consumir a mercadoria-turismo, movimentando, assim, as práticas turísticas.

12Na produção da mercadoria-turismo, o trabalhador não tem plena consciência do trabalho que produz por causa dos mecanismos de ocultação que geram o trabalho alienado (Marx, 2010), cujo produto finalizado é estranho ao trabalhador que o produziu. Ademais, esta relação leva à exploração de mais valor do trabalhador (Conceição, 2021). Toda essa questão revela a vulnerabilidade na qual o trabalhador do turismo está exposto nas relações trabalhistas.

13Os autores Moura et al (2021), notam que há uma desarticulação histórica da academia para consolidação de conceitos, categorias e espaços de discussão para esse tema. A definição de quem se enquadraria como trabalhador do turismo está por ser construída. Em conformidade com os autores citados, Cañada (2020) ressalta a dificuldade em delimitar os contornos do trabalho no turismo ao se considerar que atividades de outros setores não restritivos ao turismo não estão abrangidas.

14Considerando essa fragilidade e para dar avanço aos estudos sobre o trabalho do/no turismo, foram estabelecidos como trabalhadores do/no turismo os sujeitos que exercem determinadas funções relacionadas à atividade turística direta ou indiretamente, dentre as mais diversas dimensões e abordagens do fenômeno turístico contemporâneo (Fratucci, 2014). Ao realizar estudos nas fontes disponíveis, mesmo cientes de que não conseguem responder à totalidade dos trabalhadores, o recorte proposto permite traçar algumas reflexões para compreender o que tem ocorrido com o trabalho e o trabalhador do/no turismo.

15Na CLT, os contratos de trabalhos estão descritos no artigo 442 como um acordo tácito ou expresso, correspondente à relação de emprego e os que estão em voga a partir da citada reforma trabalhista de 2017 são por tempo indeterminado, por tempo determinado, de trabalho intermitente, eventual, de teletrabalho e de trabalho autônomo (Figura 1).

O trabalho no e do turismo em tempos de pandemia

16Em 2019, o setor de turismo envolvia 7,4 milhões de trabalhadores no Brasil, equivalente a 7,9% do total dos trabalhadores empregados no Brasil (Banco do Nordeste, 2020). Com o avanço da Covid-19, houve uma drástica redução no número de empregos no país. Em 2020, a diminuição de postos de trabalho nas ACTs atingiu 38,1%. Ao comparar com 2019, percebe-se a extinção de 301.386 postos de trabalho (Brasil, 2021)

17A redução dos empregos ocasionadas pelo isolamento social em nível mundial, foi identificado nos estudos da Organización Internacional del Trabajo (OIT, 2021), como não homogênea, atingindo mais mulheres, trabalhadores jovens e trabalhadores informais.

18As características decorrentes do trabalho do/no turismo como sazonalidade, extensas jornadas, flexibilidade de horários de trabalho, baixa qualificação, informalidade e precarização têm influenciado e influenciam na forma como as políticas trabalhistas para o setor turístico são delineadas (Santos, 2018).

19A presença dos trabalhos informais acaba gerando modalidades de contratos atípicos como os citados por Cacciamali (2001): tempo parcial, temporário, terceirizado, eventual, capacitação ou aprendizagem e sazonal, levando em conta as horas trabalhadas, a duração temporal da prestação de serviço, a contratação por meio de terceiros, a frequência da prestação de serviço, a oferta de qualificação profissional e a época do ano, respectivamente.

20Neste cenário, a crise pandêmica atingiu fortemente o setor turístico e para tentar minimizá-la, com o intuito de manter os empregos e a continuidade das firmas e dos empregos, o governo federal adotou medidas legais de auxílio às empresas, porém o acesso aos planos emergenciais foi prejudicado, justamente pela ausência de formalidade nos postos de trabalho, provocando ampliação na situação de vulnerabilidade e precariedade nas relações de trabalho, já apresentada antes da pandemia (Antunes, 2020).

