1No meio rural, as políticas públicas para agricultura no Brasil estiveram voltadas, na sua maioria, a subsidiar benefícios e créditos a produtores rurais com foco nas exportações. Décadas depois, com o esvaziamento do campo e lutas dos movimentos sociais, a agricultura familiar ganhou um novo olhar no país. A década de 1990 se constituiu em um importante período para a legitimação desse segmento, sendo criadas políticas públicas considerando sua diversidade e especificidades (Hentz; Aristides; Hespanhol, 2015).

2O Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) se inseriu nesse contexto, instituído no art. 19 da Lei nº 10.696, de 02 de julho de 2003, no âmbito do Programa Fome Zero, com o objetivo de adquirir a produção agropecuária e realizar a distribuição a famílias em níveis de insegurança alimentar (Brasil, 2003). O Programa, ao longo da sua execução, apresentou resultados importantes no que se refere a geração e aumento de renda (Cavalcanti, 2016; Plein; Filippi, 2012; Queiroz et al., 2015); fortalecimento da agroecologia na valorização dos preços (Coutinho; Hartmann, 2012), diversificação da produção e garantia da segurança alimentar (Andrade; Oliveira; Esquerdo, 2014; Batista et al., 2016).

3Assim, o PAA se consolidou como uma importante política para promover o desenvolvimento rural no país, com o fortalecimento das associações e cooperativas de agricultores familiares, na promoção de mudanças no nível organizacional, ampliação e diversificação da produção de alimentos, bem como a segurança alimentar e a saúde do agricultor, possibilitando o acesso aos alimentos que produzem (Kaminski et al., 2018).

4No Governo de Jair Bolsonaro (2019-2022), o PAA sofreu um grande marco, desta vez a sua extinção, por meio da Medida Provisória nº 1.061/2021, que extinguiu o PAA para dar origem ao Programa Alimenta Brasil, com semelhanças na forma de execução do Programa, contudo importantes finalidades do PAA foram excluídas tais como: a Modalidade Aquisição de Sementes, Modalidade Apoio à Estoques Públicos e a finalidade da aquisição dos produtos para destino a alimentação escolar e de promover e valorizar produção orgânica e agroecológica e estimular o cooperativismo e o associativismo (Perin et al., 2021).

5Em 2023 que o PAA é relançado a partir da Medida Provisória nº 1.166, de 22 de março de 2023. Os objetivos do programa foram refinados, com a inclusão de um novo direcionamento para estimular a produção agrícola de comunidades tradicionais, assentados da reforma agrária, pessoas negras, mulheres e jovens em áreas rurais. Além disso, o programa implementou a valorização no valor pago individual, de R$12 mil para R$15 mil, e a reintegração da sociedade civil no processo de gestão por meio de colegiados (Santos; Albuquerque; Lima, 2023).

6O programa é marcado por avanços e desafios, que afetaram sua eficácia e alcance no Brasil. O PAA enfrentou dificuldades para manter suas operações em pleno funcionamento, resultando em uma diminuição na quantidade de alimentos adquiridos e distribuídos pelo programa. Assim, a problemática de pesquisa está fundamentada em responder o questionamento: quais as variações ocorridas no alcance do PAA em diferentes regiões do Brasil ao longo do período de 2009 a 2019? Nesse sentido, este trabalho objetiva identificar o alcance do PAA por regiões brasileiras, analisando os quantitativos dos recursos, produtos adquiridos, números de municípios e fornecedores participantes no programa nos anos de 2009 a 2019.

7A análise do alcance do PAA por regiões brasileiras ao longo de uma década representa uma contribuição para a compreensão da efetividade dessa importante política pública. Ao oferecer uma visão abrangente e detalhada sobre a distribuição e os resultados do programa ao longo do tempo e em diferentes localidades do país, essa pesquisa pode subsidiar a tomada de decisões e aprimorar a eficácia das intervenções governamentais voltadas para a segurança alimentar, a agricultura familiar e o desenvolvimento regional.

