1A exploração de hidrocarbonetos nas margens equatoriais do litoral norte brasileiro é ao mesmo tempo um problema e um desafio geopolítico, ambiental e tecnológico, maior ainda pelo fato de o acesso aos recursos ser objeto de importantes controvérsias relacionadas aos conhecimentos científicos ligados a esse espaço marítimo. Em um contexto de transição energética e avanço para uma economia de baixo carbono, a quota de produção de energia a partir de fontes renováveis continua, em princípio, a aumentar na matriz energética do Brasil. Podemos questionar se as possibilidades de exploração das jazidas nessas margens equatoriais, cujo espaço compreende cinco bacias sedimentares, incluindo a Foz do Amazonas e do Pará-Maranhão, podem alterar os dados e inflectir o curso da transição. Quais transformações dos espaços e das regiões em direção à sustentabilidade estão em andamento? Assistimos ao surgimento de uma nova fronteira que se destaca por seu potencial petrolífero e de gás natural?
2O principal objetivo deste estudo é trazer elementos para reflexão sobre o papel dos territórios do petróleo na transição energética e, de maneira geral, na transição para a sustentabilidade, privilegiando o surgimento de uma economia de baixo carbono (Defeuilley, 2018). A abordagem adotada aqui privilegia as interações terra-mar. Assim, os territórios do petróleo são apreendidos sob o ângulo das dinâmicas espaciais em função das diferentes escalas geográficas. Caracterizados pelo predomínio de interesses de atores globais ligados a esse setor energético, esses territórios abrangem um espaço de surgimento de projetos de articulação dos setores econômicos e institucionais. O interesse dessa abordagem é evidenciar as complementariedades terra-mar sustentadas pelas atividades offshores, bem como as tensões e conflitos inerentes.
- 1 Os espaços vulneráveis são caracterizados por práticas e inter-relações entre os agentes e o ambien (...)
3O espaço marítimo das margens equatoriais é objeto de enormes desafios e disputas tanto em escala regional como internacional. Esses desafios estão ligados simultaneamente às condições geográficas que determinam a localização das jazidas de petróleo e de gás natural, às questões sociais que visam a melhorar as condições de vida da população litorânea, às tensões pelo controle das reservas naturais, às complementaridades entre o espaço marítimo e terrestre, assim como às exigências necessárias à proteção do meio ambiente. Esse conjunto complexo suscita questionamentos sobre os termos de regulação, sobre a administração desses espaços particularmente vulneráveis1 (Pires do Rio, 2020) e sobre os desafios de uma “transição energética e climática” (Hourcade e Neste, 2019).
4Essa área pouco conhecida da bacia atlântica do Nordeste despertou maior interesse após achados de geólogos sobre o caráter único dessa região hidrográfica que liga a América do Sul e a África (Augé, 2014). As margens são, evidentemente, resultado da separação dos continentes e da formação das bacias sedimentares. Esse espaço marítimo, definido a partir das fronteiras terrestres de Venezuela, Suriname, Guiana, Brasil e Guiana Francesa, está no centro de importantes questões estratégicas e de interesses, por vezes divergentes, ligados à conservação e proteção do meio ambiente de um lado, e ao desenvolvimento da indústria energética do outro, sobretudo após os resultados obtidos pelas atividades de exploração por empresas petrolíferas na bacia da Guiana e do Suriname, desde 2020.
5No Brasil, a margem equatorial designa o espaço marítimo delimitado ao largo da costa norte brasileira da fronteira com a Guiana Francesa até o Rio Grande do Norte. Trata-se de uma área de 1 milhão de km2 em torno da linha do Equador e que inclui cinco bacias sedimentares: Foz do Amazonas, Pará-Maranhão, Barreirinhas, Ceará e Potiguar (Figura 1).
