Navegação – Mapa do site

InícioNúmerosVol.13 nº 25ArtigosAnálise de imagens e significados...

Artigos

Análise de imagens e significados presentes nos relatórios anuais e de sustentabilidade de empresas brasileiras e portuguesas

Analysis of images and meanings present in the annual and sustainability reports of Brazilian and Portuguese companies
Haydée Klautau Guimarães Cesar de Oliveira

Resumos

A responsabilidade social empresarial (RSE) é de grande importância para as organizações atuais, e, neste cenário, os relatórios de sustentabilidade e relatórios anuais são uma ferramenta de comunicação. O estudo exploratório buscou investigar as imagens e as personagens presentes nos relatórios empresariais de seis empresas do Brasil e de Portugal. Através de uma análise de conteúdo quantitativa, foram analisadas 215 imagens - categorizadas em relação ao seu conteúdo e às suas cores predominantes - e 346 personagens - categorizadas com base em características como contexto, vestuário e gênero. Conclui-se a existência de dois núcleos de significados: econômico/corporativo - representado por elementos como o contexto de trabalho executivo, as personagens masculinas, ambientes internos - e o social/sustentável - representado por elementos como atividades de lazer e voluntariado, contexto de trabalho de ciências e pesquisa, personagens femininas e as imagens que representam ambientes externos, natureza, cuidado e amplitude.

Topo da página

Notas da redacção

Recebido: 10 julho 2018

Aceite para publicação: 11 de setembro 2018

Texto integral

1. Revisão de literatura

1.1. Responsabilidade social empresarial e comunicação

1O conceito de responsabilidade social empresarial vem evoluindo durante décadas. Nesta discussão, encontram-se conceitos que compreendem a responsabilidade social como algo que inclui as considerações econômicas e legais de uma organização, enquanto outros conceitos a compreendem como algo que ‘apenas’ envolve os atos puramente voluntários da organização, ou seja, somente aquilo que está acima dos critérios econômicos e legais (Carroll, 1979). Carroll (1979: 500) define a responsabilidade social empresarial em quatro categorias:“a responsabilidade social de uma empresa abrange as expectativas ‘econômicas’, ‘legais’, ‘éticas’ e ‘discricionárias’ que a sociedade tem de uma organização”.

2Nesta definição, as responsabilidades econômicas dizem respeito à organização como uma unidade econômica básica na sociedade, cuja responsabilidade é produzir bens e serviços para a sociedade. As responsabilidades legais dizem respeito às leis e regulamentos sob os quais a sociedade espera que as organizações operem. Já as responsabilidades éticas dizem respeito aos comportamentos e atividades que a sociedade espera de uma organização e que não estão necessariamente presentes nas leis e regulamentações, ou seja, referem-se às expectativas que a sociedade tem de comportamentos éticos que vão além do cumprimento dos requerimentos legais. Por último, as responsabilidades discricionárias dizem respeito às atividades voluntárias da organização, ou seja, referem-se às atividades que não são exigidas por lei e nem tampouco esperadas no sentido ético, porém são apenas guiadas pelo desejo da organização em assumir tal papel (Carroll, 1979).

3Para além do conceito de responsabilidade social, comunicar ações de RSE também é um grande desafio para as empresas (Brønn, 2010). Atualmente, produtos e marcas estão cada vez mais vulneráveis à opinião pública quando se trata da forma como a empresa lida com o meio ambiente e com as comunidades. Dessa forma, a visibilidade gerada através das ações de responsabilidade social pode ser um grande ativo para as organizações, uma vez que pode contribuir para a criação de uma imagem positiva para as empresas (McCauley, 2011).

4Nesse contexto, podemos definir imagem como “o conjunto de significados pelos quais um objeto é conhecido e através do qual as pessoas descrevem, lembram e se relacionam com ele [sic]” (Dowling, 1986: 110). Portanto, diferente da identidade - a qual diz respeito à autoapresentação da empresa através de símbolos, comunicação e comportamentos (van Riel, 1992) – e da reputação corporativa - referente à acumulação de imagens ao longo dos anos (Feldman, Bahamonde & Bellido, 2014) - a imagem corporativa refere-se às percepções criadas na mente de cada indivíduo. Dessa forma, a comunicação de RSE, apesar de geralmente associada à construção de uma imagem positiva para a empresa, pode ser recebida pelo público com desconfiança e percebida como ações de interesse próprio (Shim, Chung & Kim, 2017).

