1São bastante recentes as pesquisas sobre empreendedorismo feminino no Brasil, tendo o seu início apenas a partir de 1995 (MACHADO, 2002). No entanto, o tema vem ganhando maior relevância nos últimos anos, e hoje se sabe que o Brasil é o sétimo país com o maior número de mulheres empreendedoras no mundo. Até antes da pandemia, notava-se um aumento lento, porém constante, no empreendedorismo feminino brasileiro. Segundo o relatório do Global Entrepreneurship Monitor (2021), o empreendedorismo feminino vem crescendo no Brasil. De fato, a pesquisa do Sebrae (2021a, p. 5), mostra que o número de mulheres donas de negócios no Brasil era de 32% em 2016 e passou para 34,5% em 2019. Porém, mesmo com esse aumento, as mulheres representam apenas um terço do total de empreendedores no país. Tal disparidade ocorre porque o empreendedorismo para mulheres muitas vezes surge não como uma escolha, mas como “uma luz no fim do túnel”, com o intuito de minimizar as desigualdades entre gêneros, permitindo às mulheres conciliar melhor os cuidados com o bem-estar da família com uma atividade remunerada.
2De fato, as mulheres estão sobrecarregadas com o trabalho doméstico não remunerado – composto tanto pelos chamados afazeres domésticos quanto pelos trabalhos de cuidado com crianças, doentes e idosos da família. Em média, elas dedicam cerca de vinte horas semanais aos cuidados da casa e da família, ao passo que os homens dedicam dez. E isso vale tanto para as mulheres que estão formalmente empregadas no mercado de trabalho quanto para aquelas que não estão. Tal situação explica os resultados da pesquisa realizada pela Rede Mulher Empreendedora (RME) em 2017, segundo a qual as mulheres empreendem mais frequentemente por necessidade (de conciliar ambas as jornadas de trabalho – dentro e fora de casa) do que por terem identificado um desejo, uma vocação ou por estarem desenvolvendo um projeto de vida, principalmente no caso de mulheres que são microempreendedoras individuais (MEI).
3No contexto dessa discussão, o presente artigo propõe-se, em primeiro lugar, a fazer uma revisão da literatura brasileira já existente sobre o tema, a fim de investigar quão importante é o papel desempenhado pelo empreendedorismo feminino na inserção da mulher no mercado de trabalho no Brasil. Para traçar o perfil das mulheres empreendedoras brasileiras, foram utilizados dados do SEBRAE (2021a e 2021b), elaborado com base nas informações disponibilizadas nos microdados da PNAD-C (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua) do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e da Rede Mulher Empreendedora (RME).
- 1 O documento conta com uma breve apresentação referente à sua realização, uma seção com perguntas de (...)
4Na sequência, buscou-se analisar como as mulheres empreendedoras da grande Florianópolis-SC conseguem conciliar as suas tarefas profissionais com aquelas do âmbito doméstico, verificando suas motivações para empreender por meio de um questionário1 aplicado utilizando-se a ferramenta Google Forms. Foi selecionada uma amostra não-probabilística de 50 empreendedoras da região da Grande Florianópolis (composta pela Capital, São José, Palhoça e Biguaçu). Os sujeitos foram escolhidos com base nos critérios de acessibilidade (anuência explícita em participar da pesquisa). A coleta das respostas ocorreu no período compreendido entre 25 de maio e 15 de setembro de 2022, sendo todas respostas das entrevistadas aproveitadas para a elaboração da análise. Ou seja, não ocorreu descarte de dados. Ressalta-se ainda que, devido às suas próprias características, uma survey não possui representatividade estatística para caracterizar o perfil geral das empreendedoras na região da grande Florianópolis.
5O artigo foi estruturado em quatro seções, contando com essa introdução. Na seção 2 tratamos, em primeiro lugar, das características mais gerais do empreendedorismo feminino brasileiro, bem como da sua evolução nos últimos anos, procurando chamar atenção especialmente para as dificuldades encontradas pelas mulheres para conciliar os afazeres domésticos e os trabalhos de cuidados da família com o ato de empreender. Essa revisão da literatura brasileira sobre o tema servirá de parâmetro comparativo para balizar as respostas que encontramos em nossa pesquisa sobre as empreendedoras da Grande Florianópolis, apresentado na seção 3. Por fim, tecemos algumas considerações finais, buscando encaminhar a pergunta que subintitula o trabalho.
6Em 2019 o Brasil encontrava-se na terceira colocação de países com as maiores taxas de empreendedorismo feminino em estágio inicial. Conforme Pessoa (2015, p. 13), isso pode ser explicado “devido a uma série de fatores como a desigualdade salarial, a discriminação, a necessidade familiar, a falta de oportunidade no mercado de trabalho entre outros, as mulheres têm se tornado cada vez mais empreendedoras tanto no mercado formal quanto no mercado informal”. Além disso, destaca (idem) que esse esforço é empreendido “no intuito de suprir a necessidade intrínseca de qualquer ser humano, de conquistar aquilo que se deseja, desde as condições básicas de sobrevivência até mesmo algo ligado à satisfação pessoal.”
7Não obstante esse interesse feminino em empreender, segundo o SEBRAE (2021a) algumas diferenças são nítidas entre os negócios cujos proprietários são homens e mulheres, tais como:
8a) Preconceito - A discriminação no ambiente de trabalho e a diferença de oportunidades em relação às mulheres ainda persistem;
9b) Dupla jornada – As mulheres precisam conciliar todas as suas responsabilidades da vida pessoal e familiar com a profissional;
10c) Autoconfiança - O medo de falhar aterroriza muitas mulheres, pois via de regra elas não se veem como empreendedoras.
