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Dossiê O complexo imobiliário-financeiro na produção do espaço na contemporaneidade

Confluências e contradições entre Estado e mercado no desenvolvimento da securitização imobiliária no Brasil: a captura do fundo público como estratégia de estruturação do nexo financeiro-imobiliário

Confluences et contradictions entre l’État et le marché dans le développément de la sécuritisation immobilière au Brésil : la prise du fond publique en tant qu’une stratégie de structuration des liens entre le financier et l’immobilier
Bruno Leonardo Silva Barcella

Résumés

C’est à partir du marque réglementaire du Sistème Financier Immobilier (SFI) en 1997 que les outils de sécuritisation immobilière ont été créés au Brésil, notamment les « certificados de recebíveis imobiliários » (CRI’s). En focalisant le rôle des institutions telles que la Caixa Econômica Federal (CEF), le Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) et le Sistema Brasileiro de Poupança e Empréstimo (SBPE), on a analysé comment l’État a coordonné le marché des titres des dettes immobilières au Brésil. Le résultat, c’est la création d’un modèle singulier de financiarisation et de sécuritisation.

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Texte intégral

Introdução

1As relações entre o capital financeiro e a propriedade imobiliária, bem como as investigações sobre esta relação não se trata de um tema recente (TOPALOV, 1979; HARVEY, 1982, 1993; PRADILLA COBOS, 2018), todavia, é a partir da proliferação e comercialização de instrumentos financeiros  que  um crescente número de abordagens vêm, desde as três últimas décadas, destacando a necessidade de investigar como os mercados financeiros têm alcançado um número cada vez maior de espaços materiais e agentes, em sua potência de capturar dívidas e constituir canais de investimento, transformando as formas de produção, consumo e apropriação do ambiente construído urbano (FIX, 2007; AALBERS, 2008; ROLNIK, 2015; SANFELICI, 2020).

2Esta proliferação e comercialização de instrumentos financeiros são características fundamentais de um momento histórico marcado pelo chamado processo de financeirização do e no capitalismo (BRAGA, 1997; CHESNAIS, 2002, 2016; LAPAVITSAS, 2013). Naquilo que interessa diretamente ao debate deste trabalho, que é a securitização dos financiamentos habitacionais, trata-se de reconhecer o contexto histórico de criação deste instrumento financeiro, enfatizando, sua relação com as estruturas de financiamento da habitação herdadas a fim de distinguir a constituição e permanente transformação de um ambiente regulatório necessário para a circulação destes ativos (AALBERS, 2008; SANFELICI e HALBERT, 2018; GOTHAM, 2009).

3O foco analítico a ser desenvolvido interpreta a chamada financeirização, que no Brasil, assume características específicas em relação a outros países. Tratando da financeirização da cidade e da habitação, a análise incorpora o debate sobre a captura e articulação das rendas fundiárias urbanas ao processo mais geral de um capitalismo contemporâneo, cada vez mais ligado ao rentismo que à produção (CHRISTOPHERS, 2020), principalmente via instrumentos e produtos tipicamente financeiros, como por exemplo a securitização. 

4No Brasil a introdução do processo de securitização de títulos de dívida imobiliárias foi realizada via Certificado de Recebíveis Imobiliários (CRI) (ROYER, 2009; BOTELHO, 2007; ROLNIK, 2015; ABREU, 2019). A criação/regulamentação deste produto financeiro foi instituída na estruturação do arcabouço jurídico-institucional do SFI (Sistema Financeiro Imobiliário), em 1997 (Lei n°9514/97). 

5O presente trabalho se debruça sobre uma “provocação analítica” central, mas que que se articula com duas dimensões fundamentais, uma primeira que diz respeito ao debate sobre a participação direta do Estado enquanto agente central e ativo como emissor destes títulos/ativos no mercado via seu principal banco público, Caixa Econômica Federal (CEF), ou seja, se trata do Estado participando na estruturação do mercado “pelo lado da oferta”, assim, essa primeira dimensão está relacionada a participação do Estado enquanto agente ativo e estrutural via CEF.

6Uma segunda que destaca o olhar para o direcionamento de fundos públicos e semipúblicos na compra de CRI e, consequentemente, uma participação relevante de agentes sob o comando do Estado na “melhora da performance” do mercado em sua trajetória recente via oferecimento de possibilidade de captura de recursos regulados do fundo público (ROYER, 2015). Para essa análise utilizaremos as informações dos balancetes dos investimentos do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) e o Sistema Brasileiro de Poupança e Empréstimo (SBPE) referentes a compra de CRI. Diante disto, a segunda dimensão analítica é análise da participação do estado no “lado da demanda” colocando o fundo público a serviço do desenvolvimento do mercado de títulos de dividas imobiliárias.

7Para a condução deste debate este texto apresenta para além desta introdução o debate sobre a relação entre o financiamento e a financeirização com o objetivo de argumentar a posição da securitização como o elo entre estas duas instâncias e como o desenvolvimento da primeira influência diretamente nos caminhos e possibilidades da segunda. Posteriormente, é realizado um debate sobre o papel histórico que a CEF apresenta em relação a centralização do financiamento habitacional no Brasil e como esta posição acabou por coloca-la em uma posição de “privilégio” no momento em que ela entrou no “jogo” da securitização de dívidas imobiliárias, tal debate se conecta diretamente como o item subsequente que debate o papel que o Estado passou a exercer no fomento e desenvolvimento do mercado de CRI no Brasil, possuindo um papel de agente ativo e central tanto no “lado da oferta” via seu principal banco público, CEF, e também central no “lado da demanda” colocando o fundo público como importante agente investidor em CRI. Finalizamos com à guisa da conclusão em que buscamos realizar uma síntese dos principais pontos que merecem atenção em relação a esta relação a posição do Estado enquanto agente ativo no mercado de títulos financeiros de base imobiliária no Brasil.