5Sob uma perspectiva das relações públicas, Grunig e Hunt (1984) afirmam que os profissionais possuem duas funções no que diz respeito à comunicação de responsabilidade social de uma organização. De um lado, comunicar à organização o que o público percebe como responsável e suas percepções sobre a RSE da organização – aquilo a que os autores chamam ‘relatórios internos’ – e, de outro lado, comunicar ao público o que a organização tem feito de responsável – aquilo a que os autores chamam ‘relatórios externos’, geralmente feitos através de relatórios sociais e auditorias. No que diz respeito à atividade de comunicar ao público o que a organização tem feito de responsável, destacamos dois meios: relatórios de sustentabilidade e relatórios anuais.

1.2. Relatórios empresariais

6De acordo com o Global Reporting Iniciative (GRI), relatório de sustentabilidade é a prática de uma organização de divulgar publicamente os impactos econômicos, ambientais e/ou sociais da empresa e, portanto, as suas contribuições - positivas ou negativas – para o desenvolvimento sustentável. Já os relatórios anuais são aqueles emitidos pelas empresas para seus públicos, contendo “informações financeiras básicas e opiniões da administração sobre as operações do ano anterior e as perspectivas futuras da empresa” (Penrose, 2008: 158). Segundo Moravcikova, Stefenikova e Rypakova (2015), relatórios de sustentabilidade também podem ser uma ferramenta de comunicação e, nos últimos anos, a quantidade de empresas que desenvolvem relatórios de sustentabilidade vem aumentando. Nota-se também uma tendência de integração entre os relatórios de sustentabilidade e os relatórios anuais, resultando em relatórios integrados. Numa análise de conteúdo comparativa das informações socioambientais nos relatórios empresariais de organizações latino-americanas, Calixto (2013) verificou que o relatório anual é o principal canal utilizado pelas empresas para destacar informações socioambientais, seguido do relatório de sustentabilidade, que é divulgado como parte do relatório anual ou como uma publicação específica.

7Em relação aos relatórios anuais, estes geralmente possuem uma seção narrativa - na qual encontram-se, entre outros elementos, cartas da presidência, produtos corporativos e gráficos relacionados à indústria, às fontes de matérias-primas e aos locais de fábricas - e também uma seção financeira, que geralmente segue a seção narrativa. Na seção financeira devem ser observadas exigentes diretrizes regulatórias de divulgação, porém, o mesmo cuidado não é observado na seção narrativa, que pode variar em tamanho, profundidade, tipo de conteúdo, formato e aparência física da mensagem. Segundo Penrose (2008: 159), a seção narrativa “varia de nenhuma seção narrativa para uma breve mensagem da gerência para dezenas de páginas que podem ofuscar a seção financeira”. De forma similar, os relatórios de sustentabilidade também são divididos, de acordo com as diretrizes GRI de divulgação, em duas grandes seções: diretrizes gerais - com informações contextuais da organização, como perfil, estratégia e governança - e diretrizes de tópicos específicos – dividida entre os tópicos econômicos, ambientais e sociais (Jain & Winner, 2016).

8Além de ser uma das formas mais importantes de comunicação entre empresa e seus acionistas, os relatórios também são uma valiosa ferramenta de relações públicas, possuindo uma importância estratégica para as empresas. Por conta disso, empresas estão mais atentas aos elementos que tornam os relatórios mais bem-sucedidos. Ademais, os relatórios anuais atualmente são de fácil acesso, já que várias empresas disponibilizam seus relatórios digitalmente e distribuem cópias impressas sob demanda. Assim, os relatórios anuais estão a deixar de ser uma forma de simplesmente apresentar informações financeiras para se transformarem em uma espécie de ‘escrita criativa’, com alto investimento em design e naquilo a que os autores chamam fine-crafting; nessa perspectiva, estes instrumentos passaram de modestos e minimalistas a documentos significativos e lustrosos (Lord, 2002).