Figura 1: Margem equatorial ao largo da costa brasileira
6Se considerarmos esse espaço segundo a perspectiva da complementaridade terra-mar, impõe-se o estudo da ocupação das paisagens das faixas de litoral. Esse espaço, o mais setentrional da costa brasileira, é caracterizado por uma diversidade de paisagens litorâneas nas quais se destacam dois grandes sistemas: mais ao norte, as penínsulas cobertas por manguezais, os canais ao longo dos estuários (Prost et al, 2017) e uma insularidade importante marcada pela presença de grandes ilhas, tais como São Luís e Marajó. A leste, o litoral é mais retilíneo do que ao norte, onde se encontra um grande número de baías e enseadas. Esses dois sistemas são nitidamente bem diversificados. Se levarmos em conta os critérios geomorfológicos, o domínio das marés amazônicas ao norte abrange três aspectos: o litoral lamacento do Amapá, a foz do Amazonas e as “reentrâncias” do Maranhão, enquanto a leste, o litoral é marcado por poucas entradas de sedimentos e duas paisagens típicas, a costa semiárida e as dunas dos Lençóis Maranhenses (Muehe, 1998). Essa costa semiárida é mais favorável à produção de energia eólica.
7Na escala regional e no plano administrativo, essa margem equatorial compreende seis estados: Amapá, Pará, Maranhão, Piauí, Ceará e Rio Grande do Norte. Com relação aos municípios, a margem conta com 128, incluídos nos limites da zona costeira pela portaria ministerial N° 34 de 2 de fevereiro de 2021. Essa malha administrativa muito heterogênea reforça a grande complexidade estabelecida por grandes desigualdades socioeconômicas caracterizadas pelas disparidades entre espaços territoriais, distribuição da população, densidades demográficas e receitas. A isso se acrescenta um crescimento demográfico mais concentrado nas grandes cidades, bem como uma pressão sobre as pequenas e médias cidades do litoral do Rio Grande do Norte e Ceará, devido ao processo de litoralização provocado pelo turismo, pelas instalações portuárias e pela carcinicultura, não esquecendo os parques eólicos presentes nesses litorais. É evidente que essas atividades suscitam questões relacionadas à faixa litoral.
8A faixa litoral norte dessa margem mostra uma centralidade urbana bipolar devido às relações mantidas pelas grandes cidades e as metrópoles no território. As áreas metropolitanas não são muito extensas; são separadas por grandes distâncias e caracterizadas por uma concentração populacional nas capitais: Fortaleza, Belém, São Luís e Macapá (Gráfico 1). A centralidade de Fortaleza e de Belém na rede urbana regional é bem estabelecida assim como sua acessibilidade (IBGE, 2018). A zona de influência de Fortaleza, por exemplo, estende-se até São Luís, enquanto Belém é a maior capital dessa região e apresenta uma densidade demográfica menor se comparada a outras metrópoles brasileiras. Sua influência se estende até o estado do Amapá, incluindo a cidade de Macapá. Belém é o principal porto fluvial que constitui um sistema portuário que liga os demais portos, redes rodoviárias e ferroviárias, conectando as cidades produtoras de minério de ferro e de bauxita. Fortaleza, ao contrário de Belém, estrutura-se em torno de uma rede rodoviária e urbana que se entende por uma grande área, apoiando-se em centros regionais dos estados do Piauí e Maranhão (IBGE, 2018). Situada na faixa do litoral norte, Fortaleza tornou-se um hub de arquitetura da Internet mundial: 16 cabos submarinos de fibra óptica asseguram uma conectividade transoceânica com a África, a Europa, a América do Norte, a América Central e a América do Sul2. Este elo de comunicação lhe confere um lugar novo no contexto urbano nacional e determina tanto o seu lugar na hierarquia urbana como na configuração de sua área de influência. (IBGE, 2018). Essa concentração tem implicações significativas para o abastecimento de água.
Gráfico 1: população estimada de metrópoles e capitais localizadas na faixa litoral da margem equatorial em 2021
Fonte: IBGE, Cidades @, 2021
9Essa faixa litoral cuja complexidade de interações e complementariedade terra-mar apontamos, caracteriza-se ainda pela presença de áreas protegidas de diversas categorias que dizem respeito a níveis distintos da administração. As áreas protegidas compreendem diferentes categorias de acordo com o nível de proteção estabelecido pelo Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC): proteção integral e uso sustentável.