21Nesta situação, algumas atividades específicas ficaram mais vulneráveis, como guias de turismo, produtores de eventos e trabalhadores do setor de bares e restaurantes por terem contratos de trabalho temporários, intermitentes, eventual ou trabalharem na informalidade. Na ausência da atividade turística, eles simplesmente ficaram sem trabalho e sem condições de reverter esta situação facilmente, apesar das manifestações públicas, denúncias e protestos que estes trabalhadores protagonizaram (Ribeiro, 2021; Cruz, 2020). Sua sobrevivência ocorreu com ajudas humanitárias ou migraram para áreas com mais oportunidades (Costa et al., 2021).

A vulnerabilidade dos trabalhadores do turismo: resultados e análises

22Neste tópico foi avaliado o comportamento do emprego nas ACTs, com o número de contratos temporários e intermitentes, a distribuição do saldo de emprego nas ACTs nos anos de 2020 e 2021 e a relação com as ondas da Covid-19.

23No gráfico 1, é demonstrada a evolução do saldo de emprego entre os meses de janeiro de 2020 a dezembro de 2021, acompanhado do período das chamadas ondas de Covid-19.

24A nomenclatura ‘onda’ passou a ser aplicada para contextualizar o perfil epidemiológico da pandemia. Embora não tenha embasamento em critérios científicos estabelecidos, julga-se que o Brasil teria passado por "duas ondas", sendo a primeira delas entre fevereiro de 2020 e julho de 2020 e a segunda entre novembro de 2020 a abril de 2021 (Moura, 2021); enquanto a ‘terceira’ teria iniciado em janeiro de 2022 e estaria em fase decrescente a partir de abril de 2022 (Fiocruz, 2022).

25No gráfico 1, o saldo positivo de empregos de janeiro e fevereiro de 2020 se altera durante a chamada ‘primeira onda’, que se estende até julho. Nesse momento, a curva de casos de Covid-19 inicia a tendência de queda que se acentua nos meses de agosto e setembro, acumulando no período um saldo negativo de mais de 500 mil empregos.

26No intervalo de agosto de 2020 a fevereiro de 2021, observa-se um período ascendente da curva, com a recuperação de mais de 100 mil postos de trabalho, atribuídas ao intervalo entre o fim da ‘primeira onda’ e o início da ‘segunda onda’. Inicia-se o relaxamento das normas de distanciamento social, em função da criação de regras baseadas na maior intensidade ou não do contágio e da ocupação do número de leitos em unidades de terapia intensiva, como forma de buscar alternativas possíveis para reduzir as perdas econômicas e proteger a vida. Estas normas, quando criadas, foram pelos governos federal, estados e pelos municípios de acordo com suas jurisdições.

27Ressalta-se que no Brasil a tensão inerente ao próprio cenário pandêmico foi acentuada pela omissão do governo federal, que aproveitou o momento para desconstruir a coordenação intergovernamental estabelecida no pacto federativo (Abrucio, 2005), ao mesmo tempo em que tentava amenizar a gravidade do momento, lutando veladamente pela imunidade de rebanho, comprometendo a vida de milhões de brasileiros.

28O ciclo ascendente da curva de emprego foi interrompido em fevereiro de 2021, no pico da ‘segunda onda’ e com o colapso do sistema de saúde pública e o atraso no início da vacinação, houve um acúmulo no saldo negativo de emprego no setor até abril de 2021. Entre abril e dezembro de 2021 se destaca o terceiro ciclo ascendente da curva com relação ao saldo de empregos acumulado. Com o início e a ampliação da cobertura vacinal no país, houve relaxamento das normas de distanciamento social e retomada de algumas atividades.

29Nesse ínterim, os empregos seguem em recuperação, apesar do aumento no número de novos casos e mortes. A menor incidência de casos graves pode explicar a tendência de recuperação do período, acompanhado de um relaxamento das normas de isolamento social (Moura et al, 2021). Denota-se que houve retração do setor de turismo, resultando na abrupta queda no saldo de empregos.

30Em que pese os contratos de trabalhos, a figura 2 demonstra que o desempenho por ACTs em 2020 e 2021 ocorrem de maneira vantajosa para o setor de transportes e menos vantajosa para os setores de alimentação e hospedagem.

