1No cenário mundial, o turismo é um fenômeno passível de ser observado sob as perspectivas econômica, social, ambiental e cultural, tendo experimentado uma expansão significativa ao longo do século XXI. Nesse contexto, observa-se um aumento progressivo na busca por novos destinos por parte dos turistas (UNWTO, 2021). Atualmente, devido a concentração majoritária da população em aglomerações urbanas, uma parcela significativa dessa população manifesta interesse em vivenciar períodos de lazer em ambientes mais naturais. Em virtude disso, o ecoturismo emerge como uma tendência de crescimento, conquistando reconhecimento em âmbito global (Khanra et al., 2021).
2O ecoturismo é uma modalidade de turismo em áreas naturais pouco exploradas, guiada por princípios de proteção ambiental. Ele se caracteriza pelo contato com a natureza, busca por benefícios à comunidade local, preservação do meio ambiente e educação ambiental (Canteiro et al. 2018; Khanra et al., 2021). Essa prática estabelece uma relação benéfica entre turismo e meio ambiente, incorporando elementos de educação ambiental e desempenhando um papel crucial na proteção do local (Khanra et al., 2021; Martins; Silva, 2018). Assim, o ecoturismo contribui para a proteção ambiental, o crescimento econômico e o progresso social, mitigando os impactos negativos da atividade turística (Ismail et al., 2021).
3Nesse contexto, a crescente valorização que a sociedade atribui ao meio ambiente impulsiona a prática do ecoturismo, particularmente em áreas designadas como Unidades de Conservação (UCs), que são reconhecidas pelos benefícios que proporcionam ao meio ambiente e à saúde humana (Kiryluk, 2020; Taff et al., 2019). Tais unidades são definidas como o “espaço territorial e seus recursos ambientais [...] com características naturais relevantes, legalmente instituído pelo Poder Público, com objetivos de conservação [...] ao qual se aplicam garantias adequadas de proteção” (Brasil, 2000).
4As UCs são classificadas em diversas categorias, conforme seus objetivos e usos específicos, inclusive contemplando a atividade turística. Entre as UCs propícias para a prática do turismo, merecem destaque os Parques Nacionais (PARNAs), os quais atraem visitantes de todas as partes do mundo, devido à sua relevância ecológica e beleza cênica. Nesse contexto, a integração do turismo com essas áreas protegidas assume um papel estratégico no manejo dessas unidades de preservação (Nayak et al., 2019). Entretanto, apesar de o turismo nessas localidades possibilitar uma ampla gama de benefícios, como a proteção da biodiversidade e da geodiversidade, a redução da pobreza local e, em última instância, o estímulo ao desenvolvimento sustentável (Liu et al., 2016; Yergeau, 2020), ele também pode acarretar impactos adversos.
5Desde 2010, várias nações têm se dedicado a aumentar suas áreas protegidas, culminando na delimitação de cerca de 22,5 milhões de km² (equivalente a 16,64%) de terras e águas interiores como regiões protegidas. Adicionalmente, aproximadamente 28,1 milhões de km² (correspondendo a 7,74%) de zonas costeiras e marítimas também receberam essa designação (Dudley; Stolton, 2021). Porém, destaca-se que aproximadamente um terço de todas as áreas protegidas em âmbito global enfrenta pressões humanas consideráveis, o que compromete a proteção efetiva da biodiversidade (Jones et al., 2018). Nesse contexto, um dos desafios preeminentes do turismo operado nessas zonas consiste em sensibilizar os turistas sobre seu papel na promoção do turismo sustentável e no fomento ao desenvolvimento local. Adicionalmente, é vital monitorar os impactos gerados por essa atividade e avaliar a sua sustentabilidade ao longo do tempo (Kiryluk, 2020).