9Grunig e Hunt (1994) também abordam a importância da escolha de um tema para os relatórios. Para os autores, o tema é o foco do relatório; algo que tornará o leitor mais interessado e o diferenciará dos relatórios passados. Como temas recorrentes, os autores citam: crescimento, mudança, inovação, serviço, o futuro, excelência e história. Os autores também argumentam que os relatórios não devem ser restritos somente aos acionistas, mas que a audiência-alvo destes relatórios deve incluir consumidores, fornecedores, líderes comunitários, mídia local, professores, instituições financeiras, agências governamentais, etc.

1.3. Imagem e semiótica

10O aspecto visual é central para a construção cultural da sociedade contemporânea, na qual grande parte do significado é transmitido através de imagens (Rose, 2001). Em sua análise de conteúdo, Anderson e Imperia (1992) investigaram as representações iconográficas femininas e masculinas presentes em relatórios anuais de companhias aéreas durante um período de seis anos e encontraram as figuras femininas em papéis mais subservientes e menos sérios do que os das figuras masculinas. Para os autores, os relatórios buscam vender uma imagem aos leitores e, portanto, de forma similar à publicidade, as fotografias presentes nestes instrumentos servem uma série de propósitos, como apresentar ao público como suas instalações, seus produtos, seus funcionários e seus consumidores se parecem. Além das questões técnicas, os relatórios também possuem a função de transmitir a personalidade e a filosofia da organização para seus leitores. Portanto, nessa perspectiva, compreendemos que as mensagens transmitidas através das fotografias presentes nos relatórios, além de transmitirem a personalidade da empresa ao leitor, também refletem aspectos culturais presentes na sociedade.

11No que diz respeito à análise de imagens, Rose (2001) afirma que a semiótica oferece uma série de ferramentas analíticas para a compreensão de imagens, pois traça como estas funcionam em relação a um amplo sistema de significados. Para este trabalho, compreendemos semiótica como “a ciência geral da linguagem, das relações entre os signos e os significados na construção dos sentidos” (Martino, 2009: 106). De forma simplificada, a semiótica parte dos conceitos saussurianos de ‘significante’ - imagem acústica que reside no plano da forma – e de ‘significado’ - conceito ou ideia que reside no plano do conteúdo. Juntos, significante e significado constituem o ‘signo linguístico’ (Bauer & Gaskell, 2002; Fiorin, 2002). Para Peirce, os signos podem ser de três tipos: ‘símbolos’ - relações convencionais e arbitrárias com o objeto; ‘índice’ - relações de contiguidade ou causalidade; e ‘ícones’ - relações de semelhança entre significado e significante (Martino, 2009). Este último, argumenta Rose (2001), é de extrema importância para o estudo das imagens, especialmente das imagens fotográficas.

12Roland Barthes apresenta os conceitos de sistemas semiológicos de primeira e segunda ordem. No primeiro nível, também denominado de ‘denotação’, o signo possui um sentido pleno - por exemplo, a raposa é um canino avermelhado com uma cauda fechada. Já no segundo nível, também chamado ‘conotação’, o leitor precisa de conhecimentos subjetivos, emocionais e culturais para fazer a leitura - seguindo o mesmo exemplo da raposa, no plano conotativo, ela pode significar astuto ou ardiloso. Dentro dessa perspectiva, o conceito de ‘mito’ também é importante. Para Barthes, o mito é uma forma de significação de segunda ordem, na qual há uma confusão entre história e natureza; ou seja, através da cultura, o mito torna aparentemente natural aquilo que é na verdade derivado de normas e ideologias (Bauer & Gaskell, 2002).

13Portanto, ao compreendermos os relatórios anuais e os relatórios de sustentabilidade como importantes instrumentos de comunicação de responsabilidade social e ao verificarmos a importância das fotografias neles presentes no que diz respeito à imagem da organização, chegamos à seguinte pergunta de partida deste estudo exploratório: quais as características e os significados das imagens fotográficas e das personagens presentes nos relatórios empresariais? Apesar de ter seu foco nos relatórios empresarias de organizações brasileiras e portuguesas, o estudo tem como objetivo contribuir para o debate a respeito da comunicação de responsabilidade social empresarial, através da identificação e discussão das imagens e dos significados construídos nos relatórios empresariais.

