Introdução

1Diferente dos modelos de produção e distribuição de conteúdos utilizados pelos media tradicionais – baseados nas redações e nas equipes de profissionais pagos no caso da produção de impressões gráficas (jornais de papel) e concessões (rádio e televisão) –, o modelo de comunicação das sociedades contemporâneas é moldado pelas redes digitais. Neste protótipo de ligação em rede, os media alternativos – meios de comunicação independentes que se contrapõem a uma hegemonia ou a uma política dominante – lançam mão das tecnologias digitais como ferramentas fundamentais para a elaboração dos conteúdos que se desenha através do tripé: produção, circulação e distribuição. Este modelo denominado de tripé refere-se ao modo de funcionamento de alguns meios de comunicação, sobretudo dos independentes, o qual consiste no processo de elaboração e, em seguida, disponibilização dos conteúdos mediáticos ao público, em forma de disseminação, utilizando os social media.

2Os media alternativos são capazes de gerar métodos de criação, produção e distribuição não-padrão, permitindo, assim, a interatividade e a participação do público nas redes digitais. Os social media, como o Facebook, o Instagram e o Twitter, são utilizados pelos meios de comunicação alternativos na distribuição dos conteúdos, enquanto as plataformas de mensagens, como o Telegram e o WhatsApp, que serão cujos conceitos serão explorados mais adiante, são usadas para a produção jornalística.

3Schuman (1982) considera que a imprensa alternativa – em qualquer formato – é o nosso moderno panfletário. Isto porque os novos meios digitais empregam métodos de produção e distribuição aliados a uma filosofia ativista de criar “informação para ação” rápida (Schuman, 1982, p. 3) a fim de que possam lidar com questões emergentes, já que a natureza do ativismo é responder aos temas sociais.

4A Mídia NINJA é um medium alternativo digital que utiliza social media para distribuir seus conteúdos desde a sua criação. O veículo figura como fenómeno da comunicação porque foi pioneiro no Brasil no medium ativismo ao utilizar smartphones para as transmissões em direto. A Mídia NINJA faz Jornalismo, conforme definem os seus produtores de conteúdos. Este meio alternativo é um coletivo de medium ativista criado a partir de um conjunto de coletivos culturais chamado circuito Fora do Eixo (2005) e classifica-se como uma rede de comunicação livre e democrática em defesa da diversidade cultural e do direito à informação, dando visibilidade a temas que passam pelas causas identitárias, de cultura, de meio ambiente, de juventude e outras que dialogam com os desafios do século XXI. O coletivo foi fundado em 2013 e ganhou notoriedade durante as manifestações brasileiras de junho realizadas, em princípio, pelo Movimento Passe Livre de São Paulo, em razão do aumento do preço da passagem de autocarro, altura em que a Mídia NINJA realizou as primeiras transmissões em direto via telemóvel. Hoje, a rede engaja mais de dois milhões de apoiadores e cerca de 500 pessoas diretamente, em atuação no Instagram, no Facebook e no Twitter, além de possuir um site e grupos de discussões com colaboradores nas aplicações de mensagens: Telegram e WhatsApp.

6Tendo em vista o modelo de gestão de conteúdos da Mídia NINJA nas redes, que apresenta resultados positivos de alcance ao público, em termos de número de acessos, este artigo pretende compreender como funciona a gestão de conteúdos deste meio de comunicação alternativo, quais conteúdos são mais interativos e por que chamam a atenção do público. Portanto, nos propomos responder à questão sobre quais os efeitos do uso das novas tecnologias digitais pela Mídia NINJA como modelos de gestão dos produtos jornalísticos no público.

1. Media alternativos

7Media alternativos são quase sempre administrados de forma independente e muitas vezes estão focados na comunidade, a exemplo das rádios pirata e das publicações ativistas, e podem ser meios desde jornais a experimentos em vídeo digital ou a trabalhos radicais na web (Coyer, Dowmunt, & Fountain, 2007). Neste contexto, Atton (2002) acrescenta a tese de que tais meios de comunicação devem abranger todas as formas culturais de produção independente.

8Os media alternativos são organizações de base caracterizadas pelo conteúdo crítico de contra-hegemonia; com forte componente estética, empregam inovações ou adaptações reprodutivas, aproveitando a tecnologia disponível; e transformam os papéis e relações sociais em organizações coletivas baseadas em ligações horizontais entre os membros.

9Estes media independentes funcionam em menor escala e são mais acessíveis e participativos, no sentido de que propõem a prática de sujeito ativo (o público) na produção dos conteúdos e na crítica a estes. Na perspetiva de Lievrouw (2011), os media alternativos podem ser definidos como a combinação de artefactos materiais, práticas das pessoas e arranjos sociais e organizacionais envolvidos no processo da comunicação humana. No entanto, diferem de outras formas e sistemas de media em termos de design e uso: são continuamente recombinantes e formam uma rede complexa e dinâmica; e em termos de consequências sociais são onipresentes e interativos (com a interatividade sendo uma condição necessária para a participação social, política e cultural) (Lievrouw, 2011).

10Atton (2004) destaca que os media alternativos procuram ser participativos, emancipatórios, não comerciais, autênticos (ou seja, fiéis ao ponto de vista ou experiência de uma comunidade) e anti-institucionais.

11Estes meios de comunicação, tanto online, quanto offline, enfrentam um dilema político-económico: por um lado, sua autogestão os torna mais independentes dos interesses da elite do poder, mas, por outro lado, “confrontam o poder dos monopólios e oligopólios dos media, bem como o problema de mobilizar recursos sem apoio e publicidade do Estado” (Fuchs & Sandoval, 2015, p. 173). Portanto, em resumo, os media alternativos esbarram nas contradições entre voz crítica e autonomia, de um lado, e escassez de recursos e falta de visibilidade, do outro.

12Fuchs (2010) considera que nos sistemas de media alternativos há propriedade coletiva e tomada de decisões por consenso por parte dos que trabalham na organização, “sem hierarquias e autoridades, distribuição simétrica de energia, nenhuma propriedade privada externa, mas autogestão econômica” (p. 179), bem como financiamentos de atividades por via pública, divisão de trabalho sublinhada, utilização de tecnologias que permitem reprodução fácil e barata e práticas de distribuição alternativas. Tais bases estruturais servem para classificar os meios alternativos como não comerciais, sob a ótica de Fuchs (2010). No entanto, há exceções, visto que nem todos os media alternativos podem ser descritos como não comerciais.

