1Em 2014 a professora Derina Holtzhausen, reitora da Faculdade de Belas Artes e Comunicação da Universidade do Texas (EUA), e o professor Ansgar Zerfass, coordenador do Departamento de Comunicação Estratégica da Universidade de Leipzig, na Alemanha, editavam o livro The Routledge Handbook of Strategic Communication, reunindo em 37 capítulos um conjunto de reflexões que davam conta do conceito da comunicação estratégica enquanto fenómeno multidisciplinar emergente e complexo. Seis anos passados, em 2020, é editada a obra Future Directions of Strategic Communication, que conta também com a participação do professor Zerfass, em colaboração com os professores Howard Nothhaft (Departamento de Comunicação Estratégica na Universidade de Lund, Suécia), Kelly Page Werder (Zimmerman School of Advertising and Mass Communications, da Universidade do Sul da Flórida, EUA) e Dejan Verčič (Departamento de Comunicação da Universidade de Ljubljana, Eslovénia). Este livro foi originalmente publicado em 2018 como uma edição especial do jornal académico International Journal of Strategic Communication (Volume 12, n.º 4) para dar a conhecer vários artigos que foram apresentados em San Diego na 67.ª Conferência Anual da International Communication Association (2017) e alimentaram uma discussão fértil sobre os atuais desafios da pesquisa em comunicação estratégica.

2A visão estratégica da comunicação tem sido foco de debate desde que James Grunig desenvolveu o seu Estudo de Excelência em Relações Públicas, reconhecendo nesta atividade um maior contributo para o sucesso da organização, quando investida da capacidade de tomada de decisão junto à coligação dominante, ou seja, junto de quem conduz o destino da organização. Contudo, só mais recentemente a perspetiva da comunicação estratégica beneficiou de uma reflexão mais alargada, sobretudo pela atenção recebida em vários periódicos académico-científicos, como a Public Relations Review, o Journal of Public Relations Research, o Journal of Communication Management e o International Journal of Strategic Communication – este último precisamente na origem da obra aqui revista. Daí que apenas em anos mais recentes a comunicação estratégica se tenha podido afirmar globalmente como uma matéria aberta a diferentes campos de pesquisa interdisciplinar, que agregam estudiosos e praticantes de áreas tão diversas como a ciência da comunicação, a teoria da gestão, a teoria das organizações, a comunicação organizacional, a comunicação interna, as relações públicas, a diplomacia pública, a comunicação política, a publicidade, o marketing, a saúde, a comunicação intercultural, entre outras.

3Ao mesmo tempo inúmeras evidências empíricas foram alimentando estudos em larga escala ou servindo de mote à organização de workshops, conferências e seminários promovidos por associações internacionais, como a Global Alliance, a EUPRERA e a ECREA.

4Em resultado da crescente atenção recebida por este campo alargado de estudos, várias universidades foram organizando programas e formações em torno dos conceitos de pensamento estratégico, planeamento estratégico, gestão estratégica, alinhamento estratégico, decisão estratégica, avaliação estratégica e, claro está, comunicação estratégica. De forma similar, o mundo empresarial adotou a designação de “estratégico” em inúmeras funções, unidades e serviços.

5Ainda assim, parecem subsistir algumas questões acerca do real significado de muitos destes conceitos e de quais os fundamentos que os sustentam. Sabemos que o termo estratégia surge inicialmente ligado à ciência militar e à arte da guerra, começando por ser aplicado no domínio governativo antes de se estender de forma análoga às mais diversas áreas e de entrar em uso na teoria da organização na década de 1950 (Hatch, 1997).

6Mas, afinal, porque devemos recorrer à comunicação estratégica? Qual o seu valor e o que a distingue de outros formatos e disciplinas? Quais os desafios metodológicos com os quais deparamos ao desenhar uma estratégia de comunicação e ao confrontá-la com as reais intenções dos objetivos corporativos? Como podemos aprofundar mais os estudos neste campo? E quais os desafios de aplicar este conceito em realidades e contextos culturais e negociais distintos? Herdeiro de um debate profícuo, o livro Future Directions of Strategic Communication observa o estado atual de desenvolvimento da disciplina da comunicação estratégica, procurando apontar razões para a sua crescente popularidade e desafiando o que pensamos saber sobre este tema.