2. Opções metodológicas

14Para responder à pergunta de partida proposta anteriormente, utilizamos como método de pesquisa a análise de conteúdo – definida como a análise “sistemática, objetiva e quantitativa das características das mensagens” (Neuendorf, 2002: 1). Os métodos quantitativos de análise de conteúdo são extensivos, ou seja, analisam um grande número de informações sumárias, e têm como informação base “a frequência do aparecimento de certas características ou conteúdo ou de correlação entre elas”. Como visto anteriormente, as fotografias presentes nos relatórios são utilizadas para apresentar ao público como suas instalações, seus produtos, seus funcionários e seus consumidores se parecem. Portanto, o estudo buscou explorar dois aspectos dos relatórios em questão: as imagens contidas nos relatórios e, em um segundo momento, as personagens presentes nas imagens analisadas anteriormente.

15A análise das imagens busca, primeiramente, explorar de uma forma mais ampla o que de fato é apresentado nas fotografias utilizadas pelas organizações em seus relatórios. Segundo Rose (2001: 38), de uma forma simplificada, o conteúdo de uma imagem diz respeito àquilo que a imagem realmente mostra. Portanto, as imagens foram categorizadas da seguinte forma:

16‘Conteúdo da Imagem’. a) imagens com personagens; b) imagens de fábrica, instalações e serviços (sem personagens); c) imagens de ambiente externo/ao ar livre (sem personagens); d) imagens de animais/plantas; e) imagens indefinidas (imagens com borrão ou ambientes/objetos não definidos).

17Ainda em relação à análise das imagens, as cores também têm uma importância crucial (Rose, 2001), portanto, as fotografias também são caracterizadas de acordo com sua cor predominante. Nos casos em que a cor predominante da imagem não pôde ser definida, a imagem foi categorizada sob a nomenclatura “policromática/cor indefinida”). Dessa forma, foram analisadas todas as fotografias reais - desenhos e derivados não foram incluídos - presentes nos relatórios selecionados, correspondendo a um total de 215 imagens.

18Como os relatórios também buscam apresentar aos leitores as personagens envolvidas com a organização, a segunda parte da análise buscou focar-se na componente humana das imagens, pelo que, as personagens presentes nas fotografias foram também analisadas individualmente e categorizadas de acordo com suas características e com o contexto de suas ações/atividades. Portanto, foram analisadas todas as personagens em foco nas imagens – personagens em multidões ou ao fundo, como background, não foram incluídas – correspondendo a um total de 346 personagens. As classificações utilizadas foram as seguintes:

  • ‘Contexto’. a) contexto de trabalho executivo/escritório; b) contexto de trabalho de fábrica/serviços; c) contexto de trabalho de pesquisa/ciências; d) contexto de trabalho de tecnologia; e) contexto de trabalho não definido; f) fora de contexto de trabalho.

  • ‘Vestuário’. a) traje executivo; b) uniforme; c) casual; d) não visível ou definível.

  • ‘Raça’. a) branco; b) negro; c) pardo; d) asiático; e) indígena.

  • ‘Faixa etária’. a) criança; b) adolescente; c) adulto até 50 anos aparente; d) adulto maior de 50 anos; e) indefinido.

  • ‘Gênero’. Personagens foram categorizadas segundo o gênero aparente.

19As empresas foram selecionadas, no caso das Brasileiras, através do ranking das 500 maiores empresas do Brasil da revista Exame e, no caso das Portuguesas, através do ranking das maiores empresas portuguesas da Forbes. As cinco maiores empresas segundo estes rankings foram selecionadas, porém a amostra final conteve a análise de apenas três empresas Portuguesas e três Brasileiras devido à indisponibilidade dos relatórios empresariais nos sítios de algumas das empresas previamente selecionadas. Com relação aos segmentos, as empresas selecionadas foram: três empresas do segmento de energia, uma empresa do segmento de mineração e duas empresas do segmento bancário. Todas as imagens (N=215) e personagens (N=346) que se enquadravam nas definições mencionadas anteriormente foram analisadas.

20Em média, os relatórios estudados possuem 131 páginas (SD = 46.22) e 35 imagens (SD = 13.35). Não foi encontrada diferença significativa entre a média de imagens por relatório dos relatórios brasileiros (M = 36.33, SD = 19.85) e dos relatórios portugueses (M = 35.33, SD = 7.09), t = .082, ns.