13Como medium que possui um modelo de gestão de conteúdos alternativo, a distinção entre produção e receção desaparece, ou seja, a forma tradicional de comunicação emissor-recetor dá lugar à figura dos prosumers, produtores e consumidores ao mesmo tempo. Tal visão exige o estabelecimento de uma democracia participativa e de uma sociedade cooperativa, que ainda não está estabelecida concretamente.

14Destarte, as condições económicas abrangentes em que a imprensa alternativa de base decide se colocar são enfaticamente anticomerciais, em termos de mercado ou de economia da produção. Este molde traz consigo um “compromisso com a descentralização e compartilhamento de recursos, bem como com o potencial educacional e empoderador dos métodos empregados na construção de media alternativos, a fim de aumentar a participação em suas atividades” (Atton, 2002, p. 51).

15Os meios de comunicação alternativos são independentes porque rompem com as estruturas de poder das sociedades e buscam formas alternativas de sustentabilidade; destes, muitos conseguem manter-se e produzir conteúdos de qualidade. Estes também são media participativos e interativos na relação com o público e promovem a pluralidade e a diversidade. Outrossim, os alternativos são meios transformadores da paisagem mediática contemporânea e representam o alargamento das fontes noticiosas. Contudo, posicionam-se de forma extrema em suas linhas editoriais, o que, por vezes, impacta alguns públicos e pode pôr em xeque a ética jornalística.

2. Gestão de conteúdos

16Os média alternativos digitais surgem como meios, muitas vezes, ativistas, de contra-hegemonia, com a proposta de oferecer informações críticas e divergentes em relação ao que produz a imprensa tradicional, no sentido de tratar de temas que dizem respeito aos direitos humanos. Todavia, são meios que apelam a formas de sustentabilidade alternativas – como o financiamento coletivo – e, portanto, precisaram organizar mecanismos de gestão de conteúdos também alternativos, fazendo uso das novas tecnologias.

17O modus operandi dos media alternativos que optam por modelos não comerciais, baratos e abertos de produção e distribuição de conteúdos traz consigo um compromisso com a descentralização e o compartilhamento de recursos, “bem como com o potencial educacional e empoderador dos métodos empregados na construção de média alternativos, a fim de aumentar a participação em suas atividades” (Atton, 2002, p. 51).

18A alternativa que os media de contranarrativa encontram para a circulação e distribuição dentro de sua esfera pública é a exploração de novas tecnologias em rede reconhecidas como formas inovadoras, tais como aplicativos de mensagens, redes sociais (Facebook, Instagram, Twitter e, antes, Orkut e MSN), YouTube, Gmail, Google docs, Gtalk,e Twitcasting. Estes aplicativos estão disponíveis e são gratuitos, possibilitando, assim, publicar, produzir vídeos e áudios, transmitir em direto, realizar contatos com colaboradores, receber feedback, fazer circular a informação, distribui-la por vários tipos de público e ainda ter os conteúdos replicados.

19As novas tecnologias foram capazes de ajudar os media alternativos no processo de circulação e distribuição de conteúdos de modo a fazer chegar ao público as informações. No que concerne aos meios ativistas, como a Mídia NINJA, os media sociais podem ser usados como uma ferramenta para produzir representações mais autênticas dos movimentos sociais das ruas, através de live streaming e live-tweeting em smartphones (Bentes, 2015).

20Os meios mais utilizados pela Mídia NINJA e por outros media alternativos para distribuição dos seus conteúdos são conceptualizados como social media, como o Instagram, o Facebook e o Twitter. Fuchs (2017) utiliza o termo social media para se referir aos sites e serviços que surgiram no início dos anos 2000, incluindo sites de redes sociais, sites de compartilhamento de vídeo, plataformas de blogue e microblogue e ferramentas relacionadas que permitem aos participantes criar e compartilhar seu próprio conteúdo.

21Os social media possuem a funcionalidade necessária aos media alternativos: permitem a interatividade, a participação dos usuários e as relações sociais. Assim, o termo “media sociais” significa “serviços de informação em rede projetados para apoiar interação social profunda, formação de comunidades, oportunidades de colaboração e trabalho colaborativo” (Hunsinger & Senft, 2014, p. 1).

22Os conteúdos dos meios de comunicação alternativos encontram espaço nos social media devido à natureza destas plataformas: são “um ambiente no qual as informações são transmitidas de uma pessoa para outra ao longo de conexões sociais, para criar uma discussão ou comunidade distribuída” (Standage, 2013, p. 3).

23De acordo com Fuchs (2017), a própria palavra “social” associada a “media” implica que as plataformas são centradas no usuário e que facilitam as atividades comunitárias e a participação como colaboração humana. De fato, “os média sociais podem ser vistos como facilitadores online ou aprimoradores de redes humanas – redes de pessoas que promovem a conexão como um valor social” (van Dijk, 2013, p. 11). É importante apontarmos para a transformação da comunicação em rede para a socialidade “em plataforma” para entendermos a adoção dos social media pelos meios de comunicação alternativos. Em geral, as plataformas de media sociais são usadas diariamente como um meio de interação social no qual os usuários participam em fóruns, comunidades online, sites de redes sociais, salas de bate-papo e outros espaços sociais que permitem a partilha de conteúdos multimédia e a criação de interações sociais.

24Além disto, houve a transformação de uma cultura participativa para uma cultura de conectividade, em que os próprios usuários conseguem produzir textos, vídeos, podcasts, artes gráficas, memes, cartazes e outros. Os media e as redes sociais passaram a ser um modelo de negócios que consiste num banco de dados criado por seus próprios usuários, permitindo a convergência da comunicação pública e pessoal (Fuchs, 2017). Esta definição inclui o Facebook e o Twitter, o Reddit e o Tumblr, o Pinterest e o Instagram, o Blogger e o YouTube, entre outras plataformas.

2.1. Modelo Mídia NINJA

25Os novos media (meios de comunicação que surgiram com o advento da internet) desenvolveram-se como tecnologias híbridas ou recombinantes no sentido de que são resultado da combinação de sistemas antigos existentes (por exemplo, gravação de vídeo) e inovações (software que facilita o upload de vídeos no YouTube) (Lievrouw, 2011).