31Ao analisar, na Figura 2, o saldo de emprego por modalidade de contrato de trabalho e ACTs em 2020 e 2021, tem-se que em 2020 o saldo de contratos de todas as categorias foi de -423.934 e em 2021, foi de 265.111. Portanto, entre 2020 e 2021, o saldo de empregos nas ACTs elencadas foi de -158.223, de modo que, mesmo apresentando uma performance positiva em 2021, esta não foi suficiente para compensar o saldo negativo acumulado em 2020. Desse modo, o saldo negativo acumulado entre 2020 e 2021 foi de mais de 158 mil empregos.

32A retração da ACT de Alimentos e Hospedagem, de acordo com os estudos realizados pela Confederação Nacional do Comércio - (Okada, 2020), teve como umas das consequências o isolamento social e as restrições de funcionamento ou o fechamento dos estabelecimentos impostos pelas políticas públicas de contenção da Covid-19. Essas medidas os atingiram fortemente, ocasionando encerramento de -28,61% em 2020, muito acima dos demais setores do turismo, como hotéis, pousadas e similares (-3,04), agências de viagens (-1,39), transporte rodoviário (-1,10), serviços culturais e de lazer (-1,02), locadoras de veículos (-0,20) e transportes aéreos, ferroviário e marítimo (-0,09).

34O setor de hospedagem também foi afetado pelo isolamento social e pelo receio em viajar. Este último, comprovado pela com pesquisa da TRVL LAB (2020), visto que 61,39% dos inquiridos alegaram este motivo por não viajarem, principalmente quando a vacina ainda não estava disponível e o número de casos e mortes era alto em 2020. Ademais, o poder de compra reduz diariamente por conta dos altos índices de inflação que o país está sofrendo, potencializado pelo período pandêmico.

35O comportamento mais positivo do setor de transporte está associado a alguns fatores como a temporada dos cruzeiros marítimos 2019/2020 estar quase no final quando a pandemia foi decretada, fazendo com que as perdas fossem menores e as locadoras de veículos serem favorecidas por locações tanto por trabalhadores que perderam seus empregos e tornaram motoristas de aplicativos como por moradores com receio de usar o transporte público.

36Conforme dados do Novo Caged, em 2020 o saldo de contratos de trabalho de todas as categorias das ACTs foi de -423.934, enquanto em 2021, foi de 265.111. Portanto, entre 2020 e 2021, o saldo de empregos no turismo nas ACTs elencadas foi de -158.223 empregos. Portanto, entre 2020 e 2021, o saldo de empregos no turismo nas ACTs listados foi de -158.223 empregos. Mesmo apresentando desempenho positivo em 2021, não foi suficiente para compensar o saldo negativo acumulado em 2020. Assim, o saldo negativo acumulado entre 2020 e 2021 foi de mais de 158 mil empregos. Na Tabela 1, apresenta-se os dados dos contratos de trabalho dos anos 2020 e 2021.

Tabela 1: Contratos de Trabalho anos 2020 e 2021

ACTs	Contratos
	2020								2021
	Tempo indeterminado		Tempo Determinado				Total		Tempo indeterminado			Tempo Determinado				Total
			Intermitente		Temporário							Intermitente		Temporário
Alimentação		-243.573		1703		680		-241.190		127.351	7.187		115		-116.222
Alojamento		-60.715		447		10		-60.258		34.188	1.817		36		-26.527
Artes, Cult, Esp.Rec.		-31.547		306		15		-31.226		16.192	411		2		-15.355
Transporte Aéreo		-8.441		-12		0		-8.453		1.948	-2		0		-6.492
Transporte Aquaviário		-976		24		-23		-975		2.853	220		2		1.877
Transportes Terrestre		-57.208		2.419		0		-54.789		80.426	2.493		139		23.218
Agências de Viagens e Operadores Turísticos		-20.874		60		0		-20.814		2.153	103		2		-18.721

Fonte: Elaborado pelos autores com dados do Novo Caged (2022).