11De acordo com dados da pesquisa Global Entrepreneurship Monitor (GEM) de 2019, o número de empreendimentos iniciados por mulheres vem aumentando de forma constante no Brasil. Na figura 1, identifica-se que, naquele ano, praticamente não existiu diferença entre homens e mulheres no estágio de empreendedorismo inicial. Por sua vez, no estágio mais avançado de empreendimento estabelecido, a taxa dos empreendedores do sexo masculino foi de 18,4% comparativamente a apenas 13,9% de empreendedoras mulheres. Ou seja, uma variação de 4,5% entre os sexos. “Em termos absolutos, estima-se a existência de quase três milhões de homens a mais do que mulheres no empreendedorismo estabelecido” (GEM 2019, p. 40).
- 2 Percentual referente a cada categoria da população (ex. 23,5% dos homens no Brasil eram empreendedo (...)
- 3 Estimativas calculadas a partir de dados da população brasileira de 18 a 64 anos para o Brasil em 2 (...)
Figura 1 - Taxas específicas 2(em %) e estimativas3 de empreendedorismo
segundo o sexo - Brasil - 2019
Fonte: GEM Brasil (2019, p. 41).
12Ainda de acordo com o GEM (2019), esse panorama se deve a alguns fatores, como por exemplo: no passado, a atuação maior de homens na atividade empreendedora pode ter contribuído para a criação de um estoque de empreendimentos estabelecidos com forte presença masculina. Além disso, em que pese o fato de a inserção da mulher na atividade empreendedora – assim como em outras posições no mercado de trabalho –, estar crescendo ao longo dos anos, as mulheres partem de uma base mais modesta de empreendedoras estabelecidas. Um terceiro ponto digno de nota é que, na passagem dos empreendedores do estágio inicial para o estabelecido parece haver um nível maior de abandono de mulheres do que de homens. Isto, por sua vez, pode estar associado aos seguintes fatores: (i) negócios femininos menos longevos, presumivelmente em decorrência do fato de esses empreendimentos enfrentarem maiores desafios e obstáculos e (ii) verificou-se, uma participação maior de empreendedoras por necessidade (de conciliar a dupla jornada), quando comparado aos homens, que empreendem mais por escolha.
13De fato, mesmo depois de todas as lutas travadas no passado, ainda existe uma cobrança extra que pesa sobre os ombros das mulheres (LAGES, 2016). Para Costa (2017), ao decidirem empreender, as mulheres iniciam uma batalha interna que começa ao tentar balancear as atribuições da vida familiar com as do mundo dos negócios. Para tentar alcançar o equilíbrio, adotam estratégias de administração participativa, delegando tarefas e disseminando a visão do seu negócio entre os colaboradores. Elas têm consciência que seu papel de empreendedoras exerce influência na vida pessoal, familiar e na sociedade.
14Segundo Alperstedt, Ferreira e Serafim (2014), caracteristicamente o processo empreendedor já é dotado de dificuldades e entraves que surgem naturalmente. Porém, por conta das construções históricas atreladas aos papeis sociais que o gênero feminino precisaria interpretar – em especial aquele que identifica as mulheres como (praticamente) as únicas responsáveis pela administração da casa e dos cuidados com os membros da família, as mulheres enfrentam ainda dificuldades extras quando empreendem.
O debate sobre o empreendedorismo feminino, entretanto, não suscita apenas o ingresso da mulher no mercado de trabalho para complementar a renda da família. Trata-se de alteração social de grandes proporções, provocando não somente transformações nas expectativas de vida pessoal, como também nas relações familiares e nas demandas por serviços públicos, entre outros fatores (GOMES, 2004, apud ALPERSTEDT; FERREIRA; SERAFIM, 2014, p. 222).
15A primeira dificuldade relaciona-se com a vida familiar: o conflito trabalho-família envolve o embate entre as atividades tradicionalmente exercidas pela mulher na sociedade, tais como o trabalho doméstico e o cuidado dos filhos, e o empreendimento. Outra dificuldade vivida pelas mulheres empreendedoras é o sentimento de culpa, por deixarem seus filhos aos cuidados de outros na busca da realização pessoal. No intuito de alcançar um equilíbrio entre o aspecto profissional e o pessoal, as mulheres empreendedoras buscam o controle das emoções na tentativa de evitar discussões, o equilíbrio de horários, o compartilhamento com a família das atividades domésticas, a busca do diálogo e o apoio na família (ALPERSTEDT; FERREIRA; SERAFIM, 2014).
16Os autores ainda explicam que há outros problemas no processo empreendedor feminino, além da relação trabalho-família. Muitos desses problemas são inerentes ao empreendedorismo em si, outros, porém, alinham-se especificamente a algumas características do empreendimento feminino, como é o caso da desvantagem no tocante à captação das fontes dos recursos necessários para empreender.
Muitas empreendedoras, na falta de recursos próprios para montar seu próprio negócio, se veem dependentes do aporte de capital pelo marido, o que pode vir acompanhado de cobranças ou do medo do fracasso. Nesse sentido, a captação de recursos no mercado é vista como um processo com diversas barreiras: acesso a recursos financeiros, humanos e de capital social (ALPERSTEDT; FERREIRA; SERAFIM, 2014. p. 224).