Delineamento metodológico

8A pesquisa foi conduzida com uma abordagem de cunho quantitativo, que buscou analisar os dados secundários disponíveis da CONAB para compreender o alcance do PAA. A abordagem quantitativa com mensuração dos dados, foi complementada por uma discussão que permitiu contextualizar os dados coletados e interpretar os resultados à luz das referências bibliográficas.

9O recorte temporal da pesquisa compreende dez anos (2009-2019) do programa, o que proporcionou uma analisa das tendências e mudanças ao longo do tempo no alcance do PAA nas regiões brasileiras. Esse período abrange uma série histórica de diversas fases de expansão e descontinuidades do programa.

10Os dados secundários foram acessados através do site oficial da CONAB com estudo das variáveis: quantitativos de recursos investidos, produtos adquiridos, números de municípios atendidos e quantidade de fornecedores participantes em cada região do Brasil. Numa perspectiva analítica, foi utilizado estatística descritiva para interpretação dos dados, que foram expressos em tabelas e gráficos construídos no Excel®. Na análise foi adotada uma abordagem comparativa dos quantitativos do PAA entre as diferentes regiões e anos. A revisão bibliográfica foi conduzida para compreender o contexto do programa incluindo os objetivos e impactos previamente identificados na literatura, o que proporcionou uma base teórica para fundamentar a análise dos dados coletados.

O PAA: caracterização e o alcance nas regiões brasileiras

11Ao longo da década de 1990, aumentaram as ações do Estado voltadas para diminuir os gargalos da produção e comercialização da agricultura familiar, relacionadas à crescente ênfase da valorização do espaço rural, devido a persistência da pobreza rural e ao reconhecimento da importância social e cultural dos agricultores e famílias brasileiras (Salgado; Souza; Sano, 2021).

13Em termos de sua abordagem institucional, o PAA acabou desempenhando duas funções, a saber, a política agrícola (na perspectiva da oferta) e política de assistência alimentar (na perspectiva da Segurança Alimentar e Nutricional) (Machado et al., 2020). O PAA, se concretizou com o objetivo de promover a formação de estoques públicos de alimentos produzidos por agricultores familiares e a formação de estoques de organizações da agricultura familiar. Os consumidores, que são pessoas em situação de insegurança alimentar e nutricional, e também incluem pessoas atendidas por redes de assistência social, por meio de redes públicas e filantrópicas de educação (Brasil, 2012).

14O Programa foi executado pela CONAB, estados e municípios e foi operado nas seguintes modalidades: i) Compra com Doação Simultânea: os governos compram alimentos e doam às entidades da rede socioassistencial; ii) Compra Institucional: os órgãos públicos fazem compras dos alimentos por meio de chamadas públicas, para abastecer redes públicas; iii) Apoio à Formação de Estoques: os agricultores, organizados em grupos formais, para formação de estoques, vendem alimentos da safra vigente; iv) Incentivo à Produção e ao Consumo de Leite: implantada no nordeste e norte de Minas Gerais, objetiva comprar o leite in natura de laticínios privados e agricultores familiares que, após processamento, é distribuído ao público em vulnerabilidade social; v) Compra Direta: os agricultores vendem alimentos para o Governo Federal a valores situados em uma faixa entre o preço mínimo e o preço de mercado; vi) Aquisição de Sementes: governo compra sementes de fornecedores e doa a famílias inscritas no Cadastro Único (Brasil, 2020).

15Desde sua criação, a implementação foi orientada e acompanhada pelo Grupo Gestor do PAA (GGPAA), que normatiza o Programa por meio de resoluções, composto pelo Ministério da Cidadania, responsável pela coordenação, e pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, da Economia e da Educação (Salgado; Souza; Sano, 2021). As ações do PAA foram operacionalizadas com recursos do Ministério da Cidadania, a origem dos recursos no Programa variou desde a sua criação, e nos últimos anos, notadamente a partir de 2013, sofreu declínios nos montantes.

