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Trilha de pesquisa

Rede Ferroviária no Leste Metropolitano do Rio de Janeiro (Trecho Niterói - Visconde de Itaboraí)

Railway Network in the Metropolitan East of Rio de Janeiro (Niterói - Visconde de Itaboraí Section)
Red Ferroviaria en el Este Metropolitano de Río de Janeiro (Tramo Niterói - Visconde de Itaboraí)
Stefani Cristoiu

Resumos

Este artigo apresenta a importância da introdução das redes técnicas, mais especificamente da ferrovia que conectava as cidades de Niterói, São Gonçalo e Itaboraí. Essa rede ferroviária auxiliou na industrialização-urbanização do Leste Metropolitano Fluminense. Desde de 1930, essas cidades vão sendo urbanizadas, atraindo mais residentes e indústrias. Nas décadas de 1950 e 1960, o governo brasileiro começa a atrair indústrias automobilísticas, consequentemente passando a investir mais no modal rodoviário. As linhas ferroviárias acabaram sucateadas e retidas pelo poder privado, que as utiliza quase que exclusivamente para o transporte de cargas. Enquanto uma menor parte das linhas ainda servem ao transporte público, como foi o caso da linha Barreto-Visconde de Itaboraí, que mesmo precária, funcionou até meados de 2007. Um dos pontos a ressaltar, é que desde 1968 essa linha vem sendo inserida em projetos metroviários, que caso concluídos podem beneficiar 1,7 milhões de habitantes. (IBGE,2017)

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Notas do autor

Link de acesso a apresentação do artigo na UERJ Sem Muros, 2021

https://www.youtube.com/watch?v=_tJH4_qtQKk&ab_channel=StefaniCristoiu

Texto integral

Introdução

1O espaço urbano é uma categoria que se desenvolve após a Revolução Industrial, e teve como um dos seus maiores símbolos o transporte ferroviário. As linhas férreas no século XIX revolucionaram o transporte de mercadorias e propiciou maior mobilidade para as populações que contribuiam com a expansão territorial dos espaço urbanos. A inserção dessas conexões acontece diante da necessidade de maior dinamismo na comunicação entre lugares e pessoas, na conectividade entre lugares (DIAS, 2021 ; RUFINO, 2019 ; RAFFESTIN, 1993).

2As redes técnicas são os mais destacados componentes da paisagem urbana, exercendo uma imagem de poder com suas estruturas de concreto, torres, linhas e pontos de encruzilhada. Raffestin (1993) aponta que podemos elucidar as redes “[...]por meio de sua história e do território no qual estão instaladas, por meio dos modos de produção que permitiram a sua instalação e das técnicas que lhes deram forma.” (1993, pp.209). Estes são os pontos fundamentais para expor o poder das redes, que é muitas vezes ignorado nos debates sobre a cidade. Essa invisibilidade das redes acontece intencionalmente, com razão de ocultar a espoliação do território feita pelos capitais que as detém. A compreensão das formas e funções das redes nos ajuda a visualizar as desigualdades espaciais.

3Gabriel Dupuy (1993), destaca sobre como as redes são essenciais para a organização das atividades econômicas e sociais. O autor defende que as redes devem ser definidas a partir das demandas de cada lugar, as elucidando como equipamento técnico de solidariedade urbana, diante do compromisso com os serviços que prestam. Dupuy é crítico a construção de redes pela lógica do mercado econômico, por ignorar os problemas práticos, como por exemplo as horas perdidas no congestionamento, que são provocadas pela falta de alcance das redes de transporte. Aponta a indispensável cooperação que a geografia pode dar sobre abrangência das redes e que elas não deveriam ter um valor de mercado, já que sua relevância para a sociedade é imensurável. Justifica, ainda, que o poder público deve supervisionar e até mesmo administrar as redes, pela segurança e justiça de acesso da população.

4No Rio de Janeiro, Soares (1990), enfatiza que foram às vias de circulação “a espinha dorsal de toda a ocupação e urbanização da baixada da Guanabara” (1990, pp. 49). O Leste Fluminense já era beneficiado pela comunicação gerada pela Baía da Guanabarae as vias fluviais, que gerou diversos pequenos portos, formando vilas durante a era colonial. As vilas-portos estavam conectadas com a capital carioca por estradas de terras e vias navegáveis, até o surgimento das primeiras estradas de ferro, produzida por Mauá em 1854. As ferrovias levaram essas vilas-portos a decaírem e com a abolição da escravatura o cenário piorou. Os trabalhadores passam a deixar essas localidades intermediárias, buscando as zonas urbanas. Por outro lado, a capital via sua economia crescer, sob a influência das redes ferroviárias que escoava o café do vale do Paraíba. Com efeito, as redes técnicas de transportes produzem a expansão do espaço urbano carioca, que transcende o município, chegando nas cidades ainda rurais do seu entorno.

Período Inicial do Desenvolvimento Urbano-Industrial

5As cidades do entorno do Rio de Janeiro no início do século XIX eram conideradas rurais, com vilas, terras de cultivo e povoada com trabalhadores do campo. A transformação do espaço começa com a transferência da coroa portuguesa para o Rio de Janeiro e tem seu ápice no século XX, quando começa a industrialização e urbanização das cidades fluminense. (IBGE, 2017)

6O rei D.João VI foi responsável por atrair pessoas para lado leste da Baía de Guanabara, ao marcar as festividades de seu aniversário. Isso resultou em um aumento de interesse em Niterói, ascendeu o comércio e a navegação (IBGE, 2017). A autora Bezerra (2015) expõe em sua tese que por influência da residência da Coroa Portuguesa, uma massa de estrangeiros se encaminhou para o Rio de Janeiro. Em especial os grupos de alemães e ingleses, querendo fugir da aglomeração das áreas ocupadas pela Coroa e de suas epidemias, passam a residir em Praia Grande, atual Niterói, por considerá-la mais arejada e por suas paisagens naturais. São esses imigrantes que criaram as primeiras empresas, que conseguiram concessão do estado para inserirem as primeiras redes técnicas e fábricas da região.