A securitização de títulos imobiliários como fio condutor que promove a interrelação entre financiamento habitacional e a financeirização do imobiliário

8O reconhecimento da chamada “financeirização da economia” no atual e também no transcorrer recente da história do capitalismo ainda suscita debates em relação as definições de seu papel, não é o objetivo do presente texto debater se ater a tal debate. Para fins do presente da presente análise basta-se reconhecer que a financeirização refere-se ao “crescente domínio de atores financeiros, mercados, práticas, medições e narrativas em várias escalas” (AALBERS, 2016, p. 2). Em Braga (1997), um dos precursores brasileiros no debate, a financeirização é caracterizada pela identificação do crescente papel dos mercados financeiros no processo de acumulação, ele conceitua a financeirização como um padrão sistêmico de riqueza no capitalismo que está em vigor desde o fim do acordo de Bretton Woods.

9Nesse sentido, a materialização do processo de financeirização se desenvolve, também, a partir da condução das lógicas e estratégias que passaram a possibilitar à captura das engrenagens de estruturação dos circuitos de crédito e imobiliários, tornando-os cada vez mais hibridizados com os mercados de capitais. Bancos “tradicionais” passaram a direcionar a desenvolver, agora, atividades de gestão de ativos e negociarem, no presente, as expectativas rentabilidades esperadas da comercialização destes ativos (BRAGA, 1997; PAIVA, 2007; CHESNAIS, 2016), de mesmo modo, re-embalam seus ativos ilíquidos e aparentemente díspares em entidades vendáveis e líquidas por meio da securitização (COAKLEY, 1993; GOTHAM, 2009) e, importantes agentes imobiliários, que outrora se resumiam-se a capitalizar, somente, via instituições financeiras, agora, se valem destes títulos para garantir o funding necessário para viabilizar os seus empreendimentos (CHIAPELLO, 2019).

10Portanto, chamamos a atenção aqui para o processo de estruturação de mercados de ativos financeiros vinculados a lastros garantidores de fluxos de recebíveis futuros que foram responsáveis pela introdução das operações de securitização. 

A securitização é, em sentido amplo, o processo pelo qual empresas produtivas, bancos, demais empresas financeiras, e governos emitem títulos de dívida, com inúmeras finalidades, envolvendo e interligando, desta forma, os chamados mercados creditício, de capitais, de derivativos (swaps, opções e futuro). (BRAGA, [1985] 2000, p. 272).

11Diante disto, a securitização mais do que uma das portas de entrada do processo da financeirização, a partir de suas práticas, etapas e mecanismos, ela cria os elos fundamentais que permitem a inter-relação entre o financiamento e a financeirização (BRAGA, 1997, 2000; CHESNAIS, 2016). A securitização de ativos, em resumo, representa a transferência de obrigações financeiras geradas anteriormente em processos de transformação de promessas de recebíveis originadas nas obrigações de crédito em ativos negociáveis no mercado de capitais (BRAGA, 1997, 2000; PAIVA, 2007; CHESNAIS, 2016). A securitização seria, nessa concepção, o instrumento que constrói os canais comunicantes e permite a convergência entre a dimensão do financiamento clássico presente, sob a lógica presente nos bancos comerciais e a dimensão financeirizada marcada pela lógica de reunir promessas de dívidas, criar ativos e comercializar direitos no mercado secundário.

12O organograma apresentado na Figura 1 busca demonstrar as posições e momentos que marcam a inter-relação entre o financiamento e a financeirização, em que a securitização seria o instrumento que constrói os canais comunicantes de convergência e determinação entre as duas instâncias.

Figura 1. A inter-relação entre financiamento e financeirização promovida pela securitização

Figura 1. A inter-relação entre financiamento e financeirização promovida pela securitização

Fonte/Elaboração: do autor

13O financiamento enquanto dimensão atrelada a lógica tradicional da atuação de bancos comerciais, lógica esta que tem como base a reunião de fundos para criação de linhas de créditos a serem oferecidos no mercado, crédito este que resulta em fluxos contínuos de rendimentos acrescidos de rendas em forma de juros, que assume a forma do lucro bancário (Momento I) e a securitização como a técnica que reúne estes fluxos de recebíveis originados no financiamento e os transforma em ativos mobiliários negociáveis no mercado de capitais (BRAGA, 1997, 2000; PAIVA, 2007; CHESNAIS, 2016) (Momento II), que por sua vez, passa a alimentar um circuito financeiro da acumulação cada vez mais central no processo de acumulação, com dinâmicas, fluxos e agentes específicos em sua composição (Momento III).

14Deste modo, a securitização permite a reunião destes dividendos transformando-os em ativos remunerados que passam a ser negociados em forma de emissões no mercado secundário com geração de rendimentos financeiros a seus compradores/investidores (BRAGA, 1997, 2000; PAIVA, 2007; CHESNAIS, 2016). Desta forma, é possível compreendermos a securitização como o instrumento que permite a passagem de uma lógica de rendimentos pautada na extração de rendas em formas simples de juros derivados do fluxo contínuo de pagamento de contratação de crédito/financiamento para um lógica de rendimento financeiros atrelados a expectativas de pagamentos e fluxos baseados em taxas, indexadores e índices de remuneração sobre o capital investidos, se trata, portanto,  da criação e promoção de um circuito rentista de remunerações.