16A conjuntura do Programa, com suas diversas mudanças, enfraqueceu o abastecimento alimentar dos grupos em vulnerabilidade social e a possibilidade de escoamento da produção agrícola familiar. Perin et al., (2021), destaca que o Programa apresenta dois momentos distintos, 2009-2013 e o mais recente, o período de 2014-2019, que marca o declínio do PAA, essa conjuntura está apresentada no Quadro 01 com a síntese dos marcos importantes no Programa.

QUADRO 01. Marcos na trajetória do PAA nos períodos 2009-2013 e 2014-2019

PERÍODO	MARCOS DO PROGRAMA
2009-2013	Ajustes nas modalidades e nos limites de compra de produtos da agricultura familiar, definição do Decreto nº 6.959, de 15 de setembro de 2009; A modalidade Compra com Doação Simultânea se tornou um instrumento fundamental para a obtenção dos objetivos do Plano Brasil Sem Miséria, justificando os recursos investidos no ano de 2012; Promulgação da Lei nº 12.512/2011, ocasionando efeitos positivos ao PAA, instituindo novas finalidades para o Programa, com inclusão como beneficiários povos indígenas e integrantes de comunidades remanescentes de quilombos rurais e demais povos e comunidades tradicionais; A Resolução nº 44 do GGPAA em 2011, com definição das operações na modalidade Compra com Doação Simultânea devem deter de no mínimo de 40% de mulheres do total de beneficiários fornecedores; Expansão das parcerias com os estados e os municípios por meio do Mistério de Desenvolvimento Social – MDS, realizada por meio de termo de adesão. Com esse formato, órgãos e entidades da administração pública estadual, distrital, municipal e consórcios, passaram a ser executores do Programa sem a necessidade de celebração de convênios; O PAA se tornou objeto de análise dos órgãos de controle. Em 2012, foi orientado pela CGU que a CONAB executasse ações de aprimoramento dos procedimentos operacionais e de controle gerencial do Programa; Implantação do Plano Nacional de Fiscalização das Operações do PAA pela CONAB com a finalidade de acompanhar a execução do Programa; Operação Agrofantasma, investigação de desvios na execução do PAA pela CONAB, o que ocasionou mudanças nas normas e nos procedimentos de operacionalização, afetando os recursos do Programa.
2014-2019	Aumento da execução financeira em 2014; Promulgação do Decreto nº 8.293/2014 que criou a modalidade aquisição de sementes; Crescimento percentual das operações realizadas via termo de adesão firmadas com os estados e os municípios, ocasionando descentralização da CONAB; A extinção do Ministério de Desenvolvimento Agrário- MDA em 2016, passando a ser a Secretaria Especial de Agricultura Familiar e do Desenvolvimento Agrário (Sead), registrando novos declínios no orçamento do PAA; A Sead alterou seu status e passou a ser a Secretaria de Agricultura Familiar e Cooperativismo lotada no Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento – MAPA.

Fonte: Perin et al., (2021), sistematizado por Cavalcanti, Marjotta-Maistro e Rodrigues (2021).

17Considera-se a extinção do MDA um marco importante não só para a questão orçamentária e de recursos no PAA, que eram utilizados nas modalidades formação de estoque e compra direta, como também um marco para políticas públicas para o meio rural no Brasil, que estão sendo marginalizadas. Além das mudanças na forma de funcionamento do Programa, a quantidade de recursos utilizados ao longo dos anos também oscilou, o que não só pode ser explicado por essas mudanças operacionais, mas também devido às mudanças políticas, sociais e econômicas que ocorreram no país durante este período (Kaminski et al., 2018).