26Além dos projetos e géneros tecnológicos, Lievrouw (2011) aponta para o produto de uma relação contínua, complementar e mutuamente determinante entre a reconfiguração das tecnologias de comunicação e a remediação da ação comunicativa – expressão, interação, relações sociais e significado.

27Segundo Lievrouw (2011) a “reconfiguração é o processo contínuo pelo qual as pessoas adaptam, reinventam, reorganizam ou reconstroem as tecnologias de medium, conforme necessário, para atender aos seus diversos propósitos ou interesses” (p. 216). Assim, os usuários combinam técnicas novas e antigas de obtenção da informação e utilizam os meios disponíveis de maneira ativa – participação e interação nas redes. Este processo de reconfiguração distingue os novos media dos sistemas tradicionais de medium de massa. “As tecnologias reconfiguradas são frequentemente percebidas, adotadas e apropriadas por outras pessoas de maneiras imprevistas – reinventadas, sabotadas, adaptadas, hackeadas, ignoradas” (Lievrouw, 2011, p. 216).

28Na mobilização mediada e nos movimentos sociais contemporâneos, as tecnologias da comunicação não são apenas os meios para representar e transmitir uma agenda política, conforme ressalta Lievrouw (2011), mas eles próprios são arenas e espaços de relacionamentos e ação e ferramentas para intervenção. Deste modo, os meios digitais permitem a constituição de relações sociais propícias aos processos interativos da comunicação alternativa e independente.

29Na leitura de Castells (2009), para o movimento de justiça global de hoje, a internet e as tecnologias relacionadas são “sua forma organizacional e seu modo de ação” (p. 338). A tecnologia dos media tem como foco principal, claramente, a mutabilidade e a intertextualidade do conteúdo, segundo Lievrouw (2011). “Os média são estruturados mais como formações culturais amplas que geram vários tipos de conteúdo do que como configurações específicas de dispositivos, práticas e organização tecnológicas que existem em épocas e locais específicos, com certas ofertas e recursos materiais” (Lievrouw, 2011, p. 218).

30Um meio alternativo precisa das novas tecnologias para criar redes de distribuição e circulação de conteúdos, além de engendrar vínculos com uma infinidade de setores sociais – não restrita àqueles que estavam presentes em sua criação (Peschanski, 2007). As plataformas digitais são, muitas vezes, o único mecanismo plausível de gestão mediática, em razão da dificuldade de sustentabilidade de boa parte dos media alternativos. Estes meios sobrevivem de doações do público (crowdfunding), permutas, financiamentos de artistas e de colaboradores e, portanto, os recursos não são suficientes para o financiamento de um modelo de distribuição. Bentes (2015) sublinha que existe toda uma nova economia do comum e das redes que caracteriza os negócios 2.0, ou seja, a manutenção dos media na internet por meio do cooperativismo.

31Boa parte dos meios independentes formou redes compostas e vultosas a partir do uso das novas tecnologias, que servem como ferramentas de distribuição da informação.

32Assim, os novos media são distintos dos meios de comunicação de massa pelo facto de que os sistemas mais novos foram projetados e desenvolvidos como reorganizadores, desdobramentos, redes de tecnologias ponto-a-ponto, organizações e usuários (Lievrouw, 2011). A autora destaca, ainda, que o formato em rede dos novos media é projetado para permitir uma variedade de tecnologias (telefone, vídeo, som gravado, documentos de texto, banco de dados) e para os usuários se conectarem e desconectarem da rede.

33Um dos efeitos do uso das tecnologias é a aparente presença dos novos media em todos os lugares, o tempo todo, o que afeta todos nas sociedades em que eles são usados, independentemente da utilização direta (Lievrouw, 2011).

34Diante disto, Downing (1984) propõe a tese de medium autogerenciado para estes meios, que conseguiram desenvolver formas alternativas de evolução de conteúdos. Tal designação revela que a imprensa alternativa pode ser considerada inseparável da esfera pública alternativa, por meio de um relacionamento mútuo e sinérgico que propicia os meios de produção e consumo para o meio de comunicação. Ao mesmo tempo, a própria imprensa fornece material que sustenta a função da esfera como um local para a formulação, discussão e debate de ideias radicais e dissidentes (Atton, 2002).

35Sobre a distribuição, os meios de comunicação alternativos utilizam um método híbrido, ou seja, embora seus locais de distribuição sejam espaços públicos não necessariamente de cultura alternativa, sua abordagem é radical de modo a abrir um espaço alternativo dentro desses espaços, onde atos regulares de diálogo e discussão acompanham agora uma transação comercial (Atton, 2002).

36Um dos problemas do modelo autogerenciado, se não propuser uma gestão responsável, é a possibilidade de fomentar a precarização do trabalho, a exploração e a não remuneração (por vezes) dos trabalhadores destes meios de comunicação alternativos, com o argumento de ser um trabalho de colaboração. A produção de medium organizada coletivamente deve buscar meios de manutenção dos colaboradores, assim como formas estruturadas de produção frequente nas redes de atuação.

37O modelo de gestão de conteúdos adotado pela Mídia NINJA teve início com as transmissões em direto dos protestos de junho de 2013 no Brasil. Os vídeos tornaram-se virais, o que aumentou a visibilidade e o número de seguidores da rede nos níveis nacional e internacional. O uso das redes como forma de produção e distribuição de conteúdos pela Mídia NINJA justifica-se, em primeiro plano, pela falta de financiamento aos meios de comunicação alternativos e às redes de bens culturais coletivos na qual se enquadra o Fora do Eixo (coletivo que deu origem à Mídia NINJA), no Brasil, em que apenas os tradicionais possuem concessões. Em segundo lugar, a expansão maciça das TIC no Brasil e o surgimento de novas tecnologias de média digitais, juntamente com a crise das redações de jornais, editoras e redações, provocou uma queda das audiências das televisões e do jornalismo convencional, o que permitiu que novos media surgissem com a proposta de distribuir conteúdos gratuitamente e com temas sociais que não eram tratados pelos mainstream.

