Rosa, António Machuco (2006). Cinco Lições sobre Comunicação, Rede e Tecnologias da Informação: da Cibernética ao Copyright. Editora Nova Vega.
Rosa, António Machuco, Cinco Lições sobre Comunicação, Rede e Tecnologias da Informação: da Cibernética ao Copyright, Editora Nova Vega
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1Foi com grande surpresa e satisfação que encontrei esta obra sobre redes e tecnologias de informação. A obra apresenta uma visão original, multifacetada e porventura em contracorrente face ao conceito de redes. Machuco Rosa não embarca na visão da rede global de Castells, identificando-se mais com a visão fragmentada e desigual dos “pequenos mundos”. António Machuco Rosa, com formação de base em filosofia, é Professor na Universidade Lusófona e autor de vários trabalhos na área da filosofia da ciência. Esta obra, que se reveste de grande originalidade e de uma cuidada qualidade científica, é baseada nas provas de Agregação defendidas pelo autor no Instituto de Ciências Sociais da Universidade do Minho em 2005. As Cinco Lições são realmente cinco visões diferentes da problemática das redes, que demonstram a personalidade eclética do autor. As áreas tratadas vão da informática ao direito, passando pela matemática e pela economia. Os diferentes capítulos tratam de arquitecturas computacionais, da evolução histórica da Internet, da matemática das redes, da visão económica das redes, finalizando com a visão do direito na dicotomia privado/público do mundo digital.
Cibernética e sistemas complexos
2Este capítulo desenvolve-se tratando de assuntos tão diversos como as arquitecturas de von Neumann, complexidade, autómatos celulares, “jogo da vida”, cibernética de Norbert Wiener, algoritmos das “colónias de formigas” e teoria do controlo. Julgo que o capítulo se tornaria mais didáctico se fosse apresentada a diferença entre as duas correntes dos “lógicos” e dos “conexionistas”. Dentro do movimento “lógico” seriam definidas as arquitecturas de von Neumann e os trabalhos de Norbert Wiener relacionados com a teoria de controlo que têm como denominador comum a centralização. Por outro lado, os autómatos celulares, “o jogo da vida” e os algoritmos das “colónias de formigas” são exemplos da escola “conexionista” onde aparece a noção de rede que se desenvolve nos capítulos seguintes. A cibernética deve ser vista como uma tentativa de unificação das duas correntes que, tendo sido criada nos anos 50, não teve continuidade na indústria e teve uma influência diminuta nos centros de investigação.
Evolução das redes de computadores
3O capítulo começa por apresentar os trabalhos dos mentores da ARPAnet, designadamente Joseph Licklider e Paul Baran. Durante a “guerra fria”, a rede de comunicações das forças armadas dos EUA, ARPAnet, deveria ter uma tal robustez (o autor utiliza o termo resistência) que suportasse um ataque nuclear em que grande número de ligações entre os centros de operações fosse eventualmente interrompido. A solução encontrada foi uma rede com o maior número de ligações entre centros e portanto altamente redundante e robusta, na qual a quebra de uma ligação não afecta a transmissão de uma comunicação. A capacidade de auto-organização das redes advém da sua redundância e robustez, tal como acontece com o cérebro animal. A evolução passa pela criação de redes de computadores no ambiente universitário, a NSFnet, e na adopção do protocolo TCP/IP, que se mantém até aos nossos dias. A abertura da rede a ambientes comerciais nos anos 90 e a criação da WWW irá marcar as próximas décadas. Na análise da WWW, ao contrário do que se poderia pensar, vamos encontrar uma estrutura desigual: existem poucas páginas densamente conectadas e um grande número de páginas muito pouco conectadas, que segue a distribuição da potência, utilizada com grande êxito pela Google.
