1A publicação desses dois livros não será sem consequências, sem trocadilho com o nome da editora. Os seus organizadores fizeram do primeiro, Por uma nova geografia regional, um verdadeiro manifesto de essa parte da geografia, que passou por um período difícil. Não deixava de ser paradoxal já que, ao mesmo tempo, ela conhecia uma profunda renovação em outros países.

Geografia regional

2Felizmente, alguns anos depois a geografia regional brasileira começou a ressurgir das cinzas, como menciona Sandra Lencioni em seu prefácio, cujos parágrafos inicial e final reproduzimos abaixo:

3“Por uma nova Geografia regional se constitui na expressão de uma intencionalidade, a de colocar claramente a importância do regional, da região e dos regionalismos no mundo contemporâneo. Estes são percebidos de diferentes maneiras, mas têm em comum um olhar fundado em teorias e métodos cuidadosamente perseguidos. Os temas abordados nessa coletânea são diversos, indo desde aqueles que claramente se propõem a discutir e atualizar aspectos teóricos relativos à categoria analítica – a região e seus derivados – até a relação entre a pandemia da Covid-19 e a região, passando pela discussão do nexo entre fronteira e região e entre o urbano e o regional de forma gera. [As abordagens são múltiplas], além de enfocar a região como questão regional, em que a relação com o Estado está intrinsecamente posta, revelando a dimensão política dessa categoria.

4Com esse amplo espectro temático e com diversos textos inspirados por diferentes correntes de pensamento, nos quais nem sempre a concordância entre os autores é a regra, a leitura revelará que na quase totalidade dos textos dessa coletânea está explícita a preocupação de situar· as discussões na relação entre a problemática em exame e o tema regional com suas diversas facetas, quer da região em si, quer·como regionalismo, desigualdade regional, desenvolvin1ento regional, entre outras.

5Não é possível dizer que a geografia regional presente neste livro, em suas múltiplas transfigurações, apresenta abordagens excludentes de outras; ao contrário, fica evidente a riqueza de cada uma delas e se percebe com clareza que a coletânea de textos busca contribuir e desenvolver a geografia regional.

6Eudes Leopoldo, Rogério Haesbaert, Rita de Cássia Ariza da Cruz e Angel Serpa, que organizaram o livro consideram, acertadamente, que estamos em um momento de redescoberta da geografia regional. Hoje já há consciência intelectual sobre o quanto a região como categoria analítica é "imprescindível para a compreensão do espaço contemporâneo, moldado por uma dinâmica multi ou transescalar de globalização e fragmentação", como está dito na introdução, que tem como título: "Por uma nova geografia regional": essa redescoberta é como o renascer de Fênix, do pássaro da mitologia grega que renasce das cinzas após ter perecido por autocombustão.

7Um renascer após um ostracismo na geografia brasileira, o qual tem relação estreita com a institucionalização da política de desenvolvimento regional concebida pela ditadura cívico-militar relativa ao período de 1964-1985. Contra o autoritarismo e centralismo do planejamento tecnocrático burocratizado desses anos, o pensamento crítico negou, de roldão, a temática regional e, nesse período, foram poucos os trabalhos libertos da fala oficial. Por outro lado, a mesmice na abordagem da região encontrada na análise regional – em que primeiramente se analisava o relevo da região, em seguida o clima, depois a vegetação, e posteriormente a população, a economia e a cidade – comprometeu o estudo regional. O dito popular medieval que não se deve "jogar o bebê fora com a água do banho" fez alguma marola e a monotonia e invariabilidade dos estudos regionais exigia rompimento e esforço de renovação. [...]

8Com o conhecimento desvelado em Por uma nova geografia regional fiquemos com a esperança, com a busca de possibilidades a serem continuadamente construídas e reconstruídas. A leitura deste livro tornará o leitor mais conhecedor das questões regionais e, portanto, mais apto e com maior consciência das possibilidades de contribuir para um projeto com futuro melhor?”

9Esperamos que este livro marcará um ponto de inflexão no renascimento da geografia regional brasileira, como se pode esperar pelos nomes de seus organizadores – cujas reputações estão bem estabelecidas – e pelo fato de que eles vêm de algumas das principais universidades do país: Rogério Haesbaert, Professor na Universidade Federal Fluminense, Rita de Cássia Ariza da Cruz, Professora na Universidade de São Paulo (USP), Angelo Serpa, Professor na Universidade Federal da Bahia.

Amazônia

10O primeiro nome na capa do livro, a pessoa por trás da iniciativa, Eudes Leopoldo, professor da Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará (Unifesspa), é - por enquanto - menos conhecido. Ele também é o primeiro autor do segundo livro, que é, de certa forma, a aplicação à Amazônia do que é defendido no primeiro. O prefácio de A produção do espaço urbano e regional na Amazônia indica que:

12Quando falamos em Amazônia, estamos nos referindo a um território de grandes dimensões, que corresponde a cerca de 60% do território brasileiro, com uma população próxima a 30 milhões e predomínio de cidades com até 50.000 habitantes mescladas a vilas e territórios de comunidades tradicionais e de povos originários, além das company tows, usinas hidroelétricas, extrativismo, agropecuária... Estamos a falar do diverso, do conhecido e do desconhecido, do que se busca entender e de muitas indagações que rondam qualquer pesquisador quando busca compreender processos [...].

13Este livro, A produção do espaço urbano e regional na Amazônia, fala um pouco dessas muitas Amazônias, contribuindo para aniquilar de vez duas ideias: a de não relevância do urbano quando a análise recai sobre a Amazônia e a que entende a Amazônia como uma região homogênea. Os organizadores deste livro utilizam, para estruturá-lo, a macro regionalização proposta para a Amazônia, concebida por Bertha Becker, em 2013, que apresenta dois grandes conjuntos: a Amazônia Oriental, sob o comando de Belém e a Amazônia Ocidental, sob o comando de Manaus, que compõem, respectivamente, a segunda e a terceira parte do livro [...].

14As inúmeras Amazônias precisam ser compreendidas e exigem mais pesquisas. Está posto, aqui, um pouco dos desafios que devem ser vencidos quando a reflexão incide sobre processos e dinâmicas espaciais da Amazônia. Esses desafios exigem, frequentemente, uma grande dose de criatividade, pois muitas vezes, imbuídos de olhares acadêmicos hegemônicos, não se enxergam as múltiplas particularidades dessa região ou, até mesmo, as entende. A leitura desse livro foi um aprendizado e uma revisita à Amazônia em com extrema miopia”.