6A administração das unidades de conservação desempenha um papel relevante na proteção da biodiversidade, devendo abordar o aumento do número de turistas com precaução, a fim de garantir a gestão adequada dos impactos (Bhammar et al., 2021; Canteiro et al., 2018). Desse modo, é essencial compreender a dinâmica intrínseca ao turismo praticado nessas áreas e seu efeito na percepção do consumidor. O ecoturismo, em sua essência, repousa na experiência da visita, advinda do contato do visitante com o ambiente natural. Conforme delineado por Lacerda et al. (2022), a qualidade dessa experiência requer uma análise abrangente da jornada do visitante, abrangendo o antes, o durante e depois da viagem, além da infraestrutura fornecida por prestadores de serviços locais.
7Assim, considerando os aspectos que caracterizam o ecoturismo e a natureza do turismo praticado em unidades de conservação, surge a seguinte questão de pesquisa: "Como se relacionam os elementos característicos do ecoturismo com os relatos de experiências dos visitantes em UCs?". Com o propósito de abordar essa indagação, esta pesquisa tem como objetivo avaliar a correspondência entre os elementos que caracterizam o ecoturismo e as avaliações compartilhadas pelos visitantes no site TripAdvisor, especialmente no contexto das visitas ao Parque Nacional de Sete Cidades. Esse parque está localizado no norte do Estado do Piauí, abrangendo os municípios de Brasileira, Piracuruca e Piripiri (ICMBio, [s.d.]). A escolha deste Parque Nacional se justifica devido às diversas perspectivas apresentadas pelos visitantes sobre o PARNA, conforme os resultados da pesquisa conduzida por Santos et al. (2021). A abordagem selecionada para este estudo está alinhada com a recomendação de Santos et al. (2021), que sugere a exploração de técnicas adicionais para a coleta e análise de dados, incluindo a monitorização de ambientes virtuais que aproximam o público do PARNA.
8O turismo passou por três fases distintas de desenvolvimento que ainda coexistem: pré-turismo (ou grande turismo), turismo industrial e pós-turismo. O primeiro é uma forma primitiva de turismo moderno, praticado principalmente pela aristocracia no século XX. Mas, a indústria do turismo - como é conhecida hoje - desenvolveu-se precisamente na chamada era industrial e pós-industrial, suportada pelo desenvolvimento de novas tecnologias (Molina, 2003). Dessa forma, esta fase inicia a personalização dos serviços, focando em fatores antes não considerados, como a ecologia. Com isto, são incorporadas estratégias de desenvolvimento sustentável, proporcionando a criação do ecoturismo.
9A relação entre turismo e áreas protegidas é muito antiga, assim como a discussão acerca da definição de ecoturismo, havendo diversas conceituações que envolvem diferentes aspectos e dimensões, como o desenvolvimento sustentável, educação ambiental, experiências na natureza e outras. (Donohoe; Needham, 2006; Menegasso et al., 2021). Setores diferentes da sociedade constroem ideias diversas acerca do ecoturismo, resultando em definições e terminologias múltiplas (Pires, 1998).
10Apesar disso, as definições mais populares de ecoturismo se baseiam em pilares semelhantes. Sendo assim, pode ser explicado como a prática de viajar para lugares naturais pouco explorados para experienciar um contato com o meio ambiente, estabelecendo uma conexão mais próxima com a natureza e a cultura do respectivo destino (Canteiro et al., 2018; Ismail et al., 2021; Ministério do Turismo, 2010; Nascimento et al., 2019).
11Nesse sentido, pode-se compreender o ecoturismo como uma modalidade alternativa ao turismo de massa, pois além de ser praticado em menor escala, enseja maior cuidado com os efeitos causados no local (Abas et al., 2021). Para Khanra et al. (2021), o ecoturismo visa manter um equilíbrio entre o aspecto comercial e de conservação de um destino turístico, promovendo oportunidades de desenvolvimento socioeconômico local. Estas dimensões vão em direção às encontradas por Donohoe e Needham (2006), para os quais o ecoturismo se apresentou definido em seis áreas, retratadas no Quadro 1: Baseada na natureza; preservação e conservação ambiental; educação ambiental; sustentabilidade; distribuição justa de benefícios; ética e responsabilidade.