10Nesse espaço, as áreas protegidas exclusivamente marinhas são poucas, assim como aquelas sob responsabilidade federal ou estadual. Em contrapartida, o número de áreas protegidas litorâneas sob responsabilidade federal se intensificou, principalmente nos anos 2.000. Entre os dois grupos criados pelo governo federal, as áreas de uso sustentável, como as “reservas extrativistas” (RESEX), são as mais numerosas: para a região considerada, as bases de dados do ICMBio contam com 23 RESEX, das16 das quais estão no Pará num total de 33 áreas protegidas nos dois grupos considerados pelo ICMBio (Gráfico 2).
Gráfico 2: Áreas protegidas dos ecossistemas marinhos
Número de áreas protegidas dos ecossistemas marinhos e costeiros sob a responsabilidade federal na faixa litoral das margens equatoriais do Brasil, 2021.
Fonte: ICMBio
11Desta maneira, esse espaço está particularmente vulnerável aos efeitos da produção de petróleo e de gás natural, sobretudo no que se refere aos riscos tecnológicos e à poluição petrolífera nas áreas de mangue, criação de camarão, interface cidade-mar ou ainda nas atividades tradicionais decorrentes de práticas de gestão de recursos marítimos que não são objeto de regulação ou proteção específica (Pires do Rio, 2018; 2019). Apesar dessa fragilidade, essa rede de áreas protegidas desempenha um papel maior no desenvolvimento sustentável da região e pode contribuir para uma transição em direção à sustentabilidade nas regiões onde ele se insere. De fato, como a questão da transição já se coloca em escalas local e regional, inscreve-se bem no esquema político de ordenamento do território.
12Note-se, no entanto, a escassez de espaços marinhos protegidos ao largo dessa costa. Essa assimetria entre o número de áreas protegidas de ecossistemas exclusivamente marinhos e aquele de ecossistemas costeiros ilustra a orientação da política federal e das ações de proteção marinha desenvolvidas sem um quadro de cooperação entre estados e municípios. Os esforços envidados pelo Governo Federal concentram-se nos arquipélagos. Destacamos como exceção o Parcel Manuel Luís, recife de corais, que se tornou parque do estado do Maranhão em 1991, nos arredores do município de Cururupu e, desde 2000, designado pela Convensão de Ramsar, como local exclusivo de espécies em vulnerabilidade e essenciais à conservação biológica3. Estima-se que essa assimetria possa ter graves consequências na expansão da produção de petróleo e gás, e durante o desenvolvimento da energia eólica ao largo da costa norte do país.
13A política de exploração dos recursos naturais dos países localizados na faixa litoral da América do Sul mantém-se ainda muito direcionada para o plano nacional. É o caso da Venezuela, do Suriname, da Guiana e do Brasil. É preciso também considerar a “Coletividade Territorial da Guiana” que pertence à França (Théry,2017). Enquanto as outras fronteiras energéticas na América do Sul, a maioria localizadas no interior dos territórios, mostraram os limites de uma integração energética do continente (Velut e Carizzo, 2020; Oca et Velut, 2021), a exploração dos hidrocarbonetos nas margens equatoriais é um processo que levanta um certo número de questões a esse respeito.
14Em relação ao Brasil, essa política começou bem antes das descobertas das jazidas de petróleo dessa nova fronteira. Se a localização de estruturas favoráveis à formação de jazidas de petróleo e gás natural é resultado de processos geológicos, pôr em prática a produção dessas jazidas é, por outro lado, o resultado de grandes investimentos em R&D e perfurações. A tabela 1 mostra os resultados da década de 1970, quando a Petrobrás, começou a privilegiar, em regime de monopólio, os investimentos em perfuração e a exploração das jazidas offshore. De início, essas jazidas estavam localizadas principalmente em pequenas profundidades, em torno de 300m. Na época dessas perfurações, o desafio era sobretudo garantir a independência energética em relação ao petróleo importado e em adquirir expertise técnica. Essa expertise foi fundamental para chegar-se às áreas mais profundas de exploração na bacia sedimentar de Campos, localizada ao largo da costa do Rio de Janeiro, onde a profundidade passa progressivamente de 300 a 7.000m no caso das jazidas offshores profundas.
