1restauration scolaire, systèmes alimentaires durables , transition écologique , territorialisation

2A transição ecológica e o abastecimento das cidades são tópicos amplamente discutidos na literatura dedicada aos sistemas alimentares. Procurando contribuir às discussões do dossiê temático no qual se insere o presente artigo, o foco da análise aqui se dirige às margens de manobra dos governos municipais inseridos em trajetórias de transição para sistemas alimentares urbanos mais sustentáveis, por meio das políticas de alimentação escolar.

3Duas questões levantadas na literatura se referem à massificação dos sistemas alimentares sustentáveis, por um lado, e à sua democratização, por outro. Em relação ao objetivo de massificação, os mercados institucionais e seus importantes volumes de alimentos são vistos como como alavanca do desenvolvimento de sistemas agroalimentares alternativos. Da mesma forma, os grandes centros urbanos aparecem como estratégicos para a mudança de escala pois concentram consumidores. Em relação ao objetivo de democratização, a alimentação escolar atende a públicos mais amplos que aqueles que tradicionalmente frequentam os circuitos alternativos (venda direta pelo produtor, lojas orgânicas, cestas) (Perez-Cassarino e Ferreira, 2016). Vale salientar que, frente a estes desafios, a literatura sobre sistemas agroalimentares alternativos aproxima-se daquela sobre a ecologia popular e a justiça social e espacial (Dias e Niederle, 2023; Paturel e Carimentrand, 2018),

4Por estes diferentes motivos, desde os anos 1990, a alimentação escolar tem recebido uma atenção renovada na arena pública e dentro da comunidade científica. Multiplicam-se as políticas públicas sobre o abastecimento sustentável da alimentação escolar como ferramenta para fortalecer as agriculturas alternativas (local, orgânica, familiar e pequena escala). No Brasil, a Lei n°11.947 sobre o PNAE é merecidamente o foco de muitos estudos (Alves Da Silva et al., 2023).

5No presente texto, o olhar se volta para o caso francês e duas leis decorrentes de processos de concertação (Lei Grenelle 1 de 2009 e depois, Lei EGAlim de 2018). A lei Grenelle 1 almejava o objetivo de fornecimento de um mínimo de 20% de produtos orgânicos (para janeiro de 2012), bem como 20% de produtos com baixo impacto ambiental, sem arbitrar entre os diferentes tipos de sistemas dos quais provêm. A lei EGAlim, complementada pela lei Clima e Resiliência de 2021, definiu o objetivo (para janeiro de 2022) de pelo menos 50% de produtos “sustentáveis e de qualidade”, dos quais pelo menos 20% são produtos orgânicos.

7Além dos selos de qualidade, a relocalização do abastecimento é frequentemente destacada como uma característica desejável para uma maior sustentabilidade dos sistemas alimentares (Brunori et al., 2016). Porém, focalizar na produção local pode parecer paradoxal para cidades grandes que, por essência, são dependentes de outros territórios (Barles, 2017). De fato, aglomerações urbanas concentram grandes desafios da transição agroalimentar, em razão do afastamento geográfico em relação às zonas de produção, das dificuldades logísticas de abastecimento de grandes populações e da distância relacional com os atores do mundo agrícola.

8A problemática explorada em nossa pesquisa gira em torno do conceito de territorialização. Estudamos a implementação local das políticas públicas nacionais que incentivam o abastecimento sustentável da alimentação escolar, procurando examinar a implementação pelos governos locais, em nível territorial, das diretrizes advindas do nível nacional. Nosso propósito é estudar a capacidade deste instrumento de ação pública de incentivar a transição ecológica do sistema agroalimentar. Para tanto, combinamos três marcos teóricos: os sistemas agroalimentares alternativos, a perspectiva multinível das transições sociotécnicas e os referenciais de políticas públicas.

Uma metodologia qualitativa para investigar a diversidade dos abastecimentos em contexto metropolitano

12Um primeiro artigo oriundo da tese descreveu e discutiu a permanência de estratégias de abastecimento inseridas em sistemas agroindustriais renovados (Retière et Darly, 2023). Porém, apesar desta permanência, também observamos circuitos com maior ancoragem territorial. O presente artigo focaliza na descrição das duas outras estratégias de abastecimento alternativo: uma em escala regional, baseada na emergência de novos intermediários; e outra em escala local, baseada em uma ação sobre o fundiário municipal.

