1O cacau (Theobroma cacao) é uma espécie de origem amazônica, domesticada na região há pelo menos 5 mil anos, constituindo nesse processo um circuito que envolveu distintos territórios. Teve também grande importância econômica no estado do Pará a partir do período colonial, sendo o principal produto exportado entre os que se chamava de “drogas do sertão”, tanto como produto do extrativismo florestal, como da lavoura permanente. A produção do cacau no Pará passa a ficar em segundo plano somente a partir da expansão de outros produtos extrativos e de seu cultivo em outros territórios no Brasil e no continente africano.
2Outras atividades econômicas ganharam notoriedade na região, sobretudo a partir da década de 70, quando houve uma reestruturação econômica e territorial por meio das políticas de integração econômica do período desenvolvimentista. Nessas circunstâncias, houve forte incentivo à construção de infraestrutura logística e implantação de projetos vinculados a circuitos de produção e comercialização fora da região, no país ou no mercado mundial. Assumiram nova centralidade as produções de gado e minério, por meio de mecanismos de espoliação como a grilagem e apropriação de terras e recursos hídricos e da violência contra os povos (Almeida, 2004).
3Abordagens recentes, mesmo reconhecendo os impactos negativos do modelo anterior, propõem novas estratégias de desenvolvimento para a região, abandonam a proposição do conjunto de mudanças estruturais e passam a preconizar soluções focadas em inovações tecnológicas para a intensificação da produção nas áreas já desmatadas. Isso acontece porque o início do século XXI no Brasil é marcado pelo avanço da produção-exportação das commodities agropecuárias impulsionado pela demanda da China e pela demanda contínua da Europa e da América do Norte (Larrea et. al. 2021) fazendo com que a opção pelas commodities se tornasse um consenso mesmo nos governos mais progressistas (Svampa, 2013). Nesse cenário, surge um fenômeno novo de expansão territorial de diversas commodities de que buscam se colocar como alternativas sustentáveis e representantes de uma economia regional baseada na “floresta em pé”, entre elas o cacau.
4Atualmente o cacau está passando por um processo de expansão no estado do Pará, sobretudo nos municípios do sudeste do paraense, em função de seu cultivo apresentar características vinculadas à ideia de uma economia baseada na sustentabilidade. Nesse contexto este trabalho busca responder como ocorre a especialização e espacialização produtiva de cacau no estado do Pará nos últimos anos. Assim o objetivo é analisar o circuito espacial produtivo de cacau do estado do Pará e sua inserção no mercado. Para tanto, analisa o cenário atual do circuito de produção no estado do Pará, identificando os usos e organização dos territórios, a sua relação com a divisão espacial do trabalho, os agentes envolvidos, bem como os centros de comandos e hierarquias na tomada de decisão.
5No campo teórico-metodológico o artigo revisa os conceitos de circuito espacial de produção, círculos de cooperação e conceitos auxiliares. Com base no referencial teórico realizou-se pesquisas na plataforma do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas (IBGE), referentes principalmente ao Censo Agropecuário de 2017 e a Pesquisa Agrícola Municipal (PAM), no Banco de Dados Estatísticos Corporativos da Food and Agriculture Organization (FAOSTAT), na Comex Stat, dados de fluxos das notas fiscais eletrônicas do estado do Pará (NFs-PA), da Relação Anual de Informações Sociais (RAIS), entre outros, com o intuito de fundamentar a análise a partir de dados e informações quantitativas e georreferenciadas. Para facilitar a visualização dos dados e análise de acordo com o referencial teórico e metodológico proposto, elaborou-se gráficos, tabelas e mapas.
6As elaborações teóricas de Milton Santos sobre os circuitos espaciais de produção têm início quando o autor discute a metodologia apresentada pelos resultados do Projeto MORVEN, do Centro de Estudios del Desarrollo da Universidade Central da Venezuela CENDES, apresentado inicialmente por Sonia Barrios (1978) e Alejandro Rofman (1980). Esse projeto reconheceu os circuitos de acumulação regional como um ponto de partida para a análise dos territórios.
7Moraes (2017) relembra a origem da discussão sobre circuito de produção. De acordo com esse autor, o termo remonta a Marx, quando no texto “Introdução à crítica da economia política” ele enfatiza a unidade contraditória entre a produção, distribuição, troca e consumo, sendo esses processos elementos distintos e encadeamentos de uma totalidade e que se apresentam com diferenciações no interior de uma unidade (Castillo, Frederico, 2010; Moraes, 2017).
8Sendo o espaço esse instrumento material das relações de produção no sistema capitalista, o estudo da distribuição espacial da produção – entendida como uma unidade entre produção-distribuição-troca-consumo – permite compreender a dinâmica do processo produtivo. Nesse sentido os circuitos de produção e acumulação podem ser descritos como o encadeamento dos distintos processos de transformação por que passa um produto principal de uma determinada atividade até chegar ao consumo final (Barrios, 1978). Desse movimento, desdobra-se um processo de acumulação em cada etapa do circuito, com sua dimensão espacial resultando, na visão de Rofman (1980), em um circuito econômico de acumulação regional.
9Assim, o conceito passa a ser entendido não somente como processo de produção, mas como um processo de acumulação dentro do sistema capitalista, produzindo em seu seio um conjunto de relações econômico-sociais que vão além das relações técnicas de produção (Santos, 1986).
10Ademais, uma mudança na abordagem feita por Rofman, proposta por Milton Santos busca compreender o circuito a partir de suas inter-relações multiescalares como um todo, o que não seria possível com o conceito de circuito regional. Essa percepção reconhece que nos circuitos territoriais a regulação pública e o comando de empresas localizadas em áreas externas às áreas de produção são cada vez mais frequentes. Assim, através dos circuitos, materializados nos fluxos, um local pode não estabelecer relações com locais mais próximos e áreas contínuas e estabelecer relações com locais distantes no país e até fora dele (Santos, 2001). Esse processo inclusive se intensifica na era em que vivemos. A partir dessa análise é que Milton Santos propõe o conceito de circuitos espaciais de produção.
11Vale ressaltar que tais circuitos espaciais de produção e acumulação não ocorrem isoladamente. Eles relacionam-se entre si de formas variadas, seja diretamente por meio das relações técnicas de produção, seja indiretamente por meio de comandos ou relações de financiamento, formando subsistemas de produção (Rofman, 1980) ou complexos territoriais (Coraggio, 1991). Tais relações são identificadas através dos fluxos e os agentes podem estabelecer múltiplas relações, incluindo de conflito ou cooperação.
12Por outro lado, os círculos de cooperação no espaço são entendidos como as relações estabelecidas entre lugares e agentes de determinado circuito por meio de fluxos de informações (Santos; Silveira, 2006). Nesse sentido, circuitos de produção e círculos de cooperação são movimentos diferenciados e complementares na ampliação e aproveitamento de uma área de produção. Juntos organizam a trama de relações no território e mostram o uso diferenciado dos lugares pelas empresas, instituições e grupos sociais (Arroyo, 2001; Santos; Silveira, 2006)
13Como uma categoria de estudo e análise estes conceitos permitem compreender o uso o do território de acordo com determinado setor produtivo ou empresas, mas não seria capaz de dar uma explicação do território como um todo, socialmente construído e dinamizado pela sociedade, uma vez que nos permite a análise de apenas alguns aspectos da vida envolvendo a produção. O conhecimento do espaço de realização de determinado circuito deve incorporar as demais instâncias sociais (econômica, cultural e política), considerando suas dinâmicas e autonomia e o movimento global da totalidade em que se insere (Santos, 1986).
14Nesse sentido, a análise do circuito territorial de produção do cacau pode não explicar o território sudeste paraense ou a dinâmica dos municípios em que está inserido e em processo de inserção, havendo outras atividades que explicam melhor as dinâmicas. A pecuária e a mineração, como atividades principais, também ligadas a economia mundial e historicamente consolidadas em uma base espacial mais ampla nessa região talvez explicariam melhor. Entretanto, o conceito permite a compreensão dos fluxos materiais e imateriais, incluindo a base informacional e normativa, portanto, as relações sociais incluindo as de poder, em distintas escalas, podendo ser um passo inicial importante para a compreensão das problemáticas geoconômicas que envolvem o cacauicultura em expansão no estado do Pará.
