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Trilha de pesquisa

O potencial da agroindústria do leite na transformação dos assentamentos de reforma agrária: um estudo em Imperatriz e Açailândia, Maranhão

The potential of dairy agro-industry in the transformation of land reform settlements: a study in Imperatriz and Açailândia, Maranhão
El potencial de la agroindustria láctea en la transformación de los asentamientos de reforma agraria: un estudio en Imperatriz y Açailândia, Maranhão
Le potentiel de l'agro-industrie laitière dans la transformation des installations de réforme agraire : une étude à Imperatriz et Açailândia, Maranhão
Lúcio André Fernandes, Ricardo Zimbrão Afonso Paula e Leonardo Melgarejo

Resumos

O estudo focou na viabilidade econômica de estabelecer agroindústrias de lácteos nos assentamentos de reforma agrária das Regiões Geográficas Imediatas de Imperatriz e Açailândia, inseridas na nova fronteira agrícola brasileira, MATOPIBA. Essas regiões enfrentam pressões devido à expansão agropecuária, afetando a estrutura original dos assentamentos. O trabalho integrou os campos de Desenvolvimento Rural, assentamentos e agroindústrias, visando promover um desenvolvimento socioeconômico sustentável. A análise indicou que a produção de lácteos se alinha à vocação regional, sendo uma atividade central para a integração econômica dos assentamentos, principalmente considerando a predominância da pecuária de corte e baixa produtividade na pecuária leiteira. Os dados do Censo Agropecuário de 2017 e a presença de associações, e de uma cooperativa de produtores, a COOMARA, apontam para a viabilidade da implementação dessas agroindústrias, evidenciado em um projeto em andamento para a construção de uma fábrica de queijos em um dos assentamentos.

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Introdução

1A dinâmica da economia brasileira nas décadas iniciais deste século tem sido marcada por um fenômeno conhecido como (re) “commoditização”. Esse processo se caracteriza pela predominância de cultivos agropecuários destinados à exportação, que utilizam grandes extensões de terras e operam em larga escala produtiva. Essencialmente, tal processo engendra uma profunda modificação ambiental, homogeneizando a atividade produtiva e a natureza, impactando significativamente os biomas e os modos de vida das populações locais.

2Nesse contexto, a realidade regional é permeada por processos que, mesmo que distanciados no tempo, não representam apenas uma transformação paisagística, mas, primordialmente, uma alteração na prática agrícola, na exploração do solo, dos recursos hídricos e demais recursos naturais. Consequentemente, as populações rurais e seus modos de vida são afetados, vinculando a utilização dos recursos disponíveis aos movimentos macroeconômicos gerais e seus impactos na qualidade de vida e nas condições ambientais. Contra essas tendências, emergem movimentos contra-hegemônicos que buscam alternativas, capazes de garantir a sobrevivência das espécies e a dignidade da vida humana.

3Este artigo investiga uma dessas soluções emergentes por meio da análise da produção sustentável de alimentos, adotada por assentamentos de reforma agrária. As agroindústrias familiares, ao adotarem características autogestionárias, empreendem esforços para conceber e implementar estratégias de desenvolvimento rural sustentável.

Contextualização

  • 1 As Regiões Geográficas Imediatas têm na rede urbana o seu principal elemento de referência. Essas r (...)

4Este estudo faz parte do Termo de Execução Descentralizada (TED) estabelecido entre o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA) e a Universidade Federal do Maranhão (UFMA). O principal objetivo deste convênio é promover e fortalecer o desenvolvimento socioeconômico das áreas de assentamentos de reforma agrária. Esse estímulo visa impulsionar a geração de emprego e renda por meio da concepção, acompanhamento da implementação e operacionalização de agroindústrias, além de prover assessoria técnica e formativa para a gestão cooperativa. Tomou-se como primeiro estudo os assentamentos de reforma agrária, assistidos pelo INCRA, nas Regiões Geográficas Imediatas (IBGE, 2008)1 de Imperatriz e Açailândia, pois são regiões inseridas na nova fronteira agrícola brasileira, conhecida como o MATOPIBA. Esta localização geográfica acarreta pressões sobre os respectivos assentamentos, concorrendo para a desorganização do projeto original do assentamento de reforma agrária, baseado na produção familiar de alimentos voltada para o abastecimento interno. Ademais, são regiões situadas na transição dos biomas Amazônico e Cerrado, requerendo estudos econômicos-ambientais que possam contribuir para o desenvolvimento socioeconômico sustentável.