37Os contratos temporários registraram um pequeno saldo positivo de 682 empregos. Em dois setores eles foram negativos (alojamento e transporte aquaviário), nos demais foram positivos. Em 2021, os contratos de trabalho temporário foram de 306, portanto inferior à quase metade em relação ao ano anterior. Dados da Associação Brasileira do Trabalho Temporário – Asserttem - assinalaram que, em 2020, houve, no Brasil, acréscimo de cerca de 35% de contratos nessa modalidade, quando comparado ao ano de 2019. Desse total, 10% ocorreram no setor de comércio e 25% no setor de serviços, que inclui o turismo (Costa et. al, 2021). Esses dados corroboram com os achados na pesquisa do Novo Caged e podem indicar que houve uma lenta retomada de admissões no setor de turismo de trabalhadores com contratos temporários.

38O último tipo de contrato examinado é o intermitente. Em 2020, o saldo de empregos acumulado foi de 4.935 e em 2021 foi de 12.227 em contratos nessa modalidade. Não obstante, um crescimento na modalidade de contrato é 2,4%, maior devendo-se atentar para o crescimento do saldo de empregos acumulados no turismo ocorrido em 2021. Alerta-se para o fato de que esse tipo de contrato torna “mais difusa a fronteira entre o formal e o informal no mercado de trabalho. Esse aspecto reitera o caráter funcional dos empregos precários à acumulação do capital” (Carvahal, Araújo & Molon, 2021, p.9).

39Para a manutenção dos empregos e dos negócios no período pandêmico foram realizados acordos segundo a Lei nº 14.020 - Programa Emergencial de Preservação do Emprego e Renda (Brasil, 2020), que flexibilizaram e ofereceram contrapartidas para as empresas manterem seus trabalhadores. Mais de 18,4 milhões de acordos individuais e coletivos foram estabelecidos para todos os setores produtivos do Brasil e a maior parte no setor de serviços. No setor de Turismo, Alojamento e Alimentação, os acordos corresponderam a 2,3 milhões. Nesses acordos, em todas as ACTs, o contrato de trabalho intermitente correspondeu a 1% (Ikuta, Costa, Oliveira & Pagani, 2020).

40Verifica-se que os contratos por tempo indeterminado predominaram no período de estudo, sendo os contratos intermitentes considerados pelos empregadores dos trabalhadores do turismo como fundamentais para o setor, justificando as alterações na legislação de 2017. Mesmo assim, não foram suficientes para conter o crescimento do saldo negativo dos postos de trabalho.

41Dessa maneira, a reforma trabalhista legalizou as formas mais precarizadas de trabalho, ao mesmo tempo em que não garantiu os postos de trabalho prometidos, uma vez que na lógica de produção capitalista o trabalho é visto como um custo de produção e será reduzido quando necessário. Todavia, cabe ressaltar que o trabalho vivo é o único capaz de gerar valor e, portando, mesmo que o capital busque eliminar os custos do trabalho, dele depende tanto para extração da mais-valia quanto para garantir consumidores

42A partir da análise da Taxa de Crescimento Composta (TCC), verifica-se a tendência linear de crescimento das modalidades de contrato. Considerando o saldo total de empregos nas ACTs, independente da modalidade de contrato, havia, em janeiro de 2020, um saldo positivo de 4.057 empregos em relação ao ano anterior, e em final de 2021 registrava-se um saldo negativo de 139.56, equivalente a uma TCC de -15,88% ao mês. No mesmo período, trabalho intermitente e por tempo indeterminado somados apresentaram uma TCC positiva de 24,36%.

43Desse modo, embora as duas modalidades de contratos representem uma parcela pequena do saldo total de empregos em turismo entre 2020 e 2021 e que não tenha sido suficiente para assegurar os postos de trabalho conforme argumentado pelo governo, ela apresentou uma taxa de crescimento muito mais acelerada que o emprego total das ACTs analisadas. Tal como a cita Carvahal, Araújo e Molon (2021), esse processo antecede a pandemia, todavia parece relevante e sintomático que essas modalidades de contratos ganhem força em períodos de crise, tal como a instaurada pela pandemia da Covid-19.