Teoria das redes
4Quando aos fins-de-semana as famílias passeavam nas pontes de Königsberg, na Prússia do século XVIII, tentando voltar a um ponto inicial depois de passar pelas sete pontes da cidade, estavam longe de pensar que esse quebra-cabeças iria dar origem à teoria dos grafos e redes iniciada por Euler. Os estudos de redes sociais iniciados nos anos 30 e os desenvolvimentos nos anos 60 de Sanley Milgran levaram ao conceito de “pequeno mundo” e à noção dos “seis graus de separação”, que preconiza que a distância média entre qualquer par de indivíduos é de seis ligações. Um exemplo interessante dos pequenos mundos é o “número de Erdös”. Erdös foi o criador dos grafos aleatórios, é autor de mais de 1500 artigos e trabalhou com cerca de 500 investigadores. Erdös tem o número zero e os investigadores com quem trabalhou têm o número 1 de Erdös. Quem publicou com os números 1 de Erdös tem o número 2 de Erdös, e assim sucessivamente. Por exemplo, o autor destas notas tem o número 4 de Erdös. O mundo das redes e grafos é também um mundo pequeno. Neste capítulo são ainda apresentados os mais recentes conceitos de “matemática das redes”. Esta disciplina tem essencialmente duas medidas: o grau de separação e o grau de agregação, desenvolvidos nos modelos de Watts-Strogazt, Barabási e de um reconhecido Professor do Departamento de Física da Universidade de Aveiro, José Fernando Mendes.
Redes tecnológicas, standards e espaço público
5A economia em rede, a criação de standards no mercado e as externalidades em rede são temas muito actuais, desenvolvidos por reconhecidos economistas, como Shapiro. Este capítulo é exemplificado com os casos do sistema operativo UNIX, da competição dos standards Betamax/VHS, da Microsoft e da problemática dos “open source”. São ainda apresentados os casos da competição TCP/IP com a X.25 e do Netscape com o Explorer. Tal como nas urnas de Polya, uma pequena vantagem inicial traduz-se numa desigualdade crescente, que leva à anulação do adversário. “O resultado dessa competição é que o equilíbrio natural no mercado das tecnologias em rede consiste em que o vencedor ganha tudo (the winner takes it all)”, criando desta forma standards universais.
A historicidade do Copyright e do Direito de Autor
6Neste capítulo são apresentadas as origens do copyright/direito de autor, é explicada a necessidade de criar patentes e desenvolvido o importante conceito de público versus privado. Todas as regras que alteram o funcionamento entre o privado e o publico têm consequências significativas. O caso das leis de emparcelamento das terras comunitárias (“enclose common lands”) nos séculos XVII e XVIII, em Inglaterra, teve uma contribuição decisiva na mão-de-obra disponível durante a revolução industrial. O conceito de código-fonte aberto (ou open source), em que o indivíduo goza de um bem público, deu recentemente origem ao conceito de ‘General Public License’ (GPL), que estipula a liberdade de correr qualquer programa, a liberdade de modificar o código-fonte e por fim a liberdade de redistribuir o programa alterado como forma de ajudar a formar a comunidade. O GPL expande o conceito de open source, ao permitir disponibilizar um bem público, que, ao ser alterado por um privado, é em seguida restituído à esfera pública.
Conclusões
7Machuco Rosa defende que, “a partir da análise das dinâmicas evolutivas das redes, podemos de facto tornar o conceito de rede um conceito efectivamente operante nas ciências da comunicação”. O autor posiciona-se num ponto de vista “que deve ser claramente distinguido daqueles que, levando a cabo excelentes análises sociológicas particulares, as tentam de seguida unificar numa mal definida ‘sociedade em rede’ em ‘emergência’, e em cuja análise o próprio conceito de rede acaba por não possuir qualquer papel verdadeiramente operativo, como no caso de Castells (1996)”. Relativamente à organização diremos que a obra está bem articulada, os capítulos interligados de forma adequada, faltando talvez um capítulo introdutório que mostrasse a unidade da obra. A visão eclética e o vasto conjunto de exemplos fazem que a obra não se esgote numa primeira leitura. A bibliografia recente e particularmente bem escolhida, a visão ampla sobre o conceito de redes e o posicionamento original tornam esta obra extraordinária (na verdadeira acepção da palavra) no panorama português das ciências da comunicação.
Para citar este artigo
Referência do documento impresso
Luís Cavique, «Rosa, António Machuco (2006). Cinco Lições sobre Comunicação, Rede e Tecnologias da Informação: da Cibernética ao Copyright. Editora Nova Vega. », Comunicação Pública, Vol.2 nº4 / nº3 | 2006, 195-198.
Referência eletrónica
Luís Cavique, «Rosa, António Machuco (2006). Cinco Lições sobre Comunicação, Rede e Tecnologias da Informação: da Cibernética ao Copyright. Editora Nova Vega. », Comunicação Pública [Online], Vol.2 nº4 / nº3 | 2006, posto online no dia 30 outubro 2020, consultado o 11 fevereiro 2025. URL: http://journals.openedition.org/cp/8352; DOI: https://doi.org/10.4000/cp.8352
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