15Chesnais (2016) argumenta que a securitização, ou melhor detalhando, a técnica envolvida nos mecanismos de criar ativos securitizados prescinde necessariamente do papel ativo da instituição no financiamento. Ainda de acordo com o autor, diante disto, nem todas as instituições financeiras possuiriam a capacidade necessária para efetivar esta reunião de direitos de recebíveis a serem emitidas no mercado secundário, pois uma instituição financeira para participar do “jogo da securitização” enquanto agente emissor precisa, necessariamente, apresentar uma estrutura de financiamento consistente com contínuos fluxos de oferecimento de crédito no mercado.

16No Brasil e, mais especificamente em relação a securitização da habitação, somente instituições com uma estrutura de financiamento imobiliário de larga escala possuiriam a capacidade necessária para exercerem o papel de emissores de títulos de recebíveis imobiliários em larga escala, ou seja, fornecer os lastros e garantias necessárias para o desenvolvimento do mercado da securitização imobiliária. É diante desta face que centramos nossa análise, com destaque para o principal e central agente financiador da habitação/imobiliário no Brasil e, que a partir de determinado ponto histórico passou a apresentar importante presença no mercado de títulos financeiros de base imobiliária, a Caixa Econômica Federal (CEF).

A trajetória da Caixa Econômica Federal como agente estrutural do financiamento imobiliário no Brasil

17A Caixa Econômica Federal (CEF) é uma instituição financeira estatal brasileira, considerada o principal Banco público do Brasil. A CEF possui uma histórica proximidade com a produção habitacional no Brasil, esta citada proximidade é resultado de um processo marcado por arranjos e desarranjos históricos no curso da política habitacional brasileira e suas estratégias e mecanismos de construção.

18É a partir da Lei Nº 4.380, de 21 de agosto de 1964 que instituiu o Banco Nacional da Habitação (BNH) no Brasil que é possível identificar a primeira arquitetura robusta de um plano nacional de fomento à produção habitacional em que o Estado passa a desempenhar papel coordenador, principalmente em relação aos fundos de financiamento. Dentre as várias atribuições e responsabilidades exercidas pelo BNH, chamamos atenção aqui para uma que consideramos central, a operacionalização de fundos públicos e semipúblicos para criação de fundings de crédito financeiro habitacional no Brasil. Na mesma Lei responsável por criar o BNH, em 1964, é também instituído o Sistema de financiamento da Habitação (SFH), o sistema foi é considerado a primeira criação robusta de um sistema de crédito que dessa conta de criar um circuito de intermediação financeira para produção habitacional em larga escala no Brasil (MELO, 1990). Em 1966, por meio da Lei 5.107, o Governo Federal criou o fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS), tal fundo se tratava, e ainda se trata, de um fundo compulsório formado pela contribuição mensal de empregadores aos seus empregados. Logo após sua criação, em 1967, o FGTS passou a integrar e garantir os recursos do funding financiador do BNH. 

19Posteriormente, em 1968, é realizada a regulamentação da caderneta de poupança junto ao Sistema Brasileiro de Poupança e Empréstimos (SBPE), por meio da Resolução do Conselho Diretor do BNH, e é a articulação destes fundos públicos e semipúblicos que passam a compor o funding para o BNH (ROYER, 2009; 2013). A dissolução do BNH, em 1986, não representou a dissolução do SFH, o sistema de financiamento continuou e, ainda continua operando. Porém, como não poderia deixar de ser, foram necessárias adaptações e mudanças em relação à instituição que iria centralizar suas operações. Os passivos e ativos do Sistema (SFH) foram transferidos para a CEF que vem, desde então, operacionalizando e direcionando o funding habitacional/imobiliário (ROYER, 2009; ELOY, 2013).

20Diante de tal cenário a CEF passou a desempenhar um papel central no que se refere a operacionalização do financiamento habitacional no Brasil, se caracterizando como principal instituição financeira atuante do segmento no Brasil. Os fundos conhecidos como parafiscais ou públicos/semipúblicos (SBPE e FGTS) detém uma importância histórica e crucial para a promoção de políticas habitacionais e da produção habitacional no Brasil.

21A centralidade exercida pela CEF no conjunto do crédito imobiliário brasileiro é emblemática, o Gráfico 1 apresenta a trajetória histórica do estoque dos volumes em R$ (reais) referentes ao financiamento imobiliário brasileiro dos últimos 25 (vinte e cinco) anos, segmentado pelos volumes operacionalizados pela CEF frente aos volumes operacionalizados pela soma dos demais agentes.

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Gráfico 1. Estoque de financiamentos imobiliários. 1995 - 2020

Gráfico 1. Estoque de financiamentos imobiliários. 1995 - 2020

Fonte: Central de Custódia e Liquidação Financeira de Títulos. Séries históricas. http://estatisticas.cetip.com.br/​astec/​series_v05/​paginas/​web_v05_series_introducao.asp?str_Modulo=Ativo&int_Idioma=1&int_Titulo=6&int_NivelBD=2. Acessado em 03/02/2021.

 

23A análise sobre a participação da CEF no total da trajetória do estoque de financiamento imobiliário entre o período de 1995 e 2020, oferece elementos que possibilitam destacar um duplo movimento:

24I) Um aumento sistemático dos volumes em R$ (reais) em estoque de financiamento imobiliário entre os anos de 1995 e 2020 no Brasil, o que sintetiza, em certa medida, a própria trajetória recente do setor imobiliário nacional, que apresentou um considerável aumento da produção e consumo imobiliário, principalmente no período entre 2009 e 2015.