21

Tabela 1 - Empresas, Setores de Atividades, Países, Nomenclatura do Documento e Número de Páginas e Imagens Analisadas

22

3. Resultados

3.1. Imagens

23No que se refere ao conteúdo das imagens, a análise demonstrou que as fotografias com personagens constituem a maioria das imagens presentes nos relatórios, seguidas das fotografias de fábricas, instalações e serviços, conforme a tabela abaixo.

24Das 215 imagens analisadas, os resultados apontam que 39.1% (n = 84) das imagens são policromáticas ou não possuem uma cor predominante definida; 19.1% (n = 41) possuem cor predominantemente cinza; 12.6% (n = 27) azul; 11.2% (n = 24) verde; e o restante das imagens divide-se entre diversas cores predominantes.

3.2. Personagens

25No total de personagens analisadas, 54.6% (n = 189) são do gênero masculino e 44.2% do gênero feminino (n = 153), e em 1.2% dos casos não foi possível definir o gênero da personagem. 48% (n = 169) das personagens analisadas eram brancas; 18.8% (n = 65) pardas; 10.4% (n = 36) negras; 2.6% (n = 9) indígenas; e em 19.4% (n = 67) dos casos não foi possível definir com precisão. O número de personagens fora do contexto de trabalho representou 41% (n = 142) das analisadas, seguido de personagens em contexto de trabalho executivo/escritório (33.2%, n = 115). A quantidade geral de personagens em contexto de trabalho (incluindo aqui todos os possíveis contextos de trabalho) representa a maioria, ou seja 58.9% (n = 204) das personagens. Foi encontrada uma relação significativa entre contexto de trabalho e gênero: x²(10, N = 346) = 23.76, p < .05. Também foi encontrada uma relação significativa entre contexto de trabalho e raça: x²(20, N = 346) = 83.24, p < .05. Dentro daquelas personagens em contexto de trabalho executivo, a maioria é do sexo masculino (64.3%, n = 74) e branca (66.1%, n = 76). Também dentro das personagens em contexto de trabalho em tecnologia, a maioria das personagens é do gênero masculino e branca. A Tabela 3 apresenta a distribuição de gênero e raça das personagens de acordo com o contexto de trabalho. A maioria das mulheres analisadas encontra-se fora do contexto de trabalho (52%, n = 81), porém estas tiveram uma distribuição similar à dos homens dentro do contexto de trabalho de pesquisa/ciências. A maioria das personagens negras e pardas também se encontra fora do contexto de trabalho.

26Referente ao vestuário, a maioria das personagens encontra-se vestida de forma casual (55%, n = 191), a que se segue o traje executivo (28.3%, n = 98) e o uniforme (15.9%, n = 55). Foi encontrada uma relação significativa entre vestuário e gênero: x²(6, N = 346) = 18.25, p < .05, e entre vestuário e raça: x²(12, N = 346) = 56.69, p < .05. Dentre as personagens em traje executivo, constatou-se que a maioria é do gênero masculino (70.4%, n = 69) e branca (73%, n = 72). Já dentre as personagens em roupas casuais, a maioria das personagens é do gênero feminino (53.4%, n = 102).

4. Discussão

4.1. Imagens

27Conforme apresentado nos resultados, a maioria das imagens analisadas possui uma componente humana em sua composição, seguindo-se as imagens de instalações e fábricas. De forma similar, a análise de conteúdo das imagens de relatórios anuais realizada por Anderson e Imperia (1992) também mostrou que, na sua maioria, as imagens possuíam personagens. Tais resultados estão em concordância com as afirmações feitas inicialmente de que os relatórios empresariais buscam não apenas apresentar a organização e seus resultados anuais, mas também a personalidade da empresa aos leitores. Neste estudo, levantamos a possibilidade de que a personalidade da empresa é transmitida de forma humanizada, ou seja, através das pessoas que fazem parte direta ou indiretamente da organização – funcionários, consumidores, voluntários, comunidades.

28Em relação às cores - excluindo-se as imagens policromáticas e aquelas cujas cores predominantes não podem ser definidas – foi constatada uma presença de imagens em que as cores predominantes são o cinza, o azul e o verde. De acordo com von Goethe (1840), a cor cinza está associada a superfícies e à transição entre claro e escuro - uma superfície branca, por exemplo, na sombra ou sob uma luz baixa, pode ser considerada cinza. Nos relatórios, como podemos verificar em alguns exemplos, as imagens predominantemente cinzas estão associadas a ambientes internos (geralmente superfícies e fundos brancos que, sob uma certa luz, aparecem cinza) e a ambientes corporativos (personagens em ternos, roupas brancas e cinzas, computadores, escritórios, etc.).