7A partir daí, começa uma mudança significativa na paisagem niteroiense. Como a inserção de barcas a vapor, em 1835, pela Sociedade Navegação de Nictheroy, que anteriormente era feita de maneira irregular por barcaças e saveiros. Houve a implementação da iluminação pública a óleo de baleia, em 1837. O abastecimento de água aconteceu em 1899, pois, anteriormente os cidadãos dependiam de chafarizes e bicas. Foi uma construção da Companhia Cantareira e Viação Fluminense, companhia responsável pelo abastecimento de água e transportes desde 1892. (BEZERRA, 2015).

8Em 1871, foram construídos pela Cia. de Ferro-Carril Nictheroyense os dois primeiros trajetos de bondes: São Domingos-Morro do Cavalão e Centro-Barreto, ambos fazendo baldeação com a estação das Barcas. Eram constituídos de pequenos carros e puxados por tração animal. (BEZERRA, 2015). A companhia foi responsável pela construção da ferrovia a vapor que ligava Niterói-Rio Bonito, que irei citar mais a frente.

Figura 1. Recorte espacial do Leste Metropolitano Fluminense

Figura 1. Recorte espacial do Leste Metropolitano Fluminense

Fonte : IBGE.

9Em 1906, a CCVF com a colaboração da empresa alemã Siemens-Schuckertwerke, foi inaugurada a primeira linha de bondes elétricos ligando Barcas-Icaraí, em notável modernização da linha, que por 35 anos foi conduzida por força animal. (MORRISON, 2012).

10A energia elétrica chega nas cidades de Niterói e São Gonçalo em 1908, com a conclusão da Hidrelétrica de Piabinha, na cidade de Três Rios, que faz divisa com Minas Gerais. A distribuição da energia era feita pela Companhia Brasileiro de Energia Elétrica. (SILVA, 2020)

Figura 2. Bonde de tração animal, século XIX

Figura 2. Bonde de tração animal, século XIX

Fonte: http://www.tramz.com/​br/​ni/​ni.html

Figura 3 : Bonde Elétrico, século XX

Figura 3 : Bonde Elétrico, século XX

Fonte: http://www.tramz.com/​br/​ni/​ni.html

11A cidade do Rio de Janeiro cresceu absurdamente no século XIX, chegando a meio milhão de habitantes. A metrópole expandiu para as regiões de baixada e do recôncavo da baía de Guanabara, investindo seus capitais privados em “loteamentos, instalação de indústrias, empresas de transportes coletivo e outros” (SOARES, 1990 pp.48). É neste período que acontecem diversas concessões e isenções de impostos para o setor privado, com a finalidade de expandir os investimentos industriais e levar a urbanização para fora da capital.

12A criação de vários trechos ferroviários no leste fluminense, acabou agrupada pela E.F Leopoldina na Linha Litoral. Essa linha passava por Niterói, São Gonçalo, Itaboraí, Tanguá, Rio Bonito, Silva Jardim, Casimiro de Abreu, Rio das Ostras, Macaé, Carapebus, Quissamã e Campos de Goitacazes até chegar em Vitória, Espírito Santo, com extensão estimada de 638 km. O primeiro trecho construído foi entre as cidades de Niterói e Rio Bonito, pela Cia. de Ferro-Carril Nictheroyense entre 1871 e 1880, fazendo primeiramente transporte de cargas e pouco tempo depois de pessoas. Maruí, bairro na orla da Guanabara, foi em 1871 a primeira estação niteroiense, responsável pela conexão com os portos da região. O trecho Macaé-Campos foi construído quase que simultaneamente, entre os anos de 1874-1875, pela Cia. Estrada de Ferro Macaé, empresa que comprou a linha niteroiense, formando assim a linha Niterói-Campos. No trecho Campos-Cachoeira de Itapemirim a responsável foi a Estrada de Ferro Cantagalo. A última fração Campos-Vilha Velha, construída pela Estrada de Ferro Sul do Espírito Santo, quando comprada pela Leopoldina Railway e fez melhorias na ferrovia, como a construção de uma ponte no rio Paraíba e unindo as rotas norte e sul. A chegada da linha em Vitória aconteceu em 1907, sendo administrada pela Leopoldina Railway. (GIESBRECHT, 2020). É importante mensurar o tamanho da construção dessa rede, por conectar o interior agrário e as indústrias fluminense com os portos da Guanabara e capixabas.

13O trecho ferroviário que vamos focar é o ramal Niterói-Visconde de Itaboraí, que, continha 33 km de extensão. Contava com 11 estações: Niterói, Maruí, Barreto, Vila Lage, Porto da Madama, São Gonçalo, Alcântara, Guaxindiba, Itambi, Amaral e Visconde de Itaboraí. O arranjo das linhas férreas ocorre no início do declínio agrícola, fruto da abolição da escravatura e das terras exaustivamente utilizadas. (SOARES, 1990). Era o começo do declínio do transporte navegável e das vilas-portos, como em Porto das Caixas, Itaboraí. A era dos trens supriu o dificultoso deslocamento de contingentes agrícolas e de passageiros. Era um período de renovação econômica, que foi desencadeada a partir do acúmulo de capital agrícola, que deu a possibilidade de industrialização no recôncavo da Guanabara. O autor Geiger (1956), afirma que as ferrovias influenciaram nas localizações das indústrias, assim como na ocupação urbana. É o que sucedeu nessa região, o espaço urbano cresceu exatamente em volta do antigo traçado das linhas dos bondes e trens, algo que pode ser visualizado até hoje pela mancha urbana.

Figura 5. A Mancha Urbana no Leste Metropolitano Fluminense

Figura 5. A Mancha Urbana no Leste Metropolitano Fluminense

Fonte: Google Earth

14É perceptível o maior aparato de redes em solo niteroiense, que vinha devido ao seu poder administrativo por ser capital estadual, desde o século XIX. Os investimentos públicos que ocorreram durante o governo municipal (1910-1914) e estadual de Feliciano Sodré (1923-1927), foram um tanto na contramão das políticas liberais da época:

“Por ocasião de seu mandato como prefeito, Sodré mandou erigir pequenas fábricas de ladrilhos, cimento, tijolos, marcenarias, carpintarias, etc., a fim de fornecer o material necessário para as obras de reforma e infraestrutura urbana. Este intervencionismo, bastante atípico para um período em que se primava pelo liberalismo, era justificado pela possibilidade de se fazer uma “(...) grande economia para os cofres municipais" (BIBLIOTECA ESTADUAL DE NITERÓI, 1913), além de gerar muitos empregos – ainda que este último aspecto não fosse objeto de grandes considerações nos relatórios. ” (WOLLMANN, 2018, pp. 8)