15A Bahia vinha mantendo a hegemonia da produção brasileira até os anos 1990 com relação a quantidade produzida, tendo também a maior área plantada. No entanto, a produtividade do estado do Pará supera a da Bahia desde os anos 1980, quando se desenvolviam os Polos cacaueiros a partir das políticas de colonização e integração, onde o cacau era inserido nos projetos agrícolas e fomentado com insumos. No cenário atual, observa-se o crescimento da sua relevância na economia paraense, tendo aumentado a área plantada e seus índices de produtividade por área, levando o Pará a se tornar o principal produtor brasileiro (IBGE, Pesquisa Agrícola Municipal, 2022).
16Dessa forma, o trabalho apresenta nos próximos tópicos um panorama do momento atual do circuito espacial de produção do cacau e sua expansão no estado do Pará, demonstrando: i – a configuração espacial do circuito de produção cacaueiro no estado do Pará na atualidade, indicando a localização da produção, da força de trabalho, dos fixos e fluxo; e ii – a organização social do circuito, indicando o aparato normativo, os agentes e suas relações na estruturação do circuito.
17O cacaueiro é uma espécie de origem amazônica, adaptada a regiões tropicais e subtropicais. Por isso, a localização da sua produção e os melhores níveis de produtividade está relacionada às suas exigências edafoclimáticas, situando-se entre as latitudes 20 N e 20 S, no continente africano e nas américas (Bartley, 2005; Müller; Valle, 2012). Como uma espécie de sub-bosque precisa de sombreamento, mas não tolera baixas temperaturas, sendo que as ideais variam entre 18°C–21°C e 30°C–32°C. Para seu bom desenvolvimento ele demanda precipitação de pelo menos 1.200 mm por ano, se adaptando bem em regiões com chuvas abundantes e bem distribuídas ao longo do ano, havendo a necessidade de irrigação em regiões secas ou com estações bem definidas.
18Segundo os manuais, seu cultivo demanda solos férteis, com presença de argilas orgânicas, profundos, bem drenados e não abundantemente rochosos (SENAR, 2018; MAPA, 2020). Exige solos planos ou relativamente planos, não tolera ventos fortes e precisa de sombreamento durante todo o seu ciclo, criando um microclima que permite que a matéria orgânica forme uma serapilheira abundante e melhore a fertilidade do solo. Na fase produtiva, árvores grandes o suficiente para se auto sombrear podem permanecer em plantios monoculturais, aumentando a atividade fotossintética e, por consequência, a produção. Porém, os plantios em monocultivo demandam alto aporte de fertilizantes e agrotóxicos (Asare; David, 2014, apud. Zarrillo; Blake, 2022).
19Atualmente o circuito espacial produtivo do cacau estende-se por diversos países, estando a maior parte de sua base territorial nos países do sul global, em locais que garantem condições de produção à base do circuito, incluindo as condições edafoclimáticas citadas, e competitividade aos centros de comando do circuito, que ficam normalmente em regiões externas. Assim, os principais produtores mundiais de cacau são Costa do Marfim (39,0%), Gana (14,5%), Indonésia (14,0%), Nigéria (6,3%), Equador (5,1%), Camarões (5,0%) e o Brasil (4,6%), cujas áreas, somadas, representam 89,8% do total mundial (FAOSTAT, 2021).
20O Brasil alcançou suas maiores produções entre as décadas de 1980 e 1990, sendo o pico no ano de 1985, reduzindo, a partir daí, especialmente na década de 1990, quando houve a crise fitossanitária da vassoura-de-bruxa (Crinipellis perniciosa). Desde então, a produção brasileira se manteve entre a quinta e a sétima posição no ranking mundial.
21Existe a hipótese de que o pico da produção nesse período ocorreu como resultado da intensificação da lavoura nos anos anteriores, no período da modernização agrícola conservadora, conforme descrito em Piasentin e Saito (2014). A produção intensiva tanto alcançou melhores resultados rapidamente como também se tornou mais susceptível a pragas e doenças, assim como teve seu tempo de vida útil reduzido, ficando vulnerável a vassoura-de-bruxa (Piasentin, Saito (2014). Entretanto, essa pesquisa não se aprofundou no estudo dessa relação.
22A partir desse período a Costa do Marfim vem alcançando as maiores posições quanto a produção, conforme mostra o gráfico 1, estando em torno de um milhão de toneladas a frente dos demais países.
Gráfico 1 – Série histórica da quantidade produzida de cacau nos principais produtores mundiais (1961-2022).
Fonte : FAOSTAT, 2024.
23A maior parte da área plantada e da produção encontra-se no continente africano, sendo os principais produtores a Costa do Marfim com cerca de 2 milhões de toneladas por ano, Gana com cerca de 810 mil toneladas por ano e Indonésia, na Ásia, com cerca de 780 mil toneladas (Faostat, 2024).
24Como mostra o gráfico 2, a participação na produção mundial varia em função da área plantada. Assim, apesar da grande área plantada, a produtividade desses países é baixa porque os produtores se especializam nas lavouras, mas mantém baixos níveis de renda, em função dos baixos preços internacionais das amêndoas, o que não permite os investimentos necessários na renovação e melhoria do manejo das lavouras (Moda; Boteon; Ribeiro, 2019), levando a ampliação da área de produção e, consequentemente ao avanço sobre novas áreas, incluindo florestas nativas, com melhores condições de solo e fertilidade (Monnier, 2016).
Gráfico 2 – Principais países segundo a área plantada e produção de cacau em 2022.
Fonte: FAOSTAT, 2024.
25No conjunto dos países que produzem cacau, os principais produtos comercializados são aqueles de baixo valor agregado. As amêndoas de cacau, inteiras ou quebradas, representaram a maior parcela, com 57,2% do volume exportado; em seguida, o cacau em pó e a torta de cacau aparecem com 17,2%, a manteiga de cacau, com 14,6%; e, por último, a pasta de cacau, com 11,1%, conforme o gráfico 3 (Brainer, 2021).
Gráfico 3 – Participação das regiões na produção de amêndoas (A) e participação dos produtos na exportação (B).
Fonte: FAOSTAT, 2021.
26A partir dessas origens e produtos o circuito se estende por diversos territórios. Nesse contexto, forma-se um circuito extenso com inúmeros agentes, em uma dinâmica que tem cada vez mais se aproximado da de outras commodities, como a madeira para celulose e o dendê, orientadas ao aumento da produtividade espacial, para que se mantenha a viabilidade, por meio da produção em larga escala para a ampliação da mais valia global.
27Essa divisão se evidencia quando comparamos a espacialização dos principais países produtores de chocolate. Os principais produtores de chocolate são Alemanha (19%), Bélgica (16%), Turquia (9%) e Itália (8%) (Gráfico 4). Nesse sentido, a industrialização e o consumo do principal produto derivado do cacau, o chocolate, se dá distante de sua base produtiva, concentrando-se nos países europeus, demostrando tanto a concentração do valor, tendo em vista que o circuito reflete o processo de acumulação de capital que ocorre em cada etapa do processo produtivo, quanto a divisão do trabalho e a especialização produtiva.
Gráfico 4 – Principais produtores de chocolate no mercado mundial.
Fonte: FAOSTAT, 2024.
28Dessa forma, o circuito de produção do cacau conecta distintas escalas e se estende por diversos países com uma divisão territorial do trabalho bem definida, onde a quase totalidade da produção das amêndoas, produzidas nos países do sul global, se dá distante das indústrias, onde ocorre a maior parte do beneficiamento e da agregação de valor, formando uma hierarquia do circuito, entre os países que produzem a matéria prima e os que industrializam e comercializam.
29A divisão territorial do trabalho bem definida transparece uma das características mais marcantes da cadeia do cacau: a oligopolização do seu processamento em chocolate no mercado mundial. A concentração de poder das empresas transacionais contribui para que elas dominam diversas cadeias de alimentos e no caso do cacau, que se estabelece como uma importante commodity, não é diferente.