Analisar as trajetórias de transição: combinações teóricas entre alternativas agroalimentares, perspectiva multinível das transições e referenciais de políticas públicas

13O quadro teórico foi desenvolvido a partir de idas e vindas entre a literatura científica e a pesquisa de campo em duas metrópoles, Paris (França) e São Paulo (Brasil). Embora o caso examinado no presente artigo seja apenas aquele parisiense, é graças à comparação que o quadro teórico ganhou vida. A comparação permite destacar elementos explicativos que podem passar despercebidos sem esta operação de distanciamento em relação ao contexto no qual os fenômenos em estudo estão inseridos (Verdalle et al., 2012).

14Sob inspiração de outros trabalhos dedicados ao poder transformativo das alternativas (Darrot et al., 2022; Lamine et al., 2017), combinamos a abordagem dos sistemas agroalimentares alternativos (SAA), a perspectiva multinível das transições sociotécnicas e os referenciais de políticas públicas. Os estudos sobre sistemas agroalimentares alternativos têm procurado destacar que o modelo agroindustrial, apesar de seu caráter dominante, não apagou todas as alternativas que veiculam uma “promessa de diferença” (Le Velly, 2017). Os pesquisadores identificam quatro dimensões de contestação e proposta em torno das quais se articulam os SAA (Delfosse, 2015; Lamine e Chiffoleau, 2018): a ecologização das práticas agrícolas; a diferenciação através da qualidade dos alimentos; o questionamento das relações trabalho-capital; e a redefinição das relações com o espaço geográfico. Neste ultimo aspecto, ara os SAA, as dimensões contestatórias se manifestam na valorização da ancoragem territorial, na construção de proximidade relacional e/ou na relocalização de circuitos (proximidade geográfica).

15Uma interrogação que percorre os estudos sobre SAA é aquela acerca de seu potencial para transformar o sistema dominante. Para tal, a inspiração provém, em particular, da perspectiva multinível das transições (multilevel perspective on transitions, MLP) (Geels e Schot, 2007; Loudiyi e Cerdan, 2021). Esta perspectiva combina três escalas de análise: aquela dos nichos, correspondente ao nível em que os sistemas alternativos emergem e se desenvolvem; aquela do regime dominante, associado ao modelo agroindustrial resultante da modernização agrícola (Chiodi e Moruzzi Marques, 2018); e aquela da paisagem sociotécnica, que designa de forma mais geral o conjunto de elementos exógenos que exercem pressão sobre o regime dominante e as alternativas. A fim de esclarecer as características da paisagem sociotécnica optamos, como outros autores (Darrot et al., 2022), por recorrer à análise cognitiva das políticas públicas (Muller, 2000). De fato, as políticas públicas desempenham um papel particularmente importante na configuração dos sistemas agroalimentares e são pivôs das estratégias de mudança de escala. O conceito de referencial refere-se à combinação entre uma visão dos problemas a serem resolvidos e as soluções identificadas (Moruzzi Marques e Le Moal, 2014). Admitimos então a hipótese da emergência de um referencial do desenvolvimento sustentável que se fortalece, se traduz na emergência de políticas públicas favoráveis ao abastecimento alternativo da alimentação escolar (Grisa e Schneider, 2014), porém está em tensão com aquele do mercado concorrencial.

16O quadro teórico da MLP identifica fatores de transição em dois níveis, como esquematiza a figura 1: a. pressões da paisagem sociotécnica (inclusive do referencial do desenvolvimento sustentável) desestabilizam o regime dominante e abrem uma janela para a mudança de escala das alternativas; e b. alternativas de nichos se fortalecem e, por sua vez, exercem pressões sobre o regime.

17Figura 1: análise multinível das transições sociotécnicas (MLP) aplicada à transição ecológica dos sistemas agroalimentares (Fonte: autores)

18As possíveis configurações entre a natureza das pressões exercidas pela paisagem, as características do regime dominante e aquelas das alternativas, desenham várias trajetórias de transição, das menos intensas às mais profundas.

Conceitualizando as estratégias de transição: três tipos ideais de abastecimento alternativo

19Buscando contribuir às reflexões sobre a relação entre modelo dominante e alternativas (Plumecocq et al., 2018), propomos, três tipos ideais de sistemas de abastecimento que respondem às injunções das políticas públicas nacionais para a introdução de produtos orgânicos, locais ou sob selo de qualidade nos cardápios. Estes tipos ideais descrevem com traços acentuados (Morange e Schmoll, 2016; Weber, 1965) as lógicas adotadas pelos gestores que desenvolvem estratégias de abastecimento sustentável. ‬‬‬‬‬‬‬‬

20A elaboração dos tipos ideais funda-se em três critérios: as redes de atores e tipos de coordenação (Le Velly e Bréchet, 2011); os recursos territoriais mobilizados (Campagne e Pecqueur, 2014); e as relações com o território (Castilho e Frederico, 2010; Mormont, 2009; Sarrazin, 2016).