Quadro 1 - Ecoturismo e seus elementos básicos.
Ecoturismo
|
Elemento
|
Descrição
|
Fontes
|
Contato com a natureza
|
Entrar em contato com a natureza e viajar para destinos pouco explorados.
|
(Abas et al., 2021; Canteiro et al., 2018; Ismail et al., 2021)
|
Desenvolvimento socioeconômico local
|
O ecoturismo busca o equilíbrio entre o aspecto comercial e de conservação, principalmente se pautando na distribuição de benefícios com a comunidade local.
|
(Donohoe; Needham, 2006; Khanra et al., 2021).
|
Preservação/conservação da natureza
|
Este é o principal objetivo do ecoturismo é a preservação da biodiversidade local.
|
(Canteiro et al., 2018; Donohoe; Needham, 2006).
|
Educação e conscientização ambiental
|
Aplicar os princípios de ecoturismo é também educar e conscientizar seus consumidores sobre a importância da preservação dos diversos ecossistemas.
|
(Ismail et al., 2021; Khanra et al., 2021; Martins; Silva 2018).
|
Fonte: Sistematizado por Lima Júnior et al. (2023).
12Mais que apenas a visita a um destino turístico de aspecto natural, o ecoturismo busca aplicar estes princípios de sustentabilidade à sua prática, educando e conscientizando seus consumidores sobre a importância da preservação dos diversos ecossistemas (Martins; Silva, 2018). Este pensamento tem influenciado pessoas no mundo inteiro, fazendo com que boa parte dos turistas já consiga compreender a finitude dos recursos naturais e a necessidade de preservação e/ou conservação (Benetti et al., 2018).
13Além de práticas relacionadas à preservação, o ecoturismo se destaca pelo auxílio às comunidades locais, valorizando sua cultura e incrementando seus recursos financeiros (Nascimento et al., 2019). Dessa forma, o ecoturismo é um agente impulsionador da economia e da preservação da cultura local, resultando em melhores níveis de desenvolvimento humano para a comunidade local.
14Apesar disso, a literatura ainda tem preocupações relacionadas aos aspectos negativos do ecoturismo, uma vez que a expansão do setor pode gerar muitas ameaças à preservação do meio ambiente natural (Ismail et al., 2021). A sobrecarga do trade turístico, advindo por exemplo do aumento de fluxo de turistas em determinado local, efetivamente agrava a degradação ambiental naquele ambiente. Isso ocorre pois o turismo e a qualidade ambiental são elementos intimamente interligados e sistêmicos, na medida em que esta é um impulsionador para o turismo, que por sua vez resulta em impactos econômicos, sociais e ambientais positivos e adversos (Meliani, 2021).
15Mesmo sendo uma atividade voltada ao desenvolvimento sustentável local e regional, mediante o estímulo ao crescimento econômico, associado ao contato com a natureza e à valorização dos aspectos culturais das comunidades tradicionais, o ecoturismo também causa impactos ambientais adversos. Estudo realizado por Pereira et al. (2019) em um Parque Estadual brasileiro aponta a responsabilidade do ecoturismo na região em relação ao corte indiscriminado de árvores para a produção de trilhas usadas pelos turistas, além do aumento da presença de lixo nessas áreas. Isso demonstra que a gestão turística em uma unidade de conservação deve estar perfeitamente alinhada ao seu plano de manejo, a fim de diminuir e mitigar possíveis danos decorrentes.
16Diante dos benefícios econômicos, esta consequência do turismo nem sempre é reconhecida pela comunidade local ou pelos ecoturistas. Ao analisar os impactos ambientais decorrentes do turismo em uma área especialmente protegida, Medeiros et al. (2021) descrevem que apenas uma pequena parte da população local reconhece a poluição nos rios e os conflitos entre a comunidade e os turistas como consequências indesejadas, enquanto a maioria não consegue associar o acúmulo de lixo e a poluição sonora e visual ao aumento de visitantes na região. Ao mesmo tempo, Neiman e Mendonça (2020) chegam a conclusão semelhante quanto aos ecoturistas, os quais buscam reconectar-se consigo mesmos ou com a natureza, experienciando vivências em espaços naturais.
