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Indicadores de dependência de royalties e participações especiais nos territórios de produção e influência de petróleo e gás natural no estado do Rio de Janeiro

Indicators of dependence on royalties and special participations in the territories where oil and natural gas are produced and influence in the state of Rio de Janeiro
Indicadores de dependencia de royalties y participaciones especiales en los territorios de producción e influencia de petróleo y gas natural en el estado de Río de Janeiro
Indicateurs de dépendance à l’égard des redevances et des participations spéciales dans les territoires de production et d'influence du pétrole et du gaz naturel dans l'État de Rio de Janeiro
Marlon Gomes Ney, Rodrigo da Costa Caetano, Luana Hespanhol de Souza e Carlos Gustavo Sarmet Moreira Smiderle

Resumos

O artigo traz como perspectiva a relevância dos indicadores para a compreensão do orçamento público. Não obstante, alguns indicadores podem apresentar limitações, principalmente quando são estabelecidas correspondências, a exemplo da medida de dependência orçamentária dos municípios fluminenses em relação às rendas petrolíferas. Assim, a pesquisa tem como objetivo analisar a utilização de outros indicadores de dependência de royalties e participações especiais nos territórios de produção e influência de petróleo e gás natural no estado do Rio de Janeiro, tendo como base o Programa Macrorregional de Caracterização de Rendas Petrolíferas do IBAMA. No percurso metodológico, para a consecução das atividades pertinentes à estatística descritiva, os dados oficiais foram trabalhados por meio do Excel e do software R, que também possibilitou o mapeamento de alguns resultados. Este estudo ressalta a importância da complementaridade do uso de indicadores de dependência orçamentária das rendas petrolíferas, inserindo tanto as dívidas quanto as despesas para melhor se analisar o cenário fiscal municipal diante das conjunturas.

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Texto integral

Introdução

1Os indicadores ganham cada vez mais espaço nas discussões de planejamento territorial tanto entre técnicos e gestores, quanto entre pesquisadores e cidadãos. No Brasil, parte da Geografia e da Economia, dentre outras ciências, têm se dedicado a popularizar ou tornar mais didáticos os estudos acerca dos indicadores, marcando uma posição crítica diante da lógica dos resultados descontextualizados ou das verdades inquestionáveis do tipo “os números comprovam”.

2Os indicadores possibilitam a realização de uma espécie de fotografia, um olhar acerca de uma determinada dimensão da realidade das finanças e da administração governamental, tais como as receitas correntes, o perfil dos gastos públicos, o nível de endividamento, entre outros (JANNUZZI, 2017). Além disso, quando calculados e analisados de forma continuada, permitem verificar as transformações ocorridas ao longo do tempo, ou seja, se a conjuntura investigada tende a melhorar ou piorar.

  • 1 Referente aos 10 municípios que compõem o recorte espacial do projeto Territórios do Petróleo. Além (...)

3No caso dos municípios fluminenses produtores de petróleo e gás natural, uma preocupação frequente dos governos locais é a dependência orçamentária dos repasses de royalties e participações especiais, as chamadas rendas petrolíferas. Por exemplo, no ano de 2022, considerando apenas os municípios fluminenses produtores da Bacia de Campos1, as rendas petrolíferas representaram mais da metade das Receitas Correntes Líquidas (RCL) das prefeituras de Quissamã (57,2%), Arraial do Cabo (56,5%), Casimiro de Abreu (52,6%) e Carapebus (51,4%). Mesmo nas prefeituras em que o peso dos repasses de petróleo é menor, ainda é muito elevado, a saber: Cabo Frio, 27,7%, e Rio das Ostras, 27,2%.

4O indicador mais utilizado para medir o grau de dependência orçamentária dos repasses de royalties e participações especiais é o que analisa a sua participação percentual na receita corrente dos municípios. O uso frequente do referido indicador de dependência se justifica pela qualidade que apresenta. Há disponibilidade dos dados para o seu cálculo nos sites de dois órgãos públicos bastante conhecidos: Tribunal de Contas do Estado do Rio de Janeiro (TCE-RJ) e Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustível (ANP). É de razoável compreensão pela população e suas informações são fornecidas de forma periódica, o que possibilita a frequente atualização e comparabilidade temporal.