Tabela 1: Características da Margem Equatorial do Brasil
Bacia
|
Início de R&D
|
Extensão ao largo da costa (km)
|
Número de blocos em concessão
|
Número de blocos concedidos em águas profundas
|
Foz do Amazonas
|
1970
|
1028
|
9
|
47
|
Pará-Maranhão
|
1978
|
2491
|
5
|
27
|
Barreirinhas
|
1971
|
597
|
17
|
19
|
Ceará
|
1971
|
487
|
4
|
13
|
Potiguar
|
1971
|
486
|
12
|
23
|
Fonte ANP, Dados Técnicos
15Desde 1995, ano em que o monopólio da Petrobrás chegou ao fim, a estrutura de produção evoluiu e a participação de grupos petrolíferos globais nas atividades de exploração e produção aumentou. Após as modificações dos dispositivos de regulação em 2010 e a criação de novos regimes, tais como a partilha da produção e o contrato de cessão onerosa, o sistema de produção foi marcado por uma complexidade cada vez maior, havendo ao mesmo tempo três regimes de regulação da produção de petróleo e gás: o monopólio, a partilha de produção e a cessão onerosa (Egler e Pires do Rio, 2015).
- 4 Trata-se da divisão da bacia sedimentar em polígonos de dimensão variável para o desenvolvimento da (...)
16Após as mudanças citadas, ocorreu um movimento de recomposição dos consórcios entre a Petrobrás, os grupos globais e novas companhias, principalmente na produção offshore (Tabela 2). Os novos atores provenientes da abertura dos segmentos de exploração offshore compartilham o acesso aos recursos energéticos, sobretudo o petróleo e o gás natural, através da compra de blocos4 postos em leilão ANP.
Tabela 2: Consórcios para a participação em leilões offshore ANP da Margem Equatorial; 2020
Bacia
|
Número de empresas
|
Número de consórcios
|
Número de consórcios de que a Petrobrás participa
|
Números de aquisições por uma única empresa
|
Foz do Amazonas
|
5
|
2
|
2
|
2
|
Pará-Maranhão
|
3
|
1
|
1
|
2
|
Barreirinhas
|
9
|
4
|
3
|
3
|
Ceará
|
7
|
4
|
0
|
1
|
Potiguar
|
8
|
5
|
3
|
2
|
Fonte: ANP, Anuário estatístico brasileiro de petróleo, gás natural e biocombustíveis. 2021.
17Em relação ao domínio das marés amazônicas, o segmento da Margem Equatorial cobre duas bacias: Foz do Amazonas e Pará-Maranhão. É nesses prolongamentos marítimos que as tensões são mais evidentes. O número de polígonos (blocos) concedidos em águas profundas era 47 e 17, respectivamente. Os consórcios podem adquirir um ou mais blocos. Para as empresas, essas aquisições constituem uma escolha estratégica que as coloca em uma cooperação iniciada pelas diferenças de expertises técnicas e pela necessidade de aumentar suas reservas recorrendo às jazidas localizadas nas novas fronteiras. Apesar das incertezas que pairam sobre a Margem Equatorial, todas as empresas do setor, mesmo aquelas que diversificaram para energia eólica e solar, continuam as aquisições através dos leilões de concessão offshore ANP em 2013 (Tabela 3). Na verdade, as companhias petrolíferas desempenham um papel determinante na pesquisa e no desenvolvimento de novas tecnologias de energias renováveis. Neste contexto, é preciso levar também em conta o crescimento da energia nuclear.