Território

5O termo MATOPIBA é um acrônimo formado pelas iniciais dos principais estados que compõem essa nova fronteira agrícola: Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia. Esta região foi estabelecida na década de 1980, tendo sido aberta especialmente para o cultivo de grãos. Sua oficialização ocorreu em 2015, por meio do Decreto Presidencial 8.447, de 6 de maio de 2015.

6Com uma delimitação geográfica abrangendo 337 municípios distribuídos em 31 microrregiões, o MATOPIBA ocupa uma área de 73 milhões de hectares, conforme representado na Figura 1.

7Na Nota Técnica 1, intitulada Proposta de Delimitação Territorial do MATOPIBA (MIRANDA, MAGALHÃES & CARVALHO, 2014), publicada pelo Grupo de Inteligência Territorial Estratégica (GITE), da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (EMBRAPA), estabeleceu-se o território do MATOPIBA abrangendo 4 estados, habitados por aproximadamente 25 milhões de pessoas (em 2021), englobando, 31 microrregiões e 337 municípios. Essa nota serviu de base científica para a institucionalização da nova fronteira agrícola e segue a seguinte distribuição de microrregiões por estados: 15 no Maranhão, 8 em Tocantins, 4 no Piauí e 4 na Bahia.

8Ao analisar as regiões maranhenses dentro da fronteira do MATOPIBA, nota-se que o primeiro critério para essa delimitação geográfica foi baseado no bioma cerrado. No entanto, destaca-se que áreas como Imperatriz e Açailândia, inseridas no bioma amazônico, ali estão contempladas. Isso se deve, segundo a Nota Técnica 1, esta não apenas é uma área que cumpre relevante papel no aprovisionamento de insumos para a atividade agropecuária, como também é roteiro logístico para o escoamento e transformação de parte significativa da produção agropecuária regional.

9Se o primeiro critério para a delimitação territorial do MATOPIBA foi o bioma, ele não se esgota por si mesmo. Os autores da referida nota afirmaram que o segundo critério para aquela configuração é sua dimensão socioeconômica. Destacam-se aí, principalmente, dados relativos à produção agropecuária e florestal, conforme evidenciado para as regiões em foco neste trabalho.

Figura 1. Delimitação Territorial do MATOPIBA

Figura 1. Delimitação Territorial do MATOPIBA

Fonte: MIRANDA, E. E.; MAGALHÃES, L. A. & CARVALHO, C. A. Proposta de delimitação territorial do MATOPIBA. Nota Técnica 1. Campinas: EMBRAPA/GITE, maio 2014, pg., 11.

Imperatriz

10A Região Geográfica Imediata (RGI) de Imperatriz é composta por 17 municípios, quais sejam: Amarante do Maranhão, Buritirana, Campestre do Maranhão, Cidelândia, Davinópolis, Estreito, Governador Edison Lobão, Imperatriz, João Lisboa, Lajeado Novo, Montes Altos, Porto Franco, Ribamar Fiquene, São João do Paraíso, São Pedro da Água Branca, Senador La Rocque e Vila Nova dos Martírios. A área total da RGI de Imperatriz, ocupa 25.919 Km2 dentro do estado do Maranhão. No que toca à população, a região possui, de acordo com a prévia do censo demográfico de 2022 (IBGE), 535,016 pessoas. Sendo Imperatriz o município de maior população, com 273.110 mil pessoas, ou 51,05% do total demográfico da RGI. Imperatriz também possui a maior densidade populacional, 199,49 habitantes por Km2.

11Em relação a atividade econômica, o PIB da região (em 2022), alcançou R$ 11.246.422,69 e seu PIB per capita, R$ 234.647,23. O PIB do município de Imperatriz alcançou R$ 7.230.564,31 e o Valor Agregado Bruto (VAB), de R$ 6.260.334,57. Com esses números, aqueles municípios ocupam o 2º lugar na economia total do estado do Maranhão. Em relação aos demais municípios, a economia da RGI de Imperatriz, com exceção do referido município, que dispõe de indústrias instaladas, comércio e serviços mais complexos, nos mostra uma estrutura assentada na base agrícola, inserida em municípios de pequeno porte. Contudo, o emprego formal, em toda a região, é muito baixo. Isto é, numa população total de 535.016 habitantes na região, apenas 89.846 estão empregados formalmente, ou seja, apenas 16,79% da população economicamente ativa se vincula a empregos formais, de acordo com dados do IBGE.