38A Mídia NINJA assume posicionamentos políticos explícitos em sua cobertura, o que o meio considera uma prática essencial que mostra sua transparência na produção de notícias. De acordo com Seoane e Hornidge (2018, pp. 9-10) “a Mídia NINJA possui um quadro tecnológico, inspirado no movimento mais amplo da cultura digital no Brasil, que aproveita ativamente a flexibilidade interpretativa das tecnologias, de maneira favorável aos seus objetivos organizacionais”.

40A Mídia NINJA surgiu como um novo tipo de medium alternativo online e coletivo que, atualmente, desempenha um papel importante na disseminação de informações críticas e no desafio dos media comerciais convencionais no Brasil, conforme explicam Seoane e Hornidge (2018).

2.2. Desvantagens do uso das tecnologias

41A principal questão sobre o uso das tecnologias digitais, sobretudo dos smartphones e das plataformas de social media (Facebook, Twitter, YouTube, Twitcasting), pelos media alternativos é a contradição em relação aos princípios pregados por esses meios: de independência, cultura livre e combate à privatização. As tecnologias de media digitais foram produzidas no contexto de países industrializados, com fins lucrativos baseados em novos modelos de negócios orientados para dados que dependem da criação de perfil das atividades dos usuários para vender publicidade (Seoane & Hornidge, 2018). Consequentemente, pode-se argumentar que, usando smartphones e plataformas de social media, a Mídia NINJA reforça a ideologia do livre mercado aliado a uma crença no potencial emancipatório das tecnologias, como reforçam os autores. Deste modo, ao usar as novas tecnologias digitais, a Mídia NINJA está contribuindo para o processo de concentração e privatização de dados e conteúdo de medium em plataformas estrangeiras da internet.

42Outro ponto de situação é que o modelo de distribuição via novas tecnologias suscita discussão sobre a democratização da informação, relevante aos estudos da comunicação. A internet surgiu como mecanismo de abertura de conteúdos e acesso à informação, garantia da liberdade de expressão e da livre opinião, mas nem todos têm acesso aos canais de comunicação na rede. O ponto de situação mais importante é que a inclusão digital não é absoluta no mundo, sobretudo nos países periféricos, onde algumas comunidades ainda não utilizam a internet. “A hipótese do fim da desigualdade de informação (o que é, de forma enganosa, muitas vezes chamada de ‘brecha digital’) devido à rápida adoção da internet… é um mito”, conforme constata Trappel (2019).

43Em meio à enorme quantidade de conteúdos disponibilizados na web, o recetor perde-se na busca por informação e, principalmente, não há conhecimento sobre quais meios são confiáveis. Este movimento acaba por criar uma polarização na rede, resultado da busca por mensagens que legitimem opiniões e ideologias, bem como a desinformação ou a informação por meio de notícias falsas.

44Segundo McQuail (2019), a realidade é sóbria: há muitas vozes, mas não há uma grande audiência. O escopo de atenção é limitado, e algoritmos não transparentes e bolhas de filtro influenciam o consumo de conteúdo de média (Sunstein, 2009). Nestas condições, o papel dos media estabelecidos (mainstream) na seleção das vozes que consideram dignas de representação é ainda mais importante, além do espaço mais alargado que adquirem pela via da compra, o que os media alternativos não conseguem, muitas vezes, em virtude da escassez de recursos. Entrar no mercado de “atenção” torna-se difícil, apesar dos baixos custos de publicação (Barabási, 2002; Jakubowicz, 2015).

45Outrossim, na visão de Di Gennaro e Dutton (2006), a internet parece estar promovendo a exclusão política em vez da inclusão. O posicionamento político dos media, que ganha força na internet devido à distribuição em massa, aumenta a desigualdade no conhecimento sobre informação política e conhecimento político entre diferentes grupos da sociedade (Aalberg, Blekesaune, & Elvestad, 2013).

47Em suma, no contexto das atuais sociedades funcionalmente complexas e culturalmente pluralistas, definidas em função da presença de um espaço público politicamente ativo, pelo viés reflexivo de Esteves (2011), a democracia não está fundamentada, mas necessita de reforço e qualificação, no sentido de promover o debate, o pensamento crítico e o senso analítico no público, e ainda, de modo mais essencial, a inclusão. E não apenas a democracia identificada pelas diferentes formas de troca regular de conteúdos e informações e de partilha colaborativa de serviços entre utilizadores, que criam novas possibilidades de intervenção cívica (Esteves, 2011).

3. Métodos de análise

48A chegada da Internet colocou um desafio significativo para a compreensão dos métodos de pesquisa (Hine, 2005). Segundo a autora, as interações mediadas surgiram como as principais maneiras como as práticas sociais são definidas e experienciadas; deste modo, há a necessidade de pesquisar e entender as interações mediadas tecnologicamente. A partir daí surge a “netnografia” como ferramenta metodológica, paralela à etnografia e dando suporte a esta, com a finalidade de caracterizar a virtualidade, a desmaterialização e a digitalização de conteúdos (Rocha, 2006).

49Hine (2000, 2005) popularizou o termo etnografia virtual; já “netnografia” foi cunhado na primeira metade dos anos 90 por Kozinets.

50Com base na netnografia, a internet pode ser estudada enquanto modelo de abordagem como cultura ou como artefacto. Assim, podemos considerar na pesquisa o contexto cultural dos fenómenos que ocorrem nas comunidades e/ou nos mundos virtuais, como funções, formações sociais, tipos de organizações, conflitos e cooperações. É também possível observar a inserção da tecnologia na vida quotidiana.

51A etnografia tem propósito, portanto, para situar e posicionar a cibercultura no lugar onde ela é produzida e significada, ou seja, nas práticas, experiências e sensibilidades da vida vivida e não daquela imaginada. Assim, é possível pensar a relação mediada, ou melhor, as dificuldades de produzir uma reflexão incorporando a mediação técnica na etnografia. A netnografia permite também naturalizar as categorias do campo como se elas pudessem ser, imediatamente, categorias analíticas, por exemplo, as “comunidades virtuais” ou as “novas formas de sociabilidade” e mesmo a “cibercultura” (Rifiotis, 2016).

52Este modelo de estudo revela a necessidade de pensar a internet como um espaço social no qual se pode legitimamente fazer pesquisa antropológica; isso porque as pessoas convivem e vivem nos espaços virtuais. Isto posto, a etnografia virtual considera os comportamentos das pessoas na internet enquanto fenómeno sociológico.

