1A dimensão dos lazeres, com conformação de espaços dedicados à sua prática, envolve uma escala de tempo longa e representativa do instituído à época do Império Romano e do estabelecimento do mercantilismo. No primeiro recorte temporal, Saliou (1999) remete à cidade de Pompéia (soterrada pelo Vesúvio) como uma clara expressão de espacialidade citadina especializada nas recreações e diversões dos patrícios romanos. No segundo recorte temporal, Corbin (1988), Urbain (1996) e Boyer (2008), evidenciam a criação de estações termais na Europa Ocidental, como constructos sociais e geográficos imanentes à demanda por espaços de lazeres da nobreza e vis-à-vis tanto a implementação de práticas curistas como festivas, a partir da realização de bailes a garantirem exibição social e deleite dos prazeres mundanos (Corbin, 1988; Boyer, 2008; Urbain, 1996).

2O citado patrimônio material e imaterial se apresenta como modelo a inspirar práticas de lazer contemporâneas consolidadas nas estações balneárias de inverno e de verão, inicialmente de caráter elitista e a respaldar, na sequência, fenômeno de massificação das práticas de vilegiatura e de turismo (Boudou, 2001; Duhamel, 2018), vis-à-vis o estabelecimento das primeiras estações balneárias litorâneas na Europa e seu desdobramento nos Trópicos, países do Sul Global.

3No século XIX, inicialmente na parte Norte e posteriormente no Sul da Europa Ocidental, as estações balneárias litorâneas são consolidadas e, do posto, passam a atrair contingente cada vez maior de adeptos das práticas marítimas modernas: seus primeiros usuários, a realeza e a nobreza, a elevarem tais balneários a uma condição especial, seguidos pela tomada dos espaços litorâneos por segmentos populares, beneficiados por inovações no domínio econômico (direitos trabalhistas) e tecnológico (construção das ferrovias) (Urry, 1996).

4Na configuração indicada acima, o interesse nas águas tropicais é quase inexistente (Vacher, 2012). Somente após o início do século XX apreende-se uma mudança de olhares balizada na arte (na literatura, em obras de Jack London e Mark Twain, e na pintura, com Gauguin) e na ciência (tanto a dimensão científica, preocupada em apreender a riqueza e fragilidade da ambiência marítima, como tecnológica, na descoberta de novos materiais a justificarem potencialização e popularização de práticas esportivas - a título de exemplo, a natação e o surf popularizado pelo atleta Havaiano Duke Paoa Kahanamoku).

5Do enfocado acima apreende-se o século XX como o representativo de momento de difusão das práticas de lazer associadas à ambiência litorânea nos Trópicos e cujos desdobramentos justificam, na segunda metade do século XXI, ocupação das zonas de praia por modelos de estações balneárias diversas (Dantas, 2015), associadas a conjunto significativo de práticas marítimas e de lazer empreendidas por usuários do país e estrangeiros (esportes de praia, esportes náuticos e de aventura, turismo e vilegiatura de sol e de praia) (Audinet, Guibert, Sebileau, 2017; Guibert e Slimani, 2011; Guibert, 2006).

6No relacionado ao Brasil, Pereira e Dantas (2019 e 2021), desenvolveram estudos a indicarem, de um lado, criação de novos esportes na praia e no mar e seus impactos na diversificação das práticas de lazer, com consequente produção de novas localizações turísticas no Nordeste do Brasil (Pereira; Dantas, 2019) e, de outro lado, constatação de lacuna explicativa acerca do significado regional de outros empreendimentos e atrativos na composição das estações turísticas no litoral brasileiro (Pereira e Dantas, 2021).

7Cientes da coexistência de gerações de estações balneárias, no presente artigo apreender-se-á o papel das Práticas Náuticas (associadas às Marinas) e dos Campos de Golfe na formação ou reinvenção dos balneários turísticos e litorâneos, considerando:

• exemplo do movimento inicial de invenção destas práticas no Ocidente (Europa Ocidental e Estados Unidos, com foco no caso francês). Pretende-se com esta estratégia entender os desafios do desenvolvimento dos “Ports de Plaisance” dos Campos de Golfe no delineamento das estações balneárias contemporâneas. Caracterizadas como atividades de uso restrito (caráter predominantemente elitista), a partir da décadas de 1980 e 1990 passam por processo de popularização, consoante ao delineamento de práticas eminentemente esportivas em torno dos balneários litorâneos (Bernard, 1999).