15Apesar da característica agrária na economia brasileira, Niterói não possuía terras propícias para cultivo, focando assim no setor industrial. A cidade multiplicou suas indústrias têxtil, fumo, fósforos e usinas de açúcar, apresentando um parque industrial voltado para o setor de consumo. Havia também indústrias metalúrgicas, química, da construção civil e naval. (idem)

16Em São Gonçalo no século XIX, era dominada por terras de cultivos, engenhos e canaviais. Foi gradualmente substituído por policulturas, que abastecia o consumo crescente da região. Pelo seu grande porte agrícola, havia um fluxo comercial de navegação intenso nos portos gonçalenses. (PREFEITURA DE SÃO GONÇALO, 2017). Era um espaço povoado, devido a mão-de-obra rural, algo fundamental para localização das indústrias que chegariam mais tarde. (SOARES, 1990)

17Em 1894, ocorre a abertura da linha férrea Alcântara-Rio do Ouro, pertencente à E.F. Maricá, construída pelo poder público. Em 1901, estendem a linha até Neves, projetada para o entroncamento com a estação Vila Lage, da Linha Litoral da E.F Leopoldina. Outra ferrovia que passava pelo território era a E.F Niterói-Rio Bonito, porém ela não tinha paradas na cidade, só a passa a ter a partir de 1930 quando Leopoldina Railway a absorve. (GIESBRECHT, 2020)

18Segundo Gouveia, (2017) já havia bondes puxados por animais em São Gonçalo antes de 1899 fazendo transporte de cargas, quando a Tramway Rural Fluminense fez a implementação de uma linha de bondes a vapor (Neves-Alcântara). O trajeto começa no ponto final dos bondes niteroienses, que ainda eram de tração animal. Com a chegada da eletricidade em 1908, foi possível para a CCVF construir uma linha eletrificada de bondes até a estação São Gonçalo em 1910. A eletrificação total dessa linha só foi concluída em 1925, quando a CCVF comprou a Tramway Rural Fluminense. Obtinha-se assim a maior rota urbana de bondes do Brasil, com a linha Barcas-Alcântara, com 21 km de extensão. Os bondes niteroienses e gonçalenses pararam de rodar em 1964, sendo substituídos por ônibus. (MORRISON, 2012).

19A consolidação do município de São Gonçalo aconteceu em 1929. A prefeitura também passou a adotar medidas de isenção fiscal, para lograr economicamente (PREFEITURA SÃO GONÇALO, 2021). A cidade contava com o diferencial da localização estratégica entre Niterói e Rio de Janeiro, suas vias fluviais com acesso do interior do estado até a Guanabara, os bondes e as E.F Maricá e a E.F Leopoldina. (BRANDÃO, 2018).

20A industrialização que estava concentrada no norte de Niterói, seguiu o caminho dos bondes até São Gonçalo, que ainda em meados de 1930 era uma cidade semi-rural, mas que já contava com linhas férreas, eletricidade e algumas indústrias. São Gonçalo passa então a atrair indústrias de base, principalmente pelo seu baixo consumo de energia elétrica, diante da ainda escassa população. (GEIGER, 1956) A Companhia Brasileira de Usinas Metalúrgicas (CBUM) chega na cidade em 1926, fruto de uma legislação estadual:

“Em 11 de novembro de 1925 foi publicada uma legislação estadual, a Lei 1.991, que concedia benefícios fiscais às duas primeiras empresas que se instalassem no Estado no prazo de quatro anos. Tais benefícios consistiam em isenção de impostos estaduais, e facilidades na desapropriação e aquisição dos terrenos, e eram válidos para os setores de siderurgia, exploração e fabricação de cimento e moagem de trigo (Oliveira Junior, 1929). O município de São Gonçalo foi beneficiado com essa lei, por intermédio da qual se instalou no município, em 1926, a Companhia Brasileira de Usinas Metalúrgicas, que no ano de 1929 produziu 3,9 toneladas de aço. ” (ARAUJO E MELO, 2014, pg. 69)

21CBUM, que em 1940 chegou a marca de mil funcionários, chegou a manter uma “[...] escola primária, de corte-costura, além da vila operária.” (LESSA, 2018, p.3).

22O setor agrário na virada do século XX atravessava dificuldades. Com o início da Segunda Guerra Mundial, houve o congelamento das importações, o que levou os latifundiários a investir na indústria nacional. Com esse cenário econômico durante a guerra, Niterói e São Gonçalo chegaram a exportar “[...] produtos manufaturados tais como vidro plano para o Egito, Índia, China e África do Sul ou tecidos para a Argentina e África do Sul. ” (GEIGER, 1956, pp.51).

23Outra grande empresa em solo gonçalense foi a Cia. Nacional de Cimentos Portland. Até a inauguração dela em 1933, havia apenas uma fábrica de cimento em Perus - São Paulo, que não comportava a demanda que se multiplicava no país. No Rio de Janeiro, o governo atraía indústrias da construção para seu território a fim de suprir as necessidades urbanísticas. Para isso, foi necessário inicialmente obter calcário para produção, que logo foi encontrado na Fazenda São José em Itaboraí, no ano de 1928. (BRANDÃO, 2018) A partir disso a empresa estadunidense Cement Lone Star, responsável pela descoberta, teve a concessão para a extração de calcário e de construir um “[...] complexo sistema produtivo com 3 unidades de usina termoelétrica, canal navegável de uso próprio, sistema de chatas, ferrovia, trens de carga e caminhões. ” (LESSA, 2018, pp. 3).