44Nesta perspectiva, no gráfico 2, mostra-se a evolução do saldo acumulado dos contratos intermitentes e temporários por gênero entre os meses de janeiro de 2020 e dezembro de 2021.

45No gráfico 2, observamos que a evolução do saldo acumulado dos contratos intermitentes e temporários entre os de 2020 e 2021 foi ascendente em todo o período, aumentando sua adoção a partir de dezembro de 2020. O saldo acumulado no período foi de mais de 180 mil empregos nessas modalidades, dos quais mais de 140 mil foram acumulados em 2021, conforme mostra a linha azul com os dados do eixo 02 do gráfico. Nesse período o emprego total apresentou saldo positivo também, como abordado no Gráfico 01.

46Verificou-se que a questão de gênero se destaca quando se analisa a vulnerabilidade do trabalhador. Com relação ao trabalho intermitente das mulheres, representava mais de 60% do total de empregos desse grupo, mas durante a ‘primeira onda’ iniciou-se uma inversão, e entre o período de maio de 2020 e janeiro de 2021 essa modalidade de trabalho somou pouco mais de 40% do total. Nesse mesmo período, é possível aferir uma ampliação da participação do trabalho intermitente de homens que passaram a absorver cerca de 50% do total.

47Estudos realizados por Jorge, Fonseca e Saliba (2021) assinalaram que mais de 7 milhões de mulheres ficaram desempregadas, ou abandonaram os empregos, particularmente em função do fechamento de toda uma rede de apoio com o cuidado dos filhos, como escolas e creches, o que também se detecta no que tange ao trabalho intermitente. Conforme os autores, trata-se dos traços de uma sociedade patriarcal, na qual a tarefa do lar e cuidado dos filhos sempre é direcionada como uma obrigação da mulher.

48Nessa perspectiva, Silveira e Medaglia (2020) indicaram que as mulheres têm, majoritariamente, o ensino médio, porém não alcançavam postos de trabalho melhores, seja por falta de oportunidade ou pelo simples fato de serem do sexo feminino. Tais circunstâncias resultam em menores salários em comparação com os homens, que estão em condição de vantagem no mercado de trabalho do turismo.

Considerações finais

49Este trabalho pretendeu conhecer a dinâmica do emprego nas ACTs durante a pandemia de Covid-19, com o intuito de compreender o agravamento ou não da situação de vulnerabilidade laboral do/no trabalho em turismo. Para tanto, toma como referência a Lei nº 13.467 de 13 de julho de 2017, que instituiu a reforma trabalhista e inseriu na realidade brasileira o contrato por tempo determinado e intermitente.

50Este tipo de contrato é entendido como uma forma de desregulamentação trabalhista na qual parte da esfera protetiva laboral é eliminada em favor de contratações menos interventivas e protecionistas, que promovem a flexibilização das relações de trabalho, a fragilização das instituições de proteção e individualização dos riscos (Krein & Colombi, 2019) precarizando e vulnerabilizando os trabalhadores.

51Determinadas atividades características do turismo são passíveis de sazonalidade e de imprevisibilidade da existência de jornada, dando margem ao processo de precarização e vulnerabilidade laboral, uma vez que historicamente o setor apresenta baixa remuneração dos trabalhadores, alta rotatividade, além de qualificação insuficiente e informalidade. Soma-se a tais características a ocorrência da pandemia da Covid-19, que assolou o mundo em 2020, gerou crise econômica e acentuou as desigualdades socioeconômicas entre e intra países, expondo as lacunas do sistema de produção capitalistas e as relações de trabalho, como é o caso do Brasil.

52A atividade turística sofreu forte retração desde os primeiros dias do decreto da pandemia pela OMS, considerando ser uma prática dependente, integralmente, da mobilidade humana. Consequentemente, os atrativos turísticos e ACTs tiveram que cancelar as reservas, restituir os pagamentos realizados pelos clientes e reorganizar o orçamento.