21O primeiro tipo ideal identificado é a lógica agroindustrial renovada: o sistema dominante se ajusta marginalmente às demandas por um abastecimento mais sustentável. Caracteriza-se por coordenações fracas entre os atores da alimentação escolar e o mundo agrícola. A pressão indireta por parte dos compradores públicos sobre as cadeias agroalimentares é intermediada pelas industriais agroalimentares e atacadistas. Os canais de abastecimento continuam inseridos na dinâmica espacial do sistema agroindustrial, caracterizada pela especialização das unidades agrícolas e dos territórios (Retière et Darly, 2023).

22Ao contrário, o segundo e terceiro tipos ideais referem-se a sistemas de abastecimento territorializados, em escala regional e local, respectivamente. Neste caso, os gestores públicos apoiam-se em coordenações mais fortes entre o setor de alimentação escolar e o mundo agrícola. A lógica de territorialização em escala regional descreve a atuação de novos atores regionais do abastecimento alternativo enraizados nos territórios. A lógica de territorialização em escala local, por sua vez, corresponde à criação de redes de proximidade. A ação política intersetorial local combina, no território municipal, a questão da alimentação escolar com o apoio ao acesso ao fundiário agrícola em um contexto metropolitano que, entretanto, é favorável à urbanização e à artificialização do solo (quadro 1).

23Os tipos ideais apresentados são, como seu nome indica, construções teóricas que refletem as tendências observadas em campo, e os casos concretos frequentemente combinam vários tipos ideais.

Abastecimento da alimentação escolar na metrópole de Paris: hibridações entre lógicas agroindustriais renovadas e sistemas territorializados

24A fim de entender as margens de manobra dos atores locais para transformar a geografia do abastecimento, é preciso descrever as estruturas, normas e infraestruturas dentro das quais operam. Desde os anos 1980, três fenômenos se combinam e modelam o funcionamento da alimentação escolar na França (Dubuisson, 2013). A primeira tendência é a concentração do preparo das refeições em cozinhas centrais semi-industriais (figura 2), reduzindo a capacidade de produção em cozinhas nas escolas.

25A segunda tendência é a terceirização da gestão da alimentação escolar para empresas privadas que frequentemente operam por meio de cozinhas centrais. A terceira tendência é o uso crescente de produtos processados afim de reduzir o quadro de funcionários dedicados ao preparo das refeições (Robin, 2017). Como mostra a figura 3, logotipos específicos sinalizam nos cardápios os poucos pratos “caseiros” (“plats maison”, ou seja, preparados a partir de produtos in natura ou minimamente processados), o que indica a predominância de preparações industriais.

26No entanto, todas as pessoas entrevistadas afirmam que, desde os anos 2000, os gestores da alimentação escolar almejam aumentar a proporção de preparações “caseiras”. O processamento in loco de hortaliças e legumes brutos implica, de acordo com as normas sanitárias e técnicas francesas, que a cozinha disponha de um local específico para processamento das hortaliças e frutas. Esta seção da cozinha é chamada, em francês, de légumerie.

As demandas por qualidade na alimentação escolar e o environmental turn na lei Grenelle

27Depois da onda de terceirização dos anos 1980, a questão da qualidade e as preocupações com sustentabilidade do abastecimento, em particular o Grenelle1 do Meio Ambiente, vieram questionar os modos de organização da alimentação escolar (Darly e Aubry, 2014; Robin, 2017).‬‬‬‬‬‬‬‬‬‬‬‬

29No entanto, este referencial permanece frágil. Durante as discussões, devido ao equilíbrio de poder favorável aos ambientalistas, a proposta da Federação Nacional de Agricultura Orgânica de estabelecer uma meta de 20% de produtos orgânicos nas refeições coletivas públicas ganhou legitimidade. No entanto, a tradução das propostas deste fórum em instrumentos de ação pública ocorreu dentro do Ministério da Agricultura (Doré et al., 2011). O equilíbrio de poder foi restaurado em favor das organizações ligadas ao modelo agrícola convencional. O projeto de lei submetido à votação já continha disposições que equiparam a agricultura orgânica a outros critérios mais amplos de sustentabilidade.