• contrapontos no Brasil, um país ocidentalizado a implementar movimento de incorporação das citadas práticas no final dos anos 1980, início dos nos 1990. Neste sentido, apreender-se-á um movimento de filtragem a culminar em procedimento de diferenciação das citadas atividades (de suas práticas e do perfil de seus usuários) conforme elementos característicos do lugar (sociais, econômicos, culturais e ambientais). Nos termos indicados por Dantas (2019), como movimento vizinho ao do Ocidente e a não representar uma mera transposição.

8A diversidade das experiências vivenciadas no bloco dos Países Ocidentais em contraponto aos Ocidentalizados nos permitirá apresentar e discutir, mais detalhadamente, práticas consolidadas nos litorais brasileiros, ênfase em sua parte Nordeste. Neste sentido, duas questões fundamentais nos orientarão: i. quais são os elementos constitutivos das estações balneárias (litorâneas) nas principais destinações turísticas existentes? ii. as Marinas (Práticas Náuticas) e os Campos de Golfe balizam procedimentos de ordenamento desses espaços turísticos?

Método

9A noção de método abarca dois sentidos correlacionados e a instituírem um itinerário metodológico. Primeiro, dos marcos teóricos, conceituais e temáticos selecionados para resolução das questões problema apresentadas. Segundo, da escolha da escala espaço-temporal de análise, das bases de dados e de informações utilizadas e dos procedimentos técnicos de tratamento dos referidos dados.

10Guardamos o entendimento de que as práticas de lazer e as atividades turísticas estão prenhes de geograficidade. Cada lugar disposto no território (nacional ou regional), apesar de certo grau de individualidade geográfica (sítio natural e localização), é alcançado por fluxos de visitantes, de ideias e de investimentos originados em outras ordens espaciais e, por isso, contribuem para a produção de redes (hierárquicas ou complementares), padronização de objetos geográficos (balneários, hotéis) e de práticas sociais (banhos de mar, esportes náuticos) nos lugares turistificados.

11Nessa perspectiva de análise, apoiamos nossa reflexão na noção de Heterotopia Urbana (Lusssault, Staszak, 2003; Coëffé, 2010) e das noções de verticalidade e horizontalidade (Santos,1996). A primeira noção a permitir a apreensão da paisagem como provocadora de uma interação entre a realidade concreta dos lugares e das representações que estes vestem nas práticas e olhares dos frequentadores. No âmbito da praia, a construção das paisagens insere-se então numa perspectiva ao mesmo tempo “ecológica e simbólica” situada historicamente e geograficamente (Coëffé, 2010). A praia, e por extensão as atividades, práticas e infraestruturas contidas nos balneários (Marinas e Campos de Golfe) constituem elementos centrais da percepção da praia como paisagem e, do posto, supondo uma construção social e cultural (Coëffé, 2010). As duas últimas noções, no intuito de avançar no conhecimento acerca da difusão das práticas de lazer e sua geografia, partindo assim da escala regional e por entendê-la no entrecruzamento dos fluxos mundiais e das racionalidades locais.

12Como estratégia apresenta-se:

• casos regionais na França a induzirem atividades turísticas consolidadoras de formas urbanas e da produção de empreendimentos para o lazer (Marinas) a servirem como parâmetro de análise quanto à importância das práticas, datação do processo, grau de dispersão e evolução no território. Do posto empreende-se procedimento analítico a identificar e analisar experiências pioneiras num país a figurar como um dos principais destinos turísticos e cuja experiência na constituição e no desenvolvimento do Turismo “de plaisance” possibilita abordar uma ambiência diversa;

• balneários marítimos no Nordeste do Brasil, região na qual as atividades turísticas são predominantemente regidas pelo modelo sol e mar, reflexo de um processo de ocidentalização do país a justificar necessidade de apreensão do grau de significância das Marinas, Portos de Lazer, e Campos de Golfe na tônica de ordenamento do território. Neste sentido, concebemos caracterização dos balneários a partir do fluxo de visitantes por vias aéreas, número de imóveis destinados ao uso sazonal, total de condomínios de praia e empreendimentos do tipo resorts, bem como número de Marinas e de Campos de Golfe.

Procedimentos metodológicos e sistematização dos dados

13A pesquisa se fundamentou em dados secundários e primários, todos organizados na escala do litoral da região, considerando os municípios costeiros.

14O primeiro grupo é composto por: 1) fluxos de passageiros nos aeroportos, fornecido pela Agência Nacional de Aviação Civil (ANAC); 2; domicílios de uso ocasional (segundas residências) disponível no Censo demográfico de 2010; e, 3) leitos de hospedagem disponibilizados pela pesquisa de Serviços de Hospedagem do IBGE.

