- 1 TEODORO, P. “Bolsonaro consultou advogados sobre eventual prisão antes de decidir fugir para os EUA (...)
- 2 SANTOS, D; AQUINO, M. “Jair Bolsonaro chega a Orlando (EUA) para ‘período sabático’”. Metrópoles [3 (...)
1Em 30 de dezembro de 2022, Jair Bolsonaro, nos estertores de seu mandato de Presidente da República do Brasil, decidiu deixar o país para não cumprir os ritos de passagem do cargo para Luís Inácio Lula da Silva, eleito com mais de 60 milhões de votos para exercer, pela terceira vez, a presidência. Ele seguiu os conselhos dos seus advogados, uma vez que logo perderia os privilégios jurídicos da condição de chefe do executivo1. Assim, por volta das 14 horas, partiu do Aeroporto Internacional de Brasília, a bordo de um avião da Força Aérea Brasileira, acompanhado da sua esposa e de alguns de seus assessores pessoais, seguranças e médicos da Presidência da República, com destino ao Aeroporto Internacional de Orlando (Flórida, Estados Unidos)2 aonde chegou por volta das 23 horas, no fuso horário da capital brasileira, e permanece até o presente momento.
- 3 DIAS, Pâmela; ALTINO, Lucas. Guardiões da floresta, ianomâmis sofrem com novo massacre. Jornal Extr (...)
- 4 CASTRO, C. Clubes de tiro cercam indígenas e facilitam agromilícias na Amazônia. The Intercept Bras (...)
2Bolsonaro partiu rumo aos Estados Unidos deixando um rastro de abandono de políticas públicas na saúde, educação, moradia e direitos humanos, de crise econômica espraiada e de destruição dos alicerces da democracia – algo visível, por exemplo, nos vergonhosos acampamentos feitos por seus seguidores em frente aos quartéis pelo país, com o intento de contestar o resultado das urnas e postular um golpe das Forças Armadas. Ele teve a chance de observar da janela do avião que o transportava a Floresta Amazônica, a mesma que durante quatro anos, ininterruptamente, atuou fortemente para descaracterizar as leis e organismos institucionais que a preservam, negligenciou a ação de madeireiros e mineradores que atuavam em seu território e permitiu que povos tradicionais, especialmente os indígenas, fossem vilipendiados em seus interesses, culturas e territórios – e, como recentememte observado com os ianomâmis, massacrados pela fome e contaminação3. A política autoritária e antiecológica da gestão Bolsonaro, que facilitou a aquisição e o transporte particular de armamentos municiados de variados calibres, fomentou o espantoso cercamento de áreas indígenas amazônicas por clubes de tiro, que acompanharam a rota do agronegócio nas rodovias federais e ajudaram a consolidar não somente as agromilícias, mas também o chamado “arco do desmatamento”4.
3Durante a pandemia da covid-19, o então presidente Jair Bolsonaro propagandeou como solução o uso de cloroquina, ivermectina e outras drogas sem eficácia terapêutica comprovada, desdenhou do uso da máscara facial e do necessário distanciamento social e manteve posturas inomináveis e palavras desabonadoras em relação aos mortos e à dor de suas famílias. Foi num cenário de angústia e desespero, no qual as camadas mais pobres da população precisaram ignorar o perigo a que estavam submetidos ao saírem de suas casas para trabalharem no auge da pandemia, que Bolsonaro consolidou o seu projeto de morte. A defesa intransigente da « economia » ainda que supliciando as vidas dos trabalhadores, assim como o incentivo ao uso de armas e à destruição das florestas, à mineração e ao escárnio contra as minorias encontra no desalento cotidiano e no imediatismo das necessidades – de segurança pessoal, por exemplo, onde o Estado inexiste – possibilidades de repercussão. Jair Bolsonaro é o retrato fiel da barbárie e o símbolo máximo desse período tão nebuloso e trágico
- 5 RIBEIRO, Guilherme. Jamais esquecer do golpe de 2016. Espaço e Economia [Online], 8 | 2016. DOI: ht (...)
- 6 OLIVEIRA, Leandro Dias de. Espaço e Economia: dez edições de análises, enfrentamentos e utopias. Es (...)
- 7 OLIVEIRA, Floriano José Godinho de; OLIVEIRA, Leandro Dias de; RIBEIRO, Guilherme; FREIRE, Désirée (...)
- 8 OLIVEIRA, Floriano José Godinho de; OLIVEIRA, Leandro Dias de; TUNES, Regina; PESSANHA, Roberto Mor (...)
