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A educação como mercadoria digital: antecedentes e a situação geográfica da educação superior a distância no Brasil

Education as a digital commodity: background and geographical situation of distance higher education in Brazil
L'éducation comme bien numérique : contexte et situation géographique de l'enseignement supérieur à distance au Brésil
La educación como mercancía digital: antecedentes y situación geográfica de la educación superior a distancia en Brasil
Henrique Caetano Vian

Abstracts

This article aimed to identify Distance Education as a type of digital commodity guided by financial interests as well as its materialization in the Brazilian territory. It was evidenced that, as a commodity, Digital Education – in a continuous expansion and oligopolized by a private-mercantile-financialized educational sector – materializes unevenly in the Brazilian territory, distancing itself from its proposal to remediate socio-territorial inequalities and approaching the economic interests of large international organizations, transnational financial agents and an oligarchy that conducts a large part of State’s policies.

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Full text

Introdução

1A Educação a Distância (EAD) cresce em solavanco no território brasileiro, especialmente em cursos de nível superior. O mesmo não pode ser dito, contudo, sobre a modalidade de ensino presencial. Conforme divulgado pelo Ministério da Educação, “entre 2010 e 2020, as matrículas de cursos de graduação a distância aumentaram 233,9%, enquanto na modalidade presencial o crescimento foi apenas de 2,3%” (BRASIL, 2022, p. 24). Em 2010, a modalidade EAD representava 14,6% de todas as matrículas de graduação no país. Dez anos depois, o número de matrículas na modalidade atingiu a marca de 35,8% do total. Muitos são os fatores contribuintes para a composição de tais dados. Os principais, cujos quais tentaremos abarcar neste trabalho, residem em aspectos de ordem política, econômica, técnica e socioterritorial.

2As Instituições de Ensino Superior (IES) privadas concentram, atualmente, 95% de todas as matrículas em cursos a distância no território brasileiro (BRASIL, 2022). Tal dado demonstra, de antemão, o significativo interesse do setor educacional empresarial sobre a modalidade digital de ensino. Mas, mais do que isso, ele indica o domínio da oferta de cursos EAD por um setor oligopolizado que, historicamente, responde os interesses e comandos do mercado financeiro mundial.

3Sob um pleno movimento de financeirização (CHESNAIS, 1996) iniciado ainda na década de 1990, o setor educacional privado brasileiro, segundo alguns estudiosos, “converteu a educação em mercadoria” a partir da adoção de uma agenda globalmente estruturada por organismos internacionais como o Banco Mundial (BM) e a Organização Mundial do Comércio (OMC) (DALE, 2004; LIMA, 2006b; GOMES, 2008). Hoje, mediante uma análise mais atualizada do setor, arriscamos dizer que, para além de uma simples mercadoria, a educação foi transformada em um tipo de mercadoria digital profundamente orientado por interesses financeiros. A financeirização e a digitalização são processos que se convergem no setor educacional privado-mercantil, articulados por uma racionalidade estritamente rentista.

4De tal maneira, cabe-nos questionar: qual é o sentido e quais são os interesses privado-mercantil-financeiros por trás da transformação da educação em uma mercadoria digital? Por que ela vem se tornando uma tendência cada vez mais “consumida” e de que forma ela se propaga no território brasileiro?

5O presente artigo teve como objetivo identificar a Educação a Distância como um tipo de mercadoria digital orientado por interesses financeiros e sua materialização no território brasileiro. Redigido a partir de levantamentos bibliográficos e documentais prévios, ele está estruturado em três partes: (1) A constituição da educação como mercadoria no Brasil; (2) Da educação à “e-ducação”: o estado das técnicas e o estado da política e; (3) Os aspectos socioterritoriais da Educação a Distância no Brasil. Primeiramente, (1) analisamos alguns elementos de ordem política e econômica, a nível nacional e mundial, corroborantes para a constituição da educação como uma atividade negociável na transição do século XX. Após tal feito, (2) analisamos alguns dos fatores técnicos e político-econômicos por trás da expansão e mercadorização da modalidade de ensino a distância no Brasil, enfatizando o papel e a influência das novas Tecnologias da Informação e Comunicação (TICs) e das regulamentações estatais nesse processo. Por fim, (3) almejamos demonstrar como a Educação a Distância, transformada em atividade econômica, difunde-se e é consumida no país a partir das estratégias de uso do território realizadas pela maior empresa do setor educacional privado-mercantil-financeirizado do país – a holding Cogna Educação.

A constituição da educação como mercadoria no Brasil

6No final da década de 1990, por meio da promulgação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB, Lei nº 9.394/1996), foram abertas as “portas legais” para a constituição de empresas educacionais com fins lucrativos no Brasil, regulamentando aquilo que hoje se nomeia de setor privado-mercantil da educação (OLIVEIRA, 2009). Como resultado, co-habitam hoje no território brasileiro instituições públicas e privadas, sendo esta última categoria administrativa subdividida em instituições com e sem fins lucrativos (TASQUETTO, 2014).