30O mercado do chocolate é historicamente desenhado pelas empresas transnacionais. As empresas Barry-Callebaut, Cargill, Archer Daniels Midland (ADM) dominam o setor mundialmente e se caracterizam pelo seu poder de atuação, dada a diversidade e verticalidade de suas operações (Amim, Pena, SD). Algumas das maiores marcas do mundo também possuem fábricas no Brasil, mais precisamente nas regiões Sudeste e Sul do país, longe das regiões produtoras de cacau. São elas: Nestlé, Mondelez, Ferrero, Arcor, Mars e Hershey's (Christ, 2020). As indústrias de chocolate no Brasil possuem um mercado oligopolizado, onde 80% é concentrado em três empresas: Nestlé, Garoto e Lacta (Pereira, 2022).
31No entanto, nessa conjuntura, o Brasil apesar de não ser o principal exportador mundial de cacau e seus derivados, apresenta um diferencial, tendo no território todas as etapas do processo produtivo, desde a produção na lavoura até o consumo final de chocolate e diversos outros produtos, onde a maior parte dos produtos exportados apresenta algum grau de processamento. Assim, o Brasil é tanto exportador como importador de todos os produtos contendo cacau, desde o produto bruto ao mais processado, embora em quantidade diminuta.
32No âmbito das importações, o país adquire diversos produtos brutos e semiacabados de origem na Costa do Marfim, Gana, Indonésia e Malásia. Quanto as exportações ele envia desde as preparações com cacau menos processado ao chocolate (Brainer, 2021). Das 30.504 toneladas exportadas em 2022 pelo Brasil, os principais destinos da produção do cacau e produtos derivados são: Argentina (51,38%), Holanda (14,67%) e Estados Unidos (11,11%) (ComexStat, 2023).
33Além da Argentina, outros países da América Latina estão entre as relações que o Brasil estabelece a partir da exportação desses produtos, conforme mostra a Tabela 1. A maior parte dos produtos exportados para esses destinos referem-se aqueles com algum nível básico de processamento, mais especificamente o cacau em pó sem adição de açúcar. Dessa forma, a Argentina pode ser um elo no circuito, que conecta, por meio da presença de plantas de moageiras, o cacau produzido no Brasil à outras regiões onde ele é industrializado. Ou os países da América Latina podem estar se inserindo no circuito por meio da industrialização pela expansão de indústrias globalizadas.
Tabela 1– Principais destinos das exportações brasileiras do cacau e seus derivados em 2022.
DESTINO |
QUANT. (KG LÍQUIDO) |
% |
VALOR (US$) |
% |
Argentina |
15.687.542 |
51,43 |
52.087.591 |
51,38 |
Países Baixos (Holanda) |
4.710.746 |
15,44 |
14.870.429 |
14,67 |
Estados Unidos |
3.039.190 |
9,96 |
11.258.654 |
11,11 |
Chile |
2.997.524 |
9,83 |
9.367.118 |
9,24 |
Bolívia |
1.038.570 |
3,40 |
3.164.492 |
3,12 |
Uruguai |
902.385 |
2,96 |
2.847.590 |
2,81 |
Japão |
475.035 |
1,56 |
1.593.717 |
1,57 |
Paraguai |
318.126 |
1,04 |
1.023.837 |
1,01 |
Colômbia |
271.104 |
0,89 |
951.214 |
0,94 |
México |
243.000 |
0,80 |
855.920 |
0,84 |
Total |
29.683.222 |
97,31 |
98.020.562 |
96,69 |
Fonte: Comex Stat, 2023.
34Isso pode ser explicado pelo que Amim e Pena (2013) caracterizam como as novas formas de governança das transnacionais. Segundo esses autores, novas formas de governança e novas estratégias levaram as indústrias que dominam a cadeia de cacau e chocolate a ampliarem algumas de suas atividades econômicas por meio de empresas subsidiarias ou por joint-ventures nos principais países produtores de cacau como Costa do Marfim, Gana, Indonésia e Brasil, buscando a verticalização e a ampliação dos lucros. Nesse sentido, a moagem das amêndoas de cacau, que durante muito tempo, até meados dos anos 1980 foram uma função exclusiva dos países desenvolvidos e com participação de várias empresas, passou a ser realizada mais recentemente nas zonas produtoras de cacau e por um número reduzido de empresas (Amim; Pena, 2013).
35Segundo relatório da Associação Brasileira da Indústria de Chocolates, Amendoins e Balas – ABICAB, países da América do Sul e Estados Unidos são importantes destinos das exportações brasileiras de chocolate. Ainda segundo o relatório a Argentina, a Europa e os Estados Unidos são, respectivamente, os principais fornecedores das importações brasileiras de chocolate. Havendo comparativamente mais importações do que vendas de produtos de chocolate, produto com maior nível de industrialização, pelo Brasil (ABICAB, 2021).
36Porém, de acordo com dados recentes sobre o comércio internacional de cacau e seus derivados, a participação da Argentina nas importações não chega a 1%, sendo a Alemanha (41,09%) e Suíça (21,48) a origem das principais importações de chocolate que chegam ao Brasil. Por outro lado, Costa do Marfim e Gana são as principais origens dos derivados de cacau, que se constituem em sua maioria de cacau inteiro ou partido, conforme detalhes dos dados mostrados na Tabela 2 (Comex Stat, 2024). Nesse sentido, tais dados reforçam a inserção subordinada do cacau brasileiro no mercado internacional, assim como a participação de outros agentes da parte sul global.
Tabela 2 – Importações de cacau e derivados no ano de 2023.
PAÍS |
QUANTIDADE (KG LÍQUIDO) |
% |
PAÍS |
VALOR (US$) |
% |
Costa do Marfim |
40.320.965 |
47,7 |
Costa do Marfim |
101.759.639,00 |
39,98 |
Gana |
10.236.965 |
12,1 |
Gana |
28.319.468,00 |
11,13 |
Indonésia |
8.761.020 |
10,4 |
Indonésia |
21.395.267,00 |
8,40 |
Países Baixos (Holanda) |
4.140.385 |
4,9 |
Alemanha |
18.336.402,00 |
7,20 |
Uruguai |
3.774.125 |
4,5 |
Suíça |
14.768.605,00 |
5,80 |
Alemanha |
3.655.177 |
4,3 |
Países Baixos (Holanda) |
12.039.126,00 |
4,73 |
Malásia |
3.440.001 |
4,1 |
Uruguai |
10.514.868,00 |
4,13 |
Canadá |
2.380.000 |
2,8 |
Malásia |
10.002.348,00 |
3,93 |
Suíça |
1.445.121 |
1,7 |
Canadá |
9.893.433,00 |
3,89 |
Equador |
1.355.568 |
1,6 |
Equador |
4.675.852,00 |
1,84 |
Total |
79.509.327 |
94 |
Total |
231.705.008,00 |
91,02 |
Fonte: Comex Stat, 2024.
37Esses dados também reforçam a hipótese de que, por ser mais vantajoso produzir o cacau em maior escala a um custo menor no Brasil, dada a qualidade e extensão das terras e sua produtividade, a Argentina seja um elo no circuito, conectando o cacau produzido no Brasil à outras regiões onde ele é industrializado. Segundo Frank et. al., (2017) as orientações de exportações para o mercado Argentino se dão devido a sua proximidade geográfica e participação do mesmo bloco econômico, o Mercosul. Dessa forma, a Argentina surge como um subespaço especializado, solicitado de acordo com a demanda global, entretanto, maiores informações sobre como o território argentino é utilizado nesse circuito são dificultadas pela ausência de dados até o momento da pesquisa.
38A industrialização é a etapa mais dinâmica do circuito de produção cacaueiro, se tornando um fator prejudicial quando ela é controlada por poucas firmas no mercado internacional (Almeida, 2008). Dessa forma, o país tem aumentado o nível de processamento e estabelecido relações comerciais com os países do bloco econômico dos países emergentes. Embora pouco expressivas, o Brasil comporta as demais etapas do circuito. Nesse sentido, o processo de industrialização tem crescido. Segundo a Abicab (2022) o setor de indústria de chocolate apresentou um crescimento de 35,9% em 2021.