17Porém, a maior barreira que precisam ultrapassar diz respeito ao preconceito por serem mulheres quando empreenderem em ramos tidos como masculinos, o que acarreta falta de credibilidade por parte de outras pessoas. A consequência para as mulheres que decidem empreender em áreas dominadas por homens é a maior quantidade de tempo e esforço que necessitam para alcançar reconhecimento e prestígio em suas áreas de atuação.
18Em relação à participação feminina no número total de proprietários de negócios, nota-se na Figura 2, abaixo, um crescimento até 2019, antes da pandemia do coronavírus. Não obstante, devido à pandemia houve uma retração da participação feminina bem como no total do número de proprietários de negócios no país. No terceiro trimestre de 2019 havia cerca de 9,9 milhões de donas de negócios no Brasil. Já no terceiro trimestre de 2020 havia cerca de 8,6 milhões.
Figura 2 - Número de Empresárias - 2016 a 2020
Fonte: SEBRAE (2021a).
19Do ponto de vista da distribuição espacial, as mulheres empreendedoras estão concentradas em maior proporção no Sudeste (43%) e no Nordeste (24%). O sul concentra apenas 17% das mulheres empreendedoras do país. Santa Catarina possui 4% desta fatia com cerca de 355.154 donas de negócios. Em relação à participação feminina no total de donos de negócios do estado, as mulheres são cerca de 34%.
20A tabela 1 apresenta algumas características socioeconômicas das empreendedoras brasileiras.
Tabela 1 – Perfil socioeconômico das empreendedoras no Brasil
|
Característica
|
Mulher
|
Homem
|
Escolaridade
|
Superior (incomp. ou mais)
|
29,0%
|
18%
|
Médio (comp. ou incomp.)
|
39,0%
|
34%
|
Fundamental (comp. ou incomp.)
|
24,0%
|
40%
|
Sem instrução
|
1,0%
|
1%
|
Sem informação
|
7,0%
|
6%
|
Cor/Raça
|
Branca
|
51,0%
|
47%
|
Negra
|
47,0%
|
52%
|
Outras
|
1%
|
1%
|
Faixa Etária
|
Até 24 anos
|
6,0%
|
6,0%
|
25 a 34 anos
|
20,0%
|
17,0%
|
35 a 44 anos
|
27,0%
|
25,0%
|
45 a 54 anos
|
24,0%
|
25,0%
|
55 a 64 anos
|
16,0%
|
19,0%
|
65 anos ou mais
|
6,0%
|
8,0%
|
Fonte: Elaboração própria, adaptado de SEBRAE (2021).
21Em relação à escolaridade entre as donas de negócios, 29% possuem nível superior, 39% nível médio, 24% fundamental, 1% não possuem instrução e 7% não informaram. Em Santa Catarina, a proporção de empreendedoras com nível superior é de 31%. No que diz respeito à cor/raça, 51% das donas de negócios do país são brancas, 47% negras, e 1% outras. Em Santa Catarina, apenas 11% do total de empreendedoras donas de negócios são negras. Quanto à faixa etária, as empreendedoras são mais jovens que os homens (53% têm até 44 anos) em todo o Brasil. Já em Santa Catarina esta proporção aumenta para 57%. A tabela 2 apresenta os dados acerca do estado civil das mulheres empreendedoras pelo Brasil.
Tabela 2 - Estado civil das empreendedoras no Brasil
Característica
|
Porcentagem
|
Estado Civil
|
Casada/ Mora junto
|
61%
|
Solteira
|
28%
|
Viúva
|
10%
|
Separada/ Divorciada
|
1%
|
Fonte: Adaptado de RME (2016).
22O estado civil apurado pela rede mulher empreendedora indica que, na época em que foi feita a pesquisa, 61% das mulheres donas de negócios no país eram casadas ou moravam junto com seus companheiros, 28% afirmavam ser solteiras, 10% viúvas e 1% divorciadas. Outro dado interessante apontado pelo mesmo estudo é que 75% das mulheres decidiram empreender após a maternidade (RME, 2016). Por fim, o estudo do SEBRAE (2021), afirma que cerca de 49% das mulheres donas de negócios, ocupam a posição de chefe de família em seu domicílio. A tabela 3 apresenta algumas características em relação aos negócios das mulheres empreendedoras.
Tabela 3 – Dados sobre o empreendedorismo feminino no Brasil
|
Característica
|
Mulher
|
Homem
|
Empregador
|
Empregador
|
13%
|
87%
|
Conta Própria
|
16%
|
84%
|
Tempo de Atividade
|
Até 1 mês
|
2%
|
2%
|
1 mês a 1 ano
|
15%
|
11%
|
1 ano a 2 anos
|
7%
|
6%
|
2 anos ou +
|
76%
|
80%
|
Contribuição à previdência
|
Não
|
60%
|
62%
|
Sim
|
40%
|
38%
|
Setor de Serviços
|
Alojamento e alimentação
|
25%
|
14%
|
Informação, comunicação, financeira etc.
|
23%
|
31%
|
Educação e saúde
|
16%
|
6%
|
Transporte, armazenamento e correio
|
2%
|
31%
|
Outros segmentos
|
34%
|
18%
|
Fonte: Adaptado de SEBRAE (2021).
23Em relação ao emprego de colaboradores, apenas 13% das empreendedoras afirmaram possuir empregados: número bem inferior ao dos homens donos de negócios que possuem empregados, 87%. As empreendedoras que empreendem sozinhas, por conta própria, são 16% contra 84% os homens donos de negócios. Tratando-se do tempo de atuação na atividade empreendedora, 76% afirmaram que empreendem no mínimo há dois anos ou mais, 15% empreendem no período de um mês a no máximo um ano, 7% empreendem entre um a dois anos e 2% dizem estar na atividade empreendedora no máximo há um mês.