25II) Esta trajetória recente de aumento do estoque de financiamento imobiliário e a ascensão da produção e consumo imobiliário é caracterizada pela centralização do crédito imobiliário na CEF, esta instituição, portanto, pode ser considerada o agente estruturante desta recente trajetória. Em termos de volume sua participação sempre superior a 60%, até o início da década de 2000, do estoque de financiamento imobiliário e, sempre superior a 70%, no desenrolar dos anos 2000.

De agente central no financiamento a agente estruturador da securitização: CEF e o mercado de títulos de dívidas imobiliárias no Brasil

26Desde o trabalho de Botelho (2007), com foco na cidade de São Paulo, é possível perceber um crescente interesse no debate sobre a estruturação dos mercados de ativos imobiliários no Brasil. Em um primeiro recorte destas importantes pesquisas e contribuições podemos destacar alguns autores, dentre eles destacamos Botelho (2007), Fix (2007) e Royer (2009, 2015).

27No que diz respeito, principalmente em relação aos CRI, esta consistente bibliografia, identificou de maneira correta, em um primeiro momento, um cenário restrito no que diz respeito a abrangência da circulação e alcance dos títulos securitizados frente ao processo de financeirização do circuito imobiliário no Brasil.

28Deste modo, é possível dizer que foi consensual a noção que não havia se criado até então “um mercado de securitização dos empréstimos imobiliários [...] para edificações residenciais”, pois, os mecanismos em funcionamento como FIIs e CRIs, ainda possuíam um “alcance restrito no segmento residencial”, nesse sentido, a financeirização, incidiu no Brasil por via distinta daquela dos Estados Unidos (FIX, 2011, p. 136).

29Todavia, destaca-se de igual importância um segundo conjunto de investigações e análises, que demarcam o olhar para um processo em movimento e consequentemente em constantes transformações, o recente olhar sobre os movimentos e funcionamentos do mercado de títulos de dividas imobiliárias no Brasil, tais investigações sintetizadas em Royer (2015), Abreu (2019), Ferreira (2019), Melazzo e Abreu (2019), Abreu, Melazzo e Ferreira (2020) e Melazzo, Abreu, Barcella e Ferreira (2021) demonstram mudanças substancias na trajetória recente deste mercado, estas mudanças, em geral, estão diretamente associadas a novos agentes que passaram se fazer presente no mercado de CRI, como por exemplo, a CEF, além de novas estratégias e constantes aperfeiçoamentos da dimensão jurídico-normativa do ambiente regulatório que envolve a aproximação entre o financeiro e o imobiliário no Brasil.

30É importante destacar a participação da CEF no mercado de títulos financeiros de base imobiliária como a condução de um agente estatal que passa a representar o próprio Estado no desenvolvimento do mercado de CRI está ancorada em um pilar duplo que são diretamente articulados.

31O primeiro pilar é referente ao reconhecimento que a CEF exerceu no período em análise o papel de agente central e ativo nos direcionamentos, caminhos e intencionalidades do mercado, ou seja, o Estado com participação efetiva na estruturação do mercado “pelo lado da oferta”. E um segundo pilar baseado no direcionamento de fundos públicos e semipúblicos na compra de CRIs e, consequentemente, uma participação relevante de agentes sob o comando da CEF, empenhado na “melhora da performance” do mercado na trajetória recente via oferecimento de possibilidade de captura de recursos regulados do fundo público (ROYER, 2015), ou seja, a participação do Estado de forma efetiva “pelo lado da demanda”.

32E diante destes dois pilares, que são articulados, que realizaremos a análise dos papéis desempenhados pela CEF e pelos fundos públicos e semipúblicos no mercado de CRI em sua trajetória recente, buscando identificar seu dimensionamento de tamanho em proporção ao desempenho do próprio mercado, sua importância e as consequências de suas ações, sem perder de vista as confluências e contradições dessa relação entre Estado e mercado.

33A CEF “do lado da oferta”

34Foi recorrente o processo de afeiçoamento jurídico normativa que houve no ambiente regulatório financeiro no Brasil ao longo das duas primeiras décadas do século XXI (ROYER, 2015; ABREU, 2019; SANFELICI, 2020), tal aperfeiçoamento do ambiente regulatório resultou em um conjunto de mudanças normativas que conferiram uma paulatina evolução das relações entre o SFI, CEF e SFH, principalmente no aumento da influência da primeira nas estratégias de ação da segunda.

35Neste aspecto, é importante ater que ainda no ano de 2002, importantes mudanças jurídicas-normativas já eram colocadas em jogo e previram a possibilidade de participação direta da CEF como agente ativo no mercado secundário. Diante desta dimensão, chamamos a atenção para a circular nº 252 de julho de 2002 da CEF, em concordância as resoluções nº 375/2001 e 410/2002 do Conselho Curador do FGTS (CCFGTS), que conduziram o lançamento, via CEF, de uma linha de crédito do FGTS destinada a aquisição de CRI com lastro em imóveis novos e usados.

36Passadas pouco mais de duas décadas desde a regulamentação do SFI, não são pequenas as mudanças, quando consideramos os estoques de títulos financeiros de base imobiliária, indicados no Gráfico 2, fica evidente a crescente importância destes títulos no direcionamento de financiamentos imobiliários.