5Por outro lado, o indicador padece da falta de garantia de uma relação recíproca entre o indicando, no caso o conceito de dependência orçamentária das rendas petrolíferas, e o indicador proposto. Uma queda brusca nos valores dos repasses de petróleo tende a diminuir a sua participação na RCL, reduzindo o valor do indicador de dependência orçamentária, o que causaria a falsa impressão de que o município passou a depender menos das rendas de royalties e participações especiais.

6É muito raro um indicador gozar de todas as propriedades necessárias para ser considerado de excelente qualidade, sendo preferível reconhecer o uso limitado de suas propriedades, na medida em que é possível entender claramente o seu significado. Conforme define Jannuzzi (2017, p. 39), na prática, nem sempre o indicador de maior validade é o mais confiável; nem este, por seu turno é o mais inteligível e tampouco o mais claro é o mais sensível”. É aconselhável dispor de diferentes indicadores para se conhecer as especificidades e vicissitudes de uma determinada realidade, seja social ou espacial, no caso pesquisado a situação fiscal dos municípios fluminenses produtores de petróleo e gás natural e sua vulnerabilidade frente à dependência dos repasses de royalties e participações especiais.

7Tendo em vista as limitações do indicador geralmente utilizado como medida de dependência orçamentária dos municípios em relação às rendas petrolíferas, a pesquisa tem como diferencial o objetivo de analisar o uso de novos (outros) indicadores de dependência de royalties e participações especiais nos territórios de produção e influência de petróleo e gás natural no estado do Rio de Janeiro, já admitindo a importância da leitura crítica da estatística descritiva.

Metodologia: recorte espacial, base de dados e ferramentas de pesquisa

  • 2 Processo Ibama nº 02001.032727/2019-90, que apresenta uma proposta metodológica de caracterização e (...)

8Pois bem, de quais territórios estamos tratando? A pesquisa abrange todos os 31 municípios fluminenses contemplados pelo Programa Macrorregional de Caracterização de Rendas Petrolíferas2 (PMCRP): São Francisco de Itabapoana, São João da Barra, Campos dos Goytacazes, Quissamã, Carapebus, Macaé, Rio das Ostras, Casimiro de Abreu, Cabo Frio, Armação dos Búzios, Arraial do Cabo, Araruama, Saquarema, Maricá, Niterói, São Gonçalo, Itaboraí, Magé, Guapimirim, Duque de Caxias, Rio de Janeiro, Itaguaí, Mangaratiba, Angra dos Reis, Paraty, Cachoeiras de Macacu, Miguel Pereira, Paty do Alferes, Rio das Flores, Silva Jardim e Vassouras (PMCRP, 2021).

9De acordo com o PMCRP (2021, p.13), o recorte espacial do programa é composto por municípios que: a) Integram a área de influência no meio socioeconômico definidos “nos estudos ambientais apresentados ao IBAMA para licenciamento de atividades marítimas de produção e escoamento de petróleo e gás natural”; b) Compõem a zona de produção secundária; das atividades marítimas de produção e escoamento de petróleo e gás natural nas Bacias de Santos, Campos e Espírito Santo”. Ao todo são 63 municípios, sendo 31 no estado do Rio de Janeiro, 16 em São Paulo, 14 no Espírito Santo, e 2 em Santa Catarina. Portanto, os municípios que deverão ser analisados na pesquisa aqui proposta pela equipe de pesquisadores do PEA-TP representam a metade do total do PMCRP.

10A confiabilidade de um indicador depende da qualidade dos dados utilizados no seu cálculo, sendo as informações coletadas de forma padronizada, por profissionais qualificados que seguem protocolos bem definidos por órgãos públicos, consideradas entre as mais confiáveis no meio científico (JANUZZI, 2017). A base de dados da pesquisa é constituída por informações disponibilizadas por três órgãos públicos de notória credibilidade: a) Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustível (ANP), os valores de royalties e participações especiais da produção de petróleo e gás natural repassados aos municípios (ANP, 2023); b) Tribunal de Contas do Estado do Rio de Janeiro (TCE-RJ), os valores da Receita Corrente Líquida, Despesa Corrente Liquidada e Dívida Consolidada Líquida de todos os municípios do estado com exceção da capital fluminense (TCE/RJ, 2023a; TCE/RJ, 2023b; TCE/RJ, 2023c); c) Controladoria Geral do Município do Rio de Janeiro, os mesmos três valores de receita, despesa e dívida anteriores só que para a capital do estado (CGM/RJ, 2023a; CGM/RJ, 2023b; CGM/RJ, 2023c).