Açailândia

12A Região Geográfica Imediata (RGI) de Açailândia abrange exclusivamente cinco municípios, os quais compartilham uma estrutura socioeconômica similar. Açailândia se destaca como o principal município nessa área. O total da área da RGI de Açailândia é de 15.356 Km2. A maior área é do município de Açailândia, 5.805 Km2, ocupando 37,80% do território da região. Itinga do Maranhão é o segundo município em área, com 3.583 Km2, participando com 23,34% do total da região. Em seguida, aparecem os municípios de Bom Jesus da Selva (2.677 Km2 e 17,43%) e Buriticupú (2.545 Km2 e 16,57%). O menor município em área é São Francisco do Brejão (745 Km2 e 4,85%). Agregando os dados populacionais, a partir da prévia do Censo Demográfico de 2022, a RGI de Açailândia possui uma população total de 222.220 pessoas, sendo o município mais populoso Açailândia, com 106.550 habitantes, representando 47,95% do total demográfico. A densidade demográfica agregada da região em análise é de 13,85 habitantes por Km2.

13Quanto a economia, Açailândia apresenta o maior PIB da região, R$ 2.354.544,13, concentrando 60,63% do total da RGI. É também um dos maiores do estado do Maranhão, onde ocupa a 4ª posição. Acerca do PIB per capita, Açailândia ocupa a posição de 14º no total do estado do Maranhão. No contexto da RGI, Itinga do Maranhão, destaca-se como o segundo PIB per capita, com R$ 15.616,25 ou 23,41% do total. Estes municípios estão inseridos no cultivo da soja, milho e pecuária de corte, embora com forte presença de rebanhos leiteiros. Contudo, em termos estruturais possuem características muito semelhantes às da RGI de Imperatriz.

14Em relação ao mercado de trabalho, a RGI de Açailândia também se assemelha à RGI de Imperatriz. São economias com empregos formais voltados para o comércio e dependentes do setor público municipal, notadamente, nos municípios menores. Mesmo em Açailândia, onde, tal como em Imperatriz, existe alguma atividade industrial instalada, por sua baixa complexidade, aquele setor oferece salários reduzidos.

Os assentamentos de reforma Agrária assistidos pelo INCRA

  • 2 Um estudo de caso sobre as vicissitudes dos assentamentos de reforma agrária, assistidos pelo INCRA (...)

15O objetivo principal deste estudo é explorar estratégias de desenvolvimento socioprodutivas, voltadas para os assentamentos de reforma agrária assistidos pelo INCRA, no estado do Maranhão. Nesse sentido, é essencial compreender a estrutura e dinâmica desses assentamentos dentro desses territórios. Nestes, o setor graneleiro e a pecuária compõem as principais atividades econômicas das regiões delimitadas na pesquisa. Ali, foi possível constatar que, em muitos desses municípios, a soja e o gado extensivo já penetraram nos assentamentos e ali, além de impactar negativamente pelo uso de agrotóxicos e desmatamento para pasto2, atuam no sentido de desorganizar aquelas socioeconomias mais sustentáveis, portanto, mais próximas de almejáveis EcoEconomias (MARSDEN, 2017)

  • 3 As informações contidas na referida tabela foram compiladas, a partir do cruzamento do Relatório de (...)

16Desse modo, o equilíbrio econômico dos assentamentos nesses municípios do MATOPIBA maranhense, carece de uma estratégia em que as famílias assentadas tenham a possibilidade de gerar riquezas conectadas aos desafios da sustentabilidade ambiental. Isto inclui necessidade de produção agroindustrial que possa servir de efeito multiplicador nas regiões em que estão inseridas. A estrutura dos Assentamentos de Reforma Agrária, sob assistência do INCRA, na Região Geográfica Imediata de Imperatriz, é delineada conforme exposto no Quadro 13.

17No que se refere ao total dos assentamentos de reforma agrária, assistidos pelo INCRA, nos municípios em questão, tem-se, a partir da Coluna I, as seguintes informações: em primeiro lugar, a RGI de Imperatriz possui, no total, 67 assentamentos; em segundo lugar, o município com maior concentração é Amarante do Maranhão com 18 assentamentos, perfazendo 26,87% do total da região. O município de Estreito aparece em segundo lugar, com 11 assentamentos (16,42% do total). João Lisboa (7 e 10,45%) e São João do Paraíso (5 e 7,46%) completam a lista dos municípios com maior número de assentamentos.