- 9 Disponíveis em: https://journals.openedition.org/espacoeconomia/10071 e https://journals.openeditio (...)
- 10 Disponíveis em: https://www.youtube.com/@espacoeeconomia-revistadeg7136/streams.
- 11 OLIVEIRA, Floriano José Godinho de; OLIVEIRA, Leandro Dias de; TUNES, Regina; CANDIDO, D’Jeanine. “ (...)
4Espaço e Economia: Revista Brasileira de Geografia Econômica acompanhou, em suas diversas edições, todo o desmonte iniciado com o Golpe Jurídico-Parlamentar de 2016 e que culminou com a ascensão ao poder da extrema direita no Brasil. Desde a edição nº. 8, de 2016, quando Guilherme Ribeiro assinou o prefácio intitulado “Jamais esquecer do golpe de 2016”5, os editores assumiram um forte posicionamento político, em prol da democracia e contra a barbárie. Nessas últimas quinze edições, os editores priorizaram análises críticas, enfrentamentos políticos e a construção de utopias6. Nos consternamos com o brutal assassinato de Marielle Franco e de seu motorista Anderson Gomes7, defendemos a universidade pública, democrática e de qualidade no sentido mais profundo de cada termo8 e reforçamos a necessidade de olharmos o mundo a partir das suas periferias. Foram dedicadas duas edições voltadas para o “Dossiê coronavírus: Quem tem medo da pandemia? Geografias e geopolíticas do Covid-19” (números 17 e 18)9, que reverberaram em webinars num momento em que as telas dos computadores, pads e smartphones se tornaram a única sociabilidade acadêmica possível10. A luta se tornou por sobrevivência, dignidade e mudança, conforme editorial da vigésima-segunda edição11.
5Em 1.º de janeiro de 2023, Luís Inácio Lula da Silva, do Partido dos Trabalhadores, assumiu a Presidência da República sob os escombros de um país destroçado: o crescimento econômico pífio, a ruína das relações internacionais da nação, a ampliação da pobreza, da fome e da miséria, a destruição de um grande número de políticas sociais, o desmonte do serviço público, o cerceamento da opinião, da liberdade de crença e do posicionamento político são marcas indeléveis do período. Junto a isso, destacamos os arroubos de autoritarismo militarista, a avassaladora destruição das normas ambientais, a desestruturação financeira das universidades e de instituições públicas e mais uma infindável lista de desastres oriundos de quatro anos de gestão mesquinha, inepta e inconsequente. O massacre de indígenas, quilombolas e grupos tradicionais, a defesa praticamente oficial da misoginia e do machismo e os movimentos eivados de anticientificismo e de anti-cultura reforçaram os ares de barbárie em que o Brasil se encontrava. Neste sentido, são muitos os desafios de pesquisa, de interpretação e de reconstrução do Brasil!
- 12 OLIVEIRA, Floriano José Godinho de; OLIVEIRA, Leandro Dias de; RIBEIRO, Guilherme; FREIRE, Désirée (...)
6Assim, Espaço e Economia: Revista Brasileira de Geografia Econômica chega aos seus dez anos de existência promovendo a publicização de investigações neste campo e reforçando o entrelaçamento teórico entre a geografia econômica e a economia política. Conforme o editorial inaugural, o objetivo central permanece : divulgar e fortalecer pesquisas dedicadas às relações entre espaço e economia, sempre valorizando a pluralidade de temas, conceitos e teorias e suas múltiplas escalas de análise12. Todavia, Espaço e Economia também se consolidou progressivamente como um verdadeiro fórum de discussão política, abordando as questões político-econômicas que atravessam a realidade brasileira e sempre optando pela defesa da igualdade, da democracia e da justiça socioambiental.
7Reforça-se, assim, o convite para a leitura dos artigos de Espaço e Economia: Revista Brasileira de Geografia Econômica. Nesta edição, além dos artigos em fluxo contínuo e da tradicional seção Conexões – onde destacamos contribuições importantes realizadas por pesquisadores do tema e deixamos sugestões de leitura sobre debates importantes e caros ao periódico –, há o dossiê “O complexo imobiliário-financeiro na produção do espaço na contemporaneidade”, organizado pelos professores Beatriz Rufino (USP), Daniel Sanfelici (UFF) e Leda Buonfiglio (UFF). Classificada como A2 na última avaliação quadrienal da CAPES (2017-2020), Espaço e Economia: Revista Brasileira de Geografia Econômica progressivamente se consolida como um importante portal para o campo da Geografia Econômica em seus diversos matizes.