Figura 1 - Exemplos de imagens predominantemente cinzas

29As imagens de cor predominantemente azul, como verificamos nos exemplos abaixo, apresentam, em sua maioria, cenários externos cujos elementos principais são o mar e o céu. Para von Goethe (1840: 311), o azul possui uma função de distanciamento; segundo o autor, “como o céu superior e as montanhas distantes parecem azuis, uma superfície azul parece se retirar de nós”.

Figura 2 - Exemplos de imagens predominantemente azuis

30As imagens de cor predominantemente verde referem-se a cenários externos e à natureza (plantas, árvores, etc.). Constatamos que as imagens predominantemente verdes geralmente apresentam algum personagem em interação com a natureza.

Figura 3 - Exemplos de imagens predominantemente verdes

31Portanto, de acordo com os sistemas semiológicos de primeira e segunda ordem de Barthes, traçamos os seguintes significados para as cores encontradas nas imagens:

32

Tabela 4 - Associação de significados às cores das imagens

4.2. Personagens

33Os resultados demonstraram uma quantidade similar entre personagens fora do contexto de trabalho e em contexto de trabalho geral. Dentre as personagens fora do contexto de trabalho encontramos pessoas em contexto de lazer ou em contexto de voluntariado, como verificamos nos exemplos abaixo. Novamente, levantamos a possibilidade de que as empresas buscam transmitir sua personalidade de uma forma humanizada.

Figura 4 - Exemplos de imagens fora do contexto de trabalho

34Como verificamos nos resultados, as personagens em contexto de trabalho executivo/em escritório e de tecnologia, assim como as personagens em traje executivo, são predominantemente do gênero masculino e brancas (a seguir, apresentamos alguns exemplos). Ao verificarmos novamente estas personagens, constatamos que, em muitos casos, estas personagens dizem respeito à liderança da empresa, presentes em seções como Cartas da Presidência, apresentação de Diretoria Corporativa, entre outras seções do tipo. Este resultado, aparentemente, demonstra a real falta de diversidade nas lideranças empresariais.

35Além disso, as personagens de gênero masculino, em comparação com as de gênero feminino, apresentam uma faixa etária aparente mais alta (86.8% dos homens aparentam ter mais de 50 anos). Já as personagens do gênero feminino encontram-se, quando comparadas às personagens do gênero masculino, em maior parte, fora do contexto de trabalho, muitas vezes, em atividades de lazer ou voluntariado, com trajes mais casuais e são, aparentemente, mais jovens. Porém, ao analisarmos as personagens em contexto de pesquisa/ciências, encontramos o mesmo número de personagens femininas e masculinas. A seguir, verificamos algumas imagens como exemplos.

Figura 5 - Exemplos de imagens com personagens masculinas em contexto de trabalho executivo e de tecnologia

Figura 6 - Exemplos de imagens com personagens femininas fora do contexto de trabalho ou em trabalho voluntário

Figura 7 - Exemplos de Imagens com personagens femininas em contexto de pesquisa e ciências

36Portanto, novamente, utilizamos os sistemas semiológicos de primeira e segunda ordem de Barthes para traçar significados para o masculino e feminino.

37

Tabela 5 - Associação de significados para masculino e feminino

Conclusões

38Com base nos resultados e nas discussões, concluímos que há dois núcleos de significados: o econômico/corporativo (representado por elementos como o contexto de trabalho executivo, as personagens masculinas, a cor cinza e ambientes internos); e o social/sustentável (representado por elementos como atividades de lazer e voluntariado, contexto de trabalho de ciências e pesquisa, personagens femininas e as imagens que representam ambientes externos, natureza, cuidado e amplitude).