11Todos os dados se referem ao ano de 2022. Para analisar o nível de dependência orçamentária dos 31 municípios fluminenses abrangidos pelo PMCRP foram utilizados três indicadores: IDRP1 - Participação percentual dos repasses de royalties e participações especiais da produção de petróleo e gás natural na Receita Corrente Líquida dos municípios; IDRP2 - Percentual das despesas correntes liquidadas dos municípios cobertas pelas Receitas Correntes Líquidas (RCL) sem os repasses de royalties e participações especiais; IDRP3 - Percentual da Dívida Corrente Líquida (DCL) dos municípios sobre o valor da sua Receita Corrente Líquida (RCL) sem os repasses de royalties e participações especiais. Os três Indicadores de Dependência dos Repasses de Petróleo (IDRP) foram inspirados nos indicadores IRP7.1, IRP9.7 e IRP9.9 do PMCRP (PMCRP, 2021). As fórmulas dos cálculos são, respectivamente:

12O primeiro indicador mostra a forma mais comum de medir o nível de dependência orçamentária dos municípios em relação aos repasses de royalties e participações especiais. Quanto maior é o peso dos repasses na receita total, maior é o grau de dependência orçamentária do recurso. Conforme já ressaltado anteriormente, o problema do IDRP1 é que não há uma garantia de reciprocidade entre o indicador e o indicando, visto que uma diminuição dos repasses das rendas petrolíferas reduziria a sua participação na receita total, o que levaria o indicador a dar uma falsa impressão de queda no grau de dependência orçamentária do recurso.

13O IDRP2, por sua vez, é a razão entre a RCL do município sem os repasses de petróleo e suas Despesas Correntes Liquidadas. Nota-se, nesse caso específico, a relação entre o indicador e o indicando (grau de dependência orçamentária) ocorre no sentido inverso, ou seja, quanto menor o seu valor, menor é a capacidade do município pagar suas despesas correntes sem as rendas de royalties e participações especiais. Ele mensura a capacidade da prefeitura arcar com suas despesas correntes em uma situação de perda das receitas de petróleo e gás natural.

14Há a possibilidade de o aumento dos repasses de petróleo facilitar a oferta de crédito para as prefeituras e, consequentemente, levá-las ao endividamento. O IDRP3 avalia a proporção da Receita Corrente Líquida excluindo os valores dos repasses das rendas petrolíferas sobre a Dívida Consolidada Líquida, que é dada pelo Dívida Consolidada menos os valores da Disponibilidade de Caixa e dos Demais Haveres Financeiros. O indicador permite avaliar o nível de comprometimento fiscal dos municípios provocado pelo seu endividamento em uma situação de perda das receitas de royalties e participações especiais. Quando o seu valor der negativo, o município não tem dívida líquida, ou seja, os recursos disponíveis em caixa no término do ano de 2022 somados aos seus demais haveres financeiros superaram o valor de sua Dívida Consolidada somada aos restos a pagar, podendo quitar o seu passivo a qualquer momento independentemente de sua receita futura, inclusive a de royalties e de participações especiais.

15Os três indicadores apresentados devem ser considerados de forma complementar, pois quando analisados em conjunto retratam melhor a situação de dependência orçamentária e o cenário fiscal dos municípios fluminenses contemplados pelas áreas de produção e influência petrolífera no estado do Rio de Janeiro. Eles são relevantes para o planejamento dos governos locais e de fácil comunicação ao público, além de apresentarem uma metodologia clara, com informações confiáveis e atualizadas periodicamente, características essenciais de um ótimo indicador (JANNUZZI, 2017).

16Os dados foram trabalhados tanto a partir do Excel quanto da Linguagem R, plataforma gratuita para programação muito utilizada para esse propósito por ser ferramenta de análise estatística e de mapeamento temático. Os principais pacotes utilizados são: openxlsx, dplyer, sf, ggplot2, geobr e ggspatial. Para além dos resultados em tabelas e gráficos, destaca-se o mapeamento dos dados pela visualização da posição de cada município em relação aos demais, bem como pela percepção geográfica de um panorama geral do estado do Rio de Janeiro.