7O processo que culminou na promulgação da LDB de 1996 e na consequente viabilização de um setor educacional privado-mercantil, por sua vez, está intimamente associado a conjuntura político-econômica mundial e do Brasil no final do século XX. A década de 1990 constituiu-se como um período-chave na reestruturação do aparelho estatal brasileiro, que se voltou prioritariamente aos interesses do mercado internacional e de uma oportunista elite nacional (LIMA, 2006a). Tal reestruturação foi consoante ao movimento de financeirização que se acentua mundialmente desde a década de 1970, marcada por crises sistêmicas e pela consequente reestruturação do regime de acumulação hegemônico.

8O processo de financeirização se refere a uma transformação sistêmica e estrutural do regime capitalista, em que a lógica de valorização financeira assume a dianteira do processo de acumulação e passa a dominar todos os âmbitos da vida, mundializando-se (CHESNAIS, 1996). Ele representa a integração global de agentes diversos (em sua maioria, financeiros), reafirmando e intensificando a dependência dos países “periféricos” aos países “centrais” da economia capitalista (AMARAL, 2012). Fundamentada pela corrente neoliberal da economia política, a financeirização perfaz-se mundialmente mediante a proteção dos Estados, que passam a maquinar políticas de segurança jurídica voltadas a liberalização e abertura de capital dos diferentes países ao mercado internacional, privatizações, reformas tributárias, disciplinas fiscais, redefinição da prioridade dos gastos públicos, etc. (BATISTA, 1994).

9Foi no contexto “neoliberalizante” da década de 1990 que, por meio do Plano Diretor de Reforma do Aparelho do Estado brasileiro, aprovado no governo de Fernando Henrique Cardoso (FHC), a educação deixou de ser parte da cesta de serviços-exclusivos controlados pelo Estado. Segundo o documento, “reformar o Estado significa transferir para o setor privado as atividades que podem ser controladas pelo mercado” (BRASIL, 1995, p. 17). Contudo, conforme discutido, a possibilidade legal de um setor educacional privado com fins lucrativos tornou-se realidade somente em 1996, com a promulgação da LDB (BRASIL, 1996). Esta última foi (e continua sendo, com suas revisões táticas) um dos principais eixos jurídicos da rota mercadológica do setor educacional privado brasileiro.

10Tal repaginação político-econômica, impulsionada internamente, alinhou-se aos impulsos externos de grandes organismos internacionais oriundos de países centrais da economia capitalista, os quais supostamente arquitetaram caminhos para o desenvolvimento econômico e social dos países periféricos. Dentre tais OIs, destacam-se o Banco Mundial (BM), a Organização para o Crescimento e Desenvolvimento Econômico (OCDE) e a Organização Mundial do Comércio (OMC) (AZEVEDO, 2015; CHAVES, 2010). A criação desta última, em específico, foi seminal para a des-obstaculização da educação como uma mercadoria e a consequente consolidação de um Mercado Mundial da Educação.

  • 1 Em inglês, General Agreement on Trade in Services (GATS).

11Um dos pilares jurídicos da OMC, o Acordo Geral sobre o Comércio de Serviços (AGCS)1, abriu alas para a constituição dos serviços como atividades negociáveis. Inicialmente, o acordo não delimitou o conjunto de regras para a regulação das operações do mercado internacional sobre o “novo” setor, tampouco quais seriam as atividades propriamente incorporadas como “serviços”. Em 1998, a organização divulgou o documento “Servicios de enseñanza” tratando a educação, em todos os seus níveis, como um importante campo de investimentos privados (OMC, 1998). Finalmente, em 1999, ocorreu a efetiva instituição de 12 grandes setores de serviços negociáveis, dentre os quais constavam, além da educação, serviços como a comunicação, a distribuição e a saúde (LIMA, 2006b; RIBEIRO, 2006).

12O grau de interferência da OMC na política educacional dos países-Membros depende do grau de liberalização de cada um deles (RIBEIRO, 2006). Reconhecidamente, a reestruturação do aparelho estatal brasileiro voltou-se à liberalização dos fluxos de capital ainda na década de 1990. Desse modo, é possível afirmar que a condução da mercantilização da educação brasileira foi e é, ao mesmo tempo, resultado de um processo multifacetado, em que a união de forças do território nacional e do mercado externo voltam-se a atender as demandas unívocas do mundo do capital.

  • 2 Programa de Financiamento Estudantil (FIES) foi instituído em 2001 (2º mandato - FHC) e reformulado (...)

13A mercantilização da educação pode ocorrer de diversas formas, como pela expansão do ensino superior privado-mercantil, por privatizações diretas, pela des-responsabilização do Estado, Parcerias-Público-Privadas (PPP) e estímulos a competição (AZEVEDO, 2015). No Brasil, alguns desses fatores foram contemplados por políticas voltadas a ampliação do acesso ao ensino superior no país, como pelo Programa de Financiamento Estudantil (FIES) e pelo Programa Universidade para Todos (Prouni), nas décadas de 2000 e 20102.

Gráfico 1. Número de matrículas em cursos de graduação, por categoria administrativa – 1990-2019

Gráfico 1. Número de matrículas em cursos de graduação, por categoria administrativa – 1990-2019

Fonte: INEP, 2020. Grifos nossos.

