1Os videojogos online são um mercado com uma tendência de crescimento positiva. Em 2018, os dez videojogos free-to-play online (FTP) mais lucrativos reuniram lucros num total de quase 13,4 mil milhões de dólares, o que representa um crescimento de cerca de 52,8% relativamente a 2017 (Super Data Research., 2019). A maioria das produtoras responsáveis por este tipo de videojogos gratuitos é independente, de pequena escala (Guevara-Villalobos, 2011; Phillips, 2015). A indústria dos videojogos consegue gerar milhares de milhões de euros de lucro (Wilson & Zackariasson, 2012), mesmo num contexto de expansão dos videojogos online gratuitos (Wesley & Barczak, 2010).
2A multiplicação de produtoras independentes de videojogos gratuitos, com recursos financeiros limitados, aguçou o desenvolvimento de formas criativas, eficazes e baratas de cativar gamers (Cohendet, Llerena & Simon, 2012). Assim, neste estudo, atentamos nos videojogos online gratuitos, nos desafios e nas potencialidades da sua comunicação de marketing. Entende-se a comunicação de marketing como um processo focado na transmissão de uma mensagem por parte de uma organização, com vista a causar uma determinada impressão junto dos seus públicos consumidores e a levá-los a comportarem-se de acordo com os objetivos da organização (Ribeiro & Soares, 2015, p. 389).
3O negócio dos videojogos tem revelado um particular dinamismo no âmbito da comunicação de marketing, pelas suas possibilidades no campo do storytelling (a transmissão de narrativas ou conhecimentos) e pela interatividade que permite. Estes são fatores cativantes para o consumidor e aumentam a sua predisposição para a partilha de conteúdos e experiências com as suas redes sociais (Pérez-Latre, Portilla & Sánchez-Blanco, 2012; Sebastião, 2016). Porém, para além da natureza promissora dos próprios videojogos como suportes, as ideias disruptivas das produtoras para comunicar com os seus consumidores merecem uma atenção que ainda não parece constar dos estudos científicos (Ribeiro & Dias, 2012).
4Este estudo compõe-se de quatro pontos. No primeiro, é feito um enquadramento teórico e a operacionalização dos conceitos essenciais para a compreensão deste estudo. No segundo, são expostas as opções relativamente ao método e às técnicas adotadas. No terceiro ponto, são apresentados os resultados. No quarto ponto, procede-se à respetiva discussão e, finalmente, enunciam-se as conclusões.
5As abordagens à temática da comunicação de marketing em videojogos têm vindo a focar-se no proveito que o videojogo faz das especificidades do seu próprio suporte para veicular apelos ao consumo de outros produtos, outros serviços e outras marcas que não o próprio videojogo. Destaca-se, no âmbito dos estudos sobre o design mecânico do videojogo, o trabalho de Zagalo, Carvalho e Araújo (2016), que estudaram a influência das mecânicas de videojogo no marketing e os modelos free-to-play em geral. O videojogo é um suporte de comunicação potencial no qual o gamer pode participar e influenciar o desfecho da narrativa (Grace, Janssen & Coyle, 2014), o que não está ao alcance dos media tradicionais (sobre a narrativa dos videojogos veja-se também Gosciola, 2011).
6A interatividade é ampliada nos videojogos online, quando a experiência de videojogo depende não só do videojogo em si, mas também das pessoas “do outro lado do ecrã”, com quem se joga. O videojogo enquanto suporte de comunicação de marketing pode tomar a forma de advergame, incorporando produtos reais produzidos por uma empresa no cenário e nos objetivos de um videojogo (Panic, Cauberghe & De Pelsmacker, 2013), ou in-game advertising – a inserção de mensagens publicitárias em videojogos (Yoo & Eastin, 2017).
7Apesar destas investigações, persiste uma lacuna na literatura que este artigo visa ajudar a suprir: a comunicação de marketing das produtoras de videojogos com os seus próprios consumidores, os gamers. Nos videojogos gratuitos, a comunicação de marketing afigura-se particularmente desafiante, visto que desenhar e criar um videojogo que seja capaz de atrair, reter e fidelizar o gamer é uma tarefa que os principais produtores de videojogos online gratuitos têm de conseguir cumprir, caso pretendam uma carreira bem-sucedida no setor. Gizar uma forma de criar lucro num videojogo que, à partida, não tem custos para o consumidor é vital para a produtora, já que estes videojogos não são financiados pelo seu preço de venda e é necessário auferir rendimentos de outra forma.
8Muito foi já estudado sobre o tema do modelo de microtransações seguido pelas produtoras de videojogos online, com a prática de oferecer créditos virtuais em troca de dinheiro real, reservando o acesso a conteúdos exclusivos do videojogo aos gamers que pagaram por eles (Hamari & Keronen, 2017; Lehdonvirta, 2009). Porém, existem poucos estudos sobre os fatores que facilitam o destaque de uma produtora das demais, atraindo, com sucesso, os gamers num modelo free-to-play.
9A comunicação de marketing serve às organizações para tornar comuns informações sobre a sua oferta (produtos e/ou serviços), assegurando que o seu público-alvo sabe tudo o que a organização deseja que ele saiba (Sebastião, 2016). Para isso, a comunicação de marketing serve-se de diversas técnicas. Estas técnicas têm motivações e objetivos diferentes, para chegar ao objetivo primário da comunicação de marketing: garantir que o consumidor, ou o potencial consumidor, está informado sobre a oferta da organização e desenvolve interesse por esta (Holm, 2006).