24Foi construída uma ferrovia particular para a empresa, que ligava a mina calcária em São José até Guaxindiba, São Gonçalo, onde acontecia a produção do cimento. Já para o transporte da mercadoria pronta, foi utilizada a Linha Litoral. Assim se fundou a CNCP – Mauá em 1933, no mesmo ano produziu de 61.115 toneladas e passou para 279.010 toneladas em 1940. (BRANDÃO, 2018)

25Segundo Brandão, as indústrias gonçalenses de maior destaque são:

“Nesse período, importantes indústrias se instalaram na cidade, entre as quais, podemos destacar a Companhia Nacional de Cimento Portland (CNCP), que contava com estrada de ferro e uma usina elétrica própria; Companhia Brasileira de Usinas Metalúrgicas (Siderúrgica Hime); Companhia Brasileira de Fósforos (Fiat Lux); Companhia Eletroquímica Fluminense; Indústrias Reunidas Mauá; Conserva de Sardinhas Coqueiro; Conserva Rubi; Companhia Nacional de Explosivos; Companhia Composições Internacional do Brasil; Fábrica de Formicida; Companhia Vidreira do Brasil; Fábrica de Soda Cáustica; Fábrica de Bebidas Rum Merino; Companhia Brasileira de Produtos de Pesca; as cerâmicas Vista Alegre, Fatori, Porto do Rosa, Pugliese e Esperança; as fábricas de doces Sublime e Regina; e as fábricas de brinquedos Fama e Fênix, entre outras.” (IDEM, 2018, p.4-5)

26Em seu momento de maior produção e diversificação do parque industrial nos anos de 1940, chegou a ser chamada de Manchester Fluminense, em referência a cidade inglesa pioneira da revolução industrial. (idem).

27As terras de cultivo gonçalenses estavam cada vez mais esparsas nesse período, havendo subdivisão de grandes propriedades em loteamentos. (GEIGER, 1956) Diferente da infraestrutura que se desenvolvia em Niterói, em São Gonçalo não havia uma distribuição de água e energia igualitária. O que levou os operários, que ali começavam a se concentrar, a reivindicar à prefeitura melhorias na infraestrutura. Passando a ser lentamente atendidas as demandas urbanas a partir da cobrança de impostos. (GOUVEIA, 2017)

28Em Itaboraí, temos uma história econômica voltada para agricultura e engenhos de açúcar. A cidade foi composta por três vilas: São João de Itaboraí, São José Del Rey e Santo Antônio de Sá, esta primeira vila era uma parada dos tropeiros e logo depois se tornou um grande produtor de açúcar. Com grande número de engenhos, lavouras e por estar localizada na Baía de Guanabara, surge desde o século XVIII o povoado Porto das Caixas. Um importante porto comercial que escoava as mercadorias, locais e estaduais, pelo rio Aldeia até a Baía de Guanabara, chegando nos portos fluminenses (PREFEITURA DE ITABORAÍ, 2021).

29Em 1860 foi construída a estação Porto das Caixas, fazendo parte da E.F. Cantagalo. Conectava até a estação Macuco e teve seu prolongamento em 1890 até Portela, nas margens do rio Paraíba do Sul, que mais tarde seria integrada a Linha Litoral. Quando a linha passa a pertencer a Leopoldina Railway, faz algumas alterações no trajeto e incorpora a estação Visconde de Itaboraí, construída em 1874 pela Cia. de Ferro-Carril Nictheroyense. O surgimento dessas linhas férreas trouxe a decadência do transporte hidroviário na região. (GIESBRECHT, 2020)

30Ao analisar essas mudanças no espaço geográfico das cidades fluminenses aqui abordadas, observamos o papel indutor das redes e fábricas na urbanização das cidades. Segundo Henri Lefebvre (1969), a industrialização induz “os problemas relativos ao crescimento e à planificação, as questões referentes à cidade e ao desenvolvimento da realidade urbana, sem omitir a crescente importância dos lazeres e as questões relativas à “cultura”.” (idem, pp.9)

31A industrialização nasce em regiões estratégicas para produção e mobilidade, consequentemente moderniza seu entorno pela necessidade do aparato de redes técnicas. Por isso, a inserção das linhas férreas foi fundamental nos séculos XIX e XX para maior rapidez no fluxo de cargas e de pessoas. A cidade pré-industrial, era espaço de integração, trocas, artesanato e encontros, com a transformação urbana se torna espaço de especulação do mercado.

32Essa urbanização irá partir de um ponto, que nessa pesquisa será a cidade do Rio de Janeiro, núcleo que retêm o poder político-administrativo. Dentro desse centro vemos os bairros de classes sociais ricas, serviços públicos, variadas áreas de lazer, aparelhos culturais, instituições do governo, o comércio, etc. São espaços privilegiados pelos seus acessos, com elevado custo de vida que exige dos seus moradores uma renda alta. Dentro da centralidade fluminense temos as favelas, muitas delas em bairros nobres, abarrotadas de trabalhadores em busca de menor tempo de deslocamento até o emprego. A ampliação da centralidade urbana, ocorre quando levam as redes e indústrias para as margens e em contrapartida o capital capta a mão-de-obra mais barata que essas regiões proporcionam. Nas imagens não há a mesma configuração espacial do núcleo, sendo escassas as redes, os serviços e os empregos.

33Niterói, São Gonçalo e Itaboraí foram fundadas próximas do Distrito Federal, ou seja, margeando o centro político e econômico brasileiro. Mesmo quando o Rio de Janeiro deixou de ser capital federal e perdeu seu poder administrativo, não perdeu sua influência político-econômica na formação da Região Metropolitana do Rio de Janeiro.

34O tecido urbano se desenvolve a partir da absorção das cidades rurais, acabando com gêneros de vidas como o artesanato, cultura e comércio local. “Se analisar o fenômeno a partir das cidades, observa-se a ampliação não apenas das periferias fortemente povoadas como também das redes (bancárias, comerciais, industriais) e a de habitação (residências secundárias, espaços e locais de lazer, etc.)”. (LEFEBVRE, 1969, p. 16). Assim como não se extingue a presença de cidades rurais, como Itaboraí, que são necessárias para abastecer os centros urbanos com produtos agrícolas e mão-de-obra barata. Esse processo urbano causa a concentração populacional, formando a sociedade moderna que conhecemos hoje.

O Crescimento Demográfico e o Governo Militar

35Com esses polos industriais se desenvolvendo na orla da baía de Guanabara, a população começa a ser atraída para estas cidades. Os migrantes vinham de zonas rurais, em busca de melhores empregos e de serviços públicos que não tinham acesso. Niterói e São Gonçalo tinham oferta de empregos nas fábricas, no comércio e na construção civil. Era uma localização mais barata de residir e de fácil acesso para aqueles que trabalhavam no Distrito Federal. (WOLLMANN, 2018).