15Para o segundo conjunto de dados procedeu-se pesquisa direta, pautada nas plataformas Google Maps e Google Street View e em trabalhos de campo nas Regiões Metropolitanas de Fortaleza, Salvador e Recife. Considerando estes instrumentos, contabilizou-se o número de Condomínios de Praia e Resorts, Campos de Golfe e Marinas, a permitir busca de dados em municípios turísticos por excelência (categorias A e B, classificados pelo Ministério do Turismo no documento “Categorização dos Municípios das Regiões Turísticas do Mapa do Turismo Brasileiro”). Na área estudada chegamos à indicação de 16 municípios e 28 municípios, respectivamente na categoria A e na categoria B, nos quais foi realizada a pesquisa nas plataformas de mapeamento on-line. O procedimento via meios eletrônicos considerou os seguintes critérios de identificação de empreendimentos: autodenominação, área ocupada superior a um hectare, funções e serviços ofertados (hotelaria) e/ou anúncios de negócios imobiliários (venda ou aluguel de unidades). No caso dos Campos de Golfe e Marinas, consultou-se respectivamente os sites da Capitania dos Portos e de associações de praticantes de ambas as atividades.

16Em suma, os dados colhidos em escritório como os trabalhos de campo contribuíram para perceber os tipos de empreendimentos, o padrão locacional dos mesmos e as novas tendências para a regionalização dos investimentos privados do turismo no Nordeste do Brasil, valorizando assim os desdobramentos territoriais dos empreendimentos cartografados e sem nos ater a uma avaliação unicamente de cunho quantitativo.

Marinas e Campos de Golfe nos balneários franceses e do Nordeste do Brasil

Trechos do litoral francês

17Escolhemos a França por dispor de uma diversidade de organizações territoriais consolidadas em torno das atividades de turismo e lazer, sendo as Marinas um elemento de destaque nesse contexto, somado aos Campos de Golfe (cuja concentração na ambiência litorânea gira em torno de 50% dos existentes no pais). No citado pais, as cidades de Marseille (Litoral Mediterrâneo) e de La Rochelle (Litoral Atlântico) representam essa diversidade, a primeira delas com importância nacional e a segunda de porte regional, com destaque particular no que tange ao turismo em torno de atividades náuticas.

18De modo geral, as Marinas e os Campos de Golfe reverberam política de incorporação crescente dos espaços litorâneos às dinâmicas das atividades imobiliárias, de turismo e lazer. A democratização das citadas práticas balizou o surgimento de novas estações balneárias no Ocidente, a incorporarem estes equipamentos de custo elevado, cujos impactos urbanos e ambientais são importantes e em relação aos quais os interesses de seus praticantes adquire relevância nas diversas instâncias das coletividades territoriais.

19Do apresentado, há uma efetivação (no século XX) de profundas transformação nas Cidades Litorâneas e/ou Portuárias. Da necessidade As atividades portuárias, geralmente situadas na área central da cidade, foram pouco a pouco “expulsas” (necessidade de espaços retroportuários e armazéns, bem como enfrentamento de problemas de poluição e de riscos industriais) para suas margens, liberando assim amplos espaços urbanos nos Centros Históricos que, na sequência, foram transformados e apropriados para o turismo e o lazer (Cozic, 2012).

20Uma tendência mundial se impõe. De Nova York à Marseille, passando por Rio de Janeiro e Buenos Aires, os espaços portuários centrais foram devidamente reapropriados, conservando assim um vínculo implícito com o mar e a partir do delineamento de atividades de turismo e lazer.

21Nas figuras 1 e 2 possível visualizar “salto espacial” das instalações portuárias à vocação industrial da cidade de Marseille e de La Rochelle, a primeira em direção ao norte e a segunda à oeste. Nesse panorama, a apropriação dos espaços portuários obsoletos e suas transformações em espaços de turismo e lazer ocorreu de forma progressiva, acompanhando a difusão da náutica e das profundas transformações do setor portuário a partir da década de 1960. Os campos de golfe se inscrevem na mesma perspectiva, embora o foco esteja na prática esportiva, a democratização do esporte alcançou um lugar de debate público envolvendo também as preocupações ambientais e territoriais.

22As Marinas e os espaços próximos se tornaram lugares de passeios públicos, de encontros, de eventos culturais (como o Festival Musical Les Francofolies em La Rochelle) e esportivos de todos os tipos (Figuras, 3 e 4); os golfes (Figura 5), além do esporte em si, integraram também pautas de preservação ambiental e de refúgio para a fauna e a flora local. Cada vez mais assistimos a busca de um “selo de sustentabilidade” nas instalações.