10A publicidade cria mensagens e transmite-as a públicos de grande dimensão, estimula a curiosidade e apela à compra; a promoção de vendas oferece vantagens aos consumidores como forma de incentivar o consumo imediato; a publicidade online usa meios digitais para promover produtos, através de e-mails, banners, pop-ups, entre outros formatos; os media sociais, ou as redes sociais digitais, comunicam e promovem produtos através de plataformas como o Facebook e o Twitter; as relações públicas (RP) criam, mantêm e modificam a imagem de uma organização; o marketing direto permite a personalização da comunicação, através da recolha de informação junto do consumidor; a força de vendas usa o contato direto do vendedor com o consumidor como forma de vender produtos ou serviços; as feiras e exposições mostram produtos ao consumidor, dando-lhe a conhecer as respetivas vantagens de forma credível (Fill, 2009).
11A comunicação tem sido impulsionada por mudanças tecnológicas: resulta assim atualmente num fenómeno multidirecionado, através de media sociais, e de um diálogo próximo entre as marcas e os consumidores (Jackson & Ahuja, 2016, p. 176). Os chamados “novos media” oferecem possibilidades revolucionárias de interação social, ganhando a confiança dos consumidores e permitindo às marcas ligarem-se a eles a um nível mais profundo (Sajid, 2016). Também é necessário ter em conta que a atenção dos consumidores está constantemente dividida devido à multiplicidade destes canais. Assim, torna-se importante integrar os vários canais numa estratégia completa de comunicação que se designa por Comunicação Integrada de Marketing (Batra & Keller, 2016; Luxton, Reid & Mavondo, 2015). Sebastião (2016) classifica as técnicas de Comunicação Integrada em “tradicionais” (publicidade, relações públicas de marketing, promoção de vendas, força de vendas e marketing direto) e “inovadoras” (media sociais, mobile marketing, marketing de guerrilha, soft sponsoring ou product placement, branded content, entre outras).
12No âmbito da Comunicação Integrada de Marketing, refira-se ainda as estratégias de estreitamento da relação entre a organização e o consumidor, com vista à sua captação, retenção e fidelização e conseguindo, assim, a maximização do lucro. O customer relationship management (CRM) assenta na valorização do consumidor (empoderando-o ao ponto de lhe conferir responsabilidades nas decisões da própria organização) e em estratégias de marketing one-to-one (Choudhury & Harrigan, 2014; Payne & Frow, 2013). O CRM tira partido do marketing direto, nos suportes tradicionais (correio, telefone) ou digitais (e-mails, media sociais), para gerar uma comunicação personalizada e interativa da organização com o seu consumidor (Ribeiro, 2016).
13Porém, a comunicação de marketing não é o único fator a influenciar as decisões e preferências dos consumidores. Além da comunicação de marketing, há a considerar o papel das opiniões de amigos e familiares e dos conhecimentos e das atitudes pessoais em relação à marca, derivados das experiências passadas (Kotler, Kartajaya & Setiawan, 2017). Assim, as organizações podem ainda tirar partido de diversos recursos de relacionamento com o consumidor, através de word-of-mouth (WOM) e incentivo à partilha e produção de conteúdos virais, beneficiando de uma rápida disseminação da mensagem através das interações dos próprios consumidores. O WOM é entendido como sendo a comunicação de marketing realizada pelo próprio consumidor, independente do vendedor (Brown, Broderick & Lee, 2007), enquanto o electronic word-of-mouth (e-WOM) consiste no WOM transmitido online (Ismagilova, Dwivedi, Slade & Williams, 2017).
14A designação de “conteúdos virais” é dada aos conteúdos disruptivos criados com o propósito de gerar buzz, isto é, a amplificação de uma mensagem transmitida pela marca através das interações entre os próprios consumidores (Mohr, 2017). Importa ainda referir, neste processo, o papel do user generated content (UGC), ou conteúdo gerado pelo utilizador, tido pelos consumidores como mais credível e isento do que os conteúdos produzidos pelas marcas (Bolaños, Ribeiro, & Ramos, 2014).
15Nestes processos de WOM, buzz e UGC adquire especial importância o papel dos líderes de opinião, indivíduos respeitados pelo seu grupo e seguidos nas suas atitudes e nos seus comportamentos, tanto offline como online (Ribeiro, 2016). Como referem Kotler e outros (2017), na era da conetividade, a atração de uma marca é influenciada pela comunidade em que o consumidor se integra; os consumidores conectam-se ativamente entre si e os que precisam de informação irão procurá-la junto dos que têm mais conhecimento e experiência.
16Este estudo pretende analisar a comunicação de marketing dos videojogos gratuitos para influenciarem os seus atuais e potenciais gamers. Formula-se, assim, a pergunta de partida: como os videojogos gratuitos podem beneficiar da comunicação de marketing para atrair gamers?
Os objetivos deste artigo são:
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Identificar as técnicas de comunicação de marketing utilizadas pelas produtoras de videojogos online para comunicarem com o seu público gamer;
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Detetar outros fatores que contribuem para o estabelecimento de relações de comunicação de marketing entre as produtoras de videojogos online e o seu público gamer;
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Compreender a opinião do público gamer sobre a comunicação de marketing estabelecida com as produtoras de videojogos online.