39Entretanto, mesmo que o relatório da Abicab aponte o crescimento da indústria de chocolates brasileira, em especial que o mercado bean to bar esteja em ascensão, que indica que a marca garante a rastreabilidade de todas as etapas da produção desde a aquisição das amêndoas até a produção da barra, a industrialização e consumo local em circuitos curtos ainda é muito restrita, um reflexo da maneira como o circuito se organiza internacionalmente. Exemplo disso é que, segundo a Oxfam, 60% do cacau produzido mundialmente é comercializado a preços muito baixos para a Europa, onde movimenta uma indústria de 130 US$ bilhões dos quais 1,5%, equivalente a US$ 2 bilhões, é o valor que fica nos territórios onde ocorre a produção do cacau, levando a condição de precarização dos trabalhadores (OXFAM, 2023).
40Corroborando, o relatório da Organização Internacional do Trabalho – OIT (2018) que analisa a cadeia produtiva do cacau, identifica que mais de 5,5 milhões de agricultores são responsáveis pela produção mundial, mas apenas nove empresas executam a moagem das amêndoas e que na década de 1990 eram 40 empresas, demostrando uma tendência de concentração e desigualdade.
41No Brasil o cacau é produzido principalmente em seis estados: Bahia, Pará, Rondônia, Espírito Santo, Amazonas e Mato Grosso. O Pará lidera o ranking da produção, com cerca de 50%, seguido pelo estado da Bahia com 44%. O terceiro lugar é ocupado pelo estado do Espírito Santo, com 4%, enquanto Rondônia ocupa o 4°, com cerca de 2% da produção nacional (IBGE, 2023).
42A região sul da Bahia, principal produtor de cacau desde o século XIX, começou a perder esse protagonismo já na década de 1990 no contexto da crise fitossanitária da vassoura-de-bruxa. É importante destacar que nesse período a produção foi amplamente impulsionada e cresceu nos outros estados.
43No estado de Rondônia, por exemplo, houve crescimento expressivo, mas logo decaiu, saindo de 20 mil toneladas/ano em 2006 para cerca 5 mil toneladas/ano na safra de 2018/19. A importância, a crise e o declínio da produção rondoniense são alvo de diversas pesquisas (Lima; Rocha, 2020; Santos, et. al., 2023). Alguns pesquisadores indicam a ascensão do cultivo de soja e da criação de gado bovino como um dos principais fatores de influência na redução da produção de cacau agroflorestal em Rondônia (Teixeira Neto, 2017). Esse fenômeno demostra a efetividade do agronegócio especializado e globalizado nas disputas territoriais na região amazônica. Entretanto, como esse processo ocorreu no contexto da reprimarização da economia, por se tratar de uma comodity importante para o setor exportador da economia nacional, o cacau também foi incentivado por meio de políticas setoriais, ganhando importância em outras regiões, especialmente no estado do Pará.
44A crise econômica de 2008 afetou o mercado brasileiro no setor agropecuário ao reduzir os preços das commodities, levando o governo Lula, que estava no segundo mandato, a uma série de medidas para enfrentar a crise. Nesse contexto, o governo ampliou as ações de diversas políticas setoriais voltadas para commodities, com um diferencial, dando maior visibilidade para a agricultura familiar no setor de exportação (Costa Junior, 2012). Assim, os territórios camponeses foram colocados à disposição para a ampliação da arena de atuação dos agronegócios, tendo de submeter-se aos seus ditames à medida que aumentam as relações de dependência do mercado e reduzem a sua autonomia.
45Grisa (2022), comparando as políticas setoriais dos governos FHC, Lula e Dilma, destaca que a década de 1990 é um período marcado por mudanças na política agrícola, de um modelo de modernização da agricultura e integração à indústria para um modelo marcado pela forte intervenção do Estado na agricultura para exportação. Já as políticas agrícolas dos governos petistas, caracterizam-se pela conciliação, onde há clara permanência da desigualdade entre recursos destinados ao setor do agronegócio e da agricultura familiar, paralelamente a inserção da agricultura familiar nos mercados internacionais e melhoria nas condições de vida pelo consumo ou “modernização” da agricultura familiar.
46Assim, o cacau acabou entrando no rol de culturas prioritárias durante um período marcado pelo fortalecimento do agronegócio de exportação e pautada pelo fortalecimento da agricultura de exportação como eixo prioritário da economia nacional. Apesar de expressar a dualidade na agricultura brasileira, a política agrícola desse período é marcada por conciliação e pela inserção da agricultura familiar nos mercados internacionais, assim como a melhoria das condições de vida ligadas ao padrão de consumo desse segmento (Grisa, 2022).
47Nesse contexto, foram criados o Programa de Crescimento e Consolidação da Cacauicultura no Estado do Pará (PAC CACAU-PA) e o Fundo de Apoio a Cacauicultura do Estado do Pará (FUNCACAU), por meio da Lei 7.093/2008, consolidando e fortalecendo, a partir daí, a produção no estado, enquanto nos demais estados não houve mudanças significativas na produção, como mostra a gráfico 5.
Gráfico 5 – Quantidade produzida (toneladas) de cacau por Unidade da Federação (1974-2022).
Fonte: Pesquisa Agrícola Municipal (IBGE, 2023).
48Nesse momento, os primeiros anos do século XXI marcam o início de uma onda de expansão do circuito espacial produtivo do cacau no estado do Pará. É nesse momento que novos padrões são estabelecidos, impondo uma organização da produção o quanto mais padronizada, segundo exigência dos mercados internacionais compradores, a que o espaço passa a se submeter com mais intensidade. Nesse contexto, os padrões e exigências que ditam a especialização do território se tornam cada vez mais articulados e sofisticados em termos de produtividade, recaindo sobre uma produção que na região amazônica é predominantemente familiar.
49Nesse sentido, a expansão atual nos estados da Amazônia Legal é reforçada devido a previsões de uma lacuna na oferta de cacau no mercado mundial devido ao fato de que ao longo de séculos o cacau produzido no continente africano se aproveitou de uma “renda florestal” do desmatamento (Schroth at. al., 2015), que já não mais estará disponível para os próximos anos, além do debate global acerca da emergência climática, que costuma colocar a Amazônia como centro de biodiversidade e sustentabilidade.
50Segundo o Censo Agropecuário (IBGE, 2017) no Brasil existem mais de 93 mil estabelecimentos produtores de cacau. Bahia e Pará possuem o maior número de estabelecimentos com produção de cacau, sendo 69.022 e 18.140, respectivamente. Assim a Bahia conta com 74% dos estabelecimentos e o Pará com 19,4%. Com relação a área produtiva as proporções se invertem: o Pará possui 95.360 hectares, o equivalente a 18,92%, e a Bahia possui 392.928 hectares, o equivalente a 78%.
51A área colhida de cacau não sofreu muitas alterações ao longo da série histórica. A Bahia, apesar da variação, se manteve em torno de 400 mil hectares de área colhida. No Pará, a tendência é de crescimento nos últimos anos, especialmente a partir de 2008, conforme mostra a Figura 6, alcançando pela primeira vez a faixa de cem mil hectares colhidos em 2014.
52Outro diferencial importante desses dois estados se dá quanto a produtividade. A Figura 6 mostra a inversão da relação de produção por área no Pará e na Bahia a partir da década de 1990. Nos últimos anos o Pará produziu em torno de 900 kg de amêndoas por hectare, mais que o dobro da Bahia, que produz em torno de 300 kg por hectare. Dessa forma, o estado do Pará, apesar do número reduzido de estabelecimentos e uma área de produção menor que a Bahia, possui a maior produtividade por área entre todos os estados, com uma média atualmente de 700 kg de amêndoas por hectare (IBGE, 2017).
Gráfico 6 – Área colhida (ha) e produtividade por (ton/ha) nos estados da Bahia e Pará (1974-2021).
Fonte: Pesquisa Agrícola Municipal: IBGE, 2023.
53Embora seja líder em produtividade, o Pará processa apenas 1% das amêndoas de cacau que são produzidas no estado (Silva, 2017 apud. OIT, 2018). A Bahia é responsável por cerca de 90% do processamento do cacau realizado no Brasil, com três indústrias situadas no município de Ilhéus, pertencentes a três multinacionais moageiras (Gomes; Pires, 2015 apud. OIT, 2018).
54Esse estado, como a maior parte das regiões do Brasil, dado o contexto de ocupação produtiva do território, se inseriu na divisão do trabalho como exportador de matérias primas e de commodities agrícolas. Nesse sentido, são as demandas externas e a instalação de grandes moageiras que definiram a ampliação do circuito e o uso do território para a produção de cacau no estado.