14 A expansão do ensino superior realizada a partir do financiamento privado, tratando estudantes como “consumidores de serviços educacionais”, intensificou o quadro de mercadorização da educação (GOMES, 2008, p. 28-9). Nesse sentido, ao mesmo tempo que programas como o FIES e o Prouni defendiam a ideia de democratização do acesso à educação superior e proporcionaram um significativo aumento no número de ingressos nesse nível de ensino, também fundamentaram a expansão, consolidação e oligopolização de um setor privado-mercantil educacional, largamente beneficiado por subsídios públicos (AZEVEDO, 2020; MIRANDA; AZEVEDO, 2020; SEKI, 2020). Tais políticas foram fundamentais para a composição do atual quadro da educação superior no Brasil, em que mais de 75% de todos os matriculados são provenientes de IES privadas (Gráfico 1).

15Os investimentos públicos advindos do FIES representavam em 2015 a maior fatia das receitas de instituições como a Kroton (44%), Estácio (40%), Ânima (38%) e Ser Educacional (49%) (GALZERANO, 2021). Outro dado fundamental é de que, entre 2000 e 2010, alguns outros movimentos categóricos do processo de financeirização amplificaram o capital desses grupos: a entrada participativa de fundos de investimentos no setor (como a formação da Faculdade Pitágoras, em 2001, sob uma parceria com a Apollo International e o caso da aquisição de 50% da Kroton pelo fundo Advent em 2009) e; a abertura de capital dessas empresas na bolsa de valores (como a Anhanguera e a Pitágoras, em 2007).

16Muitas das empresas supracitadas, sob plena financeirização do setor, passaram por processos de fusões e/ou aquisições nas últimas décadas (SEKI, 2020) e, atualmente, compõem o quadro de instituições controladas por poderosas holdings de capital aberto, como no caso das faculdades Anhanguera e Pitágoras (administradas pela Cogna sob o selo Kroton, líder do setor educacional privado do país) e da faculdade Estácio (controlada pela YDUQS).

17Somado o número atual de matriculados em IES controladas pelas empresas Cogna Educação, YDUQS, Ânima Educação e Ser Educacional, têm-se mais de 25% de todos os alunos de cursos de nível superior do país. Tal dado, além de confirmar a tese de oligopolização do setor, explicita que quatro instituições de capital aberto, estreitamente ligadas ao mercado financeiro mundial, controlam mais de ¼ das matrículas de ensino superior no Brasil. O que se materializa, por conseguinte, é a constituição de um setor educacional privado-mercantil-financeirizado, em que os interesses de fundos de investimentos e de acionistas por trás de suas planilhas financeiras conduzem as formas pelas quais mais de dois milhões de estudantes brasileiros irão concluir seus estudos na educação superior, bem como as formas pelas quais muitos outros ainda irão passar por esta etapa formativa.

18O setor educacional privado-mercantil-financeirizado brasileiro é resultado de um conjunto de políticas e movimentações internas e externas, orientadas por uma racionalidade capitalista, pela lógica de mercado e por um princípio em comum: a rentabilidade. A indissociabilidade das políticas nacionais com os interesses financeiros é tanta que, a título de exemplo, quando quaisquer alterações no FIES fossem realizadas, os investidores das empresas do setor educacional privado deveriam ser obrigatoriamente comunicados (SEKI, 2020).

19É válido ressaltar que, hoje, “o FIES sofreu alterações e esvaziou substancialmente os recursos para o financiamento estudantil por parte do governo federal” (SANTOS, 2018, p. 183). Nesse sentido, um programa que outrora representou cerca de 40% da receita de grandes grupos privados, hoje encontra-se cada vez mais destituído. Somada a atual conjuntura imposta pela promulgação da Emenda Constitucional nº 95/2016, conhecida como a política do “teto de gastos”, o congelamento de investimentos públicos em serviços como a educação tornou-se, para além de sua implicação pública, um fato alarmante para investidores do setor privado. Os quadros de investidores, desse modo, cobram novos trilhares para a expansão lucrativa do setor. Como forma de mantê-los interessados em seus portfólios, o setor educacional privado-mercantil-financeirizado demonstra enxergar na digitalização de seus serviços uma resposta plausível e promissora.

Da educação à “e-ducação”: o estado das técnicas e o estado da política

20A crescente introdução de tecnologias em processos educativos, por meio de softwares e/ou pela Educação a Distância é uma consequência direta do processo de globalização sobre o setor educacional (OLIVEIRA, 2009). Para se compreender a globalização, bem como qualquer outro contexto espaço-temporal, dois elementos devem ser considerados: o estado das técnicas e o estado da política (SANTOS, 2012 [2000], p. 23).

21O novo regime de acumulação baseado na valorização financeira em escala mundial ambiciona, mais que qualquer outro na história, a fluidez dos fluxos de capital e informação entre os territórios. Segundo Harvey (2011), a compressão do tempo-espaço tornou-se a condição para a competitividade entre os variados agentes econômicos transnacionais. Tal compressão se faz, sobretudo, mediante o uso das novas Tecnologias da Informação e Comunicação. Como bem salientou o geógrafo, a Internet e o ciberespaço são o mais próximo que o capitalismo chegou de movimentar-se sem fricções.

  • 3 Ibidem.