17Privilegiou-se o método qualitativo. O uso de um método qualitativo adequa-se a um estudo maioritariamente centrado em matérias de processo social, na forma de interações e relações entre indivíduos (Creswell, 2013), como o é este artigo. O estudo iniciou-se com uma recolha documental, que englobou artigos de publicações especializadas no tema específico dos videojogos (como o Surrender@20 ou o Zybez.net) e sítios de Internet pertencentes ou relativos às produtoras e aos videojogos analisados.
18Seguiu-se uma análise de conteúdos digitais a videojogos gratuitos online para dar resposta ao primeiro objetivo deste estudo. A análise de conteúdos digitais apoia-se nos pressupostos da análise de conteúdos tradicionais, sendo um método de estudo sistemático e objetivo aplicado a plataformas digitais (Jensen, 2013). Para este fim, foram selecionadas duas produtoras: a Riot Games, produtora do League of Legends, por este ser o videojogo online gratuito mais lucrativo atualmente, com proventos que ultrapassaram os mil e seiscentos milhões de dólares em 2015 (Super Data Research, 2015); e a Jagex, criadora do RuneScape, o videojogo de browser free-to-play mais jogado no mundo, que recebeu uma distinção do Guinness World of Records na categoria de “Videojogo MMORPG gratuito mais popular” (USA Today, 2012). Foram consultados os websites da Riot Games e da Jagex e as produtoras dos videojogos nomeados, por serem as responsáveis pela comunicação de marketing de cada um dos títulos. Nestes websites, foi analisada a ordenação dos conteúdos por separadores (homepage e outros menus: news, game info, boards, community, forums, shop/merchandising e support) e, dentro de cada separador, os tipos de conteúdos publicados e a linguagem utilizada, visando encontrar menções às técnicas de comunicação de marketing destes videojogos, conforme os objetivos da investigação. Respondeu-se aos desafios na identificação das unidades de análise e codificação conforme os exemplos de Skalski e outros (2017). Esta etapa teve início em setembro de 2015 e estendeu-se até julho de 2016.
- 1 A ausência de rankings mais atuais para o RuneScape deve-se à obsolescência sofrida pelo jogo a par (...)
19Estes videojogos detêm um grande número de gamers – mais de 7,5 milhões em simultâneo no caso do League of Legends, e 250 mil no caso do RuneScape (GigaOM, 2008; Riot Games, 2014)1. O sucesso atestado pelo número de consumidores que estes jogos atingiram pode indiciar o emprego de técnicas de comunicação particularmente eficazes, o que os tornou um objeto de estudo pertinente para um artigo que procurou identificar o que de novo se fez neste campo. Por outro lado, o elevado número de gamers proporcionou alguma facilidade em encontrar pessoas com diversos níveis de experiência para cada um dos videojogos estudados, o que foi conveniente para a etapa seguinte da investigação.
20A fim de identificar as ferramentas de comunicação de marketing mais valorizadas pelo público e pelas empresas, bem como de retirar conclusões mais alargadas sobre o seu potencial, foram realizadas entrevistas semiestruturadas a 30 gamers de League of Legends e/ou de RuneScape. Na entrevista semiestruturada, embora o investigador disponha de uma lista específica de perguntas a fazer ou tópicos a abordar, admite-se que os entrevistados forneçam respostas abertas e abre-se a possibilidade de adaptação das questões no decorrer da entrevista (Bryman, 2012). É, assim, possível adquirir informações sobre assuntos mais sensíveis ou mais específicos, sem se ser demasiado intrusivo (Creswell, 2013, p. 10). Estas entrevistas visaram descobrir quais as abordagens das produtoras de videojogos que mais efeitos surtiram nos gamers e o que os atraía num videojogo online gratuito. Os gamers entrevistados foram recrutados através da função de chat de cada um dos jogos, constituindo uma amostra de conveniência, com entrevistas realizadas entre os dias 25 e 29 de março de 2016. No caso do League of Legends, esta amostra foi complementada com a recolha de voluntários num fórum online dedicado ao jogo – o r/leagueoflegends –, o que justifica o maior número de entrevistados que jogam este jogo. O processo de recrutamento destes gamers teve em consideração a capacidade do entrevistado de se expressar numa língua partilhada com o entrevistador, um fator essencial para a correta transmissão de informação (Hine, 2008).
21O recrutamento tirou partido de uma etnografia (ou observação participante) digital, que passou por partilhar equipa com gamers desconhecidos e interpelar, no final de um jogo bem-sucedido (depois do qual é mais provável o gamer estar recetivo), aqueles que tenham revelado à-vontade a comunicar com a equipa; como salientam Snodgrass e outros (2017), o recrutamento de entrevistados gamers faz sentido num contexto imersivo partilhado pelo investigador. No caso dos gamers de RuneScape, foi também colocado o guião da entrevista na plataforma online Reddit no dia 3 de abril, numa tentativa de obter mais respostas, o que veio a acontecer. As entrevistas tiveram lugar ao longo dos meses de março e abril de 2016.
22Embora as entrevistas online possam suscitar reservas a alguns metodólogos, investigações recentes mostram que, embora as respostas tendam a ser mais curtas do que nas entrevistas presenciais, a variedade de temas abrangidos e a qualidade da informação não são afetadas pelo contexto de recolha distinto (Shapka, Domene, Khan, & Yang, 2016).
23Como técnica de análise de dados das entrevistas foi utilizada a análise de conteúdo qualitativa, tendo como objetivo a procura de tendências, conteúdos ou singularidades da comunicação em questão (Creswell, 2013).