39Conforme discutido na revisão de literatura, existe uma tendência de integração entre os relatórios de sustentabilidade e os relatórios anuais, resultando em relatórios integrados (Moravcikova, Stefenikova & Rypakova, 2015). Levantamos, portanto, a hipótese de que esta fusão entre relatório anual – instrumento de caráter inerentemente mais econômico e que geralmente busca apresentar uma empresa competitiva – e relatório de sustentabilidade – instrumento de caráter mais social e que busca apresentar uma empresa preocupada e responsável – gere a existência destes dois núcleos de significados. Ou seja, as empresas buscam demonstrar que estão inseridas no ambiente corporativo/econômico, sem deixarem de ser responsáveis pelas suas ações na esfera social/ambiental nem de estar consciente destas mesmas ações. Portanto, as imagens presentes no relatório buscam transmitir estas duas mensagens, tanto através dos ambientes fotografados (ambiente interno das organizações versus ambientes externos e naturais, por exemplo) quanto através das personagens e suas ações - estas últimas também dão à organização um caráter mais humano e transmitem sua personalidade, conforme sugerido por Anderson e Imperia (1992).

40Também concluímos que as imagens refletem o conceito de Caroll (1979) de responsabilidade social empresarial, o qual engloba as responsabilidades econômicas, legais, éticas e discricionárias da organização. Ou seja, as imagens trazem a mensagem de que a organização cumpre com suas responsabilidades econômicas e legais – novamente, através de um núcleo de significados econômico/corporativo -, assim como vai além do cumprimento dos requerimentos legais e das expectativas da sociedade para a empresa, demonstrando a sua responsabilidade ética e discricionária, através de um núcleo de significados social/sustentável.

Limitações e futuros estudos

41As maiores dificuldades encontradas referem-se à codificação das personagens. Como estudo exploratório, buscamos classificar as personagens com base em características básicas (gênero, raça, vestuário, etc.). Porém, em alguns momentos, tais classificações se mostraram mais difíceis do que inicialmente se imaginava. Algumas classificações apresentaram um certo grau de subjetividade, o que fez com que, em alguns casos, a classificação não fosse possível. Como proposta para futuros estudos no que diz respeito a imagens e relatórios empresariais, sugerimos explorar outras características das personagens, de forma a expandir as descobertas feitas através desta pesquisa.

42Outra importante limitação deste estudo diz respeito ao fato de que esta pesquisa teve seu foco apenas na análise de imagens. Estamos cientes de que, em um instrumento como relatórios empresariais, as mensagens e os significados não estão restritos apenas à componente visual, mas englobam também a componente textual. Portanto, sugerimos a extensão deste estudo para uma análise dos discursos construídos, levando em conta o objeto de pesquisa como um todo, tanto imagem quanto texto.

Topo da página

Bibliografia

Anderson, C. J.; Imperia, G. (1992). The corporate annual report: a photo analysis of male and female portrayals. The Journal of Business Communication, 29(2), 113 -128.

Bauer, M. W.; Gaskell, G. (2002). Pesquisa qualitativa com texto, imagem e som: um manual prático. (P. A. Guareschi, Trans). Petrópolis: Vozes.

Brønn, P. (2010). Reputation, communication, and the corporate brand. In T. Gillis (2ed), The iabc handbook of organizational communication (pp. 28-40). Jossey-Bass.

Calixto, L. (2013). A divulgação de relatórios de sustentabilidade na América Latina: um estudo comparativo. R. Adm, 48(4), 828 – 842.

Carroll, A. (1979). A three-dimensional conceptual model of corporate performance. Academy of Management Review, 4(4), 497 -505.

Downling, G. (1986). Managing your corporate image. Industrial Marketing Management, 15, 109-115.

Feldman, P. M.; Bahamonde, R. A.; Bellido, I. V. (2014). A new approach for measuring corporate reputation. Revista de Administração de Empresas, 54(1), 53,66.

Fiorin, J. L. (2002). Introdução à linguística – I. Objetos teóricos. São Paulo: Contexto.

Goethe, J. W. (1840). Theory of Colours. (C. L. Eastlake, Trans). Londres: The M.I.T. Press.

Grunig, J. E.; Hunt, T. (1984). Managing public relations. Holt, Rinehart and Winston.

Jain R., & Winner, L. H. (2016). CSR and sustainability reporting practices of top companies in India. Corporate Communications: An International Journal, 21, 36 – 55.

Lord, H. L. (2002). Annual reports: a literature review (1989-2001). Journal Technical Writing and Communication, 32(4), 367 – 389.