22Sob a intenção de agilizar a movimentação de capital em escala mundial no final da década de 1980, imponentes corporações, como bancos comerciais e de investimento, seguradoras e empresas de ações “juntaram-se a companhias de telecomunicação para construir uma extensa rede de linhas de fibra óptica e ligar os principais centros financeiros do mundo” (WARF, 2017, p. 399). Rapidamente, países emergentes recém-ingressantes no circuito mundial das finanças, como o Brasil, tiveram cidades inseridas nessas redes digitais. Tal infraestrutura “emergiu como a espinha dorsal do sistema financeiro global e teve um forte papel no crescimento da Internet”3. Como resultado do encontro de processos macroestruturais vinculados a revolução informacional e a constituição de um regime global de acumulação com dominância da valorização financeira, constituiu-se aquilo que é nomeado, por Paraná (2016), de “finança digitalizada”.

23Nos últimos decênios, além do setor propriamente financeiro (que abrange bancos, fundos de pensão, grandes corretoras, etc.), cada vez mais outros setores têm se aberto ao mercado e, rapidamente, integrado ao movimento de digitalização generalizada, compondo redes de ativos financeiros e redes de produção e venda de bens e serviços digitais, estas últimas quase sempre subordinadas às primeiras. Por exemplo, o setor do comércio, beneficiado pelos novos objetos técnicos, estimulou que a Internet evoluísse de um sistema digital de comunicação para, também, um sistema comercial (WARF, 2017). Como efeito, os territórios passaram a comportar cada vez mais pontos interconectados que compõem complexas redes de exploração de força produtiva, circulação de informações e acumulação de capital.

24Evidentemente, a economia mundial tornou-se cada vez mais digitalizada. Além do e-commerce, novos modelos de negócios foram possibilitados pelas transformações técnicas na transição dos milênios. Este é o caso da oferta de serviços educacionais a distância, como no plano das Instituições de Ensino Superior privadas do Brasil.

25A forma “digitalizada” do setor educacional privado brasileiro (ou até mesmo do comércio eletrônico) está intimamente associada ao atual regime de acumulação cuja centralidade reside na valorização financeira. No caso das IES privadas brasileiras, em específico, a financeirização e a digitalização imbricam-se num movimento unificado, articulado de um lado por grandes agências capitalistas transnacionais e, de outro, por uma oligarquia nacional – a qual detém grande concentração de poder político e econômico no país.

26Uma das formas de digitalização do setor educacional (e talvez a mais expressiva delas) materializa-se na oferta da modalidade de Educação a Distância. Esta última se configura como uma das principais políticas de OIs, como o Banco Mundial e a Organização Mundial do Comércio, voltada à democratização do ensino superior em países periféricos (LIMA, 2006b).

27É válido destacar que, na década de 1990, a educação foi convertida em uma mercadoria em todos os seus níveis e em todas as suas modalidades pela OMC. Desse modo, a constituição da Educação a Distância como uma mercadoria possui bases semelhantes às da educação presencial.

28No ano de 1996, com a promulgação da Lei nº 9.394/96, foi estabelecido pelo Artigo nº 80 que o Poder Público incentivaria o desenvolvimento e a veiculação de programas de ensino a distância, em todos os níveis e modalidades de ensino, e de educação continuada (BRASIL, 1996). Mas a flexibilização legal da EAD no Brasil não se restringiu ao governo tucano. Foi no mandato de Lula (PT) que, por meio do Decreto nº 5.622/2005, o ensino a distância passou a ser considerado oficialmente como uma modalidade educacional, cuja “mediação didático-pedagógica ocorre através de meios e tecnologias de informação e comunicação, com estudantes e professores desenvolvendo atividades educativas em lugares ou tempos diversos” (BRASIL, 2005).

29Nesse contexto, a educação on-line era apresentada como uma atividade de potencial crescimento para os anos subsequentes. E, concomitantemente à financeirização e oligopolização do setor educacional que se fez nos governos petistas, esta tornou-se uma modalidade controlada, em maior escala, pela rede privada de ensino.

30Adicionalmente, segundo o Censo do Ensino Superior de 2020 (BRASIL, 2022), a evolução do número de cursos de graduação ofertados na modalidade EAD aumentou de modo expressivo nos últimos quinze anos, especialmente após 2017. Naquele ano, o número de cursos de graduação ofertados na modalidade EAD era de 2.108. Até 2020, o número quase triplicou, alcançando um total de 6.116 cursos EAD credenciados pelo Ministério da Educação (Gráfico 2). Tal dado coincide com marco regulatório do Decreto 9.057/2017, sob o governo de Michel Temer (MDB), que desburocratizou a criação de novos polos EAD no território brasileiro. A partir desse decreto, regulamentou-se que iniciativas privadas tenham permissão para oferecer cursos exclusivamente a distância, sem a necessidade de ofertá-los num formato presencial (BRASIL, 2017). A flexibilização de condicionantes da abertura de novos cursos e polos EAD conferiu maior autonomia ao setor empresarial da educação, des-obstaculizando ainda mais a expansão da modalidade no país.

Gráfico 2. Evolução do número de cursos de graduação EAD – Brasil 2005-2020

Gráfico 2. Evolução do número de cursos de graduação EAD – Brasil 2005-2020

Fonte: INEP, 2022.