18Esse retrato está reproduzido na Figura 1, no tocante aos recursos repassados (R$) por região brasileira, os dados subsidiam que a fragilidade orçamentária do Programa foi cravada em 2013-2019. No período de 2009-2019, os recursos do PAA sofreram um declínio 88,6% nos recursos, ao passar de R$ 363 milhões em 2009 para R$ 41 milhões em 2019. Até o ano de 2012 essa participação cresce, constituindo até 2012 o maior investimento em recursos, com R$ 586 milhões, representando 19,4% do total no período analisado. Em seguida, sofre acentuada redução em 2013, e em 2014 ocorreu uma evolução no montante, com aumento de mais de R$ 100 milhões que o ano anterior. Entretanto, no período de 2015-2019, os recursos voltaram a cair consideravelmente. Destaca-se que, neste estudo, os dados não incluem os montantes das operações realizadas pelos estados e municípios.

19Em 2016, a presidente Dilma Rousseff enfrentou o impeachment, levando a transformações significativas no quadro social e governamental do Brasil. O governo Temer subsequente seguiu uma agenda neoliberal, resultando em reduções graduais no orçamento do PAA. No entanto, à luz da crise sanitária da Covid-19 em 2020, foram implementadas medidas emergenciais que restabeleceram temporariamente o orçamento do PAA e mitigaram o impacto da pandemia (Galván, Oliveira, 2023).

20No montante de recursos investidos no período analisado (2009-2019), observa-se que a região Nordeste se destacou com os maiores valores, com 30,9% de recursos, seguido da região Sul (27,5%) e da região Sudeste (24,8%). As regiões Norte e Centro-Oeste apresentam os menores valores, com apenas 9,1% e 7,5% dos recursos totais, como apresentado na Figura 1.

21A redução do valor dos montantes está associado aos número de projetos elaborados e executados, Hentz e Hespanhol (2019) identificaram uma redução significativa no número de projetos operacionalizados em todas as regiões do Brasil durante o ano de 2009. Houve uma queda de 29%, passando de 1.804 projetos em 2008 para 1.276 em 2009. As regiões mais afetadas foram o Norte, com uma redução de 74%, o Centro-Oeste com 41% e o Nordeste com 34%. No ano de 2013, essa redução persistiu com maior intensidade. Comparado a 2012, houve uma queda de 65%, sendo a região Sul e Sudeste as mais impactadas com reduções de 82% e 68%, respectivamente. Até 2015, o Nordeste liderou em número de projetos operacionalizados, totalizando 6.054, seguido pelo Sudeste com 4.453 projetos.

22De acordo com a CONAB (2020), o destaque de recursos para o Nordeste durante o período, foi devido aos critérios de distribuição de recursos por Unidades da Federação, com os seguintes indicadores: o grau de vulnerabilidade da população por meio do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), da Escala Brasileira de Insegurança Alimentar (EBIA/PNAD), Declaração de Aptidão ao Pronaf no Cadastro Único para Programas Sociais do Governo Federal (CadÚnico). As regiões Sudeste e Nordeste se destacam por terem as maiores demandas de PAA, com maior número de projetos inscritos. Nessas regiões, estão os estados com maior porcentagem de distribuição de recurso, como Bahia (7%), Minas Gerais (7%), São Paulo (7%), Alagoas (6,5%), Paraíba (6%), Maranhão (5,7%) e Ceará (5,7%).

23No que diz respeito à região Centro-Oeste, sua história centra-se na agricultura empresarial, focada em commodities, e na região Norte, por sua extensão territorial e características de acesso, características geográficas, que representam um desafio para efetivação do Programa, principalmente no que diz respeito ao acesso dos Povos e Comunidades Tradicionais e Agricultores Familiares (CONAB, 2009).

24Em 2019, a modalidade Compra com Doação Simultânea apresentou maior destaque (78%), seguido da modalidade Aquisição de Sementes (11%) e Formação de Estoque (11%), o montante de recursos aplicados na modalidade Compra com Doação Simultânea foi devido ao seu desenho e às suas especificidades, ao possibilitar a comercialização de produtos característicos da agricultura familiar, como frutas, hortaliças, doces, biscoitos caseiros, dentre outros, que são adquiridos por meio de organizações fornecedoras e fornecidos às Unidades Recebedoras (CONAB, 2019). Grisa et al., (2010) aponta que um dos destaques do PAA se deve por estimular a diversificação da produção no passo que atrela a oferta a uma demanda diversificada.