Tabela 3: Participação nos leilões de concessão ANP da Margem Equatorial (offshore)
Bacia
|
Leilão de concessão
|
Ano do leilão
|
Consórcios/empresas (%)
|
Número de blocos adquiridos
|
Foz do Amazonas
|
R11
|
2013
|
Total E&P do Brasil (40%) BP Energy (30%) Petrobras (30%)
|
5
|
BP Energy (70%) Petrobras (30%)
|
1
|
Brasoil (100%)
|
2
|
Enauta (100%)
|
1
|
Pará-Maranhão
|
R3
|
2001
|
Petrobras (100%)
|
1
|
R6
|
2004
|
Petrobras (80%) Sinopec (20%)
|
2
|
R11
|
2013
|
Enauta (100%)
|
2
|
Barreirinhas
|
R3
|
2001
|
Petrobras (100%)
|
1
|
R4
|
2002
|
Petrobras (60) BP Energy (40%)
|
1
|
R6
|
2004
|
Petrobras (60) BP Energy (40%)
|
1
|
R11
|
2013
|
Shell Brasil (65%) PTTEO (25%) Mitsui E&P (10%)
|
4
|
Chariot Brasil (100%)
|
4
|
Shell Brasil (100%)
|
2
|
Shell Brasil (50%) Petrobras (40%) Galp Energia (10%)
|
3
|
BP Energy (50%) Total E&P (50%)
|
1
|
Ouro Preto (100 %)
|
1
|
Ceará
|
R11
|
2013
|
OP Energia (30%) Azibras (70%)
|
1
|
Total E&P (45%) Premier Oil (30%) Enauta (25%)
|
1
|
Rio Jaguar (50%) Ecopetrol (50%)
|
1
|
Premier Oil (50%) CEPSA (50%)
|
1
|
R15
|
2018
|
Wintershall (100%)
|
1
|
Potiguar
|
R7
|
2005
|
Petrobras (30%) BP Energy (30%) IBV Brasil (20%) Petrogal (20%)
|
2
|
Petrobras (40%) BP Energy (40%) Petrogal (20%)
|
2
|
R11
|
2013
|
OP Energy (30%) Azibras (70%)
|
1
|
R15
|
2018
|
Petrobras (100%)
|
1
|
Wintershall (70%) Murphy (30%)
|
3
|
Petrobras (60%) Shell Brasil (40)
|
2
|
Shell Brasil (100%)
|
1
|
Fonte: ANP, Anuário estatístico brasileiro de petróleo, gás natural e biocombustíveis. 2021
- 5 Le Monde de 26 de fevereiro de 2019
18De acordo com a tabela, os consórcios são variados. As grandes empresas de produção, dentre as quais as mais conhecidas BP, Shell, Total, ExxonMobil , associaram-se entre si ou com a Petrobrás. Os investimentos chineses por intermédio da Sinopec são ainda tímidos. Observamos novas associações com empresas sul-americanas, como a colombiana Ecopetrol; asiáticas, como a tailandesa PTTEO ou a japonesa Mitsui E&P. Em um contexto energético mais amplo, esses consórcios são também um exemplo de como as empresas estruturam suas reservas nas novas fronteiras offshore. Lembremos de passagem que a Total encerrou suas operações de perfuração na Guiana Francesa em 20195, ao mesmo tempo que prosseguia os investimentos ao largo da costa do Suriname. Nas bacias Foz do Amazonas e Pará-Maranhão, por outro lado, foram as empresas brasileiras que adquiriram o maior número de blocos.