23A importância do delineamento das práticas aqui consideradas nas cidades litorâneas francesas é perceptível: no atingimento de 430 portos/marinas no território com 220.000 vagas (molhadas), em contraponto a um país continental como o Brasil, com apenas 46.000 vagas (2012), 39.000 em portos secos e 7.000 em Marinas; em forte concentração de Campos de Golfe em La Rochelle, a contar com 13 Campos de Golfe em uma área de 50 km, a maioria com um “selo verde”, bem como 4 Campos de Golfe em Marseille.

24Além das dinâmicas turísticas próprias envolvendo as Marinas, a náutica alavanca uma cadeia de serviços econômicos extensos, fortalecendo assim as redes econômicas locais. Setores específicos como a construção naval para embarcações de passeio ou serviços de apoio (Mecânica, velas, equipamento entre outros) adquirem relevância e justificam localização de empresas da construção naval de turismo e lazer como a Fountaine Pajot, Dufour e Amel em La Rochelle e sua região imediata.

Trecho do Litoral Nordeste do Brasil

25A rede de balneários marítimos no Nordeste do Brasil é genericamente datada a partir da segunda metade do século XX. Em termos de definição, entende-se por rede de balneários marítimos a integração de cidades, metrópoles e povoados litorâneos turistificados e, por assim dizer, alcançados por fluxos de visitantes em função de práticas de lazer, seja de circuitos longos de deslocamento (de natureza regional, nacional e internacional), seja por lazer de proximidade (expressivamente, metropolitanas).

26Com urbanização histórica e predominantemente costeira, não é de estranhar que os principais núcleos urbanos da região, inclusive os metropolitanos, também estejam situados à beira-mar. Essa pré-condição, anterior ao fenômeno da massificação das práticas marítimas modernas (turismo litorâneo e vilegiatura marítima) contribuiu para efetivação da referida rede. As costas dos municípios pontilhadas por estações balneárias são irrigadas pelos fluxos rodoviários paralelos à zona costeira e provenientes das metrópoles e, concomitantemente, de seus aeroportos. Do enumerado, as metrópoles passam a congregar vários papéis: i. de espaços urbanos capazes de polarizar a entrada de visitantes (turistas nacionais e internacionais) na rede; ii. de difundir, por sua importância populacional, semanalmente, fluxos locais de usuários de praia (Araújo e Matos, 2021); iii. de agregar internamente à sua tessitura urbana espaços de lazer e de turismo, inclusive com estruturas de hospedagem hoteleiras e não-hoteleiras.

27Em país cuja centralidade do fluxo turístico encontra-se no domínio doméstico e há distâncias significativas das grandes bacias emissoras de estrangeiros (Dantas, 2019), no Brasil duas variáveis são preponderantes na conformação de balneários litorâneos: sistemas aeroviários eficientes e existência de segundas residências ou imóveis de uso ocasional direcionada ao lazer e à rede hoteleira (Boyer, 2008).

28No relativo à primeira variável, interessante considerar adoção de políticas de investimento dos governos estaduais na implantação de HUB’s em seus aeroportos, notadamente nas metrópoles mais dinâmicas do Nordeste do Brasil, Salvador, Recife e Fortaleza (Quadro 1).

Quadro 1. Situação dos centros de conexão aérea (HUB) nos três principais aeroportos do Nordeste, em 2022.

Cidade	Hub (Coligação)	Destinos Diretos Regulares	Capitais Diretas Regulares	Banco de Conexões	Decolagens Diárias Médias
Fortaleza	Latam (Passaredo)	18	14	1	27
Recife	Azul (Azul Conecta)	36	21	5	73
Salvador	Gol (Passaredo)	21	14	3	38

Fonte: Diário do Nordeste, agosto de 2022 (PIRES, 2022).

29No concernente à segunda variável, tanto no mundo temperado como tropical, as segundas residências ou vocations homes, antecedem qualquer outro equipamento turístico no momento originário de formação dos balneários marítimos (Hall, Muller, 2004; Aledo, Steen, Jacobsen, Selstad. 2012; Pereira, 2020). Mesmo os balneários fortemente turistificados e com presença de cadeias de hotéis de porte internacional, fato registrado desde os anos 1970, são destinos onde se constroem, com participação de companhias imobiliárias, condomínios de segundas residências (Colás, 2003).

30Em países como Espanha e Portugal, a construção de imóveis residenciais para o uso temporário de compatriotas e de estrangeiros passou a ser nomeado turismo residencial (Aledo, 2008). Fato este a ratificar a complementação entre empreendimentos hoteleiros e outros produtos imobiliários com objetivo de permitir a estadia (e a propriedade) nessas estações balneárias (Pereira, Dantas, 2021).