24De acordo com o SEBRAE (2021), quanto à contribuição previdenciária, 60% das empreendedoras afirmam não contribuir e 40% afirmam que fazem a contribuição regularmente. Segundo a RME (2017), 54% dos negócios desenvolvidos por mulheres concentram-se na área de serviços, dentre eles destacam-se as áreas de alojamento e alimentação. As mulheres acabam optando por empreender em segmentos ou áreas que já possuem um conhecimento anterior, ou seja, acabam “replicando” os tipos de atividades que já costumavam desempenhar, no lar.
25Em relação às dívidas, de acordo com a RME (2017), 65% das mulheres empreendedoras não possuem dívidas e outros 35% afirmam possuir alguma dívida. Este é um dado que levanta alguns questionamentos, pois a falta de investimento impede o crescimento dos empreendimentos e dificilmente o aporte para crescimento pode vir apenas do faturamento.
Um apontamento que chama a atenção é o fato delas dizerem que investiriam mais em suas empresas se tivessem acesso a melhores linhas de créditos, com juros menores. Isso demonstra que o mercado financeiro ainda é cruel com os pequenos negócios e precisa melhorar para atraí-las (RME, 2017, p. 22).
26De acordo com o SEBRAE (2021), quanto às horas semanais dedicadas ao negócio, constata-se que as empreendedoras trabalham menos horas por semana no negócio (59% trabalham menos de 40 hs/semana). Outro dado relacionado é que as mulheres dedicam 10,4 horas por semana a mais que os homens aos afazeres domésticos ou ao cuidado de pessoas. No estado de Santa Catarina estão as empreendedoras que mais horas trabalham no negócio, cerca de 60% dedicam-se mais que 40 horas semanais. A figura 3 indica a proporção de empreendedoras que trabalham mais de 40 horas semanais no seu negócio, por estado.
Figura 3 – Empreendedoras que trabalham mais de 40 horas no negócio
Fonte: SEBRAE (2021a, p.17).
27Portanto, em resumo, no Brasil o perfil das mulheres donas de negócio, comparado ao dos homens, apresenta os seguintes resultados: elas possuem maior grau de escolaridade, são mais jovens, ganham menos que os homens empreendedores e quase a metade das empreendedoras são chefes de família. Costumam trabalhar mais sozinhas em seus negócios e por isso empregam menos. Seus negócios possuem estrutura mais simples e concentram-se no setor de serviços. Trabalham menos horas semanais em seus negócios quando comparado aos homens, porém, dedicam mais horas que eles às tarefas domésticas ou com cuidado de pessoas.
28Em nossa pesquisa, a partir da análise dos dados encontrou-se resultados que possibilitaram o alcance dos objetivos propostos inicialmente para o estudo. Diante disto, foi possível identificar o perfil do grupo amostral e compreender como o empreendedorismo feminino desempenha um papel importante para a inserção deste grupo de mulheres no mercado de trabalho.
29A primeira parte do nosso questionário tratou de investigar o perfil das empreendedoras da grande Florianópolis a partir do levantamento socioeconômico. A tabela 6 apresenta os dados então obtidos.
Tabela 4 - Dados socioeconômicos das Mulheres Empreendedoras da Grande Florianópolis
Dado socioeconômico
|
Característica
|
Resposta
|
Porcentagem
|
Faixa Etária
|
Abaixo de 18 anos;
|
1
|
2%
|
18 a 24 anos;
|
10
|
20%
|
25 a 30 anos;
|
6
|
12%
|
31 a 36 anos;
|
13
|
26%
|
37 a 41 anos;
|
10
|
20%
|
42 a 50 anos;
|
7
|
14%
|
Acima de 50 anos.
|
3
|
6%
|
Como você se considera:
|
Branca;
|
40
|
80%
|
Parda;
|
4
|
8%
|
Preta;
|
6
|
12%
|
Estado Civil
|
Casada;
|
10
|
20%
|
Separada/Divorciada;
|
3
|
6%
|
Solteira;
|
22
|
44%
|
União estável.
|
15
|
30%
|
Possui filhos
|
1 filho;
|
15
|
30%
|
2 filhos;
|
4
|
8%
|
3 filhos ou mais;
|
1
|
2%
|
Não tenho filhos.
|
30
|
60%
|
Quantos pessoas moram com você
|
Eu e mais 1 pessoa;
|
27
|
54%
|
Eu e mais 2 pessoas;
|
13
|
26%
|
Eu e mais 3 pessoas;
|
2
|
4%
|
Eu e mais 4 pessoas;
|
2
|
4%
|
Eu e mais de 4 pessoas;
|
2
|
4%
|
Moro sozinha;
|
4
|
8%
|
A casa onde você mora é
|
Alugada;
|
20
|
40%
|
Cedida;
|
3
|
6%
|
Própria;
|
27
|
54%
|
Fonte: Elaboração própria.
30Identificou-se que 26% das respondentes possuem idade entre 31 e 36 anos, 20% de 18 a 24 anos, 20% entre 37 e 41 anos, apenas 6% possuem idade superior a 50 anos de idade. Os outros 28% distribuem-se em outras faixas etárias. Este dado confirma a alegação de Machado (2002), em que diz que no contexto global algumas características são semelhantes entre as mulheres empreendedoras. Uma delas é a predominância da faixa etária entre 35 e 50 anos de idade. Neste intervalo, encontram-se 60% das respondentes.