17Para Layrargues (2004), não há ecoturismo sem a promoção da mudança social. De maneira similar, Khanra et al. (2021) afirma que o sucesso do ecoturismo parte inicialmente dos benefícios sociais e ambientais promovidos na região de visitação. Sendo assim, a comunidade local do destino deve estar integrada com as atividades relacionadas ao turismo, permitindo-lhes manter sua participação e controle sobre a região em que residem, ao tempo em que contribuem para o seu desenvolvimento. Ainda segundo os autores, um modelo ideal de ecoturismo possui características de sustentabilidade, as quais abrangem também aspectos socioculturais, onde a comunidade do destino turístico também desempenha papel essencial para a conservação do ecossistema (Khanra et al., 2021).
18Além disso, a educação de todos os players envolvidos - comunidade local, empresariado, políticos e gestores, além do próprio ecoturista - possui função relevante neste cenário, uma vez que a proteção do ambiente natural depende da conscientização dos turistas e da comunidade envolvida (Ismail et al., 2021). Por isso, torna-se importante compreender como os ecoturistas percebem os locais de visitação e atrativos turísticos, a fim de elaborar políticas e estratégias de gestão adequadas ao contexto.
19Em 1866, a Colônia Britânica de Nova Gales do Sul, na Austrália, criou o Parque Nacional das Montanhas Azuis, iniciando a história moderna das áreas protegidas, conhecidas como Unidades de Conservação (Dudley et al., 2010). No entanto, os autores esclarecem que a terminologia das áreas protegidas somente foi esclarecida em 1933 na Conferência Internacional para a Proteção da Flora e da Fauna em Londres, descrevendo quatro tipos: parque nacional, reserva natural restrita, reserva de fauna e flora, e reserva com proibição de caça e coleta.
20No Brasil, em 18 de julho de 2020, o Governo Federal criou o Sistema Nacional de Unidades de Conservação, através da Lei nº. 9.985/2000, conhecida como Lei do SNUC (Brasil, 2020). Essa lei estabeleceu critérios e normas para a criação, implantação e gestão de novas unidades de conservação, e foi um grande marco normativo a favor da proteção dos recursos naturais nacionais.
21De acordo com Bhammar et al. (2021), as áreas protegidas são componentes críticos para a conservação da biodiversidade mundial. À vista disso, diversos países engendraram esforços na última década, para que um percentual de áreas protegidas fosse implantado em regiões de bio e geodiversidades relevantes. Assim, cerca de 22,5 milhões de km² (16,64%) das terras e águas interiores se tornaram áreas protegidas, além de 28,1 milhões de km² (7,74%) das águas costeiras e marítimas (Dudley et al., 2010). No entanto, as unidades de conservação em todo o mundo estão subfinanciadas, fato que dificulta a gestão eficaz destas áreas (Bhammar et al., 2021).
22Outro aspecto relevante para as unidades de conservação diz respeito às suas fontes de receitas, tendo em vista que diversas áreas protegidas sofrem com falta de capital. Nesse ponto, o turismo surge como alternativa para garantir a conservação do ambiente e geração de receita (Bhammar et al., 2021). Apesar da preservação ambiental, em algumas situações, limitar as fontes de renda para a comunidade local, o turismo em áreas protegidas é retratado na literatura como um mecanismo que beneficia e aumenta o bem-estar local. Tal fato pode contribuir para a redução da pobreza, especialmente nos países em desenvolvimento (Yergeau, 2020).