Indicadores de dependência dos repasses das rendas petrolíferas dos municípios analisados

17Na tabela 1 estão os valores dos repasses de royalties e participações especiais recebidos pelos 31 municípios fluminenses abrangidos pelas áreas de produção e influência do petróleo e gás natural, selecionados de acordo com o PMCRP. Eles receberam, no ano de 2022, cerca de R$ 16,3 bilhões, sendo os seis maiores beneficiários: Maricá com R$ 4,3 bilhões (26,5%), Niterói com R$ 2,6 bilhões (15,8%), Saquarema com R$ 1,9 bilhão (11,5%), Macaé com R$ 1,4 bilhão (8,9%), Campos dos Goytacazes com R 1,1 bilhão (6,5%) e o Rio de Janeiro com R$ 671 milhões (4,1%). Eles juntos se apropriam de mais de R$ 11,9 bilhões, ou seja, quase ¾ do total distribuído.

18Os dados revelam a enorme desigualdade na distribuição dos royalties e participações especiais entre os municípios analisados. Os valores somados recebidos pelos seis municípios destacados acima, por exemplo, que estão entre os 20% maiores beneficiários, é 43,3 vezes superior aos R$ 275,9 milhões recebidos pelos 20% que ganharam menores recursos: São Francisco do Itabapoana, Paty Alferes, Itaboraí, Vassouras, Miguel Pereira e Rio das Flores. O valor dos repasses de Maricá é 133,9 vezes superior aos R$ 32,2 milhões recebidos por Rio das Flores (ver tabela 1). Os dados revelam uma condição fiscal privilegiada por parte dos maiores beneficiários, por outro, suas receitas são marcadas por uma enorme dependência das rendas petrolíferas.

19O indicador mais utilizado para analisar o nível de dependência orçamentária dos repasses de petróleo é o que mostra o percentual dos royalties e participações especiais na receita total dos municípios (IDRP1), mais especificamente na Receita Corrente Líquida (RCL). Conforme pode se observar na tabela 1, eles representam mais de 70% da RCL de Saquarema e Maricá, além de mais da metade da receita de Quissamã, Arraial do Cabo, Casimiro de Abreu e Carapebus. Do total de 31 municípios fluminenses monitorados pelo PMCRP, em 21 casos as rendas de royalties e participações especiais correspondem a mais de ¼ da receita líquida (ver gráfico 1 e mapa 1).

Tabela 1 - Proporção de royalties e participações especiais recebida pelos municípios fluminenses analisados em relação à Receita Corrente Líquida (IDRP1), em 2022.

Tabela 1 - Proporção de royalties e participações especiais recebida pelos municípios fluminenses analisados em relação à Receita Corrente Líquida (IDRP1), em 2022.

Fonte: Elaboração própria, utilizando dados da ANP, TCE-RJ e CGM-RIO.

Gráfico 1 - Proporção de royalties e participações especiais recebida pelos municípios fluminenses do PMCRP em relação à Receita Corrente Líquida (IDRP1), em 2022.

Gráfico 1 - Proporção de royalties e participações especiais recebida pelos municípios fluminenses do PMCRP em relação à Receita Corrente Líquida (IDRP1), em 2022.

Fonte: Elaboração própria, utilizando dados da ANP, TCE-RJ e CGM-RIO.

Mapa 1 – Mapeamento da proporção de royalties e participações especiais recebida pelos municípios fluminenses do PMCRP em relação à Receita Corrente Líquida (IDRP1), em 2022.

Mapa 1 – Mapeamento da proporção de royalties e participações especiais recebida pelos municípios fluminenses do PMCRP em relação à Receita Corrente Líquida (IDRP1), em 2022.

Fonte: Elaboração própria, utilizando dados da ANP, TCE-RJ e CGM-RIO.

20O indicador mais adequado para medir a dependência que os municípios têm dos repasses de petróleo para saldar suas despesas correntes é o que mede o percentual das despesas correntes liquidadas cobertas pela RCL sem os valores de royalties e participações especiais, o IDRP2 (ver tabela 2, gráfico 2 e mapa 2). Ele mostra o quanto os governos locais seriam capazes de arcar com as suas despesas correntes caso diminuíssem ou até perdessem os repasses. No entanto, é preciso ressaltar que, quanto menor for o seu valor, menor é a capacidade do município pagar suas despesas correntes sem as rendas petrolíferas, ou seja, a relação do indicador e o indicando é inversa: quanto menor o IDRP2, maior é o grau de dependência dos referidos repasses.