55A forma como mais municípios tem se inserido no circuito refletem a maneira como se deu o avanço da indústria cacaueira no Brasil, onde não se levou em conta todo o processo de desenvolvimento, com foco no crescimento econômico ligados às indústrias matrizes, gerando crescimento polarizado, sendo o processamento concentrado em torno do estado da Bahia e do estado de São Paulo, que concentravam e ainda concentram as maiores indústrias moageiras e chocolateiras.
56Na outra ponta da cadeia de produção vinculada ao circuito, essas indústrias, por possuírem grande poder de mercado, e consequentemente ligações locais com produtores do cacau, conseguiam influenciar os preços dos produtos, muitas das vezes explorando os produtores locais com baixos preços, como apontado em estudos em Rondônia e Amazonas (Silva, 2007; Lima; Rocha, 2020).
57Grandes indústrias de chocolateiras se instalaram na região norte com o intuito de comprar a matéria-prima para abastecer as grandes moageiras localizadas nos estados da Bahia e de São Paulo. Portanto, segundo a visão de Lima e Rocha (2020) esse modelo de crescimento, tende apenas o desenvolvimento da região onde se encontram instaladas as indústrias motrizes, e não nas regiões onde é produzida a matéria-prima como tem sido os estados da região Norte.
58No estado do Pará a produção está fortemente vinculada a estabelecimentos de menor escala e a estabelecimentos caracterizados pelo censo agropecuário como agricultura familiar. Também de acordo com o Censo Agropecuário de 2017, a produção cacaueira paraense se concentra em estabelecimentos entre 10 a 200 hectares, enquanto na Bahia essa produção está mais pulverizada, em estabelecimentos de até 10 hectares (Tabela 3). Verifica-se, dessa forma, que mais de um terço da produção de cacau provém da agricultura familiar.
Tabela 3 – Número de estabelecimentos por grupo de área colhida de cacau
Grupos de área colhida |
2006 |
|
2017 |
Pará |
% |
Bahia |
% |
|
Pará |
% |
Bahia |
% |
Até 10 há |
6.758 |
60,86 |
41.256 |
72,07 |
|
4.246 |
23,45 |
43.085 |
62,44 |
De 10 à 50 há |
832 |
7,49 |
7.944 |
13,88 |
|
6.497 |
35,89 |
19.512 |
28,28 |
De 50 a 200 |
56 |
0,50 |
1.796 |
3,14 |
|
6.433 |
35,53 |
5.166 |
7,49 |
De 200 a 500 |
3 |
0,03 |
118 |
0,21 |
|
728 |
4,02 |
966 |
1,40 |
Acima de 500 há |
1 |
0,01 |
25 |
0,04 |
|
201 |
1,11 |
275 |
0,40 |
Total (%) |
11.105 |
100 |
57.246 |
100 |
|
18.105 |
100 |
69.004 |
100 |
Fonte: Censo Agropecuário 2006; 2017 (IBGE, 2024).
59Podemos afirmar uma alteração na estrutura fundiária da produção de cacau se comparados com os resultados encontrados por Silva et. al. (2017), que analisa a cadeia produtiva a partir do Censo Agropecuário de 2006. Em 2006, na Bahia, a maior parte da produção (37%) estava concentrada em estabelecimentos com tamanho entre 10 à 50 hectares e no Pará mais da metade da produção (57%) se concentrava em estabelecimentos de até 10 hectares (Silva et. al., 2017).
60Os novos dados capturam as mudanças no uso do território pelo estímulo da atividade e apresentam melhor o perfil atual dessa produção, tendo em vista que nos assentamentos de reforma agrária do estado do Pará, onde predomina a produção familiar e a crescente produção, a maior parte dos estabelecimentos corresponde a faixa de tamanho em torno de 50 hectares.
61Enquanto os estabelecimentos entre 50 e 500 hectares reduziram a sua participação na produção baiana, que era de 34% em 2006 e atualmente corresponde a 8%. Por outro lado, no estado do Pará a produção tem crescido tanto nos estabelecimentos menores quanto nos maiores, com crescimento expressivo em estratos de áreas maiores. Por exemplo, a participação em estabelecimentos entre 50 e 500 ha que era de 0,53% atualmente corresponde a 39,55%. Quanto a participação dos estabelecimentos acima de 500 hectares, em 2006 a era de 0% e em 2017 corresponde a 1,1% (Silva et. al. 2017; IBGE, 2017).
62Em 2006 os estabelecimentos de até 10 hectares representavam mais da metade da área colhida tanto na Bahia (72,07%) como no estado do Pará (60,86%). Isso consolida 2008 também como um marco que influenciou no aumento da produção, inclusive com reflexos na estrutura fundiária do setor.
63No ano de 2017 a Bahia manteve a tendência de uma produção mais pulverizada, onde os estabelecimentos de até 10 hectares representam 62,44% da área colhida de cacau, a participação dos estabelecimentos entre 10 à 500 hectares, subiu de 17,02% para 35,77%. Já o estado do Pará, que tinha apenas 8% da área colhida nos estabelecimentos entre 10 à 200 hectares, apresentou uma mudança significativa, sendo atualmente 71,42% da área colhida, 35,89% naqueles entre 10 à 50 hectares e 35,52% naqueles entre 50 à 200 hectares. Por outro lado, os estabelecimentos de até 10 no estado do Pará passaram a representar 23,45% da área colhida em 2017.
64Os produtores de cacau, segundo a literatura, são formados em grande parte por ex-trabalhadores das fazendas de cacau da Bahia que após a crise da vassoura de bruxa, excluídos do trabalho rural, migraram no âmbito de projetos de colonização e reforma agrária. Nas regiões sudoeste, onde se encontra o polo transamazônica, e no sudeste do Pará, regiões que abrangem os municípios de maior produção e as áreas em expansão da cacauicultura, a origem das famílias está ligada à imigração de colonos e fazendeiros vindos do Nordeste, Centro-Oeste, Sudeste e Sul, sendo essas suas principais ligações geográficas, diferentemente da região metropolitana de Belém ou do nordeste paraense.
65O perfil desses produtores é bastante variável, abrangendo unidades produtivas da agricultura familiar, que se caracteriza como um sistema produtivo que concentra a gestão da propriedade e a maior parte do trabalho no núcleo familiar (Abramovay, 1997) e unidades de produção não familiares ou patronais, onde o sistema de produção é gerido por um administrador e a maior parte do trabalho é contratado.
66Comparativamente, a produção dos estabelecimentos familiares corresponde a maior parte da base produtiva, porém, a produção se espacializa de maneira distinta. Os mapas 1 e 2 mostram a distribuição espacial da produção e dos estabelecimentos familiares e patronais nas mesorregiões do Brasil. Assim, os estabelecimentos caracterizados como agricultura familiar predominam em todas das mesorregiões produtoras de cacau. Entretanto, a produção oriunda da agricultura patronal é mais relevante do ponto de vista da quantidade e do valor nas mesorregiões Sul da Bahia (BA) e Litoral Norte Espírito-santense (ES).
Mapa 1 – Número de estabelecimentos da agricultura familiar e patronal no circuito de produção de cacau no Brasil (2017).
Mapa 2 – Produção de cacau da Agricultura Familiar e Agricultura Patronal por mesorregiões do Brasil (2017).
67Nota-se que apesar da maior concentração de estabelecimentos familiares no sul da Bahia, a quantidade produzida no sul baiano pela agricultura patronal é maior que a familiar. A agricultura familiar predomina entre os estabelecimentos produtores de cacau no estado do Pará, sendo 15.720, equivalente a 86,68%, enquanto a agricultura patronal corresponde a 2.416 estabelecimentos, o que equivale a 13,32% do total. A maior parte desses estabelecimentos estão concentrados na região da transamazônica, como mostra o mapa 3 (Censo Agropecuário, 2017).
Mapa 3 – Agricultura Familiar e Agricultura Patronal na produção de cacau por municípios do estado do Pará (2017).