36Em Niterói, no ano de 1910 havia 80.000 habitantes, passou a ter 142.407 em 1940, quase dobrando sua população no ápice da urbanização. Até 1940, as populações dessas cidades eram compostas em maioria por cidadãos fluminenses, como analisou Keller (1953), mostrando que das 50 cidades fluminenses, apenas 21 delas tiveram aumento populacional, que foi equilibrado pela diminuição de habitantes das 29 cidades. Como é o caso de Itaboraí, que em 1930 tinha 36.668 habitantes e na década seguinte apresentou 24.370 habitantes, uma diminuição significativa que foi recuperada nas décadas seguintes. (IBGE, 2017)

37Keller cita a importância das redes técnicas para esse aumento populacional:

“Este crescimento grande da população explica-se, sem dúvida, pela proximidade do Distrito Federal, com o qual esses municípios estão ligados por numerosas ferrovias e rodovias, além do tráfego marítimo realizado através da baía.” (Idem, p.165)

38A partir da década de 1960 a população urbana supera a população rural no país, dando forma para as áreas metropolitanas que surgiam. O exemplo é São Gonçalo, cidade rural até o início do século XX, apresentou um altíssimo crescimento da população, chegando a 127.276 pessoas em 1950 e ultrapassando Niterói em 1960 alcançando 247.754 habitantes. (IBGE, 2017)

39A distinção entre as três cidades a partir da segunda metade do século XX pode ser definida como: Niterói portando grande infraestrutura, em condição centro administrativo e comercial, composta por inúmeras indústrias consumo e pequenas empresas e conta alguns bairros com alto valor imobiliário; já São Gonçalo, com preço da habitação mais barata, influenciada pela infraestrutura inferior, tem uma paisagem de subúrbio industrial que contrastava com a alta produção industrial que gerava; em Itaboraí havia uma escassa infraestrutura, uma economia agrária e a urbanização era concentrada aos arredores das rodovias e ferrovias. Esse contraste mostra que quanto mais perto da centralidade, maior o poder econômico e influência na região, como é o caso de Niterói, que concentra uma elite local diferente das outras duas cidades.

40A economia do estado da Guanabara e estado do Rio de Janeiro juntas não chegavam a superar a indústria paulista, que sozinha conduzia metade da produção industrial brasileira. Em 1940, o governo federal investe na construção da Companhia Siderúrgica Nacional, em Barra Mansa e na Fábrica Nacional de Motores, em Duque de Caxias, mesmo assim a indústria fluminense não conseguiu o mesmo desempenho da produção paulista. (ARAÚJO E MELO, 2014)

41Em 1951, teve início um planejamento do governo federal, junto de grupos de executivos para o corte de ramais ferroviários não lucrativos. O grupo mais influente era a Comissão Mista Brasil-Estados Unidos (CMBEU), que apresentou projetos para manter apenas as linhas com transporte de cargas; indicou a desativação total da E.F. Leopoldina, empresa responsável pela Linha Niterói-Visconde de Itaboraí. A CMBEU fez o vínculo do governo brasileiro com bancos internacionais para o investimento nas linhas férreas lucrativas e no setor rodoviário. Essas medidas começaram em 1955, encontrou resistência dos ferroviários e da sociedade civil, que foi acuada com a chegada do poder autoritário que se fixou a partir de 1964. (PAULA, 2014)

42Com a Guerra Fria que assolava o mundo com a polarização ideológica, o Brasil acabou sofrendo um Golpe Civil Militar (1964-1985), que afetou negativamente a economia brasileira. Naquele período a América Latina estava atravessada por ditaduras apoiadas pelo governo dos Estados Unidos, nação que tinha intenção de manter a América, sob seu domínio capitalista. Foram fundamentais os projetos da CMBEU na década anterior, para dar base na desarticulação do setor ferroviário que se seguiu. Os resultados dessas ações são vistos na extensão das linhas ferroviárias, que conseguiu alcançar 37.967 km em 1957, caiu para 33.864 km em 1965 e em 1985 restavam 29.777 km. (idem)

43 Esse rápido desmonte ocorreu devido ao poder centralizado e austero do comando militar:

“A desativação de ramais ferroviários não teria o sucesso esperado, não fosse o contexto do regime de exceção política. Ainda que consideremos o avanço da indústria automobilística e da construção de obras públicas, não seria possível explicar a decadência das ferrovias no Brasil somente por esses aspectos. É um conjunto de fatores que se inter-relacionam e formam um todo explicativo na questão da desativação: crescimento rodoviário, a “cultura do automóvel”11, asfixia das ferrovias e extinção de ramais e o sufocamento sindical.” (Idem, pp. 192)

44O Ministério dos Transportes cria em 1966 o Grupo Executivo para Substituição de Ferrovias e Ramais, que juntamente com Departamento Nacional de Estradas de Ferro e a Rede Ferroviária Federal S.A.(RFFSA), retomaram a administração das ferrovias e são responsáveis pela erradicação de ramais que não obtinham lucros. (PAULA, 2014). Assim foi transferida toda E.F Leopoldina para a RFFSA, um dos feitos foi a desativação da estação Niterói (General Dutra), em 1971. O trecho que seguia, Barreto-Visconde de Itaboraí, continuou funcionando, sendo administrado pela estatal. (GIESBRECHT, 2020). O que se seguiu foi a precarização de trens e trilhos com a falta de manutenção e renovação da linha.

45Durante a década de 1970, cerca de 80% dos recursos públicos para o setor dos transportes foram destinados ao transporte rodoviário, os outros 20% eram divididos entre as ferrovias e demais modais. O governo militar ao executar o Plano Nacional de Desenvolvimento consegue elevar o PIB nos primeiros anos, sendo resultado dos empréstimos feitos no FMI e as concessões privadas; amplia-se o número de multinacionais, principalmente as automobilísticas, empresas de transporte, causando aumento de consumo de carros particulares e ônibus. Essa é a base do Milagre Econômico, que tem como símbolos as construções da Transamazônica e Ponte Rio-Niterói. Responsável por disseminar a ideia que os automóveis eram o transporte do futuro e os trens pertenciam ao passado. (PAULA, 2014).