23Sem dúvida, há uma forte conexão entre as unidades de conservação e o turismo. A receita gerada por atividades de turismo ecológico, quando bem planejadas, causa impacto positivo no contexto ambiental, sociocultural e econômico da região (Esfehani; Albrecht, 2018). Desse modo, o turismo em áreas protegidas, por ser lastreado nos princípios do ecoturismo, contribui diretamente para o desenvolvimento sustentável, sendo uma indústria crescente, que recebe cerca de oito milhões de visitantes anualmente e gera em torno de 600 milhões de dólares por ano (Canteiro et al., 2018). Portanto, a atividade turística, com sua complexidade e múltiplas faces, permite colher benefícios em diferentes dimensões de sustentabilidade (social, cultural, econômico, ambiental, ética e política), afetando diretamente o bem-estar das pessoas, a geração de emprego e renda e a proteção ambiental e a valorização cultural do destino turístico (Kiryluk, 2020).
24Esta pesquisa tem a finalidade de analisar as características do ecoturismo presentes no turismo praticado em uma unidade de conservação. Para tal, este estudo adotou a abordagem qualitativa, com natureza descritiva (Mesquita; Matos, 2014). Desse modo, foi realizada uma pesquisa documental, extraindo os comentários on-line no site especializado em viagens TripAdvisor, onde os visitantes do Parque Nacional de Sete Cidades relataram suas experiências.
25A coleta de dados foi realizada durante o mês de abril de 2022, com os comentários extraídos do site de forma manual e salvos em um arquivo de texto para serem analisados no software IRaMuTeQ (Interface de R pour Analyses Multidimensionnelles de Textes et de Questionneires). Por meio de análise estatística multivariada, o software classifica dados de texto, reduz palavras com base em lematização e identifica formas de organização ativas, complementares e de frequência, possibilitando a compreensão do contexto do significado das palavras, além de apontar elementos da representação do objeto em estudo (Camargo; Justo, 2013; Costa et al., 2016).
26Durante o período de coleta de dados, constatou-se a existência de 222 comentários de visitantes do Parque Nacional de Sete Cidades, na página TripAdvisor. No entanto, para fins de análise, foram considerados 208 comentários, sendo desconsiderados comentários escritos por guias turísticos da Unidade de Conservação. Dessa forma, foram utilizados dois métodos analíticos: a Análise de Similitude (AS); e a Classificação Hierárquica Descendente (CHD). A primeira identifica a coocorrência entre palavras e apresenta a conexão entre elas, possibilitando a visualização da estrutura do corpus textual. Enquanto a segunda segmenta o texto em classes de acordo com os vocabulários tematizados e apresenta unidades de contexto elementares e semelhantes entre si, que se diferenciam dos demais (Mesquita; Vasconcelos, 2020).
27O lócus de estudo desta pesquisa é o Parque Nacional de Sete Cidades, localizado no norte do Piauí, entre os municípios de Piripiri e Piracuruca, possuindo uma área de 6.221,48 ha delimitado em um perímetro de 36,2 km (IBDF, 1979). Esta é uma unidade de conservação do tipo Parque Nacional (PARNA), isto é, possui a missão de preservar o ecossistema natural local, que possui grande relevância ecológica e beleza cênica, mas ainda permitindo o desenvolvimento de pesquisas científicas e atividades de educação, interpretação ambiental e de lazer em contato com a natureza, ou formas de turismo ecológico (Brasil, 2000). Seu nome – PARNA de Sete Cidades – refere-se à existência de sete grupos de formações rochosas, que formam sete "cidades" com características geológicas e históricas únicas. Além de abrigar diversas pinturas rupestres, sendo um local de importância nacional e internacional, propício para a realização de diversas pesquisas científicas (Cavalcante, 2013; Favera, 1999).
28A maior parte dos comentários online analisados (58,05%) veio de quatro estados: São Paulo (21,84%), Ceará (13,22%), Piauí (12,07%) e Rio de Janeiro (10,92%). Os outros 41,95% dos comentários se distribuíram por 17 estados brasileiros. Além disso, foram registrados oito comentários de fora do Brasil, sendo quatro de Portugal e um de cada um dos seguintes países: Reino Unido, Suécia, Estados Unidos e Espanha.