Tabela 2 - Percentual das despesas correntes liquidadas dos municípios fluminenses do PMCRP cobertas pelas Receitas Correntes Líquidas (RCL) sem os repasses de royalties e participações especiais (IDRP2), em 2022.

Tabela 2 - Percentual das despesas correntes liquidadas dos municípios fluminenses do PMCRP cobertas pelas Receitas Correntes Líquidas (RCL) sem os repasses de royalties e participações especiais (IDRP2), em 2022.

Fonte: Elaboração própria, utilizando dados da ANP, TCE-RJ e CGM-RIO.

Gráfico 2 - Percentual das despesas correntes liquidadas dos municípios fluminenses do PMCRP cobertas pelas RCL sem os repasses de royalties e participações especiais (IDRP2), em 2022.

Gráfico 2 - Percentual das despesas correntes liquidadas dos municípios fluminenses do PMCRP cobertas pelas RCL sem os repasses de royalties e participações especiais (IDRP2), em 2022.

Fonte: Elaboração própria, utilizando dados da ANP, TCE-RJ e CGM-RIO.

Mapa 2 – Mapeamento do percentual das despesas correntes liquidadas dos municípios fluminenses do PMCRP cobertas pelas RCL sem os repasses de royalties e participações especiais (IDRP2), em 2022.

Mapa 2 – Mapeamento do percentual das despesas correntes liquidadas dos municípios fluminenses do PMCRP cobertas pelas RCL sem os repasses de royalties e participações especiais (IDRP2), em 2022.

Fonte: Elaboração própria, utilizando dados da ANP, TCE-RJ e CGM-RIO.

21Do total dos 31 municípios fluminenses monitorados, apenas cinco conseguiriam cobrir todas as suas despesas correntes liquidadas sem os repasses de petróleo e gás: Magé, São Gonçalo, Guapimirim, Rio de Janeiro e Angra dos Reis (ver tabela 2 e gráfico 2). Os dados ainda revelam que municípios com alta participação das rendas petrolíferas na RCL teriam que fazer cortes severos na sua despesa corrente liquidada caso perdessem os royalties e participações especiais: Maricá, Quissamã, Arraial do Cabo e Rio das Flores, por exemplo, só conseguiriam arcar, respectivamente, com 50,9%, 55,0%, 56,8% e 58,6% das despesas correntes utilizando as suas receitas sem as rendas petrolíferas.

22É importante ressaltar que, embora o IDRP2 seja um ótimo indicador de dependência dos orçamentos municipais em relação às rendas petrolíferas, ele tende a subestimá-la, tendo em vista que ele só capta o efeito direto da queda dos royalties e das participações especiais na RCL, mas não capta o efeito indireto provocado pela sua relação com outros impostos. Os repasses das rendas petrolíferas podem ter uma influência significativa na economia local e, consequentemente, na arrecadação de outros tributos. A condição dos municípios dependentes dos royalties e participações especiais arcarem com seus gastos correntes em um cenário de uma significativa queda nos valores desses repasses deve, portanto, ser pior do que a apontada pelo IDRP2.

23Conforme ressaltado por Ney e Caetano (2023, p. 120),

Nesse sentido, mesmo municípios com uma receita líquida sem os repasses de royalties e participações especiais acima das despesas correntes podem sofrer fortemente com a queda das rendas de petróleo, principalmente quando os seus valores estão muito próximos.

24Esse pode ser o caso dos municípios de Guapimirim e Angra dos Reis que, embora estejam em azul no gráfico 2, o percentual das despesas correntes liquidadas cobertas pela RCL sem os repasses de petróleo está muito próximo de 100%.

25O problema da dependência pode ser ainda agravado pelo endividamento dos municípios. O crescimento da arrecadação gerado pelos repasses de petróleo e gás tende a facilitar a oferta de crédito do mercado financeiro para as prefeituras. A dívida acumulada durante o período de bonança pode, assim, provocar dificuldades adicionais aos municípios, em um cenário de queda dos valores dos royalties e participações especiais, de arcar com os juros e encargos da dívida e ainda ter de pagar as despesas correntes. Em outras palavras, quanto mais endividado estiver um município maior é o comprometimento de suas receitas futuras e, provavelmente, pior será o efeito da queda do valor dos repasses das rendas petrolíferas no orçamento, o que comprometeria a prestação adequada dos serviços públicos à população.