24Tentou-se ainda a abordagem a profissionais da área de marketing dos videojogos em estudo, Riot Games e Jagex; porém, por falta de resposta destes às solicitações dos investigadores, não foi possível entrevistar quaisquer responsáveis da área de comunicação nas empresas em estudo.
25Analisando os websites dos videojogos em análise, League of Legends e RuneScape, desenvolvidos pela Riot Games e pela Jagex, respetivamente, foi feito um levantamento das técnicas e dos recursos de comunicação visivelmente utilizados. Entre as duas produtoras, existe uma relativa uniformidade das técnicas encontradas.
26No que respeita a técnicas de comunicação “tradicionais”, na aceção de Sebastião (2016), as RP estão patentes em ambos os websites, na existência de comunicados que visam explicar as razões que levaram a mudanças em conteúdos do jogo. Estas publicações são muitas vezes exercícios de controle de danos depois de uma determinada decisão ter recebido críticas negativas por parte da comunidade, embora a Riot Games acompanhe já qualquer decisão com a respetiva justificação, numa rubrica intitulada Patch Notes. Uma rubrica semelhante pode ser encontrada no website do RuneScape, chamada Patch Week, sendo que ambas somam à vertente explicativa o facto de facultarem notícias para que o gamer saiba com que contar. As ações de cariz solidário são também uma forma de tornar a produtora mais humana aos olhos dos gamers e de atrair cobertura mediática. Quando, em 2012, um jovem gamer de League of Legends de 17 anos, sofrendo de cancro, chegou ao contato com a produtora Riot Games através da fundação Make-a-Wish, a produtora ofereceu-lhe uma visita guiada aos seus escritórios. Depois desta visita, a produtora lançou uma nova indumentária para o campeão favorito do jovem doente, “Jax”, que poderia ser desbloqueada através de microtransações, com uma percentagem maioritária das receitas a reverter a favor da fundação Make-a-Wish (Inquisitr, 2012). Este novo conteúdo foi publicitado no website e, em resultado, a comunidade de gamers respondeu positivamente, tendo adquirido a indumentária em grande número. Este tipo de ações de beneficência e sensibilização tornam a empresa mais “humana” e fomentam um nível de proximidade maior com o seu público (Lee & Kotler, 2015).
27A presença em feiras e exposições é visível nos websites através de notícias que as referem, ancoradas por imagens dos eventos. Alguns destes eventos incluem a PAX, uma série de festivais de gaming que tem lugar nos EUA, o Dreamhack, o maior festival digital do mundo, que ocorre por toda a Europa, o Gamescom, na Alemanha, e muitos outros.
28A estas técnicas tradicionais soma-se, apenas no caso da Riot Games, o marketing direto. A empresa recorre à informação que recolhe da experiência de cada gamer, como os mapas mais jogados e as personagens mais utilizadas, para lhe oferecer descontos em produtos selecionados personalizadamente.
29Passando agora à análise das técnicas de comunicação digital, a publicidade online é assegurada pela própria existência dos websites enquanto ferramentas de marketing. Embora estes tenham uma forte componente informativa, os propósitos de marketing não são negligenciáveis; mais a mais, os media sociais são empregados pelas produtoras, como revelado pelos pequenos ícones com ligação às mesmas. Nestes websites, encontramos notícias relativas ao lançamento de novos conteúdos nos respetivos jogos destinados a gerar entusiasmo em torno destes, informação sobre conteúdos já existentes que é direcionada a gamers menos experientes, atualizações sobre o progresso dos melhores gamers, páginas de discussão para fomentar a interação entre a comunidade de gamers, “mostruários” de conteúdos criados pelo público gamer (desenhos, esculturas, disfarces), lojas online onde adquirir merchandising relativo ao respetivo videojogo, secções de apoio ao gamer onde a produtora procura solucionar problemas encontrados pelos gamers, e, naturalmente, uma ligação ao próprio jogo para que se possa começar a jogar o mais rapidamente possível.
30Os esforços de CRM são visíveis sobretudo nas secções “Boards” e “Forums” dos websites, onde encontramos funcionários das produtoras a interagir com os gamers. Nos websites encontramos também expressões que procuram desafiar e empoderar o gamer. “The structures you’ll encounter on the battlefield”, “When you’re ready, you’ll enter the fray” ou “You’ll acquire gold you can spend on powerful items” são exemplos de como a produtora procura fazer o gamer esquecer que o League of Legends e o RuneScape são apenas jogos, dirigindo-se ao gamer como sendo um soldado ou guerreiro. Outra forma de fomentar a aproximação entre produtora e público consiste em integrar os gamers no processo criativo da empresa, usando marketing colaborativo. Através da abertura de servidores “beta”, a comunidade de gamers pode experimentar conteúdos antes de estes serem lançados, garantindo que estes correm sem problemas e oferecendo aos gamers a possibilidade de dar a sua opinião sobre os conteúdos. Além disso, estas empresas podem aproveitar conceitos criados pela comunidade e implantá-los no jogo, beneficiando a própria inovação da empresa e garantindo uma maior satisfação do cliente a longo prazo (Roberts, Hughes & Kertbo, 2014).
