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Deontologia do Jornalismo, A Autorregulação Frustrada dos Jornalistas Portugueses. (1974-2007). Carlos Camponez

Filipe Pardal
Referência(s):

Deontologia do Jornalismo, A Autorregulação Frustrada dos Jornalistas Portugueses. (1974-2007). Carlos Camponez, Lisboa: Edições Almedina, (418 páginas), ISBN 978-972-40-4684-6

Texto integral

1O livro Deontologia do Jornalismo, A Autorregulação Frustrada dos Jornalistas Portugueses (1974-2007), editado pela Livraria Almedina em 2011, vem enriquecer a bibliografia existente em Portugal sobre as práticas deontológicas, a autonomia profissional e os aspectos institucionais para uma autorregulação regulada. São 418 páginas, divididas em cinco capítulos, onde a deontologia e os seus mais variados aspectos intrínsecos são tratados e retratados numa experiência que qualquer aspirante a jornalista, ou até qualquer jornalista profissional, deveria conhecer.

2A obra resulta da investigação conduzida por Carlos Camponez no contexto da sua dissertação de doutoramento em Letras, na área científica de Ciências da Comunicação – especialidade em Ética e Deontologia da Comunicação. Camponez foi jornalista e, actualmente, é professor no Instituto de Estudos Jornalísticos da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra. Foi, entre 2002 e 2008, membro do Conselho Deontológico do Sindicato dos Jornalistas, construindo um currículo que patenteia uma clara aptidão intelectual e para discutir de forma esclarecida e comprometida a deontologia da profissão.

3Com a consciência de que a deontologia e a auto-regulação no jornalismo português são, ainda hoje, temas insuficientemente abordados nos meios científicos e profissionais, o livro acaba por preencher a necessidade de presentear alunos, professores e investigadores com uma obra que discute os obstáculos que impossibilitaram, ou têm impossibilitado, desde Abril de 1974, a existência de uma auto-regulação da actividade jornalística. A responsabilidade social associada à prática do jornalismo é outra das principais motivações do livro, tal como o são a liberdade de imprensa e a liberdade de expressão, que, como dimensões da responsabilidade colectiva, não foram descuradas por Camponez. Consequentemente, este texto pode ser observado como uma contribuição para a reflexão e para a procura de novas e melhores práticas jornalísticas e sociais.

4Quais são os fundamentos, as origens e as aplicações contemporâneas da deontologia no jornalismo? Esta é uma das interrogações-chave que atravessa o livro, funcionando como ponto de partida para que os leitores acompanhem as respostas, as explicações e as ilações mais abrangentes, sendo a obra depois concluída com um estudo de caso que epiloga o livro. É de sublinhar que Camponez não delimita o conceito de deontologia como uma tipificação única e exclusiva do jornalismo; em vez disso, coloca em evidência todo um processo que envolve vários domínios socioprofissionais. Apesar de a maioria dos tópicos serem realmente direccionados para a actividade jornalística, esta é, também, uma análise profunda e inteligível de questionamento sobre a carência de criação de códigos deontológicos noutras profissões. Com páginas repletas de factos históricos e contextualizantes do processo de “deontologização” – ou não – dos jornalistas portugueses, formula-se outra questão pertinente: existe, no nosso país, uma auto-regulação que alcance todos os jornalistas?

5A investigação em Portugal sobre o tópico primordial deste livro compreende obras de Fidalgo (2004), Pina (2000), Mesquita (1998), Traquina (2002), Wemans (1999) e Mata (2002). Apesar desta variedade de pesquisa no campo deontológico, Camponez vem criar valor ao tratar a auto-regulação e todos os organismos que a tentaram implementar, sendo assim um novo contributo para docentes, investigadores, profissionais e alunos das ciências da comunicação e um ponto de partida para mais pesquisa na área. No fundo, discute-se a autonomia jornalística e tudo o que se inclui nesta problemática, muitas vezes em crise na sociedade actual, onde as tentativas de instrumentalização – ou vários tipos de pressão – sobre os jornalistas e os meios de comunicação são uma realidade.