26A Dívida Consolidada Líquida (DCL) de um município é dada por sua Dívida Consolidada (DC) menos o total correspondente à Disponibilidade de Caixa e aos Demais Haveres Financeiros (TCE-RJ, 2023b; CGM-RIO, 2023c). O IDRP3 mede o percentual da DCL sobre o valor da sua Receita Corrente Líquida (RCL) sem os repasses de royalties e participações especiais. Conforme pode se observar no gráfico 3, destacado nas barras vermelhas, e na tabela 3, oito municípios fluminenses abrangidos pelo PMCRP possuem Dívida Consolidada Líquida, ou seja, no final do ano de 2022, o valor da sua Dívida Consolidada superou a soma da Disponibilidade de Caixa e Demais Haveres Financeiros.

Gráfico 3 - Percentual da DCL dos municípios fluminenses do PMCRP sobre o valor da sua RCL sem os repasses de royalties e participações especiais (IDRP3), em 2022.

Gráfico 3 - Percentual da DCL dos municípios fluminenses do PMCRP sobre o valor da sua RCL sem os repasses de royalties e participações especiais (IDRP3), em 2022.

Fonte: Elaboração própria, utilizando dados da ANP, TCE-RJ e CGM-RIO.

Tabela 3 - Percentual da DCL dos municípios fluminenses do PMCRP sobre o valor da sua RCL sem os repasses de royalties e participações especiais (IDRP3), em 2022.

Tabela 3 - Percentual da DCL dos municípios fluminenses do PMCRP sobre o valor da sua RCL sem os repasses de royalties e participações especiais (IDRP3), em 2022.

Fonte: Elaboração própria, utilizando dados da ANP, TCE-RJ e CGM-RIO.

27Embora a maior DCL observada seja a da capital fluminense, quase R$ 12,3 bilhões, seguida de Campos dos Goytacazes, R$ 985,6 milhões, e Cabo Frio, R$ 623,8 milhões, o IDRP3 é bem maior em Carapebus, mostrando que o município estaria em pior situação para arcar com suas dívidas utilizando as receitas sem os repasses das rendas petrolíferas. Os repasses das rendas petrolíferas em Carapebus representam 51,4% da RCL, já no município do Rio de Janeiro é de apenas 2,2% (ver tabela 1), sendo o percentual da DCL sobre o valor da RCL sem os repasses quase 130% em Carapebus, enquanto no município do Rio de Janeiro ele cai para 41,3% (ver tabela 3 e gráfico 3).

28A interpretação dos dados da pesquisa aponta a perspectiva relacional entre o nível de endividamento municipal e o comprometimento do equilíbrio fiscal futuro em um contexto de forte queda nos valores dos royalties e participações especiais. Ney e Caetano (2023), inclusive, destacam outra vantagem do novo indicador proposto, a saber: quanto mais dependente a RCL for das receitas de royalties e participações especiais, maior tende a ser o IDRP3.

Considerações Finais

29A desigualdade na distribuição dos royalties e participações especiais, mesmo apenas entre os municípios fluminenses produtores ou afetados pela produção de petróleo e gás natural, é tão elevada que pode surpreender até quem já esperava encontrar disparidades muito altas na sua distribuição. Os seis municípios fluminenses monitorados pelo PMCRP, com maiores valores recebidos de royalties e participações especiais, arrecadaram quase R$ 12 bilhões de repasses, ou seja, 73,3% dos mais de R$ 16,3 bilhões recebidos pelos 31 municípios aqui analisados (ver tabela 1). Os valores recebidos apenas por Maricá, o maior beneficiário, ultrapassaram os R$ 4,3 bilhões, o que representa mais de ¼ do valor recebido por todos os municípios aqui analisados (ver tabela 1).

30Os dados mostram que os repasses de petróleo representam mais de ¼ da arrecadação de 21 municípios e mais de 1/3 da receita de 16 municípios do total de 31 municípios fluminenses analisados (ver tabela 1 e gráfico 1). A alta dependência ainda pode ser observada pelo IDRP2, que mede o percentual das despesas correntes liquidadas cobertos pela RCL sem os valores dos royalties e participações especiais, ou seja, a capacidade dos municípios de pagarem suas despesas correntes sem os repasses de petróleo. Nesse caso, somente cinco municípios conseguiriam pagar todas as suas despesas correntes liquidadas sem os repasses de petróleo e que municípios com o IDRP2 muito baixo teriam de reduzir bruscamente suas despesas correntes em uma situação de perda das rendas de petróleo e gás natural. Os municípios de Maricá, Quissamã e Arraial do Cabo, por exemplo, só poderiam pagar 50,9%, 55,0% e 56,8% das despesas correntes utilizando as suas RCL sem a arrecadação de royalties e participações especiais (ver tabela 2 e gráfico 2).