31No caso do jogo League of Legends, destaca-se o exemplo de “Surprise Party Fiddlesticks”, um conceito criativo criado por um gamer que envolvia reconfigurar um espantalho macabro e assustador e torná-lo um alegre folião. A produtora Riot Games adotou o conceito e lançou uma versão festiva da sua personagem Fiddlesticks no segundo aniversário do jogo. Já a Jagex, produtora do RuneScape, reconheceu uma falha – a necessidade de moderar as interações entre os gamers para minimizar o abuso verbal, o assédio e a tentativa de fraude num videojogo povoado fortemente por crianças e jovens adolescentes, já que estes comportamentos tornam a experiência de videojogo menos agradável (Wadley, Gibbs, Hew & Graham, 2003). Uma das soluções encontradas para combater esse problema, ao mesmo tempo que aproximava os produtores da comunidade, foi o convite aos gamers mais dedicados para se tornarem Player Moderators, dotados do poder de silenciar gamers que usassem indevidamente a função de chat. Como este cargo não oferecia nenhuma contrapartida para o gamer além do reconhecimento dos seus colegas, garantindo-lhes status exclusivo junto dos outros gamers, tendeu a ser encarado com seriedade e acabou por tornar a produtora mais acessível aos olhos dos gamers, ao depositar confiança nestes.
32Nos websites em análise, em virtude de pertencerem a um negócio que opera quase exclusivamente em meios digitais, sem presença em lojas físicas, é natural que uma técnica como a força de vendas não seja empregada. Não obstante, há uma forma de as organizações empregarem uma força de vendas adaptada: o uso dos membros do público como “comerciais” da própria empresa, incentivando-os a trazer novos consumidores à produtora: os sistemas “refer-a-friend” - através dos quais se oferecem benefícios aos consumidores por angariarem amigos para consumirem também (Berman, 2016; Dobele, Lindgreen, Beverland, Vanhamme & Van Wijk, 2007).
33Através deste sistema, os gamers adquiriam recompensas à medida que os seus amigos progrediam no videojogo, como um assalariado de uma empresa tradicional receberia comissões e prémios de venda de acordo com a sua performance. Embora este sistema não tenha nascido no mundo dos videojogos, sendo uma expressão do WOM em casos em que o consumidor ficou agradado com o produto, tende a ser eficaz num meio que oferece facilidade de envio de convites a amigos: a Internet. Estes convites podem ser pré-desenhados, como os convites enviados através de videojogos como o Farmville, no Facebook, ou convites formulados pelo próprio gamer em conversas com os seus amigos e conhecidos. Os sistemas “refer-a-friend” aproveitam-se, assim, das redes sociais, ou seja, o conjunto de ligações sociais formadas entre os indivíduos de uma comunidade do próprio público cujo interesse se pretende captar (Scott, 2017).
34Estes sistemas de referências recompensam o gamer por se tornar, ele próprio, um comunicador da produtora. Com o atrativo dos bónus em videojogo, o consumidor tenta convencer os amigos e conhecidos a jogar também, aumentando a base de gamers. Note-se que os sistemas “refer-a-friend” são mais eficazes quando recompensam o gamer pelo progresso dos seus amigos, e não apenas pelo registo destes no videojogo (até porque é possível a criação de diversas contas falsas com o objetivo de recolher recompensas, sem se trazer novos amigos para o videojogo). As produtoras guardam as melhores recompensas para quando os amigos do gamer atingem, eles próprios, patamares de veterania.
35Nos websites, é possível preencher sondagens opinando sobre o tipo de conteúdos da preferência do inquirido, o que deseja para o futuro no jogo e muitos outros temas, que permitem compilar informação e tomar decisões de marketing, além de existirem mecanismos que permitem recolher informação diretamente do gamer, como as equipas em que este revela maior interesse ou as personagens com que mais joga, e utilizar os dados recolhidos para oferecer produtos aos gamers individuais.
36O investimento da Riot Games neste recurso é notório, por exemplo, no matchmaking – isto é, a criação de partidas entre gamers –, nomeadamente, no desenvolvimento de um algoritmo que permite a criação automática de jogos entre adversários de semelhante grau de competência, evitando que gamers inexperientes sejam forçados a enfrentar veteranos (Véron, Marin & Monnet, 2014). Também se nota no combate à “toxicidade” causada pelos gamers mais propensos a reações negativas (isto é, na deteção e punição de gamers que, por insultarem os seus colegas de equipa ou por jogarem intencionalmente mal, estragam a diversão para os outros gamers), conforme Kwak (2014). Outro progresso notável reside na criação de equipas nas quais os gamers individuais partilhem caraterísticas compatíveis, como juntar um gamer que aprecia defender os colegas com um que se especializa em atacar o adversário sob a proteção da sua própria equipa (Ong, Deolalikar & Peng, 2015).
37No universo comunicacional dos videojogos gratuitos em análise, encontra-se UGC, tanto em rubricas dedicadas à mostra dos melhores desenhos, minijogos e outros conteúdos criados pela comunidade de gamers, como nos fóruns. Quando, no final do videojogo, o gamer mais curioso for procurar respostas a um fórum especializado, encontrará um número de outros gamers em busca do mesmo, gerando-se buzz na forma de curiosidade e ansiedade por descobrir de que se trata (Crosignani & Ravetto, 2017). Toda esta comunicação é propiciada por um fenómeno que envolve toda a comunicação, seja ela da comunidade gamer ou de outras: o uso de uma língua-base comum – o inglês -, e de um socioleto restrito à comunidade gamer, indicativo de pertença e justificativo de aceitação.