46O Distrito Federal foi transferido oficialmente em 1960 para Brasília, tirando o Rio de Janeiro do centro do poder administrativo federal. A fusão dos estados da Guanabara e Rio de Janeiro é sancionada por uma lei em 1974, possibilitando a união dos estados e da política administrativa. A cidade do Rio de Janeiro passa ser capital fluminense, formando em seu entorno a Região Metropolitana do Rio de Janeiro, que até então continha 14 cidades, entre elas Niterói, São Gonçalo e Itaboraí. (GUEDES, 2014). Essas mudanças políticas-administrativas causam a perda do poder político de Niterói e consequentemente um esvaziamento industrial. (ARAÚJO E MELO, 2014).

47Em São Gonçalo, o cenário era de retração industrial desde de 1950, entre os motivos está a transferência da capital, que provocava um estímulo à industrialização na região. O esquecimento do poder público pelo parque industrial, sem obter investimentos para modernização do maquinário que em pouco tempo se encontrava obsoleta. Os autores Araújo e Melo (2014), sinalizam que entre os motivos para o descaso estão: a falta de uma elite industrial gonçalense para priorizar a região, a densa ocupação do solo em volta das fábricas e uma escassez de novas indústrias próximas necessárias para manter as já existentes em atividade. Com o passar das décadas as empresas foram migrando para outras cidades, em busca de incentivos fiscais e terras disponíveis. (idem)

48Em Itaboraí, as rodovias deixaram a cidade mais conectada com o entorno, como a pavimentação da RJ-104, que liga a cidade a Niterói. Os efeitos de crescimento da população urbana são sentidos na com a construção da Ponte Rio-Niterói em 1975 e a BR-101 em 1985. Estas novas rodovias diminuem o tempo de viagem, gerando a partir de 1990 o crescimento de trabalhadores em Itaboraí em busca de moradias mais baratas. Esse movimento atingiu a construção de casas, condomínios e espaços de lazer em locais que antes eram destinados à agricultura. (SANTOS, 2018)

49A partir de 1978, o país é afetado pela Crise do Petróleo, devido aos empréstimos internacionais para as obras do governo militar, os juros foram duplicados com a alta do dólar. O preço da gasolina similarmente foi um dos fatores, devido ser um produto importado e a dependência rodoviária já ser uma realidade. (OLIVEIRA, 2003). Os militares saíram do poder em 1985, deixando a crise econômica gerada pela hiperinflação e a dívida externa para as décadas seguintes.

Projetos Metroviários Para o Leste Metropolitano Fluminense

50Mesmo com o enfraquecimento das ferrovias ordenado pelo governo federal, o antigo governo da Guanabara observava os entraves da mobilidade urbana diante do crescimento contínuo da população. Em busca de renovação do transporte público, que a partir de 1940 o modal rodoviário começa a se expandir, chegando a 90% de uso em 1960. Diante disso, o governo da Guanabara abriu um consórcio para o Estudo de Viabilidade Técnica e Econômica do Metropolitano do Rio de Janeiro, da qual a Companhia Construtora Nacional, Hochtief e Deutsch Eisenbahn Consulting ficaram responsáveis em 1968. (GUEDES, 2014)

51O estudo mostrou que o sistema rodoviário não iria sustentar a demanda crescente até 1990, sendo essencial a implementação do sistema ferroviário urbano. Para elevar o estudo a projeto, o governo estadual se sujeitou às exigências do governo federal em interferir no projeto e em troca de recursos financeiros. O então estudo serviu para um projeto compactado, em 1979 a Companhia do Metropolitano do Rio de Janeiro executou apenas 4 km da Linha 1, ligando a Glória – Praça Onze. (IDEM, 2014)

52Eliane Guedes destaca que o conflito de interesses do período impactou no sistema metroviário:

“Finalmente, também pode ser observado que o período de maior afluxo de ideais e iniciativas para a implantação de um sistema metroviário para a cidade se deu no período de 1960-1970 – época de substituição desordenada dos meios ferroviários pelos meios rodoviários -, e que as decisões tomadas não o foram no sentido de reorientar a oferta para atender às necessidades efetivas por deslocamentos de massa, mas sim para se construir um sistema de Metrô isolado e de pouca abrangência espacial e baixo número de passageiros transportados. A substituição de modos ocorria sem planejamento.” (IDEM, 2014, p.161)

53O projeto que foi concluído com o passar das décadas foi: Linha 1 - ligando Copacabana à Tijuca, passando pelo Largo da Carioca; Linha 2 - Estácio a Pavuna, saindo da capital e chegando na Baixada Fluminense; Linha 4 - Botafogo a Barra da Tijuca. Os projetos sem previsão de entrega: Linha 3 - Carioca a Itaboraí, o trecho passando pela baía seria submerso, de Niterói a Itaboraí seria usado os trilhos da antiga Linha Litoral. As linhas 5 (conectando os Aeroportos Tom Jobim e Santos Dumont) e 6 (Barra da Tijuca, passando por Duque de Caxias, Madureira e Taquara até a Ilha do Governador) também não foram concluídas. (IDEM, 2014)

Figura 6. Mapa do Projeto Metroviário RMRJ

Figura 6. Mapa do Projeto Metroviário RMRJ

Fonte: https://www.guiadeniteroi.com/​metro-em-niteroi/​

54Apesar dos resultados mínimos com apoio do governo federal, a Companhia do Metrô do RJ seguiu durante os anos seguintes elaborando estudos sobre a implementação metroviária. Os projetos pretendiam que “[...] o Metrô em 1998 seria responsável por 42% das viagens feitas no Grande Rio.” (idem, pp.200). Algo que não sucedeu, mesmo com o fim da ditadura militar, a redemocratização foi dominada por governos neoliberais, que nos anos 1990 privatizaram os transportes estaduais. O poder empresarial através da Federação das Empresas de Transportes de Passageiros do Estado do Rio de Janeiro (FETRANSPOR), interfere para manter o modal rodoviário como principal meio de transporte no estado. Guedes (2014), afirma que no RMRJ existe estrutura para o transporte de massa, porém ele é devidamente sucateado. Observamos isso pelo traçado do Metrô Rio, no qual as estações metroviárias que surgiram se concentraram na cidade do Rio de Janeiro, chegando ao máximo em Nova Iguaçu, construída em 1998. (IDEM, 2014)