31Na pesquisa, 80% das empreendedoras se consideram de cor branca, 12% preta e 8% parda. Em relação ao estado civil, 44% das entrevistadas se dizem solteiras, 30% possuem união estável, 20% casada e 6% separada ou divorciada. 60% das respondentes não possuem filhos, 30% um filho, 8% dois filhos e apenas 2% possuem 3 ou mais filhos. Em relação a quantidade de moradores que residem na mesma casa, 54% moram com mais uma pessoa, 26% moram com mais duas pessoas, 8% moram sozinhas, os outros 12% moram com três pessoas ou mais. Em relação a casa onde residem, 54% possuem moradia própria, 40% residem em moradia de aluguel e 6% a residência é cedida.
32Em relação ao nível de escolaridade das empreendedoras respondentes, 28% possuem pós-graduação completa, 20% ensino superior completo, 20% ensino superior incompleto, 20% ensino médio completo, 6% não completou a pós-graduação,4% não concluiu o ensino médio e apenas 2% concluíram apenas o ensino fundamental. Em relação à escolaridade verificou-se que 74% das empreendedoras chegaram a iniciar o ensino superior, reforçando a assertiva de Machado (2002), que afirma que no cenário mundial a mulher empreendedora possui alto nível de educação formal.
33Quanto à faixa de renda mensal das respondentes, 36% das empreendedoras recebem uma média de quatro a seis salários-mínimos (algo entre R$4.848,00 e R$7.272,00), 22% recebem na faixa de um a três salários mínimos (entre R$1.212 e R$3.636,00), 18% recebem na faixa de sete a nove salários mínimos (entre R$ 8.484,00 e R$ 10.908,00), e 22% dizem receber mais que dez salários mínimos (ou seja, renda superior a R$12.000,00). Apenas 2% das respondentes dizem receber menos que um salário mínimo.
34No que concerne o principal contribuinte para a renda familiar, 52% das respondentes disseram ser elas mesmas as responsáveis pela maior parte da renda familiar, 24% afirmaram ser o cônjuge o principal contribuinte, 10% das respondentes disseram que ambos (empreendedora e cônjuge) contribuíam de forma igualitária para a renda familiar, 12% afirmaram que os pais eram os principais contribuintes para a renda familiar e apenas 2% das respondentes informaram que o principal contribuinte para a renda familiar eram outros integrantes da família.
35Conforme já mencionado anteriormente, além das obrigações com a atividade remunerada, é bastante recorrente que as mulheres possuam o compromisso com as tarefas domésticas e de cuidados. O segundo campo de investigação do questionário que aplicamos tratou deste fenômeno e buscou caracterizá-lo.
36Questionadas sobre os cuidados da casa além das obrigações com seus empreendimentos, 96% das empresárias entrevistadas afirmaram que cuidavam dos afazeres domésticos e gerenciavam as suas empresas simultaneamente. A tabela 5 apresenta um resumo sobre a delegação dos afazeres domésticos a terceiros(as) nos lares das empreendedoras.
Tabela 5 - Informações sobre a dupla jornada
Fonte: Elaboração Própria.
37No que toca a questão da terceirização do trabalho doméstico em suas residências, 62% das respondentes afirmaram realizar elas próprias essas atividades. Das 38% restantes, 12% pagavam diarista no mínimo uma vez por mês, 10 % afirmaram pagar uma diarista a cada 15 dias, 8% contratavam o serviço uma vez por semana, 4% contratavam duas vezes por semana e 4% terceirizavam as tarefas domésticas três ou mais vezes na semana.
38Em relação à divisão das tarefas domésticas, 86% das empreendedoras afirmaram dividir os afazeres domésticos com algum morador da casa e 14% afirmaram que não dividiam as tarefas domésticas. Quanto à necessidade de maior atenção com algum membro da família, 72% afirmaram que a família não possuía ninguém que precisasse de cuidados especiais, 22% afirmaram que os filhos requeriam atenção especial, 4% afirmaram que os pais necessitavam de mais cuidados e 2% disseram que o cônjuge precisava de mais atenção.
39Questionadas sobre uma rotina de autocuidado, 90% das mulheres empreendedoras afirmaram dedicar-se semanalmente a alguma atividade que lhes proporcionasse um tempo de qualidade no autocuidado, além dos integrantes da família. O cuidado físico (que contempla realizar atividade física, skincare, salão de beleza etc.) está entre as principais formas de autocuidado realizadas pelas respondentes. Apenas 10% das empreendedoras afirmaram não dedicar semanalmente um tempo para o autocuidado.
40Em relação à quantidade de horas dedicadas semanalmente às suas empresas, 34% das respondentes afirmaram dedicar-se entre 56 e 70 horas semanais, 24% afirmaram dedicar-se mais que 70 horas semanais, 24% dedicavam entre 28 e 56 horas semanais, 12% dedicavam no máximo 21 horas semanais aos seus empreendimentos e 6% afirmaram dedicar entre 21 e 28 horas semanais à sua atividade empreendedora.
41Em relação à quantidade de horas dedicadas semanalmente à organização familiar, 50% das mulheres empreendedoras afirmaram dedicar entre 14 e 28 horas semanais, 26% afirmaram dedicar até 14 horas por semana à organização da família, 12% afirmaram despender entre 28 e 42 horas semanais à organização familiar, 8% dedicaram entre 42 e 56 horas semanais e 4% disseram despender mais de 56 horas semanais.