68Consoante com a maior presença dos estabelecimentos, a região com a maior produção no estado do Pará está localizada às margens da Rodovia Transamazônica (BR-230), onde fica o Polo Transamazônica, abrangendo os municípios de Pacajá, Anapu, Vitória do Xingu, Altamira, Brasil Novo, Medicilândia e Uruará. A região se destaca por sua produtividade, relacionada a presença de terra roxa e condições ótimas para a lavoura cacaueira (Alves Junior, 2013) que, junto a incentivos governamentais deram condições para o estabelecimento da cadeia produtiva pela entrada de outros agentes.
69Assim, o circuito espacial de produção do cacau no Pará, ainda que restrito em termos de processamento, é complexo e territorialmente extenso, vinculado à cadeia representada no organograma da figura 1.
Figura 1 – Organograma da cadeia produtiva de cacau à que se vincula o circuito de produção no estado do Pará.
Elaboração: autora
70A produção se realiza com insumo, assistência técnica e financiamentos provenientes de origem do mercado local e regional, de cooperativas e moageiras, ou de agentes do Estado, como as secretarias de agricultura.
71O beneficiamento inicial ocorre nos próprios estabelecimentos, com o processo de fermentação das amêndoas em cochos de madeira e posterior secagem em barcaças ou estufas. A partir daí a produção é transportada em sacas e vendida por quilo aos atravessadores, cooperativas ou moageiras. No momento da venda verifica-se o tipo e a qualidade das amêndoas.
72As moageiras transportam a maior parte do cacau produzido na região para o estado da Bahia. Das cooperativas, a maior parte da produção é direcionada ao mercado nacional. Uma quantidade menor é processada localmente pelas cooperativas e vendida no mercado regional e nacional. Das moageiras a produção, já com maior grau de processamento é vendida em sua maior parte para o mercado externo e nacional.
73O transporte do cacau é uma operação muito especializada em função de diversos cuidados com as amêndoas para sua etapa inicial de industrialização, por isso é uma etapa realizada por grandes firmas, proprietárias de uma logística de transporte muito avançada em termos operacionais e tecnológicos (Amim; Pena, 2013).
74Ao longo do seu encadeamento este circuito ocupa uma grande quantidade de mão de obra em comparação com a pecuária, que geralmente ocupa uma pessoa para vários hectares. Na produção por exemplo, são necessários cerca de cinco trabalhadores por hectare (Schroth, et. al., 2015). Os dados da Relação Anual de Informações Sociais (RAIS) de 2021 mostram os vínculos formais de trabalho em distintas etapas do circuito: cultivo, comércio atacadista e fabricação de produtos derivados de cacau e chocolate. Vale salientar que o estado do Pará absorve maior quantitativo de mão de obra por ter maior predominância da agricultura familiar, no entanto, estes dados não se expressam na RAIS por não representarem vínculos formais de trabalho.
75De maneira geral, observa-se as seguintes características com relação ao trabalho: devido a predominância da produção familiar no estado do Pará, pelo baixo nível de processamento e consumo local da produção, este se caracteriza pelos menores índices de vínculos de trabalho formal, com 374 vínculos (1,19% com relação ao total), sendo 187 empregos no cultivo, 97 no comércio atacadista e 90 na indústria de derivados de cacau e chocolate (mapa 4) (RAIS, 2021).
76A maior parte dos empregos do circuito encontra-se na região Sudeste, no estado de São Paulo, com 10.205 vínculos formais, representando 32,65% com relação ao total, estando a maioria ligada atividades de fabricação de derivados e chocolate (10.176), ou seja, a indústria. A Bahia é o segundo estado com mais vínculos empregatícios e com maior equilíbrio e diversificação econômica entre as atividades, sendo 8.907 vínculos, representando 28,50% com relação ao total. Desses, 6.326 empregos no cultivo, 422 no comércio atacadista e 2.159 na indústria de processamento (mapa 4) (RAIS, 2021).
Mapa 4 – Empregos formais no circuito espacial de produção do cacau no Brasil.
77No Pará, a atividade é de grande importância social e econômica diante da absorção de mão de obra e distribuição de renda. O pessoal ocupado nas atividades agropecuárias da lavoura permanentes do Pará é de 979 mil pessoas, das quais 200 mil trabalham na agricultura patronal e 779 mil estão vinculados à agricultura familiar (IBGE, 2017). O emprego associado à cadeia do cacau é de 38,7 mil trabalhadores, dos quais 64% diretamente na produção rural e 14% no comércio (Costa, et. al, 2021).
78Medicilândia é o município com o maior número de pessoas ocupadas nessa lavoura (8.765), seguindo de outros municípios dos polos cacaueiros: Uruará (5.217), Brasil Novo (3.101) e Altamira (2.999). Dos municípios do eixo de expansão destacam-se Tucumã, com 1.337 pessoas ocupadas, sendo 986 na agricultura familiar e 351 na agricultura patronal, Novo Repartimento com 734 pessoas ocupadas, sendo 639 na agricultura familiar e 95 na patronal. Marabá aparece nas estatísticas apenas 27 pessoas ocupadas. Canaã dos Carajás, Itupiranga e Parauapebas não aparece (IBGE, 2017). O mapa 5 apresenta o pessoal ocupado nas lavouras de cacau no estado.
Mapa 5 – Pessoal ocupado nas lavouras de cacau nos municípios do estado do Pará.
79Nesse sentido, o circuito de produção cacaueiro do Pará abrange os setores de produção da matéria prima, a circulação, realizada por distintos agentes, o beneficiamento e a industrialização, demandando para tanto a construção de fixos e a existência de fluxos intra e interestaduais de insumos e produtos.
80Embora a atividade cacaueira não explique a expansão de infraestruturas de apoio a logística, como a mineração e a pecuária que, no sudeste paraense por exemplo, foram estruturantes para a construção de rodovias, ferrovias e linhas de energia, a localização dos fixos é um fator importante na estruturação de um circuito produtivo com amplas conexões multiescalares.
81Assim, a logística é fundamental para compreender como as ligações entre os diversos momentos do processo produtivo são articulados pelos agentes. O sudeste paraense, por exemplo, se beneficia de infraestruturas como estradas, ferrovia, portos, aeroportos e armazéns, em uma densidade considerável. O mapa 6 mostra as infraestruturas do estado do Pará.
Mapa 6 – Infraestrutura de transportes e armazéns do estado do Pará.
82Com relação aos fluxos intraestaduais em termos de valor bruto da produção, eles destinam-se a dois principais polos receptores: os municípios de Altamira e Belém, sendo que o primeiro recebe os maiores quantitativos (Mapa 7). Os fluxos intraestaduais de acordo com as notas fiscais eletrônicas do estado do Pará de 2018 totalizaram R$ 419.741.595,95, dos quais R$ 286.108.331,81 correspondem aos destinados a Altamira e R$ 28.980.222,14 destinados a Belém.
Mapa 7 – Origem e destino dos principais fluxos intraestaduais da produção de cacau do estado do Pará.
83Quanto aos principais fluxos interestaduais, eles saem, respectivamente, de Altamira, Tucumã, São Félix do Xingu, Belém e Castanhal, em sua maior parte com destino à Ilhéus e Itabuna (Mapa 8). Esses fluxos correspondem principalmente ao cacau inteiro ou partido, que são adquiridos pela indústria moageira presente no estado do Pará e na Bahia, estando mais vinculados a exportação (Mapa 9).
84Quanto aos principais produtos processados os principais fluxos correspondem ao cacau em pó e a manteiga de cacau. Os fluxos de cacau em pó correspondem a valores menores e circulam mais regionalmente, no estado do Pará e Maranhão. Os principais receptores são Santarém, Ananindeua e Belém.
85A manteiga e a pasta de cacau, produtos com maior grau de processamento, são enviados principalmente para São Paulo, Minas Gerais, e Rio Grande do Sul. As principais origem são Benevides, Ananindeua e Santa Luzia do Pará.
Mapa 8 – Origem e destino dos principais fluxos interestaduais da produção de cacau em 2018.
Mapa 9 – Origem e destino dos principais fluxos interestaduais de cacau inteiro ou partido em 2018.
Mapa 10 – Origem e destino dos principais fluxos interestaduais de cacau em pó em 2018.
Mapa 12 – Origem e destino dos principais fluxos interestaduais de pasta de cacau em 2018.