55Os ramais de trens suburbanos cariocas existentes desde o século XIX, também não foram integrados aos planos de mobilidade inicialmente, com a onda de concessões dos anos 1990 acabou sendo administrada pela empresa privada Supervia. Enquanto a linha Barreto-Visconde de Itaboraí, fica sob administração estadual da Companhia Estadual de Engenharia de Transportes e Logística (CENTRAL). (IDEM, 2014)

56A questão do abandono ferroviário no leste metropolitano exibe a crítica de Dupuy (1993) sobre a administração das redes. A população fluminense cresceu devido à industrialização-urbanização da região, pelas possibilidades de empregos, pelos loteamentos de terras baratas e o acesso a bondes, trens e rodovias. A posição do poder público brasileiro foi de não manter essas primeiras redes de transporte, investindo no modal rodoviário para seguir as pretensões capitalistas. O que deixou a população presa a ônibus e carros, causando congestionamentos, acabando com áreas verdes e poluindo o ar das cidades. O acesso dos trabalhadores segue limitado por rodovias, exceto em Niterói que conta com transporte hidroviário. As promessas de um metrô atravessando a baía de Guanabara, é uma necessidade visível na paisagem urbana. Dupuy defende que as redes técnicas sejam tuteladas e não consideradas a partir do seu valor. Porém o poder público pouco faz para que o projeto aconteça, podemos considerar que para o mercado econômico não existem garantias de lucro para esse transporte de massa.

57A linha Barreto-Visconde de Itaboraí se manteve operando com muitas dificuldades até meados de 2007, quando foi totalmente desativada. Giesbrecht (2020), cita uma reportagem sobre o trecho, no jornal O DIA de 2003, na qual o diretor de produção da CENTRAL informou que havia um único trem circulando, a 20 km por hora e que foi construído em 1950. O trem apresentava problemas diariamente, os funcionários já estavam habituados a fazer remendos na velha máquina. Não havia verba para manutenção nos trilhos, que estavam obstruídos por lixo e pela vegetação, assim como não havia reparo nos vagões. A CENTRAL estimava que apenas 180 pessoas utilizam o ramal diariamente e a tarifa era de R$0,60. Com o mau estado de conservação e com poucos passageiros, a linha não atraia concessionárias. As estações estão abandonadas, servem de moradia para pessoas em situação de rua e os trilhos foram retirados ou roubados. (idem, 2020).

Figura 8. Estação Itaboraí, 2006

Figura 8. Estação Itaboraí, 2006

58Fonte:http://www.estacoesferroviarias.com.br/​efl_rj_litoral/​niteroi.htm / http://www.estacoesferroviarias.com.br/​efl_rj_litoral/​visconde.htm

59Em 2006, após o anúncio da Petrobras sobre ter encontrado petróleo na costa fluminense, Itaboraí entra para o Programa de Aceleração do Crescimento. Que teve como objetivo a implementação de infraestrutura, visando o desenvolvimento de setores do transporte, saneamento básico, energia e assistência social. A Petrobras foi responsável pela construção do Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro (COMPERJ), ocupando espaço de 10% da cidade. (SANTOS, 2018). São Gonçalo foi juntamente incluída, escolhida para a construção do Centro de Integração da COMPERJ. Itaboraí presenciou uma rápida urbanização e crescimento da população, que esperava por melhorias na qualidade de vida. (CANDIDO, 2019)

60Em 2007, a Secretaria Estadual de Transportes do Rio de Janeiro anunciou projetos de expansão da malha metroviária, influenciados pelo descobrimento pré-sal e pelos megaeventos da Copa do Mundo de 2014 e os Jogos Olímpicos Rio 2016. Dos projetos anunciados, apenas a Linha 4 – extensão até a Barra da Tijuca foi entregue; as Linhas 5 e 6 foram substituídas pelo BRT e a Linha 3 – ligando a Carioca-Niterói por túnel submerso, chegando até Itaboraí não foi sequer iniciada. (GUEDES, 2014).

61As obras da COMPERJ começaram em 2008, uma grande infraestrutura foi inserida nas cidades de Itaboraí e São Gonçalo, como estradas, porto e píer, para melhor logística das cargas ultrapesadas. A implantação do Complexo ia além do caráter técnico, passando a ter importância política ao trazer melhorias para uma região que carece de melhores empregos e infraestrutura. (CÂNDIDO, 2019). Com o passar dos anos a economia do petróleo brasileira se desfez, devido a queda de investimentos gerada pela produção de derivados do petróleo e gás de xisto dos Estados Unidos. O Complexo Petroquímico não foi concluído, tendo paralisação total das obras em 2019. (UOL, 2019) O local passou por transformações e agora produz gás natural, lubrificante e combustíveis, passando a se chamar Polo GasLub Itaboraí. (PETROBRAS, 2021).

62Machado, Pero e Mihessen (2015), em sua pesquisa, mencionam o tempo gasto por moradores de diferentes regiões da RMRJ, que segundo o Censo Demográfico 2010, é a metrópole que consome mais tempo no deslocamento de casa ao trabalho. Isso é devido a predominância do modal rodoviário e por 74% da população do estado do Rio de Janeiro se concentrar na RMRJ. Entre os moradores que trabalham fora de seu município, está São Gonçalo em segundo com 13,2%, em terceiro Niterói com 10,7% e em nono Itaboraí com 5,4%.

63A especulação imobiliária em habitações próximas à centralidade causa a segregação espacial. Na qual os trabalhadores com renda mais baixa residem em locais mais distantes pelo preço mais acessível dos imóveis. Essa distância acarreta em dificuldades para se conseguir um emprego, o que torna as favelas uma alternativa de residir nessas centralidades. Entre as cidades da RMRJ com mais oportunidades de trabalho estão a capital, com 65,4% dos trabalhadores e Niterói em segundo com 11,8%. Fora a centralidade da metrópole, Niterói e São Gonçalo exercem atração em trabalhadores de cidades próximas, como por exemplo Itaboraí, pela acessibilidade de chegar mais rápido ao destino e conter mais oportunidades de emprego. (IDEM, 2015)