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Gráfico 2. CRI. Estoque do montante de títulos. 2002 - 2020

Gráfico 2. CRI. Estoque do montante de títulos. 2002 - 2020

Fonte: Central de Custódia e Liquidação Financeira de Títulos. Séries históricas. http://estatisticas.cetip.com.br/​astec/​series_v05/​paginas/​web_v05_series_introducao.asp?str_Modulo=Ativo&int_Idioma=1&int_Titulo=6&int_NivelBD=2. Acessado em 03/02/2021.

38Se em um primeiro momento a securitização, um dos instrumentos da financeirização, se restringia a bens imobiliários de alto valor unitário, focada em imóveis comerciais ou de serviços e concentrados em cidades de regiões metropolitanas, notadamente São Paulo, a paulatina entrada da CEF altera profundamente tal cenário.

39Trabalhos recentes, como os Abreu (2019) e Abreu, Melazzo e Ferreira (2020) e Melazzo, Abreu, Barcella e Ferreira (2021) condicionaram este crescente alinhamento entre os circuitos de crédito e o circuito imobiliário à capacidade desempenhada pelos CRI em drenar parte dos recursos alocados pelo SFH em financiamentos imobiliários. Isto significa que, muito embora a securitização de créditos habitacionais apresente uma notada expansão, sobretudo, no final da primeira década dos anos 2000, os bancos tradicionais, que são aqueles que centralizam os mecanismos de captura e direcionamento da poupança privada para os financiamentos imobiliários a partir de recursos do SFH, exercem um papel fundamental no avanço do processo de securitização imobiliária.

40A coexistência entre estes dois sistemas de financiamento define as bases com as quais o processo de financeirização avança sob o imobiliário e é a partir desta relação que nossa abordagem avança na interpretação de como CEF define um campo de ação que articula sistemas tradicionais de financiamento àqueles tidos como mais modernos. Entre os anos de 2011 e 2016 a CEF foi responsável pela originação dos maiores montantes financeiros de títulos securitizados no Brasil. 

41A Tabela 1 permite uma avaliação mais precisa desta evolução, nela estão dispostos os valores totais das emissões de títulos imobiliários securitizados, os valores daqueles emitidos por instituições bancárias e financeiras e os da CEF, com seus respectivos percentuais.

Tabela 1. Valores dos títulos securitizados. Total, Instituições bancárias e financeiras e CEF. 2011 - 2019.

Totais emitidos (a)

Instituições bancárias e financeiras (b)

%

(b/a)

CEF (c)

%

(c/b)

2011

R$ 5.354.842.640,59

R$ 3.676.952.809,61

69%

R$ 2.282.604.288,60

62%

2012

R$ 3.062.175.067,33

R$ 2.861.980.726,36

93%

R$ 2.513.098.878,63

88%

2013

R$ 7.697.936.662,73

R$ 7.267.449.332,26

94%

R$ 2.238.361.252,60

31%

2014

R$ 2.229.952.328,14

R$ 2.119.452.327,86

95%

R$ 1.790.437.494,68

84%

2015

R$ 1.104.159.291,95

R$ 783.429.076,94

71%

R$ 698.589.368,82

89%

2016

R$ 12.138.326.106,21

R$ 10.986.080.327,61

91%

R$ 9.420.816.485,76

86%

2017

R$ 1.402.334.913,43

R$ 0,00

0%

R$ 0,00

0%

2018

R$ 516.705.753,16

R$ 78.861.157,00

15%

R$ 0,00

0%

2019

R$ 1.773.068.290,32

R$ 0,00

0%

R$ 0,00

0%

Fonte: Melazzo, Abreu, Barcella e Ferreira (2021): Dados obtidos a partir das operações registradas na Comissão de Valores Imobiliários (CVM). As informações atinentes à CEF foram compiladas da 1º emissão da série 203, 204, 4º emissão da série 31 e 32, ambas do ano de 2011; 1º emissão da série 75 e 76 do ano de 2012; 4º emissão da série 43 e 44 do ano de 2013; 1º emissão da 110 e 111 do ano de 2014; 1º emissão da série 123 e 124 do ano de 2015; 2º emissão da série 265, 276 e 277 do ano de 2016. Extraido de: https://web.cvm.gov.br/​app/​esforcosrestritos/​#/​consultarOferta, acessado em 16/04/2021.

42Os dados permitem destacar a relevância e centralidade ocupada pela CEF quando analisada sua participação no que se refere a volumes em R$ (reais) no mercado CRI no Brasil. Chamam atenção nestas informações a centralidade com que as instituições bancárias e financeiras desempenharam nos volumes emitidos em R$ (reais) entre os anos de 2011 e 2016. Neste período fica destacado o papel exercido pela CEF no conjunto das instituições bancárias e financeiras ao concentrar os maiores volumes.

43Interessa perceber que esta importância ocupada no conjunto das emissões de CRI está ancorada sobre dois aspectos fundamentais. Já em 2008, destaca-se um importante ponto de inflexão sobre novas possibilidades e arranjos em relação ao papel da CEF no mercado secundário de títulos imobiliários, a partir do lançamento de uma série de resoluções e normativas pelo CCFGTS (resoluções nº 578, 602, 637, 681 e 702, lançadas entre o período de 2008 a 2012) resoluções essas já destacadas e apontadas por Royer (2015) e que autorizaram o fundo investidor do FGTS a realizar investimentos em ativos imobiliários de natureza financeira, tais como títulos de recebíveis imobiliários, os CRI.