30Assim, a lei Grenelle 1 estabelece o objetivo de favorecer a aquisição de no mínimo 20% de produtos orgânicos para o abastecimento escolar, bem como outros produtos com baixo impacto ambiental, sem estabelecer diferenças entre estes tipos de produtos e sistemas dos quais provêm. A gama de alimentos considerados sustentáveis é consideravelmente ampliada: produtos orgânicos, mas também produtos sazonais, produtos locais e, de forma um tanto quanto vaga, produtos de “baixo impacto ambiental”. Além destas imprecisões (e ao contrário do emblemático Programa Nacional de Alimentação Nacional no Brasil), a lei de licitações não foi drasticamente alterada, embora algumas mudanças aumentem as margens de manobra dos gestores. Por exemplo, desde 2004, tem sido possível atribuir maior peso a critérios técnicos e ambientais na seleção de fornecedores por meio de processos licitatórios. No entanto, o preço continua sendo um critério central na seleção de proponentes. Por fim, continua sendo proibido privilegiar explicitamente fornecedores locais, em razão da aplicação das regulações europeias.

31Vale mencionar que, em 2017, ocorreu um novo ciclo de concertações desta vez focado na questão da alimentação, os États généraux de l’alimentation. O tema do abastecimento da alimentação coletiva teve, novamente, destaque. Apesar dos objetivos da lei Grenelle 1 estarem longe de serem cumpridos, a lei EGAlim, publicada em 2018, pouco altera os princípios dos instrumentos de ação pública. Foram ajustadas as metas, mas o controle da implementação da lei continua relativamente frouxo (os gestores devem declarar, sem fiscalização, os tipos de produtos adquiridos e as quantidades em um site; porém, estima-se que apenas 14% das estruturas submetidas à lei efetuaram a declaração) e a lista de produtos elegíveis à denominação “sustentável” se tornou ainda mais amplia. Os produtos orgânicos contam com um objetivo específico de 20% das compras públicas da alimentação escolar para apenas 2030 (continua o mesmo desde a lei Grenelle 1). Em suma, estes elementos mostram que o referencial do mercado concorrencial permanece poderoso.

Na interface entre regime dominante e alternativas: esforços para territorializar o abastecimento

Territorialização em nível regional, com a emergência de novas estruturas intermediárias

32Nosso estudo de campo, desenvolvido entre 2016 e 2018, focalizou na lei Grenelle 1, analisando como os governos locais procuram implementá-la, negociando no âmbito das configurações locais (política municipal, recursos do território). Como discutido em um artigo prévio (Retière & Darly, 2023), a primeira observação é que todos os casos locais recorrem a estratégias de tipo agroindustrial (primeiro tipo ideal). Porém, em 5 dos 11 casos estudados, estas estratégias são combinadas com o desejo de avançar em direção a abastecimentos regionais e a uma coordenação mais direta com o mundo agrícola. De fato, o incentivo da lei pelo aumento da proporção de produtos orgânicos desencadeia uma reflexão sobre a origem dos produtos, como indicado pela gestora de uma cozinha central nos subúrbios:

Nos não queríamos inserir produtos orgânicos para, a final de contas, importar produtos orgânicos de fora. Por esta razão, nos aproximamos do GAB-IDF [a associação de ATER dos produtores orgânicos locais]. Se comprássemos orgânico junto a nossos fornecedores usuais, como é o caso da maioria das cozinhas, seria mais fácil. Mas então seria apenas marketing [...]. Faremos isso apenas se não tivermos escolha e se for a única maneira de atender às recomendações do governo. (Gestora da alimentação escolar em Clichy-la-Garenne e Colombes, nos subúrbios do noroeste de Paris, outubro de 2017)

33Este exemplo mostra a importância das configurações locais na reinterpretação das exigências ou incentivos nacionais, à luz das prioridades políticas municipais.

34Outro caso pertinente ocorre no município de Lardy, situado na zona periurbana no sul da metrópole. O serviço foi terceirizado, porém, o contrato exige altas proporções de produtos orgânicos, locais e sazonais. Foram organizadas reuniões entre a empresa e os agricultores locais a fim de incentivar um sistema de abastecimento de base territorial. Este caso ilustra a hibridização entre logicas agroindustriais e estratégias de territorialização. De acordo com a entrevistada, esta vontade política deve-se a uma certa sensibilidade local para a agricultura orgânica, que é ligada a vários elementos: a presença de um padeiro que fabrica pão com farinha de produção biodinâmica; a existência de feiras e uma mercearia orgânica; e, mais recentemente, a criação de um sistema de cestas em circuito curto.