31O estado da política brasileira, marcado pela porosidade do território nacional (ARROYO, 2001) no contexto de mundialização financeira, faz-se oportuno para a integração das novas Tecnologias da Informação e Comunicação no setor educacional. Contudo, como alertara-nos Santos (2017 [1996]), no contexto da globalização econômica, as tecnologias estão postas a serviço do lucro e não obrigatoriamente ao bem social. No que tange o papel das TICs sob o paradigma empresarial da educação, isso se evidencia. Para alcançar o lucro, comercializam-se pacotes tecnológicos, prolifera-se a Educação a Distância, conformam-se mentalidades ao projeto neoliberal de sociabilidade baseado na individualização e aprofunda-se a dependência científico-tecnológica do país. A ofensiva do capital, desse modo, sufoca o uso crítico-emancipatório das Tecnologias da Informação e Comunicação (LIMA, 2006b).

Os aspectos socioterritoriais da Educação a Distância no Brasil

  • 4 Segundo o Ministério da Educação, polo de Educação a Distância é o local devidamente credenciado pe (...)
  • 5 A questão da exclusão digital/da inclusão precária de acesso de determinados lugares por desigualda (...)

32A Educação a Distância é uma atividade que se faz parecer, em um primeiro momento, liberta de constrangimentos espaciais devido a sua condição “imaterial”. Contudo, tal modalidade de ensino somente pode ser realizada a partir da disponibilidade de bases materiais arraigadas no território, como polos EAD4 capazes de absorver a demanda de estudantes e sistemas de engenharia e objetos técnicos que garantam a efetiva conectividade5. Tais materialidades, conforme aqui pretende-se demonstrar, não se dão de forma homogênea no território brasileiro.

33No Brasil, a praticidade da oferta de cursos de nível superior a distância é, na maioria das vezes, proposta por agentes econômicos como uma forma de conciliar as possibilidades de ascensão socioeconômica (e, consequentemente, de qualidade de vida) à aceleração do cotidiano. Ao mesmo tempo, o barateamento dos cursos ofertados na modalidade digital é sugerido como uma possível forma de democratização do acesso ao ensino superior àqueles que não poderiam, de outra maneira, arcar com os custos de sua própria formação. Sincronicamente, a ideia de universalização do ensino via ciberespaço é exuberada pelo discurso de grandes organizações e corporações privadas, as quais atribuem à Educação Digital um caráter remediador de desigualdades socioterritoriais. Como apresentado pelo relatório da UNESCO (1997), a Educação a Distância é concebida – sobretudo – em países em desenvolvimento como um importante instrumento para alcançar jovens e adultos cujas necessidades de aprendizagem, por razões financeiras, temporais, espaciais ou outras, não foram satisfatoriamente atendidas pelo sistema de educação convencional.

34Tais razões nos guiam, a princípio, a três cenários bastante entrelaçados: (a) indivíduos que, pouco ou nada remunerados, optam por cursos de graduação mais baratos ofertados pelo setor educacional privado, encontrando geralmente na modalidade EAD valores mais acessíveis que na modalidade presencial de ensino; (b) indivíduos que, inviabilizados pelo tempo, inscrevem-se em cursos EAD como uma forma de “encaixar” os estudos na rotina sobrecarregada (pelo trabalho [pouco] assalariado, pela maternidade, pelo trabalho doméstico, pelo deslocamento urbano, etc.), a fim de obter um diploma ou experiência para garantirem melhores condições de vida; (c) indivíduos que, espacialmente impossibilitados de frequentarem centros de ensino presencial, recorrem a cursos a distância (sobretudo de IES privadas) para se especializarem. Os três cenários sublinhados não são capazes de esgotar a temática sobre a Educação a Distância no Brasil, mas constituem-se como pontapés iniciais para o entendimento da atual difusão dessa modalidade de ensino no território.

  • 6 Tal dado, em específico, desnuda uma questão seminal de ordem estrutural acerca da precarização do (...)

35Os cenários A e B tornam-se um pouco mais evidentes ao se observar o perfil socioeconômico dos matriculados em cursos a distância em instituições especializadas nesse modelo de negócio. Por exemplo, no caso da Kroton (braço da holding Cogna especializado em educação superior e líder na oferta de cursos a distância no Brasil), o perfil dos alunos da modalidade EAD corresponde, em considerável parte, a classe trabalhadora e de menor renda mensal. Segundo a empresa, 91% dos alunos matriculados na modalidade EAD cursaram a maior parte do ensino médio em escolas públicas6; apenas 20% não trabalham e 79% dos alunos são os principais responsáveis pelo pagamento de sua própria mensalidade. Ainda, a renda pessoal de 60% dos matriculados é de até dois salários mínimos e a renda familiar de 84% deles é de quatro salários (COGNA, 2020). No Brasil, a Educação a Distância é um tipo de mercadoria consumido, principalmente, pelos segmentos mais empobrecidos da população (LIMA, 2006b).

Gráfico 3. Número de matrículas em cursos de graduação por modalidade de ensino – 2010-2020

Gráfico 3. Número de matrículas em cursos de graduação por modalidade de ensino – 2010-2020

Fonte: INEP, 2020.