44As citadas alterações ocorreram de forma paulatina e constante, e destacaram-se como um processo de contínuo aprimoramento do ambiente regulatório financeiro que permeia o desenvolvimento dos mercados de títulos financeiros de base imobiliária no Brasil (ROYER, 2016). A compreensão destas mudanças de forma processual e articulada é importante, pois ajuda compreender e revelar o “pano de fundo” que marca o desenvolvimento de um processo com contínuas mudanças, nuances e caminhos.

45Esta relação próxima entre FGTS e CEF, desde a primeira emissão de CRI, corrobora com as interpretações que destacam os percalços no desenvolvimento de um mercado de títulos financeiros de base imobiliária no Brasil (BOTELHO, 2007; FIX, 2011; ROYER, 2015), levando a algumas delas a compreender a financeirização como um processo “truncado” (FIX, 2011).

46Fundo público “do lado da demanda” 

47Não diferentemente do aperfeiçoamento do ambiente regulatório do mercado secundário “do lado da oferta”, o “o lado da demanda” também passou por importantes mudanças e adaptações. Diante disto, observou-se a busca do Estado por favorecer o desenvolvimento dos mercados de capitais, mais especificamente o mercado secundário de títulos de base imobiliária, como os CRI. Ainda em 2002, na Resolução nº 395, do Conselho Curador do FGTS, de 24 jun. 2002, autorizou a aplicação, em CRI (ANBIMA, 2016). 

48Com o objetivo de favorecer o desenvolvimento do mercado de títulos de dividas imobiliárias securitizadas no Brasil adveio a Lei nº 11.033/2004, que isentou o necessário pagamento de imposto de renda na fonte e na declaração de ajuste anual de pessoa física quanto à remuneração de letras hipotecárias, certificados de recebíveis imobiliários e letras de crédito imobiliário (ROYER, 2015; GUILHEN, MEIRELES, CASTRO, 2017).

49Já em 2008, destaca-se um importante ponto de inflexão sobre novas possibilidades e arranjos em relação ao papel da CEF no mercado secundário de títulos imobiliários, a partir do lançamento de uma série de resoluções e normativas pelo CCFGTS (resoluções nº 578, 602, 637, 681 e 702 lançadas entre o período de 2008 a 2012) resoluções essas já destacadas e apontadas por Royer (2015), e que autorizaram o conselho curador do FGTS (CCFGTS) a realizar investimentos em ativos imobiliários de natureza financeira, tais como títulos de recebíveis imobiliários, os CRI. 

50Diferentemente do que havia ocorrido em 2002, mais recentemente, o fundo investidor do FGTS passou a exercer, um papel de importante investidor ativo na aquisição destes títulos e não apenas cedente do crédito para investimentos no mercado de recebíveis imobiliário. Esta operacionalização que colocou o CCFGTS, como um importante agente na demanda de CRI.

51Segundo a análise realizada pela ANBIMA (2016), a regulamentação do fundo do FGTS como agente demandante de CRIs, colocou o fundo em uma posição central no mercado títulos de financeiros de lastro imobiliário no Brasil, tornou o fundo em “um importante detentor de CRIs” (p. 52). Esta influência, que pode ser lida como estrutural, promoveu a partir do ano de 2011 uma importante inflexão nos valores e volumes apresentados e lançados à venda no mercado de títulos financeiros de base imobiliária brasileiro.

52A análise dos relatórios econômicos e financeiros, privilegia, neste momento, a dimensão dos volumes operacionalizados ao longo dos anos em que o CCFGTS realizou investimentos na compra de CRI, ou seja, foi estabelecido um recorte temporal que considerou, as informações atinentes aos investimentos efetuados pelo CCFGTS no intervalo de tempo compreendido pelos anos de 2011 e 2016 em proporção ao total emitidos de CRI lastreados em financiamentos imobiliários residenciais no período. Este conjunto de informações encontra-se reunido e sistematizado na Tabela 2.

Tabela 1. Totais de CRI emitidos lastreados em financiamentos imobiliários residenciais. Investimento FGTS. Valores totais de CRI no Brasil. 2011 – 2016.

Ano

Valor total Emitido (em bilhões) (R$)

Investimento FGTS (R$)

% em relação ao total

2011

R$      4.482.342.691,46

R$   3.000.000.000,00

67%

2012

R$      3.029.966.367,49

R$   2.200.000.000,00

73%

2013

R$      7.987.142.406,55

R$   2.040.000.000,00

26%

2014

R$      2.236.498.462,14

R$   1.580.000.000,00

71%

2015

R$      1.137.718.269,10

R$       598.600.000,00

53%

2016

R$   11.366.453.344,41

R$   8.800.000.000,00

77%

Fonte: Dados obtidos a partir das operações registradas na Comissão de Valores Imobiliários (CVM). Extraído de: https://web.cvm.gov.br/​app/​esforcosrestritos/​#/​consultarOferta, acessado em 16/04/2021.

Dados do CCFGTS foram extraídos das Emissões Caixa Econômica Federal; Demonstrativos Financeiros CCFGTS; Comissão de Valores Mobiliários. 2017.

53A Tabela 2 compreende até o ano de 2016, pois foi o ano em que o CCFGTS realizou a última compra de CRI. A análise da Tabela 2 nos permite avaliar como o CCFGTS desempenhou um importante papel no mercado de CRI no “lado da demanda”, esta importância foi, também, reconhecida pelos próprios agentes atuantes do mercado em suas análises periódicas.