7Em termos de estrutura, o livro apresenta-se dividido em quatro secções, que, de uma forma sequencial e ilustrativa, sintetizam o campo da comunicação estratégica desde o seu nascimento enquanto paradigma, articulando e apresentando os seus conceitos fundadores, até à sua expansão enquanto corpo de conhecimento, em que se equacionam as suas funções e identidade, terminando com sugestões para futuras direções no quadro conceitual e prático. A leitura ao longo destas quatro secções encontra-se facilitada porque na introdução os editores começam por apresentar detalhadamente cada capítulo (que aqui tentamos recuperar de uma forma algo resumida), seguindo-se depois no início de cada um o sumário que descreve muito claramente os argumentos e as preposições encontrados no corpo dos vários textos. Pode dizer-se que a obra segue em parte uma estrutura ao estilo do artigo académico, em que se vão somando visões, conceitos, críticas e reflexões, que ajudam a posicionar a disciplina da comunicação estratégica nos dias de hoje.

8Na primeira secção, sobre “O Surgimento do Paradigma”, a cargo dos professores Kelly Werder, Howard Nothhaft, Dejan Verčič e Ansgar Zerfass, o Capítulo 1, intitulado “Comunicação Estratégica como um Paradigma Interdisciplinar Emergente”, recupera e resume o debate académico sobre o tema, examinando a comunicação estratégica à luz da ciência interdisciplinar para compreender como melhor posicionar os estudos da área, enquanto o Capítulo 2, “Comunicação Estratégica: Reflexões sobre um Conceito Elusivo”, procura dar explicações sobre como a comunicação estratégica alcançou sucesso, ao mesmo tempo que coloca em questão o seu amadurecimento e novos progressos (de acordo com o quadro evolutivo das disciplinas científicas proposto por Alexander M. Shneider). No final deste capítulo os autores propõem o desenvolvimento de métodos específicos capazes de consolidar o ADN robusto da disciplina.

9Na segunda secção encontramos mais quatro capítulos dedicados aos “Fundamentos Conceituais da Comunicação Estratégica”. Naquele que é o Capítulo 3 do livro, “Teoria da Comunicação: Um Pilar Subestimado no qual a Comunicação Estratégica se Baseia”, Betteke van Ruler trabalha sobre a noção de “comunicação” aplicada à disciplina da comunicação estratégica, propondo um novo olhar que aproxima os estudos neste campo da teoria da estratégia moderna e das particularidades do desenvolvimento estratégico na sociedade atual, procurando afastar-se de um entendimento mais assimétrico associado a uma certa manipulação da envolvente por parte das organizações, para nos mostrar uma “visão ágil” da comunicação estratégica, que concentra a atenção na criação de significados com maior participação a todos os níveis. No Capítulo 4, “Comunicação Estratégica e Emergência: Uma Estrutura Narrativa Dupla”, Peter Winkler e Michael Etter defendem que as estratégias podem não resultar apenas da formulação deliberada de um plano estratégico, mas assumir a forma de padrões emergentes de comportamento sem qualquer propósito de gestão, acreditando estes autores que a comunicação estratégica pode ser constituída por narrativas prévias à prática de ‘fazer estratégia’, elevando o estatuto e a complexidade da emergência. Ou seja, o conceito de emergência implica a diferenciação entre formas precedentes e procedentes de emergência. O Capítulo 5, intitulado “Uma Abordagem de Rede Multidimensional para a Comunicação Estratégica”, apresenta o trabalho de Amy O’Connor e Michelle Shumate, no qual o conceito de “rede” sustenta o estudo da comunicação estratégica em várias disciplinas, como a publicidade, a comunicação corporativa, a comunicação organizacional e as relações públicas. A perspetiva aqui defendida oferece uma base metodológica para analisar mensagens de comunicação estratégica que vão além da relação organização–público, abrindo novos caminhos para pensar a interconetividade. Segue-se o Capítulo 6, “Psicologia Evolucionária: Uma Estrutura para Pesquisa em Comunicação Estratégica”, da responsabilidade de Jens Seiffert-Brockmann, com uma proposta inovadora que apresenta a psicologia evolucionista como fundamento do estudo da comunicação estratégica, na medida em que a natureza humana, a imprevisibilidade da mente humana, os afetos, os desejos de poder e estatuto e as motivações podem estar na origem de diferentes modelos de comunicação estratégica, sejam mais abertos e dialogantes, sejam mais fechados e nada transparentes.