36No geral, a educação comercializada em sua forma digital já é consumida por 34% dos estudantes de ensino superior no país (BRASIL, 2022). Conforme destacado em Vian (2021, p. 56), “a partir do ano de 2015 observamos nas IES da rede privada o crescimento do número de matrículas na modalidade de ensino a distância e a diminuição de matrículas na modalidade de ensino presencial”. Apenas em 2020, ano crítico da pandemia mundial do coronavírus (outro fator importante na promoção da Educação Digital), ocorreu um aumento de +656.539 matriculados na modalidade EAD com relação ao ano anterior. No mesmo período, o número de matriculados em cursos presenciais reduziu em -579.009 (Gráfico 3). Pode-se assim dizer que, ao passo que há um alargamento da modalidade de ensino a distância no país, ocorre o encolhimento da modalidade de ensino presencial.

37Atualmente, cerca de 44% dos matriculados em IES privadas no Brasil são em cursos na modalidade EAD (BRASIL, 2022). Como discutido anteriormente, o crescimento da Educação Digital no Brasil é impulsionado, sobretudo, por Instituições de Ensino Superior privadas. Estas, que outrora tratavam a educação presencial como sua maior mercadoria, hoje concentram capital e tecnologia na expansão de sua “mercadoria digital”.

  • 7 Sobre a financeirização e a capacidade de lucrar fora da esfera da produção, ver Lapavitsas (2013).

38A Educação a Distância entra em jogo para acentuar o poder oligopolista do setor educacional privado brasileiro – bem como o poder das instituições financeiras forâneas e acionistas que se beneficiam de suas aplicações de capital neste último7. No Brasil, algumas poucas empresas concentram capital e tecnologia suficientes para se especializarem na digitalização da educação. Tal especialização é resultado, muitas vezes, de aquisições de empresas já bastante experientes no ramo da Educação Digital (como no caso da aquisição da UNOPAR pela Kroton em 2011, tornando esta última líder do segmento EAD no Brasil) e de fusões com outras empresas (como no caso Kroton-Anhanguera em 2014, que constituiu a maior empresa educacional do mundo em termos de valor de mercado e alunos) (VIAN, 2021).

39Adicionalmente, alguns fundos de investimentos estrangeiros vulgarmente vinculados ao mercado financeiro (e muitas vezes sequer ligados com a educação) são reconhecidos por investirem largas quantias de capital no setor educacional privado brasileiro (SEKI, 2020), as quais são destinadas, em considerável parte, a reestruturações inovativas e a aprimoramentos tecnológicos. Tais reestruturações e aprimoramentos voltam-se, dentre outros aspectos, a própria digitalização das empresas e de seus serviços ofertados. Não é por acaso que a Cogna, holding estruturada em 2019 incorporando a Kroton e outras marcas, afirmou em seu relatório de sustentabilidade: “temos a ambição de sermos a empresa de educação mais digital e inovadora do mundo” (COGNA, 2019, p. 20).

40Os grandes conglomerados educacionais, beneficiados pelas neo-regulamentações no território brasileiro e em coalizão rentável com o capital financeiro mundializado (já profundamente digital) tendem, também, a se digitalizarem em suas diferentes facetas. Não há, dessa maneira, como tratar do processo de financeirização sem perpassar pelo âmbito das transformações técnicas (que também são, por natureza, transformações políticas). A financeirização e a digitalização das atividades econômicas são processos consubstanciados no atual período histórico (PARANÁ, 2016). Como discutido, isso não é, todavia, um movimento endêmico do Brasil – mas parte das orientações comunicadas por organismos internacionais aos países periféricos há, pelo menos, três décadas (LIMA, 2006b).

41No que se especifica ao quadro da educação em alguns desses países, o economista uruguaio Rama (2012, p. 5), afirma: “a educação a distância na América Latina tem sido historicamente moldada como um processo educacional baseado localmente, além de influências e impulsos externos”. A “virtualização” da educação estaria, de tal maneira, intimamente relacionada à digitalização global da economia (sob domínio das finanças) e da sociedade. Ainda segundo o autor, muitos são os fatores impulsionadores da digitalização da educação, como o barateamento por diminuição de gastos na reprodução dos recursos de aprendizagem, a transferência de parte dos custos para os alunos, assim como o aumento da cobertura de áreas devido à “flexibilidade” de acesso. As noções de redução de custos e de abrangência geográfica podem ser observadas no documento “La enseñanza superior: las lecciones derivadas de la experiência”, do Banco Mundial, em que os programas de Educação a Distância são sugeridos como soluções menos dispendiosas (a partir de demonstrações quantificadas) e de maior abrangência territorial (citando casos empíricos de países como a Tailândia e a Índia) (BANCO MUNDIAL, 1995, p. 37).

  • 8 Ver Nascimento e Cruz (2021, p. 268).

42No sentido de maior flexibilidade de acesso, a Educação a Distância é exuberada como uma modalidade (ou mercadoria?) capaz de penetrar nos “intervalos” do cotidiano acelerado e nos denominados “rincões” do território brasileiro8. Isso se explicita em Moran (2011, n./p., grifo nosso) quando este afirma que:

Ainda há resistências e preconceitos e ainda estamos aprendendo a gerenciar processos complexos de EAD, mas um país do tamanho do Brasil só pode conseguir superar sua defasagem educacional através do uso intensivo de tecnologias em rede, da flexibilização dos tempos e espaços de aprendizagem, da gestão integrada de modelos presenciais e digitais.