Destaca-se em 2011 a participação do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), [...] a participação do FGTS é bastante relevante e já reflete a direção mais recente da política de investimentos do Fundo.(UQBAR, 2012, p. 82).

54Em Royer (2015) também é reconhecida essa participação ativa do fundo do FGTS na “alavancagem desse mercado”. Em sua análise a autora, corretamente destaca que a importância do FGTS na alavancagem do mercado de títulos financeiros de base imobiliário foi clara, mantendo a captura de recursos regulados do fundo público para esse mercado.

55A estrutura de mercado de capitais, tendo como investidor o FGTS, funcionou como um vaso comunicante entre alguns sistemas de financiamento imobiliário, como o próprio sistema com as regras específicas do FGTS, o Sistema Financeiro de Habitação (SFH) e o Sistema de Financiamento Imobiliário (SFI), fazendo com que os recursos de um sistema realimentassem outro sistema. (UQBAR, 2012).

56Para além de 2011 e 2012, em que o CCFGTS aplicou uma maioria substancial dos investimentos de CRI lastreados em financiamentos imobiliários residenciais, na casa dos 67% e 73% respectivamente, do total de títulos de recebíveis imobiliários, o ano de 2013 foi marcado por uma oscilação dos investimentos do fundo neste título, tal oscilação é representada pela queda do investimento, neste ano o investimento correspondeu a 26% dos títulos de dividas imobiliárias negociadas. 

57Já o que corresponde aos anos subsequentes, 2014, 2015 e 2016, o fundo administrado pelo CCFGTS voltou a ser o principal investidor no que se refere a compra de títulos de dividas imobiliárias lastreadas em financiamentos residenciais com uma participação na casa dos 71%, 53% e 77% respectivamente correspondente aos anos supracitados. Tal condução demonstra de maneira clara a centralidade que CCFGTS exerceu neste curto, mas importante, momento de desenvolvimento do mercado de títulos financeiros de dividas imobiliárias no Brasil, fundamentalmente se apresentando como um importante agente econômico na dinamização da demanda e na alavancagem deste mercado.

58Esta relação próxima entre FGTS e CEF, desde a primeira emissão de CRI da CEF em 2002, corrobora com as interpretações que destacam os percalços no desenvolvimento de um mercado de títulos financeiros de base imobiliária no Brasil (BOTELHO, 2007; FIX, 2011; ROYER, 2015), levando a algumas delas a compreender a financeirização como um processo “truncado” (FIX, 2011). 

59Assim como as modificações e alterações que possibilitaram a participação ativa do CCFGTS na compra de CRI por meio de diversas Resolução do CMN, houve de forma paralela a construções do aparato jurídico-normativo que capacitou outro importante fundo a atuar de forma ativa na compra de títulos financeiros de base imobiliária, no caso em especifico os CRI, este fundo em questão foi o fundo do Sistema Brasileiro de Poupança e Empréstimo (SBPE).

60De semelhante modo ao FGTS, o SBPE, também possui uma trajetória intimamente ligada ao setor imobiliário no Brasil. Desde a Resolução CMN nº 1.446 de 1988 em que foi estabelecido que as entidades integrantes do SBPE deveriam destinar, no mínimo, 65% dos recursos captados com depósito de poupança para operações de financiamento imobiliário, o SBPE se constituiu, em tese, como um importante fundo para a composição do funding imobiliário/habitacional brasileiro. Deste total, 80%, no mínimo, deveriam ser destinados a operações no âmbito do SFH (Sistema Financeiro da Habitação), ou seja, a maior parte dos recursos do fundo a serem direcionados ao imobiliário, deveriam ser destinados ao financiamento habitacional, com taxas exclusivas, enquanto os demais 20% poderiam ser destinados para operações a taxas de mercado.

61Mas é em 16 de dezembro de 2010 por meio da Resolução nº 3.932/2010 o Conselho Monetário Nacional (CMN) alterou e consolidou as normas sobre direcionamento dos recursos captados em depósitos de poupança pelas entidades integrantes do Sistema Brasileiro de Poupança e Empréstimo (SBPE), possibilitando que estes recursos pudessem ser utilizados na compra de CRI como parte do cumprimento da exigibilidade da aplicação do fundo em crédito imobiliário, por exemplo.

62A partir desta resolução, consolidada posteriormente com a Resolução nº 4.464 de 12 de fevereiro de 2016, foi lançado um importante incentivo para o segmento de CRI, a possibilidade de que tanto as aplicações em CRI como os créditos cedidos para companhias securitizadoras pudessem ser contabilizados como operações de financiamento habitacional no âmbito do SFH, se tratou de mais uma medida regulamentar que buscou aperfeiçoar o mercado secundário com o objetivo de movimentar as operações (ROYER, 2015). 

63Entretanto, diferentemente do que se observou nas análises da ANBIMA (2016), ao analisarmos o desempenho do fundo do CCFGTS em relação ao desenvolvimento do mercado de CRI, em relação a participação do fundo do SBPE, mesmo diante de toda esta rodada regulamentar que buscou transformar o fundo em um importante agente ativo na “demanda” de CRI, os resultados deste desenho não podem ser considerados expressivos, com impactos estruturais no desempenho do mercado, assim como foi no caso do CCFGTS. Observa-se na Tabela 3 o demonstrativo dos volumes aplicados na compra de CRI pelo SBPE entre 2011 e 2018, o total de CRI emitido lastreado em financiamentos imobiliários residenciais, além da proporção entre esta razão.