86Assim, os fluxos gerados e o seu direcionamento para as indústrias extra locais, principalmente para a Bahia e São Paulo, e o baixo grau de beneficiamento local, que indica também o baixo valor agregado no território quando o circuito é entendido também como um circuito de acumulação, indicam uma inserção subordinada da região no circuito espacial de produção cacaueiro.
87Os principais produtores do estado do Pará são os municípios do polo produtor na Transamazônica: Medicilândia, Uruará e Altamira, que juntos correspondem a 57,1% da produção do estado (38.275 t) (IBGE, 2017). Entretanto, nos últimos anos a produção cresceu consideravelmente no sudeste paraense, especialmente nos municípios de São Félix do Xingu, Tucumã e Novo Repartimento, influenciando para que agora passe a ser incentivada em Marabá, Parauapebas, Canaã dos Carajás e Itupiranga, como alternativa de diversificação produtiva para a agricultura familiar, tendo em vista a presença relevante de estabelecimentos assim caracterizados nesses municípios e pelo seu histórico de pecuarização e degradação ambiental.
88A tendência de expansão da atividade para outros municípios, que fazem fronteira com aqueles que já se destacam como principais produtores, é identificada através dos dados do Censo Agropecuário e do mapeamento de ações de fomento a atividade econômica pelos agentes locais como as secretarias de agricultura, o Imaflora e o Instituto do Desenvolvimento Florestal e da Biodiversidade (Ideflor-Bio), entre outros.
89A arena de produção corresponde ao espaço de produção, em hectares destinados ao cultivo, enquanto a área de produção, corresponde a todo o espaço utilizado pelo circuito de um determinado produto (Castillo e Frederico, 2010). Como em alguns municípios a expansão da atividade e o apoio a ela é recente, nem sempre os dados oficiais permitirão a identificação da produção, entretanto, a articulação entre os agentes nesses locais, através de ações, permite identificar o avanço da área do circuito.
90Nesse sentido, a partir desses dados e da identificação de ações de fomento a atividade mapeou-se o eixo de expansão da área e da arena produção do circuito do cacau, do qual fazem parte como principais municípios: Novo Repartimento, Itupiranga, Marabá, Parauapebas, Canaã dos Carajás e Tucumã, como mostra o mapa 13.
Mapa 13 – Eixo de expansão da cacauicultura em relação à localização dos principais produtores de cacau no estado do Pará.
91Nesse contexto, o município de Novo Repartimento apresentou crescimento de 5,11% ao ano de área plantada com cacau em um intervalo de 10 anos, entre 2006 e 2017, com aumento de 2.599 hectares de área plantada. Tucumã passou de 2.477 hectares em 2006 para 4.932 ha em 2017. Com menor expressividade, mas também demostrando tendência de crescimento, Marabá passou de 23 hectares de área plantada em 2006 para 169 hectares em 2017, Parauapebas passou de 60 hectares de área plantada em 2006 para 217 hectares em 2017 e Itupiranga passou de 28 hectares para 46 hectares. Se inserindo no circuito mais recentemente, Canaã dos Carajás conta com 20 hectares de área plantada segundo o Censo Agropecuário de 2017 (IBGE, 2017).
92Junto a expansão da arena de do circuito, expandem-se o aparato normativo como programas (Procacau, 2019), instruções normativas (IN SEMAS/IDEFLOR 07/2019), novas linhas de crédito (Bioeconomia), parcerias entre agentes públicos e privados, entre outros, resultando no estabelecimento de círculos de cooperação entre vários agentes envolvidos no circuito, no processo de expansão da cacaucicultura paraense.
93Cada agente apresenta uma área de atuação, mas a integração desses faz com que as diversas etapas no circuito espacial de produção sejam interligadas, levando as informações, exigências e inovações técnicas aos agricultores (Castillo; Frederico, 2010; Silveira, 2011). Os principais agentes desse processo no sudeste paraense são identificados no quadro 1.
Quadro 1 – Principais gentes, funções e ações vinculados ao circuito produtivo do setor cacaueiro do Pará.
Agente |
Função |
Ações |
Governo do Estado do Pará |
Elaboração e gestão de política pública para a agricultura; |
Elaboração de políticas e programas para a cacauicultura;Lei 7.093/2008 - Programa de Aceleração do Crescimento e Consolidação da Cacauicultura no Estado do Pará - PAC CACAU-PA;Fundo de Apoio a Cacauicultura do Estado do Pará- FUNCACAU;Programa de Desenvolvimento da Cadeia Produtiva da Cacauicultura no Pará – PROCACAU-PA, 2011/2019; |
World Cocoa Fundation/Cocoa Action |
Governança da cadeia |
Cocoa Action Brasil;Cacau 2030; |
Moageiras e Indústrias |
Processamento e industrialização |
empresas que realizam a moagem das amêndoas de cacau para a produção de manteiga, licor, torta de cacau e pó. Neste segmento, algumas empresas, executam ambas as funções de processamento e industrialização; |
Organização das Cooperativas do Brasil/PA |
Intermediar demandas entre as cooperativas do setor e os demais agentes; |
Realização das Câmaras Técnicas com Cooperativas;Diagnósticos de cooperativas e assistência; |
Ideflor-Bio |
Exerce a gestão de florestas públicas e da política estadual para produção e desenvolvimento da cadeia florestal e da biodiversidade. |
Distribuição de sementes híbridas de cacau, oriundas da Ceplac, para secretarias de agricultura e meio ambiente;Orientação técnica para a produção de mudas, plantio e manejo;Implantação de viveiros coletivos para o plantio das mudas de cacau e essências florestais para SAF; |
Secretarias municipais |
Elaboração e gestão de políticas públicas municipais para a agricultura; |
distribuição de sementes híbridas da Ceplac e oferta de assistência técnica;produção de mudas clonais e seminais; |
Atravessadores |
Intermediar o escoamento da produção entre produtor e moageiras; |
Compra e venda de cacau; Compra adiantada ou financiamento da produção;Fornecimento de insumos; |
Cooperativas |
Facilitar o escoamento da produção, melhorias nas práticas de produção e principalmente pós-colheita; |
Organização das câmaras técnicas; busca de mercados e participação na governança da cadeia; |
Instituições financeiras |
Financiamento de crédito e transações financeiras |
Banpará, Basa e Sicredi com linhas de crédito para agricultura tem dados passos iniciais no financiamento do cacau e no processo de modernização da lavoura. |
Instituições de Ciência e Tecnologia |
Ensino, pesquisa e extensão; |
Ensino com ênfase em culturas regionais; projetos voltados para o ensino pesquisa, inovação tecnológica e extensão; |
Fornecedores de insumos |
Fornecimento de insumos aos agricultores |
Fornecimento e divulgação de produtos por meio de atividades extensionistas. |
Fonte: Pesquisa de campo.
94O Estado em suas instâncias (Federal, Estadual e Municipal) possui papel importante na estruturação do circuito através de instituições, de aparatos normativos e do financiamento, se tornando um dos principais agentes dos círculos de cooperação.
95Além do aparato normativo nas esferas nacional e estaduais, os governos municipais tem sido um importante apoio a expansão da atividade. Como exemplo, as secretarias de agricultura dos municípios do sudeste paraense, em parceria com o IDEFLOR-Bio tem realizado a oferta de assistência técnica e a distribuição de mudas e sementes de qualidade. Em julho de 2022, por exemplo, a Seagri de Marabá realizou a entrega de 192 mil sementes de cacau híbrido oriundos da Ceplac (Prefeitura de Marabá, 2022).
96A secretaria de agricultura de Parauapebas, como mostra reportagem publicada em 2020, partindo de outra estratégia, vinha incentivando o cultivo de cacau clonal multiplicado mediante a técnica de enxertia, visando a redução do tempo de espera para o início da produção e a alta produtividade (Prefeitura de Parauapebas, 2020). Segundo informações de pesquisa de campo, a prefeitura de Canaã dos Carajás também vinha distribuindo mudas de cacau clonal. Entretanto, com a recente instalação de uma indústria local, a Cacau Carajás, ainda existe a dificuldade de processamento devido a quantidade e a qualidade do cacau produzido. Nesse contexto, a melhoria da qualidade, a partir do beneficiamento local, se constitui em um dos maiores desafios (Pesquisa de campo, 2023).