43Mas a oferta da modalidade a distância de ensino não se limita aos rincões do Brasil; aliás, tampouco ela se concentra nessas regiões. Conforme diagnosticado em Vian (2021, p. 80-1), é possível observar por meio da expansão de polos ofertantes da modalidade EAD da rede Cogna-Kroton que:

[Em] janeiro de 2021, o total de polos Cogna ofertantes da modalidade EAD ao Ensino Superior era de 1.190. De janeiro a setembro, foram criados 1.124 novos polos. Os estados Bahia, Goiás, Minas Gerais, Paraná, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, São Paulo e Santa Catarina tiveram um aumento respectivo de 144, 61, 111, 82, 51, 69, 241 e 55 novos polos. Em contraste, os estados Acre, Amazonas, Amapá, Paraíba, Rondônia, Roraima e Sergipe ganharam, respectivamente, 4, 6, 6, 8, 9, 2 e 7 polos EAD.

Figura 1. Cogna – Polos EAD de Educação Superior, por UF (setembro de 2021)

Figura 1. Cogna – Polos EAD de Educação Superior, por UF (setembro de 2021)

Fonte: Vian (2021).

44Nesse sentido, o cenário C apresentado ao início dessa discussão deve ser analisado com maior cautela. O território, tomado como espaço-suporte das relações socioeconômicas, equivale ao mercado (SANTOS; SILVEIRA, 2001, p. 53). Desse modo, alguns lugares tornam-se mais usados que outros, porque mais interessantes do ponto de vista da rentabilidade, o que culmina em relações de uso-defasagem que se materializam no espaço total do país. Silveira (1999, p. 25) alerta-nos que, “se, de um lado, os lugares participam de um comando e de um ritmo unificados, graças às técnicas que permitem um maior conhecimento [...], de outro lado, eles não se homogeneízam graças aos seus arranjos anteriores e à multiplicidade de intencionalidades e ações”. Existem, portanto, áreas onde a informação e as finanças possuem maior ou menor incidência, compondo densidades técnicas desiguais no território (SANTOS; SILVEIRA, 2001).

45Apesar da forte propaganda de democratização e universalização do acesso a educação superior atribuída à modalidade de Educação a Distância (cuja predominância de oferta reside em IES privadas), a concentração de polos EAD ainda demonstra estar situada na chamada “Região Concentrada” (SANTOS; SILVEIRA, 2001), locus das maiores metrópoles nacionais – e, não ao acaso, dos maiores mercados consumidores e centros financeiros do Brasil (Figura 1). Priorizando a lógica de mercado, o setor educacional privado privilegia áreas de maior atratividade econômico-financeira.

46Em outros termos, a partir da análise dos usos do território da holding Cogna, evidencia-se hoje um padrão de crescimento desproporcional da modalidade EAD no Brasil, abarcando com maior dominância as médias e grandes cidades do país, localizadas em sua maioria nos estados das regiões Sul e Sudeste. Não há, nessa circunstância, uma efetiva anulação ou superação das distâncias pela implementação da Educação Digital, mas uma re-valorização empresarial da Região Concentrada mascarada por uma sedutora (porém, falaciosa) propaganda de abrangência e universalização territorial do acesso à educação superior.

  • 9 A expressão ”espaços da rapidez” está contemplada no capítulo 12 de Santos e Silveira (2001).

47Em áreas metropolitanas, tomadas como espaços de relativa rapidez9 onde estão acumuladas densidades técnicas e informacionais, a opção pela educação on-line parece se tornar atrativa e mais efetivamente difundida quando considerados alguns fatores, sobretudo atrelados ao “tempo real” que orienta o ritmo das cidades e dos homens segundo as leis do capital. O grau de urbanização dos diferentes lugares, que varia segundo as heranças do passado e as condições do meio técnico-científico-informacional de cada um deles, deve ser levado em consideração na análise situacional da Educação Digital no território brasileiro.

48A partir de tais apontamentos propomos que, para além de uma mera “mercadoria” (como já era possível ser constatado em um passado recente), a educação superior privada foi convertida em um tipo de mercadoria digital profundamente dirigido por interesses financeiros. Enquanto mercadoria, ela é orientada, inevitavelmente, pelos princípios do mercado. Nessa circunstância, a expansão da oferta da Educação a Distância no Brasil, oligopolizada por um setor educacional privado-mercantil-financeirizado, materializa-se de modo desigual no território brasileiro, distanciando-se de sua proposta remediadora de desigualdades socioterritoriais e aproximando-se dos interesses economicistas dos grandes organismos internacionais, de agentes financeiros transnacionais e de uma oligarquia que conduz grande parte das políticas de Estado.

Considerações finais

49

50Nos últimos anos, a Educação a Distância se tornou a modalidade de maior destaque das Instituições de Ensino Superior privadas brasileiras. O movimento de digitalização, por sua vez, é compreendido como parte de um projeto hegemônico difundido há, pelo menos, trinta anos por poderosas instituições financeiras e organizações internacionais. O emprego de tecnologias de compressão do tempo-espaço para digitalizar a economia e a sociedade está intrinsecamente ligado a mundialização financeira, que tem como grande objetivo a fluidificação do dinheiro e da informação para ampliar suas fontes de lucratividade.