38Há, também, nos fóruns, demonstrações de WOM relativamente aos produtos adquiridos pelos gamers que decidem dar feedback onde todos o possam consultar. Há feedback oferecido por gamers conceituados em plataformas como o Reddit e o Youtube, sendo que, neste caso, as produtoras tiram partido dos líderes de opinião, indivíduos com conhecimentos numa determinada área, cujos conselhos são importantes para outras pessoas, sendo credíveis por não representarem interesses de organizações e por o consumidor se identificar com eles (Ivory, 2006). Os especialistas de comunicação de marketing desenvolvem estratégias de comunicação tendo como alvo estes líderes, que, com conhecimentos informáticos avançados e interagindo com os utilizadores comuns, através de WOM, influenciam as atitudes e os comportamentos dos outros (Bolaños et al., 2014).
39Olhando para as produtoras em análise, há ainda um fenómeno aproveitado para propósitos de comunicação de marketing. No caso do RuneScape, um gamer conhecido por Zezim ocupou o primeiro lugar do ranking em 2003, tendo-o mantido intermitentemente ao longo dos anos seguintes, o que o tornou popular entre a comunidade. Quando um gamer conseguiu encontrá-lo e entrevistá-lo dentro do videojogo, o vídeo resultante ultrapassou os dois milhões de visualizações na plataforma YouTube. Este reconhecimento confere prestígio social e status aos gamers mais talentosos, permitindo-lhes exibir poder (Roig, San Cornelio, Ardèvol, Alsina & Pagès, 2009).
40A disponibilização de uma tabela de rankings, na qual se ordenam os gamers consoante o seu nível de competência, permitiu assim que um gamer se tornasse, aos olhos dos seus pares, um ícone. Ambos os videojogos estudados, RuneScape e League of Legends, permitem ao gamer consultar uma tabela deste tipo, na qual são listados os melhores gamers: o primeiro apresenta-a no seu website, enquanto o segundo a disponibiliza no próprio videojogo. O conceito de highscores associado aos videojogos vem desde o tempo dos videojogos de arcada, e desde sempre serviu para prolongar o tempo de vida de um videojogo; depois de completar um videojogo, o objetivo passa a ser completá-lo com uma pontuação suficientemente alta para figurar na tabela de highscores (Gazzard, 2011). Num meio em que esta listagem está facilmente disponível a todos os gamers, é comum que os que ocupam os lugares cimeiros das classificações durante um período alargado se tornem inspirações e modelos a seguir para os outros.
41No League of Legends, a produtora diligenciou no sentido de tornar os melhores gamers ídolos, apostando em torneios nos quais os vencedores recebem prémios em dinheiro, além do reconhecimento da comunidade. A criação destes ídolos para os gamers é uma das razões que leva a Riot Games a investir fortemente na faceta competitiva do seu videojogo League of Legends: ao ver gamers a ganhar competições e a receber ordenados das suas equipas por jogarem videojogos, os restantes gamers sentem-se motivados para continuar a jogar, tentando subir na classificação e seguir as pisadas dos seus gamers favoritos. Em 2015, 36 milhões de pessoas assistiram à final do Campeonato do Mundo de League of Legends (Lolesports, 2015), o que mostra que o empenho na transformação do consumidor em alvo da admiração dos seus pares pode ser uma tática eficaz de promoção de um produto, algo que organizações de outras áreas de negócio podem ter em conta.
42As entrevistas aos gamers dos títulos analisados permitiram identificar o que estes mais valorizam na comunicação de marketing das produtoras e em que áreas há ainda espaço para melhoria.
43Muito apreciado pelo público gamer é todo o tipo de informação respeitante a desenvolvimentos do próprio jogo. Quer esta informação seja transmitida através do sistema de mensagens interno, quer seja através de fóruns ou de media sociais, os gamers gostam de estar informados relativamente ao que vai mudar no jogo que acompanham. Em alguns casos, estas informações, acompanhadas pelas justificações que os produtores apresentam para aplicar as mudanças, podem fazer com que os gamers compreendam e aceitem mudanças com que, de outra forma, poderiam ficar descontentes – constituindo um trabalho de RP. Para um dos gamers,
“the game's constantly changing. Some updates you could feel are pretty useless and affect the game negatively in one's own point of view but, if you hear what Riot has to say about the changes, you might see the better side of it and you can overlook it”.
44De igual modo, os gamers valorizam o uso que as produtoras fazem dos media sociais, como o Facebook, o Twitter, o Youtube e o Twitch. Através destas redes, os gamers conseguem manter-se atualizados sobre os seus jogos favoritos mesmo quando não estão a jogá-los. Além disso, estas plataformas permitem aos gamers aceder a conteúdos diferentes. Conforme indica um gamer,
“if you want something live, they stream on Twitch. If you'd rather watch a video, they post on YouTube. If you'd rather read about something, they have the forums, Reddit, Twitter, Facebook and the news post”.
Os gamers colocaram ênfase na importância do CRM ao declarar, por exemplo:
“communication makes the individual players feel important, like they have a voice in what happens, and it makes them want to continue playing the game, as they aren't only playing the game, they are evolving it. It shows that the producer cares about the audience and values their feedback and suggestions. It makes the individual gamer feel cared about, which in the end results in a happier user”.