6O exercício do jornalismo obriga a que a discussão ética e deontológica que lhe é inerente seja alicerçada em estudos e investigações sobre as mutações que a profissão tem sofrido ao longo dos anos, bem como sobre a evolução do papel dos jornalistas e até das condições tecnológicas que moldam o jornalismo, onde se inclui a própria metamorfose socioeconómica da indústria dos media.

  • 1 Sindicato dos Jornalistas, Conselho Deontológico tem Regulamento Interno. Disponível em http://www. (...)
  • 2 AATT, Conselho de Imprensa. Disponível em http://www.aatt.org/site/index.php?op=Nucleo&id=1539 [Con (...)

7As intervenções do Conselho Deontológico1 e, também, do Conselho de Imprensa2 foram observadas como elementos fulcrais da investigação, acarretando discussões éticas e deontológicas sobre jornalismo e sobre os media. Desde logo, destaca-se o ano de 1974 como separador preambular das temáticas abordadas – facto que se compreende devido à conjuntura política portuguesa da altura e ao processo de democratização que permitiu a condição de liberdade ao jornalismo e aos jornalistas. Como se depreende, é inexequível a subsistência de uma imprensa livre num regime ditatorial, e os desafios que revestiram a classe profissional dos jornalistas brotaram desde os primeiros passos da democracia portuguesa: a tentativa da profissionalização efectiva; o crescimento do grupo profissional; a feminização; e o rejuvenescimento (Garcia 2009).

8A investigação socorre-se dos contributos das várias ciências sociais e humanas, em particular a filosofia e a sociologia, numa tentativa de interligação de conceitos próprios destas áreas de estudo com a experiência profissional concreta dos jornalistas. Só assim é possível conservar uma acepção rigorosa dos códigos deontológicos, ao mesmo tempo que se aproveita tal multidisciplinaridade para a elucidação acerca da ideia de que o jornalismo se rege de acordo com enquadramentos cognitivos e éticos, tal como acontece noutras profissões, como por exemplo entre médicos ou advogados.

9A existência de uma divisão em cinco grandes capítulos prende-se a motivos maioritariamente formais, já que não há uma ruptura entre temas e subtemas. Apenas o capítulo três se desvia aparentemente do padrão para se concentrar na economia dos media e na inovação tecnológica. Tal não deixa de ser extremamente importante para o grupo profissional dos jornalistas e relevante para o público da informação, que deve estar ciente dos condicionalismos que os profissionais enfrentam. Para além dos jornalistas, as suas organizações e as estatais, de regulação da comunicação social, são analisadas com um olhar crítico e incisivo. Um dos exemplos práticos decorrentes da investigação de Camponez que melhor serve de conclusão e para nos situar criticamente é a fraca participação na eleição do Conselho Deontológico do Sindicato dos Jornalistas: existiu, uma única vez, uma lista concorrente. Não é então coincidência que se verifique hoje um quadro quase exclusivo de hetero-regulação, envolta, de modo veemente, em legislação. A apropriação da auto-regulação dos jornalistas pela legislação teve dois epicentros: a extinção do Conselho de Imprensa, que era o principal espaço de debate das questões deontológicas; e o fim da atribuição da carteira profissional pelo Sindicato dos Jornalistas, que foi deliberada, por ordem do Tribunal Constitucional, no ano de 1993.

10No que diz respeito às principais conclusões da investigação, salienta-se a ideia de uma profissão indefinida, com a autonomia constantemente ameaçada, tornando-se assim obrigatório reflectir sobre a sua legitimidade. O percurso do jornalismo – desde as suas origens até à modernidade – nunca foi linear, muito devido aos quesitos de uma relação polarizada com os poderes instituídos, ou, até, devido a forças e condicionantes sociais junto das quais a área profissional se insere e se desenrola:

«(…)A profissão jornalística assenta numa outra ambiguidade estrutural que tem a ver com as próprias condições históricas de emergência do jornalismo moderno e com questões políticas, económicas, culturais e pragmáticas relacionadas com o exercício da actividade» (Camponez, 2011, p. 368).