- 6 Ramsar https://rsis.ramsar.org/fr/ris/640
19Mais difícil de determinar, os atores ligados ao meio ambiente são, sem dúvida, importantes intervenientes nas negociações rumo à sustentabilidade. Além dos agentes institucionais Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima, Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis, Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade, os conselhos estaduais e municipais , um grande número de ONGs desempenha um papel importante na criação de áreas protegidas. Esses atores são por vezes ligados às redes internacionais, como a convenção de Ramsar. Assim, a partir de 2018, a questão da proteção ambiental ganhou um contorno mais regional com a criação de um corredor formando um mosaico de áreas protegidas ao largo da costa norte desde a fronteira com a Guiana Francesa até a divisa dos estados do Piauí e Ceará. Esse mosaico é composto por áreas protegidas federais, de proteção integral, de uso sustentável e pelo Parcel Manoel Luís, já mencionado anteriormente. Ele se organiza em torno de uma zona úmida cuja importância em biodiversidade é reconhecida internacionalmente: para a Convenção de Ramsar, trata-se da maior superfície contínua de manguezais do mundo, cerca de 2,7 milhões de hectares6. A extensão do mosaico lhe confere uma característica única, já que não se trata mais de áreas protegidas individuais, mas de um espaço formado por várias áreas protegidas contíguas que constitui assim um dispositivo público de ordenamento do território em nível regional.
20Essa maior preocupação em relação à proteção para além dos sítios e áreas protegidas classificados pelo governo federal via ICMBio e pelos estados, através de suas secretarias, deve-se principalmente a uma lógica de questionamento da política de proteção do meio ambiente de alguns anos para cá, sobretudo no quadro político-administrativo em escala nacional. Essa rede internacional ganha importância ao garantir acesso a certos fundos internacionais e ao dar visibilidade aos espaços vulneráveis de interação terra-mar como os manguezais, as enseadas e os estuários; trata-se principalmente de ampliar as conexões em relação à indústria energética. No entanto, incertezas permanecem: será esse dispositivo um instrumento útil tanto para o desenvolvimento local como para a cooperação multilateral nas Margens Equatoriais das bacias da Guiana-Suriname, Foz do Amazonas e Pará-Maranhão? Apesar dos diferentes níveis de exploração, esses espaços marítimos são obrigados a criar um meio de negociação para reforçar as suas escolhas para a transição para a sustentabilidade.
21Este artigo esboça uma reflexão sobre a transição energética para a sustentabilidade e o papel dos territórios do petróleo nessa transição que se mostra complexa, pois os desafios não se limitam simplesmente às problemáticas ligadas à exploração offshore em águas profundas. As novas fronteiras energéticas, como a Margem Equatorial, deverão considerar a vulnerabilidade desses espaços, pois as interações terra-mar têm características muito próprias e intrínsecas a esse ambiente.
22A biodiversidade, assim como a sociodiversidades nesses espaços de interação permanecem muito localizadas e as interdependências entre a terra e o mar são muito difíceis de determinar tantas são as incertezas relativas às dinâmicas, às inter-relações naturais e sociais, à capacidade desses espaços de recuperar certas funções e assegurar a continuidade dos sistemas de produção das populações tradicionais locais. Os mosaicos poderiam ser um dispositivo adequado para unir as populações ribeirinhas e litorâneas e dar-lhes uma certa visibilidade em um processo que preconiza uma transição para a sustentabilidade.
23Essa nova fronteira mostra a tensão entre os diferentes desafios das transições energéticas e a sustentabilidade. Essa configuração mostra as estratégias das companhias petrolíferas que atuam tanto na exploração dessas fronteiras para renovar suas reservas quanto na produção de energias renováveis. De fato, as transições não se restringem à dimensão técnica. Novas relações de força surgem pelo mundo todo. O acordo para acabar com a exploração de energias fósseis de certos países como a Dinamarca, a Costa Rica, a França, a Suécia e certas regiões autônomas como a Groelândia mostra bem que as transições dependem muito dos avanços técnicos, bem como das negociações no campo geopolítico e geoeconômico. Esse tipo de acordo questiona tanto as políticas setoriais e territoriais estabelecidas pelos governos quanto as possibilidades de uma governança sul-americana e mundial das transições. Embora muitas questões continuem sem resposta, parece urgente valorizar as vias das transições.
24Este artigo contou com o apoio do CNPq.