51Grandes organizações atribuem às TICs e à aprendizagem on-line funções como a expansão, democratização e facilitação do acesso ao ensino superior para os segmentos mais pobres da população. A Educação Digital é promovida como uma ferramenta que pode beneficiar a todos, em todos os contextos e circunstâncias. Supostamente, a ampla oferta de cursos a distância de baixo custo, simplificados e personalizados visa atender pessoas que, por restrições espaciais, temporais, financeiras ou pessoais, não podem se matricular em instituições de ensino convencionais. A EAD, dessa situação, emerge como uma solução individualizada, a apenas alguns cliques e dados bancários de distância.

52No entanto, a educação mediada pelas novas tecnologias não se faz homogênea no território brasileiro. Transformada em uma atividade econômica e ofertada em grande parte por instituições privadas vinculadas ao mercado financeiro mundial, ela atende, na verdade, princípios mercadológicos de difusão espacial. Ao invés de atenuar desigualdades de ordem socioterritorial, a Educação a Distância que se vê tende a acentuá-las.

53No Brasil, a educação tem sido destituída de um direito fundamental para tornar-se um serviço negociável e altamente lucrativo. A Educação a Distância, sob este paradigma, figura-se como um negócio rentável cuja natureza exprime as necessidades de reprodução social e manutenção do sistema capitalista. Longe de concretizar a criação de uma ordem social metabólica radicalmente diferente, como propusera Mészaros (2008 [2005]), a educação interceptada pelo mercado está a serviço dos desígnios de um capital interesseiro e da perpetuação das condições de miséria da sociedade brasileira, em que a formação solidária e emancipatória de cidadãos críticos é suplantada pela formação de indivíduos consumidores.

54Embora de suma pertinência para a temática, não focalizamos, aqui, estudar a educação como uma mercadoria digital sob o prisma das relações de trabalho pautadas na exploração e precarização do quadro docente, tampouco objetivamos analisar os aspectos qualitativos do ensino que é ofertado aos estudantes pelas múltiplas IES privadas brasileiras. Além destes, vários pontos ainda requerem maior atenção e aprofundamento para se compreender as reais implicações da expansão da modalidade de Educação a Distância no Brasil.

55Para (não) concluir, consideramos importante evocar questões que julgamos ainda não terem sido esgotadas: qual é o sentido e quais são os anseios do setor privado-mercantil-financeirizado educacional por trás da transformação da educação em uma mercadoria digital? A penetração do capital financeiro na esfera do capital mercantil da educação dificulta-nos apontar com exatidão onde acabam os interesses comerciais e onde começam os puramente financeiros. Sabe-se que, sob o regime de acumulação pautado na valorização financeira, alguns grandes grupos privados tendem a lucrar com maior expressividade fora da esfera produtiva. Nesse sentido, por que eles têm cada vez mais demonstrado interesse em incrementar a comercialização de seus produtos?

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Notes

1 Em inglês, General Agreement on Trade in Services (GATS).

2 Programa de Financiamento Estudantil (FIES) foi instituído em 2001 (2º mandato - FHC) e reformulado em 2010 (2º mandato - Lula). Programa Universidade para Todos (Prouni), instituído em 2005 (1º mandato - Lula).

3 Ibidem.

4 Segundo o Ministério da Educação, polo de Educação a Distância é o local devidamente credenciado pelo MEC próprio para o desenvolvimento descentralizado de atividades pedagógicas e administrativas relativas aos cursos e programas ofertados a distância.

5 A questão da exclusão digital/da inclusão precária de acesso de determinados lugares por desigualdades técnicas é um ponto de extrema relevância quando tratamos da expansão do acesso à educação via EAD no Brasil. Entretanto, neste trabalho, focalizaremos os polos EAD.

6 Tal dado, em específico, desnuda uma questão seminal de ordem estrutural acerca da precarização do sistema educacional público brasileiro.

7 Sobre a financeirização e a capacidade de lucrar fora da esfera da produção, ver Lapavitsas (2013).

8 Ver Nascimento e Cruz (2021, p. 268).

9 A expressão ”espaços da rapidez” está contemplada no capítulo 12 de Santos e Silveira (2001).

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Title Gráfico 1. Número de matrículas em cursos de graduação, por categoria administrativa – 1990-2019
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Title Gráfico 2. Evolução do número de cursos de graduação EAD – Brasil 2005-2020
Credits Fonte: INEP, 2022.
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Title Gráfico 3. Número de matrículas em cursos de graduação por modalidade de ensino – 2010-2020
Credits Fonte: INEP, 2020.
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Title Figura 1. Cogna – Polos EAD de Educação Superior, por UF (setembro de 2021)
Credits Fonte: Vian (2021).
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References

Electronic reference

Henrique Caetano Vian, “A educação como mercadoria digital: antecedentes e a situação geográfica da educação superior a distância no Brasil”Espaço e Economia [Online], 24 | 2022, Online since 14 February 2023, connection on 29 March 2024. URL: http://journals.openedition.org/espacoeconomia/22494; DOI: https://doi.org/10.4000/espacoeconomia.22494

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About the author

Henrique Caetano Vian

Geógrafo. Mestrando pelo Programa de Pós-Graduação em Geografia da Universidade Federal de Uberlândia (PPGEO/UFU). Bolsista pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (FAPEMIG). E-mail: henriquevian@ufu.br.

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