29Observa-se que, apesar de ser reconhecido internacionalmente, a quantidade de comentários realizados por turistas do exterior foi de apenas 3,9%. Além disso, o percentual de visitantes oriundos do Piauí, que publicaram comentários no TripAdvisor, pode não representar a quantidade real desse público que, por ter mais facilidade de acesso ao local, tende a buscar menos informações em mídias e sites desse tipo. Outro fator que pode contribuir para o baixo percentual entre moradores do próprio Estado é o pequeno incentivo às visitações na região, que pode ser decorrente de poucas políticas públicas voltadas para o fortalecimento do turismo e da valorização da cultura local.
30Quanto ao fator tempo, o mês de Julho foi o mais recorrente entre as visitas ao Parque mencionadas nos comentários (23), seguido por Janeiro (22) e Junho (22), meses comumente utilizados para as férias letivas no Brasil. O ano de 2015 foi o que mais recebeu comentários (54), ao passo que os anos após 2019, receberam apenas 3 reviews, sendo 2 de 2020 e apenas 1 de 2021. Os dois comentários de 2020 foram em janeiro e fevereiro, e o de 2021 foi apenas em agosto daquele ano. Isto pode estar relacionado à ocorrência da pandemia do coronavírus, quando as operações em áreas protegidas foram diminuídas ou, ainda, suspensas, o que levou à interrupção de atividades turísticas nestes locais, assim como em outros destinos (Menegasso et al., 2021).
31Primeiramente, a análise de similitude, ilustrada na Figura 1, possibilitou a síntese do conteúdo do corpus a partir das palavras principais. O termo central “parque” se refere a própria unidade de conservação, com as ramificações destacando suas principais características, tais como os termos da ramificação “muito” e as palavras associadas a ele, apresentando o parque como “muito bonito”, “muito interessante”, “muito calor”, etc.
32Outro termo em destaque é “guia”, uma presença comum em atividades de ecoturismo, para acompanhamento dos visitantes, condução e informações (MTur, 2010). Parte dos visitantes relataram como positiva a experiência de ter o guia durante o passeio, sendo algo que agrega valor quando à história do local, embora seja um custo a mais para os visitantes. Por outro lado, muitos discordam dos valores cobrados e parte dos turistas também prefere vivenciar experiências mais pessoais, que não sejam guiadas e/ou moldadas (Benetti et al., 2018).
Figura 1 - Análise de Similitude.
Fonte: Elaborado por Lima Júnior et al. (2023), a partir de outputs do software IRaMuTeQ.
33A análise da Classificação Hierárquica Descendente (CHD), disposta na Figura 2, mostrou a classificação do corpus em três classes distintas, a classe 1, nomeada de “Atrações Naturais”, e as classes 3 e 2, sendo subdivisões de uma mesma classe, nomeadas respectivamente de “Experiências” e “Percurso”. A primeira classe agrupou termos referentes às belezas naturais encontradas no parque, como as pinturas rupestres, formações rochosas, esculturas que estimulam a imaginação e a natureza presente no local. A classe 3 foi representada por palavras que descrevem a experiência da visita, argumentos como “vale a pena” e “calor” demonstram o que o visitante irá defrontar. A classe 2 nomeada “percurso” é caracterizada por palavras como “carro”, “chegar”, “pagar”, “a pé”, “bicicleta” e “caminho”, expondo os meios de se fazer o percurso pelo parque, que pode ser de três maneiras: a pé, com o carro próprio, ou de bicicleta (alugando ou indo com sua própria). Cada meio de se fazer a visita tem um custo diferente. O dendrograma a seguir ilustra a CHD.
Figura 2 - Dendrograma de Classificação Hierárquica Descendente do corpus.
Fonte: Elaborado por Lima Júnior et al. (2023), a partir de outputs do software IRaMuTeQ.
34Da análise da representação fatorial do corpus, percebe-se que as classes da CHD estão separadas entre si, com pouca ou nenhuma palavra em comum. Portanto, nota-se que as classes são bem distintas entre si, apresentando heterogeneidade externa e homogeneidade interna, e representam assuntos variados. Na Figura 3, encontra-se a representação fatorial fornecida pelo software.