53Uma etnografia da internet pode observar em detalhe as maneiras como o uso de uma tecnologia é experimentado. A observação no meio virtual é essencial para perceber as relações, as atividades e os significados que são forjados entre aqueles que participam dos processos sociais desse mundo. “O objetivo é tornar explícitas certas maneiras de construir o significado das pessoas, que geralmente são tácitas ou são um dado adquirido (…)” (Hine, 2004, p. 17).

54Adicionalmente, segundo Kozinets (1998), a etnografia virtual ou netnografia torna-se menos subjetiva do que a etnografia tradicional porque é possível abarcar registos de vários tipos de materiais coletados online, ou “artefactos”, tais como imagens, arquivos de áudio e de vídeo, troca de e-mails, registos das conversas públicas e particulares através do metaverso.

3.1. Percursos metodológicos

55O método de investigação foi constituído pela “netnografia” de dois grupos do Telegram da Mídia Ninja (NINJASP e NINJADF), por meio da observação de conversas realizadas entre 23 de agosto e 10 de setembro de 2019 e depois nos dias 13 de dezembro de 2019, 26 de janeiro de 2020 e 5 de fevereiro de 2020, e de sete peças de conteúdos publicadas no Instagram nos dias 10 e 11 de setembro de 2019 e 8 e 9 de fevereiro de 2020. Desta forma, ressaltamos as dinâmicas do medium nos grupos de Telegram, valendo-nos de um procedimento metodológico de cunho qualitativo: a análise de conteúdo como forma de perceber e interpretar as discussões no grupo da Mídia NINJA, com o intuito de confirmar o modelo de autogestão e de colaboração horizontal utilizado pelo meio de comunicação. A partir desta experiência empírica, averiguámos se os múltiplos usos desta plataforma de tecnologia móvel e da rede social representaram novas formas de produção e distribuição mediáticas.

56Na amostra do Telegram, que foi utilizada na pesquisa, estão conversas que contêm discussões sobre temas e modos de publicações nas redes sociais. Seguindo os critérios de análise de Franklin (2012), decidiu-se aplicar aqueles que melhor se enquadram na questão de pesquisa: projeto da plataforma; usos da plataforma, análise de conteúdo, temas da plataforma; características tecnológicas; e o papel da plataforma em um cenário maior.

57No que concerne à observação no Instagram, em que usamos apenas a netnografia para estudar os fenómenos de disseminação de conteúdos e as reações do público, com o intuito de verificar o alcance das publicações, a amostra foi escolhida sob o critério do número de visualizações, “gostos” e comentários das peças publicadas.

58As peças do Instagram e as conversas do chat do Telegram foram eleitas de acordo com o critério do número de comentários e “gostos”, no caso do Instagram, e, no que respeita às conversas, foram selecionadas as que continham discussões e resoluções sobre a produção jornalística da Mídia NINJA.

59A netnografia é apropriada para a pesquisa por delimitar o contexto da análise, que é a internet. Por meio do método, é possível obter informações úteis, analisando o comportamento do medium e dos usuários na esfera interativa da rede. Para as pesquisas no Instagram e no Telegram, a abordagem netnográfica é adaptada para combinar diferentes áreas de análise: conversas, vídeos, fotografias, memes e cartazes (os dois últimos apenas no Instagram). Uma abordagem netnográfica foi usada para considerar a distribuição e receção de conteúdos no Instagram, por ser a plataforma mais utilizada pela Mídia NINJA atualmente, e a gestão dos conteúdos no Telegram, que é onde os grupos de colaboradores e membros do meio de comunicação organizam a produção.

60Utilizou-se a análise de conteúdo para compreender, por meio das análises das palavras e das frases (linguagem informal utilizada – que figura a horizontalidade da produção –, interjeições, termos utilizados para solicitar e sugerir conteúdos, por exemplo), as informações recebidas dos grupos do Telegram. Como complemento da abordagem netnográfica, foi realizada uma entrevista para enquadrar a utilização das novas tecnologias como meios de distribuição da Mídia NINJA. Os dados da entrevista também foram explorados por meio da análise de conteúdo, através da avaliação dos termos utilizados pelo entrevistado que revelam a descrição do modelo de produção da Mídia NINJA.

61Pela via de entrevistas qualitativas, é possível entender experiências e reconstruir eventos nos quais o pesquisador não participa e, portanto, através da descrição precisa dos processos sociais, esse tipo de entrevistas permite uma compreensão adicional das modalidades e dos motivos pelos quais as coisas mudam (Rubin & Rubin, 2005). A entrevista semiestruturada foi realizada com o membro-fundador do medium alternativo, Felipe Altenfelder, em 11 de setembro de 2019, na Casa Ninja Lisboa. Os temas abordados foram: o modelo de produção e distribuição utilizado pela Mídia NINJA, as tecnologias empregadas, como usam as redes sociais e qual o alcance destas plataformas, sobretudo do Instagram.

62O tratamento dos dados foi feito levando-se em conta os aspetos apontados por Kozinets (2010): linguagem, normas e símbolos específicos partilhados pelos grupos, com as identidades e cargos revelados para se perceber a horizontalidade e a forma de participação daquelas pessoas no chat. Uma vez que foi caracterizada a amostra, era preciso saber que tipos de comunidades online essa amostra revela. Em seguida, foi importante observar as interações ocorridas entre os membros da comunidade online para perceber como estes se organizam na produção dos conteúdos.

63A observação e a coleta de dados foi possível pelo facto de a pesquisadora/observadora estar, desde agosto de 2018, como membro do grupo (apenas para efeito da pesquisa, conforme consentimento da Mídia Ninja, após solicitação formal via e-mail). A escolha das conversas foi feita por datas (que é a disposição normal dos grupos) e por conter teor participativo no que concerne às sugestões e às propostas que foram discutidas e geraram decisões sobre conteúdos a serem publicados.

64Na etapa de exploração do material recolhido na entrevista e nas conversas dos grupos foi realizada a análise textual, como já mencionámos antes, a qual busca compreender cada conteúdo a partir de cada frase ou palavras encontradas nos textos selecionadas como importantes, segundo os objetivos da pesquisa.