11É ainda imperativo ter uma atitude interrogativa sobre como

«(...) uma profissão “indefinida”, de moral “ambígua” pode reivindicar uma autonomia socioprofissional, sobretudo quando existe ameaças evidentes de que algumas categorias profissionais do jornalismo podem estar a ser também objeto de um processo de desprofissionalização e, nalguns casos, de proletarização» (Camponez, 2011, p. 370).

12Na verdade, não existe em Portugal uma auto-regulação capaz de abarcar o grupo profissional, e, por isso, o autor menciona uma auto-regulação frustrada como uma das principais conclusões do livro.

  • 3 Entrevista a Bill Kovach. Disponível em http://www.clubedejornalistas.pt/uploads/jj30/jj30_16.pdf.

13Depois da leitura desta obra fica a noção de que é defendida a criação de um mecanismo análogo ao Conselho de Imprensa, enquanto opção para legitimar uma profissão essencial para a democracia e para o interesse público. É também sustentado que, para melhores condições no exercício da profissão, é indispensável que a altercação ética e deontológica do jornalismo seja acompanhada de mais investigações e estudos desta natureza. A evolução socioeconómica dos media coloca-nos novos elementos, que carecem de interpretação, e, como se tentou mostrar ao longo desta recensão, ninguém está isento da responsabilidade de fazer mais e melhor pelo jornalismo. “Porque sem bons jornalistas não há democracia”3.

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Bibliografia

Camponez, Carlos (2011). Deontologia do Jornalismo, A Autorregulação Frustrada dos Jornalistas Portugueses. (1974-2007). Lisboa: Edições Almedina.

Fidalgo, Joaquim (2004). Em nome do leitor – As colunas do provedor do "Público". Coimbra: Edições Minerva.

Garcia, J. L. (org.). (2009), Estudos sobre os Jornalistas Portugueses – Metamorfoses e Encruzilhadas no Limiar do Século XXI. Lisboa: Imprensa de Ciências Sociais.

Mata, M. (2002), A Autocrítica no Jornalismo. Coimbra: Edições Minerva.

Mesquita, Mário (1998), O Jornalismo em Análise – A Coluna do Provedor dos Leitores. Coimbra: Edições Minerva.

Pina, Sara (2000), A Deontologia dos Jornalistas Portugueses. Coimbra: Edições Minerva.

Traquina, Nélson (2002), Jornalismo. Lisboa: Quimera.

Wemans, Jorge (1999), O Público em Público – As colunas do Provedor do Leitor. Coimbra: Edições Minerva.

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Notas

1 Sindicato dos Jornalistas, Conselho Deontológico tem Regulamento Interno. Disponível em http://www.jornalistas.eu/?n=6356 [Consulta em 25/03/2014].

2 AATT, Conselho de Imprensa. Disponível em http://www.aatt.org/site/index.php?op=Nucleo&id=1539 [Consulta em 25/03/2014].

3 Entrevista a Bill Kovach. Disponível em http://www.clubedejornalistas.pt/uploads/jj30/jj30_16.pdf.

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Para citar este artigo

Referência eletrónica

Filipe Pardal, «Deontologia do Jornalismo, A Autorregulação Frustrada dos Jornalistas Portugueses. (1974-2007). Carlos Camponez»Comunicação Pública [Online], Vol.9 nº16 | 2014, posto online no dia 15 dezembro 2014, consultado o 06 dezembro 2023. URL: http://journals.openedition.org/cp/872; DOI: https://doi.org/10.4000/cp.872

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Autor

Filipe Pardal

Escola Superior de Comunicação Social, Instituto Politécnico de Lisboa

filipe.ds.pardal@gmail.com

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