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Recensões

Pensar o jornalismo político
Barros, J. L. de (2021). O Jornalismo Político Republicano Radical. O Mundo, 1900-1907. Instituto Politécnico de Lisboa. 421 pp. isbn 978-989-54510-9-8

Maria Alice Samara
Referência(s):

Barros, J. L. de, O Jornalismo Político Republicano Radical. O Mundo, 1900-1907, Instituto Politécnico de Lisboa, 421 pp., isbn 978-989-54510-9-8

Notas da redacção

Recebido: 27 de maio de 2021

Aceite para publicação: 4 de junho de 2021

Texto integral

1Em boa hora é publicado este trabalho de Júlia Leitão de Barros, O Jornalismo Político Republicano Radical. O Mundo, 1900-1907, pelo Instituto Politécnico de Lisboa, resultado da sua dissertação de doutoramento, defendida na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas em 2014. A obra está dividida em seis capítulos (além da introdução e da conclusão): A imprensa na monarquia liberal; Lisboa uma cidade singular; A repercussão do Ultimato na imprensa diária de Lisboa; A tutela política do debate jornalístico; Debate político e informação; O Mundo e o movimento republicano.

2A fortuna das obras que analisam as questões relacionadas com a I República e o republicanismo teve um momento de grande expansão por alturas do centenário em 2010, mas, desde então, este campo de trabalho – e já passaram mais de dez anos – perdeu algum dinamismo. Se se entende que estes momentos comemorativos são contextos profícuos, sobretudo se pensarmos nas possibilidades editoriais, de renovado interesse pelo campo, é certo que o estudo da I República e do republicanismo se constitui, obviamente, como objeto autónomo dos calendários comemorativos. Apesar da quantidade apreciável de obras que foram publicadas, a par de outras iniciativas e eventos como grandes exposições, é de significativa importância continuar a trabalhar, a investigar e a discutir todas as questões levantadas e todas aquelas que os novos olhares irão construir. Em rigor, tal como em muitas outras áreas, pode argumentar-se que é necessário manter aberto o diálogo entre obras e diferentes investigadores. Esta obra vem precisamente dar um novo fôlego ao debate que se constitui como de importância central para o desejável – e desejado – dinamismo do campo.

3Este trabalho da Júlia Leitão de Barros é construído em torno de dois eixos, ou talvez, de forma mais correta, de dois lugares científicos e disciplinares, que se prendem com a investigação e o trabalho da autora. Assim, a somar a uma longa experiência no campo da história, Júlia Leitão de Barros acrescentou um olhar próprio de quem pensa e trabalha a questão dos estudos do jornalismo, da imprensa e dos media.

4Na introdução, a autora traça as principais linhas de desenvolvimento da própria história da imprensa e do jornalismo, identificando uma lacuna nos estudos relativos à imprensa republicana e monárquica, nomeadamente noutras áreas das ciências sociais. As exceções mencionadas prendem-se sobretudo com o período do Estado Novo. De modo nada despiciendo, a autora também se propõe analisar a questão com um olhar divergente, recuperando a centralidade da imprensa e do jornalismo, pensando-os como mais do que uma das armas de propaganda política utilizadas pelo republicanismo – uma das ideias centrais associada, aliás, ao jornal O Mundo. Ou seja, a importância da obra agora publicada prende-se com a construção de um objeto autónomo. Mas tal operação não afasta a autora do enquadramento do jornal nas dinâmicas do republicanismo.

5Júlia Leitão de Barros não deixou de referir que foi a “unanimidade historiográfica em torno da importância política assumida pelo jornal O Mundo [que] alicerçou o interesse em aprofundar o seu estudo” (p. 23). Se este jornal é frequentemente referido em diferentes trabalhos, é com esta investigação que ganhamos em complexidade e densidade de análise quer do objeto, quer do seu campo específico, o jornalístico – incorporando propostas de Pierre Bourdieu, entendidas como “desafio metodológico” e “âncora” (p. 25), em torno das quais Júlia Leitão de Barros pretende desenvolver outras abordagens.

6É ainda na introdução que a autora esclarece a sua filiação teórica, explicando que a sua abordagem deste jornal republicano se situa na linha da história cultural, destacando Roger Chartier, de modo a ultrapassar a dicotomia entre criação e consumo e, ainda, entre produção e receção.

7O Mundo é assim analisado no contexto do campo jornalístico e levando em linha de conta o “microcosmos na sociedade lisboeta” (p. 25), bem como o que considerou os efeitos sociais dos jornais. Com base em Schudson, não analisa O Mundo como mero transmissor de mensagens, mas equacionando tanto o conteúdo como a forma, ou seja, como o “(...) mundo é incorporado em convenções narrativas inquestionáveis e despercebidas.” (Schudson citado por Barros, p. 26).