4. Resultados

65A Mídia NINJA utiliza as tecnologias para a sua evolução de conteúdos, de forma a fazer circular e a distribuir informação nas redes. O coletivo segue alguns princípios baseados em eixos de linguagens: texto, foto, vídeo, design e edição. Cada uma dessas linguagens são geridas por meio de chats específicos, processos de formação específicos e pessoas específicas destacadas para cumprir as tarefas. Trata-se de um modelo de autogerenciamento de Downing (2002).

66Os grupos de Telegram da Mídia NINJA que foram estudados e o Instagram deste medium representam uma amostra dos ambientes virtuais mais ativos. Os chats são ambientes de diálogos que levam os nomes das casas cooperativas (espaços físicos onde vivem e trabalham alguns dos membros do meio de comunicação) mais atuantes: São Paulo e Brasília. As dinâmicas nos grupos da Mídia NINJA acontecem da seguinte forma: um evento é organizado, por exemplo, e em seguida a informação é enviada ao grupo de design para que seja elaborado o flyer para a divulgação. O material de divulgação é colocado no chat de conteúdo para que seja publicado nas redes e é repassado para todas as casas coletivas e grupos de colaboradores da Mídia NINJA, com o intuito de disseminar a informação.

A gente consegue, através dos chats, ir se estruturando e fazendo os cruzamentos. Tem a dinâmica da cobertura colaborativa onde vem a discussão sobre crédito, de uma identidade coletiva, de você conseguir ter um grupo grande de pessoas focadas no mesmo objetivo para conseguir trabalhar todas as linguagens (Felipe Altenfelder, membro-fundador da Mídia NINJA, em 11 de setembro de 2019).

67Há princípios no trabalho realizado pela Mídia NINJA. O processo de produção prevê eixos de linguagens: texto, foto, vídeo, design e edição. “Cada uma dessas linguagens tem os seus acúmulos próprios dentro da metodologia”, de acordo com Felipe Altenfelder. No modelo de gestão do medium há chats específicos, processos de formação específicos e pessoas específicas destacadas para cumprir as tarefas; e há pessoas que estão no núcleo de gestão dos fluxos destas linguagens que coordenam os chats nos quais esses produtos são criados. Assim, o que será distribuído é definido nos grupos de conversas entre colaboradores e membros efetivos.

68A Mídia NINJA figura como um fenómeno da comunicação por ter introduzido o jornalismo ativista ou media ativismo – utilização dos meios de comunicação e da internet pelos movimentos sociais e políticos de protesto – com o uso das transmissões em direto das manifestações políticas ocorridas no Brasil, em 2013, como já referimos. Os produtores usavam gerador, caixa de som, mesa de corte, computador, mesa de som, tripé, câmara e microfone levados em um carrinho de compras. À medida que as tecnologias foram surgindo, eles passaram a utilizar aplicativos para a transmissão dos factos – o Twitcasting (aplicativo japonês) foi o primeiro; de seguida era possível transmitir via Facebook.

69O Instagram da Mídia NINJA possui 1,6 milhão de seguidores. As peças publicadas costumam atingir mais de mil gostos. Esta rede social é um campo importante de estudo porque nos oferece dados sobre o alcance das publicações do medium alternativo e por ser, atualmente, o meio mais ativo e mais utilizado pelo público para ver as notícias da Mídia NINJA. Esta afirmação é comprovada pelo número de seguidores e de interações na página do Instagram. As peças divulgadas pela Mídia NINJA suprem a pesquisa de dados (número de acessos) que possibilitam a verificação da eficácia do modelo de gestão através das novas tecnologias o modo de interação do público. É possível perceber diferenças entre os conteúdos, ou seja, alguns são mais vistos e comentados que outros. Isso tem que ver não com o formato, mas com o tema, como iremos tratar, de forma mais aprofundada, nos próximos parágrafos.

72Os exemplos mostram o grande alcance que a Mídia NINJA tem junto ao público, por meio do uso dos media sociais para a distribuição de conteúdo de forma gratuita. O uso do Instagram é uma via de distribuição que consegue atrair leitores por ser gratuito e por propor conteúdos rápidos e curtos, que é o formato adotado pela Mídia NINJA, por esta ser um meio de comunicação ativista. A Mídia NINJA questiona decisões governamentais contrárias aos seus posicionamentos políticos, o que gera polémica nas publicações. Assim, esta forma de crítica às medidas governamentais e o modo como a Mídia NINJA trata os temas (com clareza ideológica e partidária, além de, muitas vezes, usarem memes com teor cômico) são justificativos para a grande repercussão – que pode ser medida através das ferramentas dos social media (“gostos”, partilhas, comentários e visualizações) que são mecanismos de interação e participação – que conseguem na rede virtual.

73Sobre os tipos de conteúdos, os vídeos normalmente atraem mais as audiências e mais interatividade, no entanto, as fotografias e os memes também são peças que alcançam números elevados de “gostos” e comentários. A escolha dos conteúdos diz respeito aos temas. No Brasil, há assuntos mais polémicos que outros, como violência, política (PT, esquerda e direita, governo atual), Big Brother Brasil, feminismo e racismo, os quais são, portanto, mais vistos e mais comentados atualmente pelo público no Instagram.

74É relevante observar que o Instagram deixou de mostrar os números de gostos a partir de meados de 2019. Assim, a amostra mais recente da análise do Instagram tem o número de “gostos” identificado por “mil” ou “milhares”.

75As peças revelam também de que modo a informação é transmitida ao público: de maneira rápida, ativista, para chocar, sempre com teor crítico e combativo. Portanto, podemos afirmar que o modelo de gestão da Mídia NINJA é ativista, porque pretende mobilizar populações, e simplificada. Os conteúdos possuem formatos com mensagens curtas. O medium investe mais em imagens e audiovisual; assim, o Instagram é a rede mais utilizada pela Mídia Ninja, em virtude da possibilidade de publicação de diversos meios tecnológicos, como vídeos e hiperligações, e formatos, tais como memes, cartazes, gráficos, com a possibilidade de utilização do feed de notícias e das stories, que são visualizadas por muitas pessoas.