97A venda da produção para intermediários como cerealistas e atravessadores é uma realidade no circuito de produção do cacau nacional. No entanto, essa prática deixa os produtores reféns dos poucos compradores (Galeano et. al. 2022). De acordo com Galeano et. al. (2022), estudando a cadeia de produção do cacau no Espírito Santo, apenas 15% da produção do Espírito Santo é vendida diretamente à indústria. No caso do Pará, isso se agrava em função da distância geográfica entre produtores e indústrias e pelo baixo processamento por parte da indústria local ligadas ou não a cooperativas. Costa et. al., (2021) analisando a cadeia do cacau a partir da região Xingu, no Pará, constata que 98% da produção é vendida para atravessadores, sendo essa praticamente a única forma de entrada na cadeia pelos produtores da região.
98Nos municípios polos produtores da transamazônica, a produção é repassada para as principais moageiras que atuam na região e daí exportada para outras regiões, conforme os fluxos apresentados anteriormente. As principais empresas são apresentadas no quadro 2.
Quadro 2 – Principais empresas moageiras nas regiões cacaueiras do Pará.
Empresa |
Localização |
Data de abertura |
Capital social |
Barry Callebaut |
Altamira-PA |
2014 |
R$ 451.750.811,00 |
Cargill |
Medicilândia-PA |
2019 |
R$ 2.981.839.523,53 |
Olam |
Altamira-PA |
2016 |
R$ 56.737.200,00 |
Fonte: Econodata.com.br
99Conforme o circuito se expande territorialmente, especialmente de maneira especializada e com baixos níveis de diversificação e verticalização, a presença desses agentes ou de seus representantes pode gerar competitividade entre os municípios, gerando “regiões competitivas, áreas funcionais à produção hegemônica, obedientes a parâmetros internacionais” (Castillo; Frederico, 2010), inclusive por meio de novas formas de cooperação que concentram ainda mais ganhos e poder. Como exemplo, a Cargill anunciou um projeto em parceria com uma fazenda denominada Pacajá, para plantar cacau no estado do Pará, sendo “2.550 hectares de cacau e 450 hectares de floresta harmonizados com o ambiente” (Cargill, 2024).
100Outra forma de inserção no mercado tem sido as cooperativas. Ainda que a gestão ineficiente de cooperativas de produtores seja apontada como um problema recorrente no Brasil e em outros países, com essa forma de organização e em associações, os agricultores tem mais acesso a treinamentos, assistência técnica, crédito e acesso a mercados com padrão de sustentabilidade.
101Assim, o associativismo e o cooperativismo, associados ao processamento e a agroindustrialização para os mercados locais e regionais, nos circuitos curtos de comercialização são consideradas importantes estratégias para a valorização dos agricultores familiares.
102O cooperativismo baseia-se na articulação conjunta dos produtores para o escoamento da produção, o acesso a insumos e a assistência técnica, visando superar gargalos do mercado, distribuindo os ganhos e as perdas, tendo como base a economia solidária (Farias, Gil, 2013). Nesse sentido, além da articulação produtiva e comercial essa forma de organização assume papel político ao permitir o enfrentamento do mercado empresarial da agricultura patronal e dos atravessadores ligados a ela, inserindo a produção camponesa em mercados locais e nacionais, fortalecendo aqueles se organizam (Gomes; Cezar, 2018).
103No estado do Pará, atualmente existem dez principais cooperativas que atuam no circuito espacial de produção de cacau, descritas no quadro 3, que atuam nos municípios de Medicilândia, Novo Repartimento, Tucumã, Pacajá, São Félix do Xingu e suas adjacências.
Quadro 3 – Principais cooperativas ligadas a cadeia produtiva de cacau no Pará.
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Nome |
Local |
1 |
Cooperativa dos Produtores de Cacau e Desenvolvimento Agrícola da Amazônia – COOPERCAU |
Novo Repartimento |
2 |
Cooperativa Agroindustrial da Transamazônica – COOPATRANS |
Medicilândia |
3 |
Cooperativa Central de Produção Orgânica da Transamazônica e Xingu - CEPOTX ou COPCAU |
Altamira |
4 |
Cooperativa de Produtos Orgânicos da Amazônia – COPOAM |
Medicilândia |
5 |
Cooperativa dos Produtores Rurais da Serra Azul – COOPEAZUL |
Pacajá |
6 |
Cooperativa agroindustrial de agricultores e produtores rurais da Vila Novo Planalto – CAMAZON |
Pacajá |
7 |
Cooperativa Alternativa Mista dos Pequenos Produtores do Alto Xingu – CAMPAX |
São Félix do Xingu |
8 |
Cooperativa De Produção Agropecuária, Comercialização e Serviços – COOPERFRUTI |
Tucumã |
9 |
Associação dos Cacauicultores e Cacauicultoras da PA 279 - ACPA 279 |
Tucumã |
10 |
Associação dos moradores da Minerasul – AMAM |
São Félix do Xingu |
104Além do papel econômico e social das cooperativas no escoamento da produção, identificou-se que nesse circuito a qualidade e o valor agregado são também uma pauta importante desses agentes. Torna-se difícil para um agricultor familiar, sozinho, beneficiar e industrializar sua produção, podendo a cooperativa reduzir os custos desse processo, bem como adquirir equipamentos necessários e facilitar o acesso desses produtos a mercados, entre os quais o mercado institucional tem sido discutido.
105A Coopatrans é um exemplo da verticalização da cadeia de produção, com a marca Cacauway tem comercializado chocolate na região, gerando ganhos melhores distribuídos em circuitos mais curtos de comercialização. Os benefícios locais na economia e a viabilidade da verticalização da produção de cacau na transamazônica eram apontados por estudos da Ceplac em 2006 (CEPLAC, 2006).
106Segundo Ramos e Vieira Filho (2023), com base nos dados do Censo Agropecuário de 2017, nas regiões Norte e Nordeste menos de 10% dos agricultores familiares se organizam em cooperativas. Assim, a não organização leva a maior parte dos agricultores a se conectarem aos mercados através de outros agentes, no caso do cacau são os atravessadores ou cerealistas, que se tornam, por um lado, um gargalo porque eles normalmente pagam preços baixos remunerando mal o produtor familiar, mas por outro lado oferecem a vantagem do pagamento imediato (Cruz; Rocha, 2019).
107Entre os principais cerealistas/atravessadores da região, que atuam na compra de cacau estão: Cerealista Aliança (Altamira), Gois (Medicilândia), Bortolini (Uruará), Cerealista Nariana, Companhia do Cacau, Trevisan Cereais, Ouro Preto e Acopell.
108As principais moageiras que atuam na região são Cargill, Barry Callebaut, Ofi/Olam, e a Indústria Nestlé. No circuito também participam ONGs e OSCs e empresas de Consultoria. Entre os principais agentes destacam-se: Solidaridad, Instituto de Manejo e Certificação Florestal e Agrícola (Imaflora), The Nature Conservancy, World Cocoa Fundation (Cocoa Action) e seus respectivos consultores.
109O Brasil figura entre os maiores produtores de cacau no circuito global, sendo o sétimo produtor. Os principais produtos comercializados pelo Brasil e demais produtores de cacau são aqueles de baixo valor agregado, enquanto os países da Europa concentram o processo de industrialização, evidenciando uma divisão territorial do trabalho bem definida, que transparece uma das características mais marcantes da cadeia de cacau: o oligopólio, sendo o circuito atualmente desenhado por poucas empresas.
110No Brasil o cacau é produzido principalmente em seis estados e o Pará lidera o ranking da produção. Embora seja líder em produtividade o estado se insere ao circuito de forma subordinada e processa apenas 1% da produção. O estado tem vivenciando uma nova onda de expansão em direção ao sudeste paraense, reforçada por previsões de uma lacuna na oferta no mercado mundial além do debate global acerca da emergência climática, que costuma colocar a Amazônia como centro de biodiversidade e sustentabilidade.
111A produção paraense é em sua maioria oriunda da agricultura familiar de pequenas propriedades, com tendência de crescimento em propriedades maiores e na agricultura patronal. Além destes, ele conecta uma série de agentes no seu encadeamento em outras escalas e no processo de expansão territorial no sudeste paraense.