42O terceiro campo de investigação de nossa pesquisa contemplou questões acerca dos negócios por elas desenvolvidos, bem como algumas de suas características, como enquadramento tributário, número de funcionários e as motivações que as levaram a empreender. Também se questionou sobre alguns aspectos sociais como preconceito no mercado de trabalho e renda extra.
43Quanto ao ramo de atuação do negócio das respondentes, 28% concentravam-se na área de estética e beleza, 24% atuavam no segmento de alimentação, 18% concentravam-se na área da saúde, 14% empreendiam com serviços financeiros, 6% atuavam na área de marketing, 4% na área comercial em geral, 2% prestavam consultoria voltada para mulheres, 2% atuavam na área de design e 2% no segmento de moda. Em relação a este aspecto, é possível confirmar a afirmação de Pessoa (2015, p. 30), “a maioria dos empreendimentos que têm mulheres como gestoras está relacionada com atividades do universo feminino, como salões de beleza”. A autora aponta ainda que mais mulheres estão empreendendo em áreas antes dominadas pelo sexo masculino. A esse respeito, foi possível confirmar que a área de serviços financeiros – que tradicionalmente costuma ser mais comum entre os homens –apresenta boa concentração de mulheres na grande Florianópolis.
44Verificou-se ainda que mais da metade das mulheres – cerca de 52% -- enquadram-se como microempreendedoras individuais (MEI), 20% possuíam sociedade empresarial limitada (LTDA), 18% empreendiam informalmente, 6% atuavam como empresárias individuais (EI), 2% possuíam empresa individual de responsabilidade limitada (EIRELI) e 2% atuavam como sociedade simples. Neste aspecto, confirma-se outra informação citada por mais de um dos autores referenciados, de acordo com a qual os negócios geridos por mulheres se concentram em micro e pequenas empresas.
45De acordo com as respostas obtidas, 32% das empreendedoras possuem seus negócios a mais de dois anos, 30% a mais de cinco anos, 22% a mais de um ano e 16% empreendem no seu negócio a menos de ano. A tabela 6 apresenta mais algumas características das empreendedoras e seus negócios.
Tabela 6 – Informações sobre empreendedorismo feminino na região da Grande Florianópolis
Dado
|
Característica
|
Resposta
|
Porcentagem
|
Atua na área de formação?
|
Não possuo formação.
|
11
|
22%
|
Não;
|
10
|
20%
|
Sim;
|
29
|
58%
|
O seu negócio atual é seu primeiro empreendimento ou você já teve outros negócios?
|
Não, nunca empreendi antes;
|
29
|
58%
|
Sim, já empreendi outras vezes;
|
21
|
42%
|
Para iniciar sua empresa, precisou de ajuda financeira familiar?
|
Não;
|
34
|
68%
|
Sim, precisei de ajuda financeira familiar;
|
16
|
32%
|
Você é a única dona da empresa ou possui mais sócios (quantos) atualmente?
|
Não, possuo dois sócios(as);
|
3
|
6%
|
Não, possuo três sócios(as) ou mais;
|
4
|
8%
|
Não, possuo um sócio;
|
10
|
20%
|
Sim, única proprietária;
|
33
|
66%
|
Em qual local você exerce sua atividade?
|
Loja, escritório, sala comercial, etc.;
|
23
|
46%
|
Em casa;
|
17
|
34%
|
Local escolhido pelo cliente;
|
4
|
8%
|
Em área ou via pública;
|
2
|
4%
|
Em veículo automotor;
|
1
|
2%
|
Em domicílio;
|
2
|
4%
|
Workshop, salas alugadas por hora;
|
1
|
2%
|
Se possui funcionários,
quantos?
|
10 ou mais funcionários (as).
|
1
|
2%
|
de 1 a 3 funcionários (as).
|
6
|
12%
|
de 4 a 9 funcionários (as).
|
5
|
10%
|
Não possuo funcionários(as).
|
38
|
76%
|
Fonte: Elaboração Própria.
46Quanto à atuação delas em suas áreas de formação, 58% afirmaram que atuavam em suas áreas de formação, 20% não atuavam e 22% afirmaram não possuir formação. Quando questionadas se já estiveram à frente de algum outro empreendimento, 58% afirmaram nunca terem empreendido antes e 42% que já haviam possuído outros negócios. Quanto à ajuda financeira de familiares para a abertura do negócio, 68% afirmaram que não foi necessária ajuda financeira e 32% afirmaram ter precisado de incentivo monetário de algum membro na família.
47Em relação ao quadro societário, 66% das respondentes afirmaram não possuir sócios, 20% possuíam um sócio, 6% possuíam dois sócios e 8% afirmaram possuir três ou mais sócios em seus empreendimentos. Quanto ao local onde eram exercidas as atividades, 46% disseram realizar seu trabalho em loja, escritório ou sala comercial e 34% afirmaram que exerciam suas atividades em casa. Tratando-se do número de funcionários, 76% das mulheres empreendedoras pesquisadas afirmaram não possuir funcionários, 12% possuíam de 1 a 3 funcionários, 10% tinham entre quatro a nove funcionários e 2% possuíam 10 ou mais colaboradores.