36No final da década 2000, o GAB-IDF, em complemento à sua atividade principal de ATER, começou a oferecer treinamento para os gestores públicos da alimentação escolar, identificando este setor como uma via de escoamento promissora. Os gestores mencionam a participação nestes cursos como um elemento decisivo na sua busca por soluções aos problemas específicos encontrados pelos municípios urbanos densamente povoados.

37O objetivo desses cursos de treinamento para gestores da alimentação escolar na região é promover o abastecimento orgânico local, como explica nossa interlocutora no GAB-IDF:

• 7 Equivalente da lei n°8.666 de licitações no Brasil.

Há mais de dez anos estamos trabalhando na seguinte questão: como tornar os mercados institucionais acessíveis aos produtores orgânicos locais? Sabendo que não se pode escrever “preferência local” nas licitações na França. O desafio é contornar [o Código de compras públicas7] para chegar ao mesmo ponto: quais critérios devem ser utilizados para direcionar as compras para os produtores orgânicos locais? (Responsável do setor de refeições coletivas no GAB-IDF, outubro de 2018)

38O GAB-IDF identificou a necessidade de criar uma estrutura comercial capaz de propor um catálogo de produtos, realizar prospecção comercial, responder às licitações, organizar as negociações comerciais e estruturar a logística. Por estes motivos, a cooperativa Coo Bio IDF foi criada em 2014:

O GAB-IDF costumava trabalhar com os gestores públicos locais para promover a agricultura orgânica regional. Mas eles perguntavam para o GAB “está ótimo, mas onde vamos para conseguir os produtos, concretamente?” O GAB não tem o direito de comercializar [por ser uma associação], então foi necessário criar uma cooperativa, um operador econômico. (Coordenador comercial na Coop Bio Île-de-France, abril de 2018)

39A Coop Bio IDF tornou-se um elemento chave do sistema territorial regional. Os mercados institucionais são vistos como circuitos favoráveis aos interesses dos produtores (preços, regularidade, volumes). Porém, simultaneamente, o objetivo do GAB-IDF e da Coop Bio IDF também é que os agricultores se adequem às limitações da alimentação escolar:

Procuramos adotar um modo de funcionamento semelhante aos circuitos convencionais: para um gestor público, é como se ele estivesse lidando com um atacadista. Mas é uma cooperativa de produtores. A vantagem é de centralizar todas as referências orgânicas locais. (Responsável do setor de refeições coletivas no GAB-IDF, outubro de 2018)

40A implementação de um sistema territorializado também depende da estruturação de uma cadeia agroalimentar compatível com as condições materiais de preparo das refeições escolares. Esta estruturação é necessária nos níveis jurídicos (com a criação da cooperativa mencionada acima), administrativo e logístico, mas também em relação à gama de produtos disponíveis. Entre as cozinhas em gestão direta (nove casos da nossa amostra), apenas três têm a possibilidade de preparar alimentos in natura em suas dependências (as referidas légumeries). Desta maneira, a Coop Bio IDF estabeleceu como estratégia oferecer hortaliças pré-processadas (descascados, eventualmente ralados, embalados a vácuo, ver na figura 4), como ilustrado pelos comentários de um gestor de um sindicato intermunicipal:

Em abril de 2011, foi organizada uma reunião entre o GAB e gestores da alimentação escolar. [Os produtores] tomaram consciência de nossas limitações e exigências. Percebemos que eles não tinham instalações de processamento e imaginavam entregar cenouras cheias de terra. Mas não podemos aceitá-las porque não temos uma unidade de manipulação de hortifrúti. Aquelas cozinhas mais recentes foram reintegrando [equipamentos de processamento de produtos brutos]. Aqui, é o oposto: os equipamentos foram retirados porque queríamos racionalizar certas etapas da produção. Era uma etapa que consumia muita energia e muito tempo, por isso preferimos delegar estas tarefas aos fornecedores. (Gestora da alimentação escolar em Blanc-Mesnil e Pantin, outubro de 2017)

41Desta forma, a melhoria na qualidade e a territorialização dos abastecimentos também depende do nível de equipamento das cozinhas e – no caso daquelas sem equipamentos adaptados e cujo quadro de funcionários é insuficiente para manipular produtos in natura – do fornecimento de produtos pré-processados ou prontos para uso.