31Na costa do Nordeste do Brasil, nos registros de 2010, é constatada uma concentração espacial de segundas residências nos litorais com intensa articulação ao pólo metropolitano (mapa 1). As exceções se explicam pela presença de cidades de porte médio, capazes de intermediar fluxos de lazer e demandar a construção de segundas residências, e da mesma forma, zonas turísticas consolidadas e não metropolitanas. No estado do Maranhão, cita-se o caso de Barreirinhas e a atratividade dos Lençóis Maranhenses.

32Novamente, são os litorais próximos às três principais metrópoles da região onde se localizam os balneários nas quais se identifica os maiores quantitativos de segundas residências, na ordem: Salvador, Recife e Fortaleza (Pereira, 2015). Inegavelmente, assim como se verifica nos estudos de rede urbana (REGIC, 2018), as metrópoles lideram os fluxos turísticos e o processo de reprodução do espaço, alinhado às atividades de lazer.

33Se até os anos 1990, predominavam como indicadores dos espaços turísticos os hotéis nas capitais nordestinas e as segundas residências nos espaços litorâneos dos demais municípios contíguos a elas, nos últimos 20 anos, o processo ganha outras formas e as localizações recebem outros conteúdos (Pereira, 2015). As segundas residências permanecem importantes na produção do espaço urbano nas zonas de praia, todavia, o modelo predominante passa a ser, nas frentes de expansão imobiliária, a produção de condomínios de praia, principalmente, na forma de apartamentos (figura 6).

ABCD

Fonte: Banco de Fotos dos Pesquisadores-LAPUR-UFC (Trabalhos de Campo em 2019 e 2022)

34Como é representado no mapa 2, em todas as áreas de concentração de municípios turísticos litorâneos essa forma imobiliária representa um dos elementos básicos nas estações marítimas, estando relacionados tanto aos interesses econômicos dos incorporadores imobiliários (mercado), como indo, simultaneamente, ao encontro dos interesses dos consumidores regionais, nacionais e internacionais (turistas e vilegiaturistas).

35Por sua vez, os resorts (estruturas hoteleiras a propiciar serviços de lazer diversos) tornaram-se comuns nos balneários. Em termos de concentração de empreendimentos, os trabalhos de campo evidenciaram exemplos destacáveis: as zonas de praia de Aquiraz, no Ceará; Tibau do Sul, no Rio Grande do Norte; Ipojuca, em Pernambuco; Mata de São João e Porto Seguro, na Bahia. Dos três estados mais importantes da região, há duas lógicas espaciais: a metropolitana e a dos polos turísticos complementares.

36Na lógica metropolitana, a construção de resorts se efetiva em municípios adjacentes às zonas hoteleiras das três principais capitais nordestinas. Nas proximidades de Fortaleza, tem-se os municípios de Aquiraz e Caucaia; em Salvador, destacam-se Camaçari e Mata de São João; e na zona direta de influência de Recife aparece, sobremaneira, Ipojuca. Nas capitais localizam-se os aeroportos e as principais estruturas viárias de distribuição de fluxos. Além do mais, a própria população metropolitana é consumidora dos serviços de lazer propiciados pelos resorts lá instalados. Nos municípios sede dos resorts há disponibilidade de terras à beira-mar em zonas de praia transformadas em epicentros desta modalidade de empreendimento de lazer (Porto das Dunas em Aquiraz-CE, Muro Alto em Ipojuca-PE e Praia do Forte em Mata de São João-BA). A implantação dos resorts, por sua vez, significa a redução de áreas destinadas, anteriormente, a outros usos do território, mais especificamente, práticas marítimas tradicionais (moradia dos mais pobres, pesca e a função portuária para pequenas embarcações), agricultura e extrativismo (Barbosa, 2016; Cavalcante, 2016; Brandão, 2014).

37A localização dos resorts ainda se faz em polos turísticos complementares. No Ceará, destaca-se as zonas de praia de Jijoca de Jericoacoara; no Rio Grande do Norte, Tibau do Sul (praia de Pipa); e em Alagoas, aponta-se Maragogi. No primeiro caso, além da conexão via terrestre por Fortaleza, há um aeroporto regional capaz de facilitar o acesso de turistas nacionais e internacionais via as capitais do Sudeste. Nos dois casos seguintes, as estações balneárias e seus resorts são prolongamentos das dinâmicas registradas na lógica metropolitana de Natal (Pipa) e de Recife (Maragogi).