53Durante o processo de levantamento de dados, os pesquisadores depararam com a ausência de dados referentes ao trabalho informal, ou seja, aquele que desconsidera as regras trabalhistas. Essa característica expõe, ainda mais, a condição de vulnerabilidade a que os trabalhadores estão sujeitos no mundo do trabalho, onde os direitos trabalhistas não são resguardados diante da condição de informalidade, por se tratar de um trabalho executado por empregados sem carteira de trabalho assinada.

54Neste universo, os trabalhadores do/no turismo, já fragilizados pela informalidade, assim como pela reforma trabalhista de 2017, sentiram fortemente os efeitos da pandemia, que acabou por refletir em maciça demissão no setor, um saldo negativo de aproximadamente 500 mil empregos na primeira onda. Quanto ao período de retomada, com o início da vacinação em massa, duas questões chamam a atenção. A primeira é a retomada gradual e os 18 meses que seguiram ao seu início não foram suficientes para recuperar o saldo negativo acumulado, a segunda é a Taxa de Crescimento Composta dos contratos temporários e intermitentes, que foi de mais de 24%, contra uma taxa de menos 15% para o total de empregos, isso implica que os empregos com contratos mais vulneráveis cresceram muito mais aceleradamente que os demais no contexto da retomada. Não se pode afirmar que tal movimento permanecerá, mas essa foi a tendência no período analisado.

55Desta feita, entende-se que se trata de um ajustamento espaço-temporal para garantir as condições de reprodução do capital no contexto pandêmico. Salienta-se que tal processo se soma a um conjunto de ações do capital que remontam períodos mais remotos.

56O trabalho informal e o trabalho precarizado substituíram parte dos empregos pelos contratos por tempo indeterminado, e o enfraquecimento dos sindicatos fomentou a expansão de diferentes formas de exploração da mão de obra para o turismo, maximizando as dificuldades em tempos de pandemia.

57Os contratos precarizados foram assinados majoritariamente por mulheres. Ao somar esse fato a outros - que a literatura demonstra quanto a questão da mulher no mercado de trabalho, tais como, a desigualdade salarial, a baixa escolaridade e as funções sociais tipicamente femininas - evidencia-se a reprodução da lógica da exclusão da mulher do mundo do trabalho, conforme apontam os dados levantados e as análises quantitativas e qualitativas desse artigo, que mostram como a precarização do trabalho do/no turismo, sobretudo feminino, se fortaleceu ao longo dos anos, sendo diretamente atingida e ampliada nesses tempos de pandemia.

58De um modo geral, turismo, a combinação da reforma e o contexto da pandemia revelaram a precarização significativa do trabalho por meio dos contratos intermitentes e temporários no período, e essa modalidade de contrato não foi capaz de garantir os postos de trabalho, tal como se colocou discursivamente pelos defensores da reforma trabalhista.

59Diante do exposto, a pesquisa esbarra em limitações relativas ao conjunto de ACTs consideradas no estudo, ineficiência da plataforma do Novo Caged, que não possibilita o cruzamento de informações importantes, como o salário médio por gênero e escolaridade, o que permitiria maior qualificação das análises. Assim como é preciso destacar a importância de se desagregar esses dados macros em níveis geográficos como unidades da federação, municípios e/ou regiões turísticas, e então espacializar e compreender diferentes localidades quanto a dependência do turismo na geração de renda e empregos.

60Por fim, a visão horizontal do mundo do trabalho do/no turismo permite compreender os movimentos desse processo, o que não exclui a emergência de novos estudos para compreender com maior especificidade as questões do trabalho feminino no turismo, dos impactos da reforma trabalhista de 2017, dos diferenciais de salário por gênero e da escolaridade nesse período. Além disso, retoma as discussões sobre o impacto da reforma trabalhista e da pandemia no trabalho informal no turismo, utilizando como metodologia entrevistas, pesquisa ação e levantamento de dados para colocar luzes às mais diversas realidades vivenciadas pelos sujeitos envolvidos no fazer turístico.