31É importante ainda ressaltar a necessidade de se analisar o IDRP2 no sentido inverso dos demais indicadores. O motivo é que a relação do indicador e indicando é inversa, ou seja, quanto menor é o IDRP2 maior é a dependência orçamentária. Conforme pode se observar na tabela 2, gráfico 2 e mapa 2, o indicador calculado é maior para os municípios com menores dependências das rendas petrolíferas: Magé com 128,9%, São Gonçalo com 113,7%, e Guapimirim com 107,9%.

32Por fim, o IDRP3 mostra de forma clara que o endividamento dos municípios pode comprometer o equilíbrio fiscal em um cenário de queda ou redistribuição dos valores dos royalties e participações especiais. Enquanto em Carapebus e no Rio de Janeiro os percentuais da Dívida Corrente Líquida sobre o valor da RCL são de 63,1% e 40,4%, os percentuais da mesma dívida sobre a RCL sem as rendas petrolíferas sobem para 129,7% e 41,3%, respectivamente (ver tabela 3). Nota-se que o IDRP3 é bem maior no primeiro município não só porque o percentual da DCL sobre a RCL é mais elevado, como também porque a sua receita depende muito mais desses repasses, ou seja, o IDRP1 é mais elevado (ver tabelas 1 e 3).

33Os municípios com IDRP3 negativos não são devedores líquidos, ou seja, os recursos disponíveis em caixa somados aos Demais Haveres Financeiros superam sua Dívida Consolidada. Ainda que eles tenham alguma dívida, elas podem ser quitadas sem qualquer comprometimento das receitas futuras, entre elas as advindas das rendas petrolíferas. Portanto, quando a DCL é negativa pode se considerar a razão DCL/RCL igual a zero e, consequentemente, o valor do indicador também igual a zero.

34Este estudo traz respostas ou considerações técnicas e acadêmicas quanto à aplicação e interpretação dos indicadores aludidos e um panorama orçamentário sobre os municípios fluminenses contemplados no âmbito do PMCRP, que podem incidir ou subsidiar alguns debates políticos, econômicos e sociais sobre os orçamentos públicos locais. Ressalta-se o risco da utilização de um único ou exclusivo indicador de dependência orçamentária, ou seja, a necessidade da complementaridade se contrapõe ao isolamento de variáveis, pois quando as dívidas e as despesas são inseridas nesta “equação” (“conta”), analisando-se o contexto pelo “conjunto da obra”, retrata-se melhor a realidade da dependência orçamentária no cenário fiscal dos municípios fluminenses contemplados pelas rendas petrolíferas.

35Os indicadores também podem ou devem, com base na sistematização/atualização dos dados, contribuir para o planejamento das atividades das prefeituras em prol da melhoria da qualidade de vida da população. Para isso, nada melhor do que o controle social e a participação popular por imanência democrática ou resistência cidadã aos processos políticos contemporâneos. Afinal, a quem pertencem os “territórios do petróleo”?

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Bibliografia

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NEY, M. G.; CAETANO, R. C. Indicadores das rendas petrolíferas da Bacia de Campos: testagem à luz da qualidade e da viabilidade nas municipalidades. InterScience Place, v. 18, p. 105-127, 2023.

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Notas

1 Referente aos 10 municípios que compõem o recorte espacial do projeto Territórios do Petróleo. Além dos 6 municípios mencionados também estão contemplados: Armação dos Búzios, Campos dos Goytacazes, Macaé e São João da Barra. Este artigo é resultado de pesquisa financiada pelo Projeto de Educação Ambiental (PEA) Territórios do Petróleo: Royalties e Vigília Cidadã na Bacia de Campos, que é uma medida de mitigação exigida pelo Licenciamento Ambiental Federal, conduzido pelo Ibama” (Texto padrão às publicações do PEA-TP).

2 Processo Ibama nº 02001.032727/2019-90, que apresenta uma proposta metodológica de caracterização e monitoramento das rendas petrolíferas do Espírito Santo à Santa Catarina. Documento disponível por meio do link: https://comunicabaciadesantos.petrobras.com.br/programa#ambiental/projeto-de-monitoramento-socioeconomico-pms.html.