38A costa sul baiana é mais diversificada, haja vista, destinos conhecidos na costa do Dendê (Morro de São Paulo em Cairu) e a Costa do Descobrimento, especialmente, Porto Seguro. A primeira localização é beneficiada pelos aeroportos de Salvador e de Ilhéus. A segunda, conta com aeroporto específico.

39Não há dúvidas que a disseminação de resorts em tradicionais e recentes estações turísticas é uma das principais marcas de inovação nessas destinações. Isso se deve, por um lado, do incremento de recursos públicos municipais, estaduais e federais em infraestrutura e isenções fiscais; e de outro lado, pela ação de grupos empresariais regionais (grupos Beach Park e Aviva, por exemplo) e de grupos internacionais (Vila Galé, IberoStar, Hardrock, Dom Pedro, Grand Palladium, Tivoli, entre outros) (Gomes, 2011).

Nova geração de balneários

40No início dos anos 2000, a nova geração de balneários se anunciava, com incorporação de Campos de Golfe e de Marinas. Para tanto, além dos resorts e dos modernos condomínios de praia, empreendedores pensaram em transplantar o modelo mediterrâneo no qual há a associação entre o turismo de sol e praia e as práticas citadas anteriormente.

41No relativo à prática do golfe, o estudo de Sousa, Matias e Selva (2016) listou 53 projetos de complexos turísticos projetados para as praias do Nordeste do Brasil e a ter como âncora o Campo de Golfe.

42Entretanto, dada a crise econômica iniciada em 2008, a maioria dos Campos de Golfe não foram construídos (Correia e Martins, 2004), restringindo sua dimensão a 6 Campos de Golfe no Nordeste do Brasil, um deles ainda em construção (quadro 2). À exceção do Caxangá Golf (mais antigo do Brasil) e do Cocó Golfe (Parque Urbano do Cocó), os demais empreendimentos se encontram integrados a complexos turísticos-imobiliários situados em municípios considerados turísticos (mapa 3).

Quadro 2. Principais campos de golfe localizados em municípios litorâneos no Nordeste do Brasil

Município	Empreendimento	Tamanho (ha)	Ano de Inauguração
Porto Seguro-BA	Terra Vista	70	2004
Mate de São João-BA	Iberostar	100	2007
Recife-PE	Caxangá Golf	35	1950
Tibau do Sul-RN	Pipa Golf	-	Em construção
Fortaleza-CE	Cocó Golfe	-*	2018
Aquiraz-CE	Aquiraz Riviera	90	2008
Aquiraz-CE	Golfville	-*	2015

*Não há informação em hectares, contudo sabe-se que o campo abarca 9 buracos.

Fonte: Trabalho de campo e sítios eletrônicos dos empreendimentos.

43Em entrevista realizada durante trabalho de campo em 2018, o gerente de um dos complexos em Aquiraz-Ceará, cuja composição agrega um campo de golfe de 18 buracos, lastimou a raridade de empreendimentos da mesma natureza no Ceará e em outros estados da região. O responsável técnico esclareceu da dificuldade de atrair turistas/praticantes de outros países, haja vista a inexistência de diversidade de campos, condição impeditiva do estabelecimento de fluxos turísticos para praticar a modalidade em diferentes campos (Villar Lama, Fernández Tabales, 2013). Em comparação a outras regiões turísticas litorâneas, o nordeste brasileiro não pode ser considerado um espaço onde a prática é predominante. Somente na região do Algarve, em Portugal, existem aproximadamente 27 campos de golfe, construídos ao longo de 30 anos (Correia e Martins, 2004) e na Comunidade Valenciana, em 2006, foram contabilizados 31 campos (Navarro, Ortuño, 2010).

44Distante da perspectiva de simbolizar a difusão do uso recreativo ou desportivo, a construção de campos de golfe tem, em espaços de expansão turística litorânea, muito mais o papel de ornamentar a paisagem e incrementar a valorização do produto imobiliário no qual o campo está inserido (Villar Lama, Fernández Tabales, 2013).

45A gestão das águas, a produção de resíduos sólidos, o tipo de mobilidade urbana, a coesão social e a atividade turística são categorizadas como elementares para compreender os impactos da instalação de campos de golfe em determinadas regiões (Ortuño, Hernández, Civera, 2016). Dos elementos elencados, pode-se compreender, no caso nordestino, o uso da água e a coesão social como mais reveladores dos desdobramentos territoriais dos campos de golfe.

46Sobretudo na sua porção mais semiárida, a região apresenta dificuldades sazonais na manutenção do abastecimento de cidades litorâneas e interioranas. Além do mais, a maioria dos municípios litorâneos não conta com rede de abastecimento de água potável ou sistemas abrangentes de tratamento de efluentes (Pereira e Alii, 2021). Desta feita, empreendimentos que consumam constantemente volumes significativos de água limpa (Navarro, Ortuño, 2010), tendem a aumentar níveis de insegurança hídrica para as áreas do entorno dos complexos (Lima, 2015).