25No que se refere ao volume das aquisições, de 2009-2018, os dados da Figura 2 mostram que o volume dos produtos da agricultura familiar adquiridos pelo PAA foi reduzido em 91,7%, o que representa 263.563 toneladas. A região Sul foi a maior detentora do volume adquirido, 508.846 toneladas, e também a que sofreu a redução mais acentuada quando comparada com as demais regiões, com diminuição de 134.820 toneladas, representando uma queda de 97,5%, seguido da região Sudeste com redução de 53.989 toneladas (92,6%) e da região nordeste com diminuição de 58.151 toneladas (86,5%), nas compras da produção familiar. Cabe destacar que essa oscilação ocorrida entre 2009-2012, antecedendo o período das reduções nos montantes de recursos do Programa, acontece também devido ao preço praticado e a variação dos produtos que foram fornecidos, mais leves e baratos.

26A redução dos valores de recursos e volume de produtos, foi acompanhada também de uma diminuição na participação dos municípios, o que pode ter afetado o potencial do PAA de promover a dinamização da economia local (Sambuichi et al., 2020a). Na Tabela 01, observa-se que o efeito da desestabilização do Programa, levou à redução substancial da participação dos municípios, sendo que de acordo com dados disponíveis nos compêndios da CONAB, no período de 2010-2019, 684 municípios deixaram de participar do Programa, com redução de 63,5%, ou seja, o alcance do Programa a nível Brasil foi afetado. Observa-se que a participação dos municípios, especificamente no ano de 2013, ocorreu reduções em todas as regiões, as mais afetadas foram o Nordeste com redução de 215 municípios, seguida da região Sul (171 municípios) e da região Sudeste (169 municípios).

*Inclui apenas municípios que o agricultor forneceu produtos para o PAA. Não abrange as entidades que receberão doação pela modalidade CDS.

28Esse retrato geral, pode estar relacionado as configurações de cada região, como questões econômicas, administrativas, populacionais e geográficas, bem como atuação das regiões no que se refere a divulgação do Programa e os arranjos institucionais locais. De acordo com Salgado et al. (2017), levando em consideração as necessidades dos municípios locais, a cobertura dessas áreas ainda é incipiente e desigual. Esse fato mostra a necessidade de aprimorar a capacidade de distinguir e selecionar públicos-alvo. O Programa carece também de expansão e distribuição regional de suas operações, principalmente nas áreas com indicadores mais demandantes, como Nordeste e Norte.

*Inclui apenas municípios que o agricultor forneceu produtos para o PAA. Não abrange as entidades que receberão doação pela modalidade CDS

29Na participação dos agricultores fornecedores, em nível nacional, de acordo com a Figura 3, houve uma redução de 92,1% no número de 2009 para 2019. Na análise por regiões, o Nordeste, Sul e Sudeste apresentaram maior número de fornecedores participantes do PAA, contudo ocorreram quedas significativas entre 2009-2019, as mais acentuadas foram na região Sul, com uma queda de 37.472 fornecedores, seguido da região Nordeste com 27.164 fornecedores a menos no PAA e da região Sul, com perda de 20.304 fornecedores. Essa situação é agravada pela crise fiscal e pelo enfraquecimento das políticas de proteção social, especialmente aquelas voltadas ao desenvolvimento rural sustentável no âmbito federal (Sambuichi et al., 2020b).

30Cabe destacar que, para além do recorte temporal analisado neste trabalho (2009-2019), o PAA ganhou destaque com a possibilidade de ofertar alimentos e garantir a comercialização da agricultura familiar no período pandêmico. De acordo com a CONAB (2021), no orçamento de 2020, foram destinados ao PAA R$ 223,2 milhões, na modalidade Compra com Doação Simultânea, com participação de 868 municípios brasileiros. O estado que recebeu o maior aporte foi a Bahia, com R$ 15,45 milhões, seguido de São Paulo (R$ 15,39 milhões) e Minas Gerais (R$ 15,32 milhões), onde dos 284 tipos de alimentos ofertados, os que apresentaram destaques foram a banana e mandioca com 11,5 mil toneladas e 9,1 mil toneladas comercializadas, respectivamente.