76O meio de comunicação alternativo posiciona-se de forma extrema em suas ideologias e partidarismos. Neste contexto, apesar de o medium ser claro quanto às suas posições nos meios onde atua, ele ajuda na polarização da comunicação e, assim, as mensagens costumam atingir apenas os que possuem o mesmo pensamento, legitimando-os. A preocupação é com o aumento do impacto da retórica populista ou ideológica exibida nas notícias e o uso do espaço mediático para convencimentos e manipulações em prol de partidos, candidatos e ideias, o que figura um processo antidemocrático.

77Já nos chats, conseguimos perceber as discussões sobre os temas e as decisões tomadas sobre o que vai ser publicado. Semanalmente, há uma agenda colocada nos grupos por um dos membros da Mídia NINJA para que os colaboradores se organizem para cobrir os eventos. Durante as coberturas, eles mandam fotos e vídeos e até textos para serem publicados nas redes. Todos os integrantes sugerem pautas e o assunto é debatido para definir o que será publicado e de que forma. Há membros fundadores que fazem parte do núcleo oficial da Mídia NINJA e são estes que tomam as decisões finais e administram os grupos.

78No dia 23 de agosto de 2019, Emily Freitas (integrante do grupo NINJA SP) propôs que se fizesse uma reportagem sobre a produção de gado na Amazônia, durante as notícias sobre o desmatamento na região. Já no dia 28 de agosto de 2019, Laio Rocha (integrante do grupo NINJA SP) perguntou no chat se era possível uma reportagem especial de um coletivo chamado Periferia em Movimento. Raíssa Galvão (membro-fundador da Mídia Ninja) respondeu que sim.

79Sobre os atos que aconteceram no dia 7 de setembro no Brasil, o chat NINJA DF discutiu possibilidades de coberturas e formatos de publicação de conteúdos:

Beleza, pode ir mandando aqui, rola fazer videozinhos também! (Pâmela Ortiz, membro da Mídia NINJA, em 7/9/2019).

80A respeito de uma entrevista concedida à Mídia NINJA pelo diretor executivo do The Intercept em sessão na Câmara de Deputados, no dia 10 de setembro de 2019, os membros do NINJA DF debateram quais assuntos poderiam ser tratados:

Pessoal, posso tentar pegar um vídeo do Demori ao final da sessão. Tem alguma pergunta específica que vcs acham interessante fazer? (Yasmin Velloso, integrante do grupo NINJA DF, em 10/9/2019).

Pega com ele falando qual a importância de trazer as revelações da Vaza Jato para o congresso e debater elas com os deputados da casa (Raíssa Galvão, membro fundador da Mídia NINJA, em 10/9/2019).

81No dia 30 de agosto de 2019, Renata Callaça avisou que estava a participar em um evento na cidade de Natal e que recebeu a informação de que havia um incêndio na localidade:

Gente, estou no encontro do campo de públicas em Natal. Recebi uma informação de que tem um incêndio no Noroeste. Fiquei preocupada com o Santuário. Vcs sabem de alguma coisa? (Renata Callaça, membro do grupo NINJA DF, em 30/08/2019)

Recebi umas fotos do incêndio em um grupo de comunicação do PT, mas não confirmei com nenhum dos “compas” (companheiros) que vivem lá (Laís Vitória, membro do grupo NINJA DF, em 30/08/2019).

82Em 13 de dezembro de 2019, Isis Maria do chat NINJA DF avisou o grupo de que havia preparado material jornalístico para a Mídia NINJA. Esta fala representa a forma de colaboração dos membros e como acontece a negociação dos conteúdos:

Tamo com material aqui pra montar um vídeo e as fotos também (Isis Maria, membro do grupo NINJA DF, em 13/12/2019).

83No dia 26 de janeiro de 2020, uma conversa de Thanee Degasperi no grupo NINJA DF convocava os membros do chat para mandarem o que tivessem de temas a serem tratados pela Mídia NINJA, o que mostra a informalidade na linguagem e a produção coletiva do meio de comunicação. Os temas são sugeridos e debatidos no grupo:

Ei gente linda! O ano começou tem quase 1 mês, e já teve nota errada no ENEM, Bolsonaro racista — novidaaaade — e violência, mas também tá rolando uma luta forte pela cultura! Tamo no Oscar! E tá rolando algo na cidade de vcs, tem alguma agenda, evento, ato? O que estiver acontecendo, manda pra gente, a agenda e cobertura. Vamo nessa que carnaval tá vindo aí tb e vai ter muita coisa linda pra gente mostrar! (Thanee Degasperi, membro do grupo NINJA DF, em 26/01/2020)

84No dia 5 de fevereiro de 2020, Júlia Nagle do chat NINJA SP pediu para enviar uma ilustração que havia produzido após aprender a técnica numa oficina organizada pela Mídia NINJA:

Não é o foco do grupo né mas eu fiz um desenho sobre a madrugada de hoje e pensei q talvez possa ser uma #pauta??? Não sei mas vou mandar hihihi (Júlia Nagle, membro do grupo NINJA SP, em 05/02/2020).

Claro, manda aqui pra gente (Raíssa Galvão, membro-fundador e administradora do grupo NINJA SP, em 05/02/2020).

85Nas conversas foi possível perceber a dinâmica de autogestão e de horizontalidade da Mídia NINJA. NINJA DF e NINJA SP são grupos que acolhem ativistas que fazem parte também de outros movimentos, associações, partidos e organizações, além dos membros efetivos. Os colaboradores vão a eventos ou por motivos pessoais ou porque são enviados por outros movimentos dos quais fazem parte e aproveitam para fotografar e escrever textos para o medium. O material enviado através do Telegram é editado e utilizado nas redes sociais e no site. Por meio desta disposição dos chats, é possível perceber o modelo cooperativo e de colaboração em rede da Mídia NINJA. A horizontalidade está presente, visto que todos discutem, emitem opiniões e se prestam a fazer as coberturas das agendas previstas. Verificamos agilidade nos grupos: o material é enviado do local onde está a acontecer o ato ou logo a seguir, o que comprova o modelo ativista da Mídia NINJA (publicações rápidas e instantâneas). A linguagem nos grupos é informal, com uso de gírias e palavras abreviadas e percebe-se a sociabilidade entre os membros.