45Apesar disto, os gamers encontram ainda áreas em que a comunicação das produtoras poderia ser mais eficaz. Destas, as mais significativas são a falta de atenção dada aos fóruns oficiais dos videojogos, e as lacunas no serviço de apoio ao gamer, ou seja, vertentes do CRM. Os fóruns dos videojogos são plataformas úteis, onde é possível aos gamers criar tópicos de discussão para que outros gamers participem e deem a sua opinião. Frequentemente, estes tópicos, pelo seu teor, carecem de uma resposta oficial dada por elementos ligados à produtora. Se uma publicação no fórum der conta da existência de um erro do jogo, ou da participação no jogo de um gamer que faz batota, a produtora deve intervir como forma de mostrar a sua vigilância. É aqui que alguns gamers consideram que as produtoras pecam. De igual modo, o apoio ao gamer apresenta falhas. Um gamer afirma que “their official support system is deeply flawed when it comes to appeals on personal accounts. Their automated system is not good enough”.
46Este artigo pretendia compreender como os videojogos gratuitos podem beneficiar da comunicação de marketing para atrair gamers. A maioria das produtoras dos videojogos gratuitos, sendo independente (Guevara-Villalobos, 2011; Phillips, 2015), terá desenvolvido formas criativas, eficazes e baratas de cativar gamers (Cohendet, Llerena & Simon, 2012). Em síntese, os resultados permitiram apurar que as produtoras de videojogos fazem um recurso extensivo e diversificado a técnicas de comunicação, que são mais “inovadoras”, de base digital e menos “tradicionais” (Sebastião, 2016). Porém, mais forte ainda do que o recurso a tais técnicas de comunicação promovidas pelas produtoras de videojogos parece ser o seu aproveitamento de fenómenos gerados na própria comunidade gamer, como o e-WOM, o UGC e os líderes de opinião online. Este resultado enquadra-se na importância atribuída por Kotler e outros (2017) à opinião dos outros e às experiências próprias dos indivíduos, que, partilhadas online, caraterizam a era da conectividade e determinam as escolhas dos consumidores para além da comunicação de marketing.
47O primeiro objetivo deste artigo era identificar as técnicas de comunicação de marketing utilizadas pelas produtoras de videojogos online para comunicar com o seu público gamer. Ao longo do estudo, tornou-se claro que as produtoras de videojogos analisadas se servem de uma multiplicidade de técnicas de comunicação, com as quais procuram cativar e reter a atenção dos seus gamers. Esta variedade de técnicas adequa-se aos diferentes momentos de contato e às especificidades dos públicos, integrando os vários canais numa estratégia completa de comunicação, entendida por Comunicação Integrada de Marketing (Batra & Keller, 2016; Luxton, Reid & Mavondo, 2015). Em linha com as mudanças tecnológicas e o próprio suporte digital dos videojogos, a comunicação das produtoras de videojogos gratuitos online é tendencialmente baseada nos novos media e multidirecionada, recorrendo aos media sociais e ao diálogo próximo com os gamers consumidores (Jackson & Ahuja, 2016, p. 176) para gerar satisfação através de ofertas personalizadas e individualizadas (Friege et al., 2010, p. 312). As produtoras fazem uso de RP, manifestas nos websites de ambas as empresas através de secções dedicadas a esclarecer dúvidas relativamente a alterações nos videojogos, ações de cariz solidário, articulação com a comunidade de gamers para a criação de novos conteúdos no jogo e fomento de debate e discussão intracomunidade, através de fóruns. A abertura destes espaços de debate oferece à comunidade o veículo necessário para a interação social, que Choi e Kim (2004) defendem como sendo essenciais para uma experiência de jogo ótima. Também se nota a utilização de marketing direto, que tira partido de dados recolhidos pelas produtoras sobre os gamers para lhes proporcionar ofertas que vão ao encontro do que eles mais tendem a procurar. Mas talvez a maior inovação observada na comunicação de marketing das produtoras de videojogos gratuitos online seja a sua abordagem adaptada à técnica tradicionalmente designada por força de vendas, concretizada pelas produtoras estudadas em sistemas “refer-a-friend” online, que oferecem benefícios aos consumidores por angariarem amigos gamers (Berman, 2016; Dobele et al., 2007). Estes sistemas “refer-a-friend” enquadram-se numa estratégia de CRM que parece ser central na comunicação de marketing das produtoras em análise e que visa fazer os consumidores sentirem-se empoderados, conectados entre si e com a marca, articulando-se estreitamente com fenómenos de comunicação gerados na comunidade gamer que, mormente não sendo (pelo menos teoricamente) da responsabilidade das produtoras, são por estas aproveitados com vantagem.
48O segundo objetivo do artigo era precisamente detetar outros fatores, para além da comunicação de marketing emitida pelas produtoras, que contribuem para o estabelecimento de relações de comunicação entre as produtoras de videojogos online e o seu público gamer. Verificou-se uma abundância destes fatores. Desde logo, a apresentação, nos websites dos videojogos, de UGC, que estimula a transformação de um conjunto de gamers numa verdadeira comunidade. Depois, o uso da própria plataforma do jogo para a criação de teasers com o propósito de gerar buzz e discussão entre os jogadores, bem como o aproveitamento de líderes de opinião no contexto digital, como streamers famosos. Por fim, o uso de um elemento tradicional dos videojogos, a tabela de highscores, como forma de incentivar os jogadores a progredirem e a jogarem durante mais tempo, complementado com a aposta na faceta competitiva do jogo, criando vontade nos jogadores de competir com os mais fortes. Assim, as produtoras conseguem a amplificação indireta das suas mensagens através das interações entre os próprios consumidores (Mohr, 2017) e, a partir do momento em que são estes a assumir a advocacia das suas marcas e a partilhar as suas opiniões online, estes conteúdos são tidos pelos consumidores como mais credíveis e isentos do que os conteúdos produzidos pelas marcas (Bolaños et al., 2014). Confirma-se, para os casos analisados, a ideia de Kotler e outros (2017) de que a atração de uma marca é influenciada pela comunidade em que o consumidor se integra.