47No que se refere à coesão social, empreendimentos turístico-imobiliários e campos de golfe tendem a transformar o uso do território na escala das centenas de hectares, tendo como produto ambientes fechados aos sócios proprietários e utilizados por segmentos sociais de média-alta e alta renda familiar. Com a consolidação desse modelo de ocupação do território e adensamento de tais formas urbanas, pode-se produzir no entorno imediato processos de fragmentação espacial, segregação e/ou autossegregação residencial (Pereira, Salinas, Prado, 2021).

48Para a elevação dos fluxos turísticos no Nordeste, o efeito Campo de Golfe ainda é tênue. Chega-se a essa conclusão ao considerar o quantitativo de: i. complexos a apostar nessa modalidade esportiva e, ii. praticantes e eventos registrados no material publicitário das empresas proprietárias. Grosso modo, a grande maioria dos complexos considerados adota estratégias pouco ousadas e voltadas à tentativa de formação de uma clientela local de praticantes, capazes de aderir aos clubes e adquirir propriedades imobiliárias nos empreendimentos. Exceção à regra se dá no Grupo Iberostar, em seu complexo na Bahia, ao fazer referência à visitação de turistas espanhóis em função do golfe e balizado na singularidade do empreendimento Terra Vista, em Porto Seguro, com presença de artefatos arqueológicos encontrados durante sua construção e mantidos como atrativo turístico.

49No tocante às Marinas, além da oferta limitada de vagas, sua distribuição espacial é fortemente desigual na escala regional. As regiões Norte e Centro-Oeste dispõem de menor participação, com 12% do total das vagas em Portos Secos e 2% em Marinas, mesmo dispondo a primeira região de uma rede fluvial extensa. A região Nordeste, mesmo semiárida, conta com 11,5% das vagas em Portos Secos e 22,2% em Marinas, próximo ao patamar alcançando na região Sul (21,6%). A região Sudeste desponta neste cenário com 55% das vagas em Portos Secos e 54% em Marinas.

50Diferentemente da dinâmicas francesa, a maioria das Marinas no Brasil: são privadas e dependem diretamente do aluguel de vagas (valor próximo a 85%); têm uso restrito aos proprietários dos empreendimentos, sendo poucas aquelas a acolher um público externo; possuem ofertas de vagas limitadas na escala nacional, contribuindo assim ao encarecimento dos serviços nas marinas e se comparado aos preços cobrados em outros destinos internacionais. Do posto, as Marinas brasileiras tornam-se pouco atrativas a um público mais amplo, um impedimento à popularização da atividade

51Embora a integração das práticas náuticas à cidade e ao turismo possa ser atingida a partir das Marinas, Telles (2015) afirma que no Brasil o contexto envolvido não é promissor e posto ser “o turismo funcionalmente seletivo”, apropriado “por lógicas das empresas e da informação” e a promover a evolução do “setor náutico” em detrimento do “meio náutico, em sua diversidade”. Do posto, “a ambiência, a atividade e o turismo são comprometidos por um segmento reduzido a negócios e finanças, ricamente explorados pela informação, ao invés das extensões dos subsistemas que constituem o lugar” (Telles, 2015).

52Recife foge à regra do contexto nacional e nordestino em particular. Há investimento significativo na vocação turística e associada à dimensão marítima ao longo da década de 2010, com consequente revitalização de espaços portuários no Centro da Cidade (Cais do Sertão, Marco zero, Museu do homem do Nordeste, Terminal de Passageiros e, mais recentemente, o projeto Marina-Hotel no Cais Santa Rita) (Figura 10).

53Além da perspectiva dos negócios e das finanças a suscitar exclusão da sociedade civil dos processos de decisão, vide o movimento “Ocupe Estelita!”, possível vislumbrar uma certa sinergia nos empreendimentos, destacando a inserção desses no reforço da ideia de Cidade Marítima e a privilegiar também o acesso público aos espaços revitalizados. Uma tônica implementada e a seguir modelo adotado no Rio de Janeiro durante a preparação para acolher as Olimpíadas.

Conclusão

54Evidente como a valorização de novos esportes no mar (náuticos) e na praia (Golfe) gera impactos na diversificação das práticas de lazer e consequente conformação de novas localizações turísticas nos espaços litorâneos. Delineia-se Novos Balneários em escala mundial, assentados no papel estratégico dos esportes na geração de fluxos a valorarem empreendimentos imobiliários a disporem de Marinas e de Campos de Golfe.