Territorialização em escala mais fina, com o apoio à agricultura local e ação fundiária

42Em nosso corpus de estudo, um caso permite observar uma estratégia de abastecimento que, além de recorrer a atacadistas e estabelecer parcerias com os atores regionais (GAB-IDF e Coop Bio IDF), busca implementar uma produção ultra-local em terras municipais. Trata-se do município de Moissy-Cramayel, na zona periurbana no sul da metrópole no qual havia, na época das entrevistas, o projeto de colocar terrenos municipais à disposição de um agricultor, cuja produção seria, em troca, parcialmente destinada à alimentação escolar. O projeto foi idealizado por membros do departamento de alimentação escolar e da gestão dos parques e jardins. A vontade politicas local (prefeito, alguns vereadores) se combinou com o engajamento dos agentes municipais, também motivados por seus interesses pessoais no tema da agroecologia:

[Este projeto] é levado por mim e pelo diretor geral [...]. Além disso, temos um novo responsável dos parques e jardins, que está envolvido nessas coisas [...]. Na verdade, a forma como eles vão plantar é chamado de permacultura [...]. [Pergunta: De onde surgiu a idéia?] Eu gosto de cuidar do meu jardim, por isso estou interessado. Eu também tenho galinhas e coelhos. Me interesso por qualquer coisa que seja um pouco mais saudável [...]. E como o diretor geral também cultiva, começamos a trocar ideias. Tudo começou a partir daí. (Gestor do serviço de alimentação escolar em Moissy-Cramayel, novembro de 2017)

Conclusão: combinando os marcos institucionais favoráveis ao desenvolvimento territorial sustentável com os recursos locais propícios à territorialização

44A identificação de diferentes tipos ideais de sistemas alternativos de abastecimento nos permite discutir a hipótese segundo a qual a alimentação escolar constitui uma alavanca para a mudança de escala da transição ecológica. Duas tendências principais emergem da análise sobre os processos locais. A primeira, que intitulamos de logica agroindustrial renovada, manifesta-se em uma ecologização superficial dos circuitos já existentes, em um “novo espírito do produtivismo” (Fouilleux e Goulet, 2012), que ajustam seus modos de operação diante das novas exigências do setor público e dos cidadãos. A segunda é a emergência de novas redes que se estruturam em escala regional ou municipal, adotando uma ou várias características de sistemas agroalimentares alternativos: uma abordagem intersetorial do desenvolvimento local; a coordenação entre os diferentes atores dos sistemas agroalimentares territorial; e certa sensibilidade para práticas ecológicas de produção.

45Com base em nossa adaptação do quadro da perspectiva multinível das transições, formulamos uma hipótese explicativa para as transições no campo agroalimentar. Uma transição profunda (reconfiguração do regime sociotécnico) (Duru et al., 2014) seria explicada pelas fortes pressões exercidas pelo referencial global do desenvolvimento sustentável, que desestabilizaria o regime agroindustrial, em particular graças à evolução dos marcos institucionais e instrumentos de ação pública favoráveis ao desenvolvimento territorial sustentável. Tais circunstâncias abririam uma janela de oportunidade para os diversos tipos de sistemas alternativos mudarem de escala, em particular através de crescente integração de produtos orgânicos locais nos contratos de alimentação das escolas públicas. Por outro lado, uma transição ecológica superficial (simples transformação do regime dominante, que conserva sua lógica inerente) resultaria de pressões moderadas por parte da paisagem sociotécnica, combinas com a falta de estruturação das alternativas para frear a predominância das lógicas agroindustriais e a especialização produtiva dos territórios, características-chave do atual regime dominante.

46Os resultados do estudo dos casos concretos indicam uma combinação de logicas de transição. A coexistência entre sistemas, amplamente discutida na literatura (Chiffoleau et al., 2020; Gasselin e Hostiou, 2020; Loudiyi e Cerdan, 2021), poderia desembocar em uma profunda reconfiguração, desde que o regime agroindustrial continue a ser desestabilizado em dois níveis: intensificação das pressões exercidas pela paisagem sociotécnica, em particular por uma construção social de mercados reforçada, e crescente estruturação dos nichos de inovação, ou seja, dos sistemas alternativos (Darrot et al., 2022; Lefèvre e Audet, 2016). A pesquisa de campo demonstrou que circuitos alternativos dependem em grande parte do apoio político local e do esforço cotidiano dos gestores. Estes últimos devem trabalhar com orçamentos e recursos humanos limitados, o que levanta a questão do desequilíbrio de forças entre o regime agroindustrial e sistemas de abastecimento favoráveis ao objetivo do desenvolvimento territorial sustentável.