8As perguntas que Júlia Leitão de Barros tomou como estruturantes para a escrita deste trabalho foram assim enunciadas:

Qual o lugar ocupado pela imprensa no conjunto das instituições políticas vocacionadas para o debate? O que distinguia o jornalismo diário da restante imprensa? O que distinguia o jornalismo político praticado pelos jornais apartidários e partidários? Como se acedia, procedia e modelava (controlos formais e informais) o debate político jornalístico? Que conceções de debate político estavam presentes no jornalismo diário de Lisboa? Qual o lugar da informação no debate jornalístico? Como se viabilizou o jornalismo radical no início do século? Qual a dependência das estruturas partidárias? E, por fim: quais as práticas jornalísticas que distinguiam o jornal O Mundo da restante imprensa? (p. 26)

9Assumindo que uma das suas preocupações centrais é a análise de rotinas e inovação informativa, a autora tem especial atenção a dois géneros informativos: o boato e a reportagem (destacando a importância da denúncia social), pensado a troca e a recolha de informações.

10Ainda que as datas que balizam este trabalho nos indiquem como primeira escolha o ano de 1900, Júlia Leitão de Barros faz uma incursão a um período anterior, com a criação do jornal O Paiz, de Alves Correia. A última baliza cronológica foi escolhida levando em linha de conta a forma como a própria história política do período é pensada, com a inauguração de um novo ciclo após o regicídio de fevereiro de 1908.

11Em relação às opções metodológicas, a autora privilegiou três casos de estudo (nos primeiros dois de forma comparativa, quantitativa e qualitativa, no último, a análise foi apenas qualitativa): o jornalismo político feito por jornais de negócio; a questão do título e da ilustração; e, por último, a análise da primeira página dos jornais O Mundo e Novidades, na primeira semana dos meses de janeiro, abril, julho e outubro, de 1900 a 1907. Tal significou perceber uma nova forma de enunciação do problema político, passando a interpelar o leitor. O que era considerado informação não estava padronizado, por isso, a forma e os conteúdos distinguiam a imprensa radical. É importante ainda referir que também se analisaram as próprias redações dos jornais.

12Assim, o jornal O Mundo, através da análise feita por Júlia Leitão de Barros, está em diálogo com o campo do mundo da imprensa e do jornalismo do início do século XX português, estando inserido em ambos.

13Este trabalho dialoga ainda com outra questão de significativa importância para o processo e para as dinâmicas políticas do republicanismo e da I República. Quando analisamos este período, além da política em torno de elites – sejam estas monárquicas, sejam estas mesmo as republicanas, a quem os partidários de feição dita popular chamavam os “doutores do partido” –, é essencial pensar o processo de politização, as formas de participação, o alargamento e o franquear da cidade política. De certo modo, trata-se de equacionar, olhando para os diferentes ciclos anteriores, do século XIX, e comparando-os com os do século XX, a questão da democratização enquanto processo. Nesse sentido, é possível analisar o período do republicanismo e da I República, levando em linha de conta o alargamento da possibilidade de discutir a política, enquanto assunto da cidade, e as novas e diferentes vozes que lutam pelo direito a fazê-lo. E, aqui, a imprensa não pode ser descurada.

14Constitui-se como muito significativa a ideia defendida por Júlia Leitão de Barros de que:

Não foi nem pela violência de linguagem, nem mesmo pela visão pessoalista da política, que os jornais republicanos se distinguiram dos jornais monárquicos, mas antes na forma como se apropriaram do modelo de debate político jornalístico dominante, transfigurando-o, quer alargando o âmbito da participação política, quer introduzindo nova controvérsia política, em torno da questão do regime, da questão social e da democracia (pág. 398).

15Ou ainda a ideia de que o jornalismo republicano radical defendeu e divulgou “(...) um modelo de debate político alternativo, de teor democratizante, concorrencial e mais inclusivo” (p. 398). Podemos surpreender o papel singular de O Mundo numa conceção igualitária e inclusiva da política.

16Do ponto de vista de quem estuda o republicanismo e a I República, tal como do de quem trabalha as questões culturais, do campo da imprensa e do mundo jornalístico, a obra de Júlia Leitão de Barros é uma leitura, além de desafiante, essencial. Esta breve recensão apresenta apenas sucintamente e de forma não exaustiva a riqueza da obra, que, entre muitos outros méritos, nos obriga a repensar e a reanalisar uma época. Creio que nisto, no que tem de catalisador, por abrir a porta a novas reflexões, reside uma das características mais importantes desta obra.

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Barros, J. L. de (2021). O Jornalismo Político Republicano Radical. O Mundo, 1900-1907. Instituto Politécnico de Lisboa. 421 pp. isbn 978-989-54510-9-8»
Comunicação Pública [Online], Vol.16 nº 30 | 2021, posto online no dia 30 junho 2021, consultado o 28 março 2024. URL: http://journals.openedition.org/cp/12274; DOI: https://doi.org/10.4000/cp.12274

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Maria Alice Samara

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