55Na França, a democratização das citadas práticas promoveu uma interação intensa com os territórios através de reconfigurações espaciais significativas e estruturantes do turismo e dos litorais envolvidos. De modo geral, a guinada do turismo em relação à potencialização de atividades físicas (esportivas profissionais e amadoras) no Ocidente (ao longo da segunda metade do século XX e início de século XXI), elevou a Náutica e o Golfe a um patamar de destaque no contexto litorâneo.

56Os Ports de Plaisance (Marinas) passaram a compor os novos Balneários litorâneos, suscitando assim um desdobramento a partir do qual “as atividades náuticas propiciam o uso emergente da navegação turística pelo Homem” (Telles, 2015), um dado acrescido com a incorporação de Cassinos, de Spas e, a título de destaque, de Campos de Golfe.

57Na França, a partir dos anos 1960, esse tipo de infraestrutura dá suporte aos proprietários das embarcações, tanto em função da estadia/manutenção destas como da possibilidade de se tornarem hotspots em rotas turísticas marítimas (Bernard, 1999). Assim, as Marinas evoluem de ferramenta técnica voltada a poucos usuários para um elemento estruturante de territórios litorâneos e, neste sentido, a contribuir na oferta de uma gama extensa de atividades de turismo e lazer, além da consolidação e do desenvolvimento de setores econômicos específicos (Construção Naval voltada para o lazer, por exemplo).

58As Marinas e os Campos de Golfe a balizarem os empreendimentos supramencionados, destacados nos exemplos de La Rochelle e Marseille, apontou uma importância estratégica na constituição e no reforço dos balneários na França. O papel dessas infraestruturas não pode ser compreendido como simples elemento “mecânico” dos balneários, posto se tratar de objeto das políticas tanto públicas como privadas, a reforçarem a urbanidade dos balneários e muitas vezes constituíram-se como verdadeiras “âncoras” para pensar esses espaços. As cidades “invadiram” as marinas tornando-as espaços articuladores entre as funções urbanas e as atividades de turismo e lazer. Em vários casos, as marinas suscitaram vocações econômicas específicas em torno do meio náutico e através de uma indústria naval voltado para o lazer. Os campos de golfe seguem um pouco a mesma trajetória e constituem hoje elementos estruturantes num contexto de amplo debate político, econômico, social e ambiental.

59A tônica de massificação das práticas marítimas modernas nos novos balneários litorâneos do Litoral Nordeste do Brasil se apresenta de forma diferenciada do implementado na França. Se as práticas marítimas mais clássicas (dos Banhos de Mar, superados mais recentemente pelos Banhos de Sol, e da Vilegiatura Marítima) se inserem na mesma largura de onda do Ocidente e derivada da ampliação do número de usuários provenientes dos setores médios da sociedade (fenômeno de massificação), fica evidente avanço não significativo no concernente à popularização das práticas esportivas (náuticas e golfe).

60A tônica de valorização dos espaços litorâneos implementada a partir do final do século XX no Brasil empreende uma lógica de ordenamento do território pautada no imobiliário-turístico (Dantas et all, 2010), a suscitar oferecimento de empreendimentos imobiliários com padrão arquitetônico próximo do europeu, a dispor de Marinas e Campos de Golfe. Empreendimento espalhados na zona costeira e voltados a um segmento social mais abastado da sociedade. Em um primeiro momento pensado para usuários estrangeiros e reconfigurado, devido a crise do mercado imobiliário, a usuários do país: do lugar e provenientes de outras regiões). Do anteriormente indicado, os Novos Balneários não se apresentam ainda como elementos estruturantes significativos para o turismo no Nordeste do Brasil, sendo ainda muito cedo para considerar os efeitos de transversalidade constatados no exemplo do caso francês.

61No caso do Brasil, há apontamento de serias dificuldades na implementação dos Novos Balneários, não se constituindo âncora de debates num contexto socioeconômico, político e ambiental, mas sim como verdadeiros enclaves reservados para seus poucos usuários.

62 Grosso modo, a análise da presença e da intensificação da construção de empreendimentos voltados para segunda residência aponta a consolidação dos balneários no Nordeste do Brasil e acompanha a hierarquia das redes de fluxos turísticos e a polarização dos empreendimentos em torno das regiões metropolitanas. Da mesma forma que pelos fluxos, constatamos a emergência de polos intermediários em torno de regiões turísticas consolidadas, a exemplo de Jericoacoara, Delta do Parnaíba e Lençóis Maranhenses.