64A população ao longo dos anos vem denunciando por meio da imprensa sobre o exaustivo movimento pendular. Entre reportagens de destaque estão: A exposição do trajeto da trabalhadora gonçalense em 2014, que saí de casa no Jardim Catarina para Praça XV e demora cerca de 1h40min de ônibus, se o trajeto fosse de metrô seria de 30 minutos (O GLOBO, 2014); Em pesquisa feita pelo Índice 99 de Tempo de Viagem, indicou Niterói como a cidade com maior congestionamento do Brasil. Nos horários de pico, o trabalhador leva em média 78% mais tempo para se locomover, sendo esta a única cidade dentre as três que tem mais um modal para transitar, o hidroviário. (A TRIBUNA, 2018); Em São Gonçalo o ônibus é o único transporte coletivo, em reportagem do G1, revela que os ônibus gonçalenses têm a tarifa mais cara do estado. (G1, 2018). As cidades fora da centralidade têm um valor baixo de uso, ou seja, não são lucrativas por atenderem consumidores de baixa renda, por não ter em seu espaço atrativos turísticos ou de consumo significativo. Como afirma Lefebvre (1969), é necessário inverter as prioridades na prática social, na qual realidade urbana estará à disposição das massas e não dos especuladores capitalista:

“É possível considerar aqui uma variável estratégica: limitar a importância da indústria automobilística na economia de um país e o lugar do objeto “carro” na vida quotidiana, na circulação, nos meios de transporte. Substituindo o carro por outras técnicas, outros objetos, outros meios de transporte (públicos, por exemplo). Esse é um exemplo um pouco simples e trivial, mas bem demonstrativo da subordinação do “real” a uma estratégia. ” (idem, pp. 118)

65O autor ainda ressalta a indispensabilidade da interferência da sociedade na construção e remodelação das cidades, fazendo uma crítica vigorosa à planificação econômica dos espaços. Um exemplo de intervenção da sociedade fluminense ocorreu em 2013, quando grandes protestos foram desencadeados pelo aumento da tarifa de ônibus. A resposta do estado foi reprimir violentamente por meio da polícia militar. A pauta chegou a ser atendida, mas os atos perduraram por algumas semanas com outras demandas e grupos que desviaram da pauta da mobilidade urbana.

Considerações Finais

66Este texto tem como intuito ressaltar a transformação espacial profunda que a urbanização-industrialização trouxe para Niterói, São Gonçalo e Itaboraí. Essas cidades atualmente comportam 1,7 milhões de habitantes. Esse crescimento contínuo ocorre em meio a queda do setor ferroviário, a desindustrialização e a consequente estagnação da urbanização, como vemos em São Gonçalo. Essa densa população reside atualmente em favelas, casas, condomínios que ficam no antigo trajeto das linhas de trem, estes cidadãos em maioria são trabalhadores e usam as redes de ônibus e carros particulares para o transporte.

67A diversificação dos modais de transporte é necessária para suprir as desigualdades espaciais. As antigas linhas ferroviárias do RMRJ devem voltar a ser consideradas, assim como novas tem que ser elaboradas com finalidade de aliviar os diários congestionamentos e esvaziar os ônibus abarrotados de trabalhadores nas horas de pico. É preciso uma economia política que acabe com o ciclo de precarização das redes técnicas e suas privatizações.

68Lefebvre define que todo habitante deveria ter “[...] direitos das idades e dos sexos (a mulher, a criança, o velho), direito das condições (o proletário, o camponês), direito ao trabalho, à instrução, à educação, à saúde, à habitação, aos lazeres.” (pp.107). Adicionaria o direito à mobilidade, de poder transitar com rapidez e segurança em redes de transporte público, que seja prioridade o acesso aos lugares. Precisamos formar uma sociedade consciente dos seus direitos políticos para ter mudanças significativas na qualidade de vida daqueles que produzem a cidade

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Índice das ilustrações

Título Figura 1. Recorte espacial do Leste Metropolitano Fluminense
Créditos Fonte : IBGE.
URL http://journals.openedition.org/espacoeconomia/docannexe/image/21894/img-1.jpg
Ficheiro image/jpeg, 132k
Título Figura 2. Bonde de tração animal, século XIX
Créditos Fonte: http://www.tramz.com/​br/​ni/​ni.html
URL http://journals.openedition.org/espacoeconomia/docannexe/image/21894/img-2.jpg
Ficheiro image/jpeg, 42k
Título Figura 3 : Bonde Elétrico, século XX
Créditos Fonte: http://www.tramz.com/​br/​ni/​ni.html
URL http://journals.openedition.org/espacoeconomia/docannexe/image/21894/img-3.jpg
Ficheiro image/jpeg, 40k
Título Figura 4. Mapa da Linha Litoral
Créditos Fonte: http://www.estacoesferroviarias.com.br/​efl_rj_litoral/​niteroi.htm
URL http://journals.openedition.org/espacoeconomia/docannexe/image/21894/img-4.jpg
Ficheiro image/jpeg, 65k
Título Figura 5. A Mancha Urbana no Leste Metropolitano Fluminense
Créditos Fonte: Google Earth
URL http://journals.openedition.org/espacoeconomia/docannexe/image/21894/img-5.jpg
Ficheiro image/jpeg, 145k
Título Figura 6. Mapa do Projeto Metroviário RMRJ
Créditos Fonte: https://www.guiadeniteroi.com/​metro-em-niteroi/​
URL http://journals.openedition.org/espacoeconomia/docannexe/image/21894/img-6.jpg
Ficheiro image/jpeg, 63k
Título Figura 7 - Estação Niterói, 1967
Créditos Fonte:http://www.estacoesferroviarias.com.br/​efl_rj_litoral/​niteroi.htm / http://www.estacoesferroviarias.com.br/​efl_rj_litoral/​visconde.htm
URL http://journals.openedition.org/espacoeconomia/docannexe/image/21894/img-7.jpg
Ficheiro image/jpeg, 32k
Título Figura 8. Estação Itaboraí, 2006
URL http://journals.openedition.org/espacoeconomia/docannexe/image/21894/img-8.jpg
Ficheiro image/jpeg, 33k
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Stefani Cristoiu, «Rede Ferroviária no Leste Metropolitano do Rio de Janeiro (Trecho Niterói - Visconde de Itaboraí)»Espaço e Economia [Online], 23 | 2022, posto online no dia 02 agosto 2022, consultado o 05 dezembro 2023. URL: http://journals.openedition.org/espacoeconomia/21894; DOI: https://doi.org/10.4000/espacoeconomia.21894

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Autor

Stefani Cristoiu

IC / CNPq

Universidade do Estado do Rio de Janeiro

Email: stefanicristoiu@gmail.com

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