Figura 3 - Representação Fatorial fornecida pelo software IRaMuTeQ.
Fonte: Elaborado por Lima Júnior et al. (2023), a partir de outputs do software IRaMuTeQ.
35Os termos identificados pelos turistas foram confrontados com os elementos básicos do ecoturismo, com o intuito de identificar como se relacionam os elementos característicos deste com os relatos de experiências dos visitantes em Unidades de Conservação, conforme detalhado no Quadro 2.
Quadro 2 - Elementos básicos do Ecoturismo nas experiências relatadas pelos turistas.
Elementos do ecoturismo
|
Experiências relatadas pelos turistas
|
Contato com a natureza
|
Formações rochosas; pinturas rupestres; natureza; paisagem; experiência; vento; pedra da tartaruga; caatinga; animal; vista; caminhada
|
Desenvolvimento socioeconômico local
|
Vender; centro de visitantes; pagar; investimento; guiar; contratar
|
Preservação/conservação da natureza
|
Preservar; observar;
|
Educação e conscientização ambiental
|
Conhecimento; informação
|
Fonte: Elaborado por Lima Júnior et al. (2023).
36O destaque dado às belezas cênicas e naturais reflete os atributos mais buscados pelo público que procura o turismo ecológico como opção ao turismo convencional. Almeida et al. (2022) enumeram como principais atrativos desse tipo de turismo o contato com fontes de água, com as diferentes culturas e com regiões de matas e florestas. Tais atrativos impulsionam a demanda por ecoturismo, onde os visitantes desejam vivenciar experiências de integração com o ambiente natural (Meliani, 2021; Neiman; Mendonça, 2020). Este contato com a natureza é o primeiro elemento básico do ecoturismo e o mais relatado pelos turistas.
37No entanto, esta integração, tão valorizada pelos ecoturistas, requer uma condução pautada na educação ambiental e na proteção da cultura local, a fim de evitar efeitos indesejados. Os elementos relacionados à preservação e conservação da natureza, bem como à educação e conscientização ambiental, foram menos mencionados pelos turistas, o que pode indicar menor valor atribuído a estes aspectos.
38O turismo em áreas protegidas também está associado a desafios que se somam ao impacto ambiental direto, compreendendo: a apropriação do espaço pelo turismo; a gentrificação; a banalização da identidade local; o esvaziamento do sentido original do turismo ecológico; a dependência econômica da atividade turística; a obsolescência dos destinos turísticos e a precarização e desvalorização do trabalho turístico (Meliani, 2021). Um importante reflexo desta desvalorização encontra-se nas avaliações acerca da importância de contratar guias para conduzir as visitações.
39O fato de grande parte dos turistas associarem os custos com guias locais como uma despesa excedente, também se refletiu em outros custos relacionados à viagem, que representam um importante incentivo ao desenvolvimento socioeconômico local, elemento básico do ecoturismo. Para Salvio e Gomes (2021) há uma dificuldade de conceber as UCs como um fator de promoção do desenvolvimento local, em seus aspectos econômico e social, sem perder o enfoque ambiental. Com isto, ações operacionais, de serviços e voltadas à estruturação para melhor atendimento da sociedade, acabam se tornando mais difíceis de serem implementadas.
40Relacionada ao percurso para chegada ao Parque, a Classe 2 destacada na Figura 3 corrobora a avaliação de Almeida et al. (2022), que indicam o transporte como a principal despesa dos turistas. Veloso et al. (2021) consideram que a infraestrutura de transportes tem sido comumente negligenciada em estudos sobre a qualidade em serviços de turismo, embora seja um fator de grande impacto na satisfação do visitante. Esta infraestrutura se torna ainda mais relevante em Parques, Reservas e Unidades de Conservação, muitas das quais localizadas em regiões de difícil acesso. Embora muitos visitantes percebam a dificuldade de acesso como um atrativo a mais, Souza e Ribeiro (2021) interpretam-na como um óbice à visitação destas regiões, sobretudo ao considerar as pessoas com deficiência e/ou mobilidade reduzida.