48Outra pergunta que se fez às empresárias foi “porque decidiu empreender?”. Era possível selecionar mais de uma das opções disponíveis, pois consideramos que são um conjunto de fatores que despertam o desejo de empreender e não apenas uma única motivação. A principal motivação elencada foi a paixão pela área de atuação, que foi assinalada 29 vezes. Mencionada 24 vezes, a flexibilidade de horários foi a segunda motivação mais escolhida, seguida pela vontade de conquistar a independência financeira com 22 seleções. Melhorar a qualidade de vida foi selecionada 19 vezes e a identificação de uma boa oportunidade de negócio foi escolhida pelas empreendedoras 19 vezes. A obtenção de renda extra foi elencada como motivação para empreender 9 vezes, a necessidade financeira apenas 6 vezes e a dificuldade de inserção no mercado de trabalho apareceu 4 vezes entre as respondentes.
49Quando questionadas se possuíam alguma renda extra, 56% das empreendedoras afirmaram não possuir renda extra, outros 16% que recebiam algum tipo de pensão, 10% disseram que conciliavam seus negócios com um trabalho em regime CLT, 8% alegaram receber renda extra a partir de investimentos, 4% informaram receber algum tipo de benefício social, outros 4% disseram receber aluguel como renda extra e 2% afirmaram ter outras fontes de renda (não discriminadas) além do negócio próprio. A tabela 7 apresenta mais algumas características sobre as empresas e suas organizações financeiras.
Tabela 7 - Dados sobre o empreendedorismo feminino em Florianópolis
Dado
|
Característica
|
Resposta
|
Porcentagem
|
Possui conhecimento de organizações que dão apoio para as mulheres empreendedoras?
|
Não;
|
21
|
42%
|
Sim;
|
29
|
58%
|
Qual organização você já utilizou?
|
Acate
|
1
|
2%
|
Associação dos AAI - grupo de mulheres
|
1
|
2%
|
IRME - Instituto Rede Mulher Empreendedora;
|
1
|
2%
|
Mentoria personalizada
|
1
|
2%
|
Nunca utilizei as redes de apoio;
|
28
|
56%
|
Sebrae;
|
17
|
34%
|
Sebrae; nunca utilizei as redes de apoio;
|
1
|
2%
|
Você separa sua renda mensal do faturamento da empresa?
|
Não;
|
12
|
24%
|
Nunca pensei nisso;
|
2
|
4%
|
Sim;
|
36
|
72%
|
Você contribui para a previdência? (INSS ou previdência privada)
|
Não, não sou contribuinte;
|
13
|
26%
|
Sim, sou contribuinte;
|
37
|
74%
|
Possui alguma dívida?
|
Não;
|
32
|
64%
|
Sim;
|
18
|
36%
|
Já contratou empréstimo bancário?
|
Não;
|
31
|
62%
|
Sim;
|
19
|
38%
|
Fonte: Elaboração Própria.
50Questionadas sobre o conhecimento de organizações e entidades que ofereceriam apoio às mulheres empreendedoras, 58% afirmaram que conheciam estas organizações e 42% afirmam não conhecer. Em relação à utilização dos serviços destas entidades, 56% das entrevistadas disseram nunca ter utilizado aqueles serviços de apoio e 34% afirmaram ter obtido ajuda do SEBRAE para algum suporte ao seu negócio. Algumas outras entidades foram citadas conforme apresento na segunda linha da tabela 9.
51Em relação à organização financeira, 72% das respondentes afirmaram separar o faturamento da empresa de sua renda mensal familiar, 24% assumiram que não conseguiam separar seus ganhos mensais do faturamento da empresa e outros 4% nunca pensou em fazer a separação de pessoa física e pessoa jurídica. Quanto à contribuição para previdência (pública ou privada), 74% afirmaram fazer o recolhimento mensal ao INSS e os outros 26% disseram não fazer a contribuição. Sobre o endividamento, 64% das empreendedoras afirmaram não possuir dívidas e 36% afirmaram possuir alguma dívida. Por fim, a tabela 9 apresenta ainda o dado sobre a contratação de empréstimo bancário, segundo o qual 62% das respondentes afirmaram nunca ter contratado um empréstimo bancário e 38% disseram já ter recorrido a este tipo de serviço.
52Com relação ao preconceito contra mulheres no mercado de trabalho, 68% das respondentes afirmaram já terem se sentido discriminadas no mercado de trabalho, e 32% afirmaram não terem sofrido qualquer tipo de discriminação. Ao final da pergunta, disponibilizou-se um campo de escrita para que as entrevistadas pudessem discorrer sobre o episódio em que se sentiram discriminadas. Realizou-se um recorte dos principais relatos apresentados na Figura 4.
Figura 4 - Recorte dos relatos sobre a discriminação no mercado de trabalho sofrida pelas mulheres empreendedoras na Grande Florianópolis
Fonte: Elaboração Própria.
53Os relatos das mulheres empreendedoras de Florianópolis resumem os episódios em que elas se sentiram discriminadas, sendo perceptível o preconceito em áreas dominadas por homens. Quando elas inseriam-se nestas áreas, seus relatos mostram que eram comumente inferiorizadas pelos seus colegas de trabalho homens. Também se constatou a invalidação da opinião feminina e a interiorização da figura da mulher empreendedora. Além disso, houve relatos de oferecimento de vagas de trabalho sem que estivessem à procura de emprego, o que descaracteriza a legitimidade de suas atividades empreendedoras.
54A partir da comparação dos dados nacionais sobre o perfil das mulheres empreendedoras e com aqueles obtidos por meio dos questionários, observou-se semelhanças e diferenças entre as características investigadas.