86Em suma, nas publicações no Instagram observámos as interações (“gostos”, visualizações, partilhas e comentários) a fim de identificar o alcance das publicações e percebermos os tipos de conteúdos que mais atraem o público, que são os que envolvem temas polémicos: política, Big Brother Brasil, racismo e feminismo. Os chats e a entrevista foram utilizados para descortinar o modelo de organização mediático. Entretanto, a entrevista serviu como complemento para confirmar o funcionamento da Mídia NINJA e descrever os detalhes do modelo de gestão de conteúdos utilizado.

87Deste modo, a análise dos conteúdos recolhidos nas conversas dos grupos e na entrevista proporcionou à pesquisa a confirmação de que o modelo de gestão deste medium alternativo alcança o público, que interage, participa por meio das funcionalidades do Instagram (“gostos”, partilhas, comentários e visualizações) e escolhe os temas que mais lhe despertam interesse. A afirmação tem como base as dinâmicas de discussão nos chats da Mídia NINJA, que são capazes de planear, organizar, definir e produzir métodos de publicação e distribuição dos conteúdos de forma rápida e que geram produtos com impacto nos seguidores, em virtude do teor crítico. Este formato de construção da informação presente nos grupos de Telegram foi atestado pelo membro-fundador da Mídia NINJA na entrevista utilizada como complemento da pesquisa. Ademais, o alcance dos conteúdos junto ao público (detetado por meio do número de visualizações, “gostos”, comentários e partilhas das peças do Instagram) comprova que o modelo de gestão adotado pelo meio de comunicação alternativo atrai um grande número de seguidores, que são os leitores do medium e, portanto, participam, interagem e escolhem conteúdos.

Conclusão

88A internet trouxe oportunidades aos media alternativos. A redução dos custos de produção, distribuição e pesquisa de conteúdos permitiu a proficiência das dinâmicas de geração de conteúdos. Hoje, estes meios digitais e independentes podem competir em audiência com os tradicionais devido, em parte, à hiperabundância informativa nas redes, que baixou o valor da informação. O empowerment dos indivíduos impulsionado pela conectividade digital conduziu à autocomunicação de massas (Castells, 2009).

89Sobre as tecnologias, os media alternativos seguem acompanhando os modelos mais novos do mercado a fim de poder garantir a distribuição, a chamada mobilidade subjetiva, para se adaptarem às ondas tecnológicas. Isto tem feito com que os meios de comunicação independentes consigam alcançar públicos diversos, apesar dos posicionamentos ideológicos.

90A análise desenvolvida neste artigo contribui para o aprofundamento do conhecimento científico sobre os novos processos de produção jornalística e de que maneira tais processos auxiliam no fortalecimento da garantia da informação e da participação mediada pelo digital.

91Concluímos, portanto, que a Mídia NINJA consegue alargar seu público nas redes sociais, sobretudo no Instagram, utilizando-se de meios tecnológicos. O modelo de distribuição do medium tem efeito no que se propõe: ativismo e informação rápida na internet. Todavia, em uma análise mais apurada, os conteúdos da Mídia NINJA são superficiais e polarizados. Esta última conclusão deve-se ao facto de o medium assumir posturas ideológicas. Assim, este meio atrai, maioritariamente, o público de esquerda.

92A análise das peças do Instagram da Mídia NINJA nos propiciou a confirmação do alcance do medium alternativo nas redes, enquanto a observação nos grupos de Telegram, através da netnografia, que facilitou a compreensão das relações sociais dentro das plataformas digitais, foi crucial para percebermos a organização do processo chamado tripé: produção, circulação e distribuição. Como abordagem complementar, a entrevista ao membro da Mídia NINJA confirmou os procedimentos e o detalhamento do modelo de gestão utilizado.

93Os dados empíricos recolhidos com base na observação online não participante e na entrevista permitiram desenhar um modelo de gestão comunicacional mediático e ativista organizado fundamentalmente com base nas tecnologias digitais.

94Debruçámo-nos sobre a importante reflexão sobre as potencialidades das novas tecnologias no cumprimento do estado pleno de democracia. Que critérios, condições e objetivos devem reunir estas novas tecnologias para que a sua comunicação possa ser reconhecida como um fator de enriquecimento da democracia?

95A autogestão viabiliza a libertação dos conteúdos, no sentido da diversidade dos assuntos tratados. Outro ponto relevante e vantajoso deste método é a promoção da participação, da interação, da pluralidade e da abertura para modelos mais críticos e independentes de jornalismo.

96Em contraponto, um dos principais bloqueios das nossas democracias resulta da produção de “discursos e ideologias dominantes que, de um modo geral, se apresentam entrelaçados com forças económicas estruturais” (Dryzeck, 2001, p. 21); e não só: os media a alternativos também impõem discursos e, portanto, as novas tecnologias servem estes meios de comunicação no apoio a partidos, por exemplo.

97Por conseguinte, as debilidades do modo de tratamento dos conteúdos pela Mídia NINJA concentram-se nas falhas da própria rede, na medida em que este espaço não garante a democratização da informação; e na polarização e na superficialidade dos conteúdos.

98O esforço teórico-analítico dos media alternativos e a forma como produzem e distribuem seus conteúdos nos trouxe o entendimento sobre estes processos, que passaram a ser utilizados aquando do surgimento dos meios de comunicação digitais e do emprego das redes sociais na divulgação e disseminação das notícias. Destarte, este artigo apresentou discussões sobre o modelo autogerenciado (Downing, 2002) dos meios de comunicação alternativos, através de autores como Atton (2002) e Lievrouw (2011). O ponto fulcral do debate foi o uso das novas tecnologias no processo de circulação e distribuição de conteúdos de modo a fazer chegar ao público as informações. Assim, vários tipos de plataformas e mecanismos servem de aparato aos novos media.

99À luz dos conceitos de Atton (2002), Coyer et al. (2007), Fuchs (2010) e Lievrouw (2011), foi-nos possível compreender onde estão situados os media alternativos nos espaços cultural, político e económico, bem como os modos de operação no que concerne à escolha dos temas e à linha editorial, aos comportamentos junto ao público e à sustentabilidade. Entendemos que os media alternativos e os novos formatos de produção jornalística são, de certo modo, responsáveis pelas mudanças sistemáticas das formas de transmissão da informação.

100Neste sentido, os media alternativos continuam a ocupar espaços na internet e a buscar novas formas de fazer chegar a informação às audiências, através dos novos modelos de gestão, com a ressalva da dificuldade da sustentabilidade.