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Índice das ilustrações

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Título Tabela 1 - Proporção de royalties e participações especiais recebida pelos municípios fluminenses analisados em relação à Receita Corrente Líquida (IDRP1), em 2022.
Créditos Fonte: Elaboração própria, utilizando dados da ANP, TCE-RJ e CGM-RIO.
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Título Gráfico 1 - Proporção de royalties e participações especiais recebida pelos municípios fluminenses do PMCRP em relação à Receita Corrente Líquida (IDRP1), em 2022.
Créditos Fonte: Elaboração própria, utilizando dados da ANP, TCE-RJ e CGM-RIO.
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Título Mapa 1 – Mapeamento da proporção de royalties e participações especiais recebida pelos municípios fluminenses do PMCRP em relação à Receita Corrente Líquida (IDRP1), em 2022.
Créditos Fonte: Elaboração própria, utilizando dados da ANP, TCE-RJ e CGM-RIO.
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Título Tabela 2 - Percentual das despesas correntes liquidadas dos municípios fluminenses do PMCRP cobertas pelas Receitas Correntes Líquidas (RCL) sem os repasses de royalties e participações especiais (IDRP2), em 2022.
Créditos Fonte: Elaboração própria, utilizando dados da ANP, TCE-RJ e CGM-RIO.
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Título Gráfico 2 - Percentual das despesas correntes liquidadas dos municípios fluminenses do PMCRP cobertas pelas RCL sem os repasses de royalties e participações especiais (IDRP2), em 2022.
Créditos Fonte: Elaboração própria, utilizando dados da ANP, TCE-RJ e CGM-RIO.
URL http://journals.openedition.org/espacoeconomia/docannexe/image/28347/img-6.png
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Título Mapa 2 – Mapeamento do percentual das despesas correntes liquidadas dos municípios fluminenses do PMCRP cobertas pelas RCL sem os repasses de royalties e participações especiais (IDRP2), em 2022.
Créditos Fonte: Elaboração própria, utilizando dados da ANP, TCE-RJ e CGM-RIO.
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Título Gráfico 3 - Percentual da DCL dos municípios fluminenses do PMCRP sobre o valor da sua RCL sem os repasses de royalties e participações especiais (IDRP3), em 2022.
Créditos Fonte: Elaboração própria, utilizando dados da ANP, TCE-RJ e CGM-RIO.
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Título Tabela 3 - Percentual da DCL dos municípios fluminenses do PMCRP sobre o valor da sua RCL sem os repasses de royalties e participações especiais (IDRP3), em 2022.
Créditos Fonte: Elaboração própria, utilizando dados da ANP, TCE-RJ e CGM-RIO.
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Para citar este artigo

Referência eletrónica

Marlon Gomes Ney, Rodrigo da Costa Caetano, Luana Hespanhol de Souza e Carlos Gustavo Sarmet Moreira Smiderle, «Indicadores de dependência de royalties e participações especiais nos territórios de produção e influência de petróleo e gás natural no estado do Rio de Janeiro»Espaço e Economia [Online], 28 | 2025, posto online no dia 05 fevereiro 2025, consultado o 19 junho 2025. URL: http://journals.openedition.org/espacoeconomia/28347

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Autores

Marlon Gomes Ney

Doutorado em Economia Aplicada pela UNICAMP. Professor Associado da Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro. E-mail: marlonney@uenf.br. https://orcid.org/0000-0002-0302-6818

Rodrigo da Costa Caetano

Doutorado em Geografia pela UFF. Professor Associado da Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro. E-mail: profrodrigo@uenf.br. https://orcid.org/0000-0003-2509-4392

Luana Hespanhol de Souza

Doutorado em Políticas Sociais pela UENF. E-mail: hespanol.luana@gmail.com. https://orcid.org/0000-0002-4844-1396

Carlos Gustavo Sarmet Moreira Smiderle

Doutorado em Sociologia Política pela UENF. Técnico de Nível Superior da Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro. E-mail: gustavo@uenf.br. https://orcid.org/0000-0001-8721-6936

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Direitos de autor

CC-BY-NC-SA-4.0

Apenas o texto pode ser utilizado sob licença CC BY-NC-SA 4.0. Outros elementos (ilustrações, anexos importados) são "Todos os direitos reservados", à exceção de indicação em contrário.

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