Tabela 2. Totais de CRI emitidos lastreados em financiamentos imobiliários residenciais. Investimento SBPE. Valores totais de CRI no Brasil. 2011 – 2016

Ano

Valor total Emitido (em bilhões) (R$)

Investimento SBPE (R$)

% em relação ao total

2011

R$      5.354.842.640,59 

R$            8.887.016,00 

0%

2012

R$      3.062.175.067,33 

R$         39.031.832,00 

1%

2013

R$      7.697.936.662,73 

R$         53.031.299,00 

1%

2014

R$      2.229.952.328,14 

R$         48.755.104,00 

2%

2015

R$      1.104.159.291,95 

R$         26.242.536,00 

2%

2016

R$   12.138.326.106,21 

R$         66.139.396,00 

1%

2017

R$      1.402.334.913,43 

R$         78.652.157,00 

6%

2018

R$         516.705.753,16 

R$         52.375.227,00 

10%

Fonte: Estatísticas Básicas-SBPE-SFH/BACEN.

Elaboração: Banco de Dados-CBIC.

(1) Valor do Hiato: diferença entre total das fontes e total dos usos.

OBS: Dados atualizados conforme os Quadros 2.1 (Direcionamento de Recursos SBPE - Consolidado das Instituições) e Quadro 2.1.4 (Direcionamento de Recursos SBPE - Consolidado das Instituições - Detalhamento do Qd. 2.2 /CRI Arts.1º e 2º, Res. 3932) (...) Dado não disponível.

Data de atualização: 25/02/2019

Organização: do autor

64Os dados representados na Tabela 3 apresentam os volumes operacionalizados pelo fundo do SBPE na compra de CRI no período entre 2011 e 2018. A análise dos volumes demonstra um desempenho discreto do no fundo na compra dos referidos títulos, com investimento sempre na casa dos milhões de reais, ou seja, o desempenho é muito diferente do apresentado pelo CCFGTS, em que os investimentos sempre foram na casa do bilhões.

65Contudo, fica ainda mais claro esse “desempenho modesto” do fundo na compra de CRI, quando se observa as proporções por ele representado no conjunto do mercado, seu maior desempenho foi no ano de 2018, representando 10% da compra do total emitido de títulos vinculados a financiamentos imobiliários residenciais, na maior parte dos anos em análise o desempenho alternou entre 1% e 2%, com a exceção de 2011, em que não chegou a 1% e, em 2017 que representou o segundo maior investimento proporcional, com 6% de compra do total emitido.

Considerações Finais

66Se é possível identificar no Brasil, uma recente expansão do mercado de títulos financeiros imobiliários, principalmente os títulos vinculados a dividas de créditos imobiliário, essa recente e pequena expansão esteve associada diretamente a participação do Estado via instituições e fundos. Portanto, o recente processo de ampliação do volumes operacionalizados no mercado de títulos de dividas imobiliárias no Brasil, mercado de CRI, teve no centro de seu “bom desempenho” o Estado como agente central e estruturante, no “lado da oferta” sendo o principal agente ofertante de CRI, com os maiores volumes nos anos em que se fez presente via CEF, principal instituição financeira historicamente vinculada ao financiamento da política habitacional brasileira, e do “lado da demanda”, colocando o fundo público, mais uma vez, ao dispor do desenvolvimento de transformações econômicas e a apropriação privada de seus recursos, utilizando fundos que, também, são historicamente vinculados ao desenvolvimento de linhas de crédito e financiamento habitacional subsidiado via política pública. 

67Este aspecto presente na trajetória do capitalismo brasileiro resulta em um processo de financeirização do circuito imobiliário e desenvolvimento do mercado de títulos financeiros de base imobiliário com características hibridas, distante de modelos explicativos idealizados baseados em trajetórias de capitalismos de naturezas distintas. A mediação entre o ideal e o concreto demandou aqui a presença do Estado no centro de seu desenvolvimento, como agente estrutural, não apenas a partir de seu papel usual, construtor do ambiente legislativo, regulatório e normatizado, papel também desempenhado de forma vigorosa durante o transcorrer das duas últimas décadas. Mas, sobretudo, como agente ativo com funções econômicas, semelhante a um agente de mercado, atuando tanto na oferta via principal instituição bancária nacional ligada ao setor imobiliário, ou na demanda, via fundos públicos historicamente ligados ao financiamento e fomento da produção habitacional do país.

68Diante deste modelo sui generis, de desenvolvimento do nexo financeiro-imobiliário no Brasil, uma das principais contradições que é possível de ser destacada no desenvolvimento do mercado de títulos de base imobiliário no Brasil consiste no fato de que no período de maior “dinamismo” deste mercado, pelo menos do ponto de vista dos volumes operacionalizados, tenha sido na base de recursos e investimentos de fundos públicos e semipúblicos operados por agentes Estatais, como por exemplo, a CEF.

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Titre Figura 1. A inter-relação entre financiamento e financeirização promovida pela securitização
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Titre Gráfico 2. CRI. Estoque do montante de títulos. 2002 - 2020
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Bruno Leonardo Silva Barcella, « Confluências e contradições entre Estado e mercado no desenvolvimento da securitização imobiliária no Brasil: a captura do fundo público como estratégia de estruturação do nexo financeiro-imobiliário »Espaço e Economia [En ligne], 24 | 2022, mis en ligne le 26 janvier 2023, consulté le 16 avril 2024. URL : http://journals.openedition.org/espacoeconomia/22351 ; DOI : https://doi.org/10.4000/espacoeconomia.22351

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Bruno Leonardo Silva Barcella

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