Martino, L. M. (2009). Teoria da Comunicação. Ideias, Conceitos e Métodos. Petrópolis: Vozes.

Moravcikova, K.; Stefenikova, L.; Rypakova, M. (2015). CSR reporting as an important tool of CSR communication. Procedia Economics and Finance, 26, 332 – 338.

McCauley, M. (2011). Corporate social responsibility: the communicator’s role as leader and advocate. In T. Gillis (2ed), The iabc handbook of organizational communication (pp. 67 – 78). Jossey-Bass.

Neuendorf, K. A. (2002). The content analysis guidebook. Thousand Oaks: Sage Publications.

Penrose, J. M. (2008). Annual report graphic use: a review of the literature. Journal of Business Communication, 45(2), 158 – 180.

Rose, G. (2001). Visual Methodologies. An Introduction to the Interpretation of Visual Materials. Sage Publications.

Shim, K.; Chung, M.; Kim, Y. (2017). Does ethical orientation matter? Determinants of public reaction to CSR communication. Public Relations Review, 43, 817-828.

Van Riel, C. (1992). Principles of corporate communication. Prentice Hall.

Topo da página

Índice das ilustrações

URL http://journals.openedition.org/cp/docannexe/image/2864/img-1.png
Ficheiro image/png, 14k
URL http://journals.openedition.org/cp/docannexe/image/2864/img-2.png
Ficheiro image/png, 18k
URL http://journals.openedition.org/cp/docannexe/image/2864/img-3.png
Ficheiro image/png, 25k
Legenda Figura 1 - Exemplos de imagens predominantemente cinzas
URL http://journals.openedition.org/cp/docannexe/image/2864/img-4.png
Ficheiro image/png, 219k
Legenda Figura 2 - Exemplos de imagens predominantemente azuis
URL http://journals.openedition.org/cp/docannexe/image/2864/img-5.png
Ficheiro image/png, 229k
Legenda Figura 3 - Exemplos de imagens predominantemente verdes
URL http://journals.openedition.org/cp/docannexe/image/2864/img-6.png
Ficheiro image/png, 567k
URL http://journals.openedition.org/cp/docannexe/image/2864/img-7.png
Ficheiro image/png, 14k
Legenda Figura 4 - Exemplos de imagens fora do contexto de trabalho
URL http://journals.openedition.org/cp/docannexe/image/2864/img-8.png
Ficheiro image/png, 159k
Legenda Figura 5 - Exemplos de imagens com personagens masculinas em contexto de trabalho executivo e de tecnologia
URL http://journals.openedition.org/cp/docannexe/image/2864/img-9.png
Ficheiro image/png, 238k
Legenda Figura 6 - Exemplos de imagens com personagens femininas fora do contexto de trabalho ou em trabalho voluntário
URL http://journals.openedition.org/cp/docannexe/image/2864/img-10.png
Ficheiro image/png, 267k
Legenda Figura 7 - Exemplos de Imagens com personagens femininas em contexto de pesquisa e ciências
URL http://journals.openedition.org/cp/docannexe/image/2864/img-11.png
Ficheiro image/png, 208k
URL http://journals.openedition.org/cp/docannexe/image/2864/img-12.png
Ficheiro image/png, 13k
Topo da página

Para citar este artigo

Referência eletrónica

Haydée Klautau Guimarães Cesar de Oliveira, «Análise de imagens e significados presentes nos relatórios anuais e de sustentabilidade de empresas brasileiras e portuguesas»Comunicação Pública [Online], Vol.13 nº 25 | 2018, posto online no dia 15 dezembro 2018, consultado o 29 março 2023. URL: http://journals.openedition.org/cp/2864; DOI: https://doi.org/10.4000/cp.2864

Topo da página

Autor

Haydée Klautau Guimarães Cesar de Oliveira

Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas (ISCSP)
Universidade de Lisboa

haydee.klautauoliveira@gmail.com

Topo da página

Direitos de autor

CC-BY-NC-4.0

Creative Commons - Atribuição-NãoComercial 4.0 Internacional - CC BY-NC 4.0

https://creativecommons.org/licenses/by-nc/4.0/

Topo da página
Pesquisar OpenEdition Search

Você sera redirecionado para OpenEdition Search