41Ao considerar a experiência geral do visitante, a Classe 3 expõe a visão do turista a respeito da satisfação de suas necessidades e desejos, atribuindo valor à viagem realizada. Branco et al. (2010) afirmam que esta percepção de valor pelo cliente é o elemento que determina suas intenções de comportamento. Esta informação é capaz de indicar se o visitante pretende ou não retornar ao local e se recomenda a visita aos demais. A importância destas manifestações se torna ainda maior ao considerar que ela ocorre em um site de grande acesso, disponível a pessoas do mundo todo, o que pode servir para impulsionar o turismo local ou desestimular a visitação, o que impacta no desenvolvimento socioeconômico local promovido pelo ecoturismo.
42Ao avaliar a correspondência entre os elementos que caracterizam o ecoturismo e as avaliações compartilhadas pelos visitantes no site TripAdvisor, especialmente no contexto das visitas ao Parque Nacional de Sete Cidades, este estudo procurou relacionar os elementos característicos do ecoturismo com os relatos de experiências dos visitantes em UCs.
43Os resultados obtidos indicaram que o elemento básico do ecoturismo mais destacado pelos turistas da região se refere à experiência de contato com a natureza. Este resultado corrobora outros achados sobre o tema, uma vez que o principal atrativo deste tipo de atividade turística é a possibilidade de integração com o ambiente natural e a aproximação com culturas diversas. Por outro lado, considerando o impacto promovido pela aproximação dos visitantes com a natureza, os achados indicam a necessidade de maior atenção às ações de educação ambiental, uma vez que este aspecto foi pouco mencionado pelos turistas em suas avaliações.
44As ações de educação e conscientização ambiental, implementadas em conjunto com as atividades turísticas, podem favorecer a preservação e conservação da natureza, elemento básico do ecoturismo também mencionado em menor intensidade pelos visitantes. Tais ações poderão ser mais efetivas se realizadas por guias locais capacitados, uma vez que os guias são moradores do entorno das UCs, contribuindo, desta forma, para o desenvolvimento econômico e social da região. Os resultados do estudo demonstraram que a figura do guia foi pouco valorizada pelos turistas, o que pode indicar falhas na formação destes profissionais ou, ainda, na divulgação de sua importância aos visitantes. Outros achados referentes ao desenvolvimento econômico e social local apontam para um investimento insuficiente na infraestrutura local, principalmente no que se refere à melhoria do acesso ao local, o que pode comprometer a visitação destas regiões, sobretudo ao considerar as pessoas com deficiência e/ou mobilidade reduzida.
45Assim, os resultados deste estudo poderão direcionar a elaboração de políticas públicas que aumentem a divulgação das atrações naturais e dos elementos culturais, melhorem a estrutura de acesso e permanência, fomentem ações de capacitação dos profissionais envolvidos no turismo local e ampliem o investimento em ações de educação e conscientização ambiental, com o intuito de fortalecer a preservação e a conservação do meio ambiente, objetivos fundamentais do turismo em áreas protegidas. Este estudo também contribuiu para identificar o comportamento e a percepção do turista que visita o Parque Nacional de Sete Cidades, colaborando para a definição de segmentação turística do local e para o perfil dos visitantes, lacuna apontada em estudo relacionado (Santos et al., 2021).
46Apesar de sua importância, reconhece-se que este trabalho não é suficiente para resolver questões mais amplas sobre o tema, tendo em vista as limitações existentes, em virtude dos textos analisados se limitarem aos seus comentários públicos, que podem ser compostos de uma ou poucas frases, ainda que tenham tido uma quantidade de participantes significativa. Portanto, as sugestões para futuras pesquisas incluem confrontar as diversas fontes (sites e mídias, formulários e entrevistas in loco, etc.), com vistas à triangulação de dados. Além disso, sugere-se expandir a avaliação para outras UCs similares da região, para fins de identificar semelhanças e/ou contrastes nos resultados.