49Em resposta ao terceiro objetivo do artigo, compreender a opinião do público gamer sobre a comunicação de marketing estabelecida com as produtoras de videojogos online, verificou-se que os gamers aparentam valorizar os recursos de comunicação online, sobretudo o uso de media sociais e de RP, adotados pelas produtoras, embora ainda vejam espaço para melhoria no que toca ao CRM. Mesmo tendo em conta as falhas encontradas, torna-se visível que a comunicação de marketing realizada pelas produtoras analisadas tem um impacto positivo na experiência de jogo dos seus utilizadores. As principais técnicas de comunicação de marketing a que os gamers devotam o seu interesse são as atualizações dos próprios jogos e a respetiva explicação, incorporadas em manobras de RP e em toda a vertente de publicidade online realizada em media sociais como o Twitter, Facebook, Youtube e Twitch. Por outro lado, os gamers veem ainda lacunas por suprir na área do CRM, mormente no campo da ainda fraca participação dos produtores em fóruns online, pelo que os resultados apurados neste estudo poderão oferecer um contributo para a sua melhoria.
50Este artigo pretende contribuir para a consolidação de conhecimentos sobre os videojogos online como emissores e potenciadores de comunicação estratégica, para além de, como tem sido tradicionalmente estudado, serem meros suportes destes. A investigação académica sobre videojogos evidenciou que as produtoras de videojogos gratuitos só atingem o lucro encontrando formas de levar o consumidor a querer pagar por um produto que poderia ter gratuitamente. Esta investigação apurou que esse objetivo pode ser atingido com recurso à comunicação de marketing e ao aproveitamento dos fenómenos comunicacionais das comunidades online que medram na era da conectividade. Neste estudo, ficou patente que, embora e-WOM e UGC sejam produtos dos consumidores, acabam na verdade por fazer parte de uma teia de influências recíprocas entre as marcas e os seus consumidores que se tornam difíceis de destrinçar. Acredita-se que a abordagem à participação dos consumidores na construção da reputação e da marca, através de e-WOM e UGC (temas referidos de forma crescente na academia), confere originalidade e valoriza o contributo científico deste artigo.
51Este estudo despertou a crença dos autores em como, na indústria dos videojogos, existem práticas de comunicação que podem ser transladadas para outros eixos de negócio, beneficiando-os. Estas práticas poderiam migrar para negócios tradicionais – a oferta ao consumidor da possibilidade de influenciar um produto, por exemplo através de sondagens elegendo um novo sabor de produto ou um novo formato de recipiente. Note-se que esta prática pode ser integrada em contextos extracomerciais, como o caso do referendo em março de 2016 no qual o povo neozelandês pôde optar por um novo design para a sua bandeira nacional, por entre opções criadas pela própria população em UGC. De igual modo, os sistemas “refer-a-friend” têm sido adaptados a modelos de negócio tão díspares como ginásios, clubes desportivos, recreativos e culturais, e até consultórios, salões de beleza ou cabeleireiros.
52A isto, soma-se o uso de gamers icónicos como forma de promover o videojogo das produtoras, algo muito próximo da realidade tradicional de utilizar um atleta como representante de uma marca, mas aqui tornado inteiramente distinto pelo facto de estes gamers não serem pagos pela produtora. Estes fenómenos de popularidade para inspirar nos demais gamers a vontade de ser como os melhores são ideias adaptáveis a negócios de outras áreas, em que os próprios consumidores se possam tornar notáveis entre os demais, de forma independente da empresa.
53Este estudo encontrou limitações, mormente fruto da indisponibilidade das produtoras em análise, cujo testemunho seria útil para conhecer a sua perspetiva sobre o tema e para robustecer o artigo com uma triangulação de dados. Também o estudo de apenas duas produtoras oferece uma visão ainda reduzida sobre o tema, muito embora possa constituir-se como ponto de partida para futuras explorações, com mais casos de estudo e o alargamento da pesquisa a outros modelos de negócio de videojogos, tanto “free-to-play” como pagos. Da mesma forma, seria interessante procurar catalogar o videojogo gratuito online a um nível mais alargado: visto ser gratuito, importará saber se este deve ser considerado um produto ou um mero suporte para o verdadeiro produto, que seria o conjunto de acessórios adquiríveis através de microtransações. Neste segundo caso, o jogo teria de ser encarado forçosamente como uma ferramenta de marketing per se, destinado a promover a verdadeira fonte de rendimentos da produtora. Note-se ainda que as entrevistas realizadas aos gamers datam de 2016, pelo que é possível que os dados então recolhidos padeçam de desatualização.
54Apesar das limitações, comprovou-se nos casos em estudo a solidez de uma comunidade de oportunidade, facilitada por um movimento criativo e de realização, de competência e gosto comum, o gaming, servido pela internacionalidade de todos os intervenientes, espalhados pelo mundo. Essa internacionalidade é facilitada por um suporte linguístico comum, baseado numa língua franca (inglês) apropriada e cocriada por um grupo de interesse, inteiramente informal e com todas as características propícias à geração de uma comunidade. Neste caso, além de imaginada, como descrito por Anderson (1991), é sustentada por um objeto cultural imaterial, o jogo e tudo o que roda à volta dele, verdadeiramente sem fronteiras e no qual participam todos os seus coprodutores e difusores.
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