55Começando pelas semelhanças entre as empreendedoras da amostra e os dados compilados a nível nacional, em ambos prevalece a concentração feminina no setor de serviços, e em proporções bem semelhantes nos ramos de alimentação e saúde. A experiência das empreendedoras do Brasil como um todo também se mostrou semelhante àquela das empresárias da grande Florianópolis. Segundo os dados nacionais, 76% das empreendedoras exercem suas atividades há mais de dois anos, ao passo que na amostra colhida foi de cerca de 62%. A porcentagem de empreendedoras que não possuem funcionários também foi equivalente. E o nível de endividamento também foi semelhante, na amostra 64% não possuem dívidas e nos dados nacionais, nota-se que 65% também não possuem dívidas.
56Já no tocante às diferenças, nossa pesquisa indicou que, com as empreendedoras da grande Florianópolis, destacou-se a predominância de mulheres brancas, com cerca de 80% do total. Como justificativa, sabe-se que estatisticamente o Brasil possui diferenças muito marcantes no que toca a distribuição da população por cor ou raça nas regiões, o que pode ser explicado pelo processo de ocupação do território histórico. No Sul, 76,8% da população se declarou branca (AGÊNCIA IBGE NOTÍCIAS, 2019).
57Outra diferença encontrada concerne à faixa etária. Entre as empreendedoras da amostra 22% possuem até 24 anos, já a nível nacional essa faixa etária é responsável apenas por 6% das empreendedoras. Esse dado pode ajudar a explicar outra diferença encontrada, que diz respeito à maternidade. Notou-se que 60% das entrevistadas não possuíam filhos e nacionalmente apenas 48% das brasileiras não os possuíam: uma diferença de 12 pontos percentuais. Na análise sobre a dupla jornada, o dado sobre a quantidade de horas semanais dedicadas ao negócio também foi divergente. Na observação nacional, 59% das empreendedoras dedicavam menos de 40 horas semanais aos seus negócios. Na amostra colhida verificou-se que 58% das empreendedoras trabalhavam mais de 56 horas semanais. No entanto, a pesquisa do SEBRAE (2021), indica que 60% das empreendedoras catarinenses trabalham mais de 40 horas semanais em seus negócios, dado este confirmado entre a amostra observada.
58Outras características divergentes encontradas foram a contribuição à previdência, pois verificou-se que as empreendedoras da amostra colhida contribuem mais. Cerca de 60% das empreendedoras nacionais não contribuem à previdência, já na amostra 74% afirmaram contribuir. Quanto à organização financeira, as empreendedoras da amostra aparentam ser mais organizadas, pois cerca de 72% das empreendedoras declararam separar o faturamento da empresa das despesas de casa, ao passo que nos dados nacionais citados apenas 59% das empreendedoras fazem essa separação.
- 4 Novamente é necessário salientar que o perfil traçado não poderá ser utilizado como característica (...)
59Dessa forma, conclui-se que, em relação aos dados compilados a nível nacional, as empreendedoras do grupo amostral possuem um perfil4 diferente em que:
60Empreende por oportunidade e não por necessidade;
61Costumam dedicar mais tempo aos seus negócios;
62São mais organizadas financeiramente;
63Não precisaram de empréstimo inicial;
64Contribuem mais com a previdência;
65Afirmam não possuir renda extra;
-
Conhecem as organizações de apoio a mulheres empreendedoras, mas não costumam usar;
-
A maternidade é menor;
-
Possuem tempo para o autocuidado;
-
Costumam dividir as tarefas domésticas apesar de serem as principais responsáveis;
66Outro ponto observado que merece atenção, é que mesmo com bons dados a respeito do empreendedorismo feminino a nível nacional, nos relatos das mulheres pesquisadas identificou-se que ainda é comum a mulher se sentir inferiorizada no ambiente de trabalho, mesmo ao empreender, pois ainda é perceptível uma descrença social no sucesso de negócios geridos por mulheres.
67A luta das mulheres para encontrar um lugar ao sol no mercado de trabalho é antiga e uma das saídas por elas encontradas para suprir as suas necessidades financeiras e ao mesmo tempo conseguir dar conta da dupla jornada, que ainda recai preferencialmente sobre os ombros femininos foi o empreendedorismo.
68Nesse artigo fizemos uma revisão da literatura recente do empreendedorismo feminino brasileiro e uma survey com 50 mulheres empreendedoras da grande Florianópolis. Ao cruzar as informações sobre o cenário nacional do empreendedorismo feminino com os dados obtidos em nossa pesquisa, observou-se que o grupo amostral possui um perfil traçado com pontos de semelhanças e de diferenças. Respondendo a questão que subintitula o artigo: afinal de contas, o empreendedorismo feminino é um “projeto de vida ou única alternativa para conciliar a dupla jornada?” Chegamos a duas respostas diferentes.
69No que concerne especificamente aquela que é questão que nos interessa mais de perto aqui, -- o fato de as mulheres precisarem se desdobrar na dupla jornada –, verificamos que, no caso de Florianópolis, reforçando o estereótipo de “ilha de prosperidade”, o perfil amostral revelou uma realidade muito mais branda e que se coaduna melhor com a ideia de empreendedorismo enquanto “projeto de vida”. Já a nível nacional, a realidade capturada nas pesquisas muda de figura: o empreendedorismo feminino representa muito mais “a única saída” para muitas mulheres, no sentido de conciliação entre uma atividade remunerada com todas as demais tarefas domésticas atribuídas a elas.