10Indo além dos pilares mais teóricos que podem suster a comunicação estratégica, a terceira secção, “Expandindo o Corpo de Conhecimento”, integra o Capítulo 7, “Em Alinhamento: explicando um conceito-chave em comunicação estratégica”, no qual Sophia Volk e Ansgar Zerfass articulam o conceito de alinhamento, apoiados numa revisão de literatura que estabelece a ligação entre a comunicação estratégica e a pesquisa em gestão. Já no Capítulo 8, “Expandindo o Objetivo da Comunicação Estratégica: Rumo a uma Compreensão Holística da Complexidade Organizacional”, Mats Heide, Sara von Platen, Charlotte Simonsson e Jesper Falkheimer, partindo de um olhar ao passado, discutem o presente da comunicação estratégica e possíveis caminhos rumo ao futuro, com base num estudo em larga escala – o Projeto de Organizações Comunicativas. Neste estudo questiona-se se o facto de a pesquisa em comunicação estratégica se concentrar maioritariamente em observar a atuação de profissionais de topo a trabalhar em agências e departamentos de comunicação não limitará a compreensão das organizações, o que os leva depois a propor que os estudos passem também a focar a atenção nos restantes elementos da organização, para assim se compreender a comunicação estratégica em toda a sua dimensão. No Capítulo 9, “Expandindo a Avaliação para o Progresso da Comunicação Estratégica: Além do Rastreamento de Mensagens rumo à Escuta Aberta”, Jim Macnamara e Anne Gregory abordam a estratégia a partir de modelos de medição e avaliação, que fornecem feedback sobre a sua articulação e sucesso, propondo um caminho alternativo, que vá além das estratégias participativas e em rede, capaz de dar retorno dinâmico num ciclo contínuo de avaliação formativa e somativa.

11Finalmente, na quarta secção, focada nas “Orientações Futuras da Comunicação Estratégica”, podemos encontrar o capítulo que integra todas as anteriores visões e apresenta uma leitura uniforme da disciplina, com o Capítulo nove, intitulado “Comunicação estratégica: Definindo o Campo e sua Contribuição para Pesquisa e Prática”, novamente a ser assinado pelos quatro editores da obra – Ansgar Zerfass, Dejan Verčič, Howard Nothhaft e Kelly Werder –, que recuperam uma definição mais exata do conceito de comunicação estratégica, centrada agora no ‘ator estratego’, sendo este responsável pelo propósito da comunicação, que envolve diferentes partes interessadas num diálogo que se espera útil a todos.

12A mensagem final que podemos recuperar desta obra, que vai além de uma simples visão geral da comunicação estratégica como campo de estudo académico e prática profissional de processos e produtos de comunicação, transmite-nos que esta disciplina emergente e complexa parte da entidade/organização/instituição, que define e determina de forma calculada, intencional e planeada, por via da comunicação, um conjunto de propósitos limitados a um conjunto de constrangimentos de recursos e incertezas. A obra termina com a ideia de que é fundamental uma linguagem comum e partilhada, mas sobretudo uma linguagem forte para promover métodos e práticas robustas.

13Esta obra revela-se oportuna e integradora, no sentido de nos mostrar caminhos alternativos e atuais, apresentando conceitos mais sólidos para uma disciplina amadurecida e preparada para fazer face aos desafios de uma sociedade em que impera a incerteza, a ambiguidade e a complexidade e na qual as organizações (sejam estas entidades empresas privadas, governos, organizações sem fins lucrativos, grupos de pressão ou cidadãos ativistas, etc.) promovem uma comunicação capaz de as posicionar e as apresentar perante os seus públicos de forma sustentável, planeada e intencional.