31Embora não se trate do período estudado, é importante destacar que, a liberação de crédito para o PAA devido a pandemia, iniciada no Brasil em 2020, o montante ainda está abaixo dos recursos repassados em outros anos de execução do Programa.

32Nesse sentido, diversas reflexões com a extinção do PAA passam a emergir, após os importantes resultados já alcançados do Programa. Vale destacar que, a criação do mercado de compras institucionais do PAA trouxe importantes mudanças para agricultura familiar no Brasil e, também, na contribuição da segurança alimentar e nutricional das populações em vulnerabilidade social. Embora limitado pela baixa cobertura, pelo número de agricultores participantes, estudos apontam resultados na geração de renda, fortalecimento da agroecologia na valorização dos preços e garantia da segurança alimentar, diversificação da produção, entre outros resultados indiretos (Andrade; Oliveira; Esquerdo, 2014; Batista et al., 2016; Cavalcanti, 2016; Coutinho; Hartmann, 2012; Plein; Filippi, 2012; Queiroz et al., 2015). Assim, cabe agora o Governo Federal, por meio do Programa Alimenta Brasil, redefinição de seus objetivos e direcionamento de montantes de recursos expressivos ao Programa a fim de dar continuidade aos resultados positivos alcançados pelo PAA.

Conclusões

33Este estudo apontou que o PAA no período analisado, 2009-2019, apresentou descontinuidades e avanços na sua execução. Em 2013, os problemas operacionais marcaram a natureza do Programa com consequências expressivas nos anos seguintes. Os dados evidenciados neste trabalho indicam que, no Brasil, o Programa se apresentou como um instrumento de política pública que expõe deficiências, como a descontinuidade no volume de recursos, volume de produção adquirido, quantidade de municípios, agricultores fornecedores.

34Em relação à análise regional, a região Nordeste se destacou no montante de recursos e número de fornecedores. A região Sul se destacou em termos de volume da produção adquirida, enquanto a região Norte apresentou destaque na participação dos municípios no Programa.

35Notadamente, evidenciou-se que o PAA apresenta potencial para garantir o abastecimento alimentar e gerar renda no meio rural, podendo ser uma importante ferramenta de proteção social e minimizar o êxodo rural no campo. Com as rupturas apresentadas, ocasionando a extinção do Programa, é necessário que o Governo Federal passe a incrementar investimentos para consolidar e ampliar o alcance do Programa Alimenta Brasil, cuja finalidade é adquirir produtos da agricultura familiar.

36A extinção do PAA evidencia um retrocesso nas políticas agrícolas voltadas ao fortalecimento da agricultura familiar e, também, aponta a desconstrução de políticas sociais fundamentais para superação da insegurança alimentar no país. Em vista a acumulação de experiências positivas do PAA, seu fim preocupa sobre as possíveis consequências que poderão surgir – fome, perda da produção, aumento da pobreza, êxodo rural, sem a garantia da comercialização da produção de alimentos da agricultura familiar e o acesso aos alimentos a públicos em vulnerabilidade social. Essas questões se somam a inquietação do Programa Alimenta Brasil não dá conta de importantes eixos abraçados pelo PAA, como o viés da sustentabilidade e fortalecimento organizacional das famílias rurais, agravando o cenário e fragilizando os avanços já alcançados.

37Destaca-se que essa análise não dá conta de um recorte temporal maior e de todos os aspectos regionais e socioculturais de cada região, assim, sugere-se novos estudos com ênfase dos impactos das rupturas do PAA, e também dos seus efeitos positivos, como também análises do início da execução da implementação da nova política do Governo.