Quadro 1. Região imediata de Imperatriz: total de assentamentos de reforma agrária assistidos pelo INCRA, área total, percentual em relação a área total dedicada a atividade agropecuária dos municípios, capacidade total dos assentamentos e número de famílias assentadas – 2017.

Quadro 1. Região imediata de Imperatriz: total de assentamentos de reforma agrária assistidos pelo INCRA, área total, percentual em relação a área total dedicada a atividade agropecuária dos municípios, capacidade total dos assentamentos e número de famílias assentadas – 2017.

I – Total de Assentamentos de Reforma Agrária assistidos pelo INCRA.

II – Área total dos Assentamentos de Reforma Agrária assistidos pelo INCRA.

III – Área total dos Estabelecimentos Agropecuários dos municípios da Região Imediata.

IV – Capacidade total dos Assentamentos de Reforma Agrária assistidos pelo INCRA.

V – Total de Famílias Assentadas.

VI - % Total de Famílias Assentadas na Região Imediata.

Fonte: Instituto Nacional de Reforma Agrária (INCRA). Diretoria de Gestão Estratégica (DE). Coordenação-Geral de Monitoramento e Avaliação de Gestão (DEA). Superintendência Regional (SR-12).

18Em relação a área ocupada pelos assentamentos, faz-se mister saber como eles se inserem na estrutura agrária dos respectivos municípios. Isto pode ser discutido a partir da correlação entre área total dos assentamentos e a área total dos estabelecimentos agropecuários

19A área total dos assentamentos de reforma agrária, assistidos pelo INCRA, no município de Amarante do Maranhão representa 27,13% do total da área dos estabelecimentos agropecuários ali existentes. Em João Lisboa, tal percentual é de 21,75%. Completam-se os municípios cujas áreas de assentamentos representam acima de dois dígitos na área total dos estabelecimentos agropecuários: Estreito (19,70%), Davinópolis (17,21%), Cidelândia (16,77%) e Governador Edison Lobão (11,79%).

20 Quanto ao percentual de famílias assentadas na RGI, tomando como base a capacidade total dos Assentamentos de Reforma Agrária assistidos pelo INCRA e o Total de Famílias Assentadas. As Colunas IV e V nos mostra que a relação capacidade total e famílias assentadas é muito alta, acima de 80% tomando como base o total da RGI, tal como se observa no Gráfico 1. Ademais, nos seguintes municípios, as famílias assentadas ultrapassam os 90,00%: Vila Nova dos Martírios (99,29%), Buritirana (97,50%), São Pedro da Água Branca (97,44%), Davinópolis (95,36%), Porto Franco (92,81%), Governador Edison Lobão (90,66%) e Montes Altos (90,51%). Com as exceções de Imperatriz (63,13%), São João do Paraíso (70,26%) e Senador La Roque (70,24%), nos demais municípios o total de famílias assentadas gira em torno dos 80,00%. O município de Ribamar Fiquene não possui assentamentos de reforma agrária assistidos pelo INCRA.

Gráfico 1. Região Geográfica Imediata de Imperatriz – percentual de famílias assentadas x capacidade total dos assentamentos – 2017.

Gráfico 1. Região Geográfica Imediata de Imperatriz – percentual de famílias assentadas x capacidade total dos assentamentos – 2017.

Fonte: Instituto Nacional de Reforma Agrária (INCRA). Diretoria de Gestão Estratégica (DE). Coordenação-Geral de Monitoramento e Avaliação de Gestão (DEA). Superintendência Regional (SR-12).

21No entanto, a compreensão completa desses dados estruturais exige uma correlação da produção desses assentamentos, com a produção agropecuária dos respectivos municípios. É importante ressaltar, todavia, que a obtenção de dados específicos sobre a produção dos assentamentos apresenta desafios, visto que o INCRA possui tão somente aproximações e estimativas. Nesse sentido, foi realizado um levantamento no Censo Agropecuário (IBGE, 2017) buscando uma aproximação entre a produção agropecuária distribuída por grupos de área nos municípios, a fim de identificar uma “proxy” da produção dos assentamentos de reforma agrária. O foco recaiu sobre a lavoura temporária distribuída por classes de área, como forma de extrair, dentro de uma lógica plausível, informações sobre a produção dos assentamentos. Os resultados apontam que, na RGI de Imperatriz, a agricultura familiar em 2017 estava direcionada para a produção de arroz, feijão, mandioca e milho. Essa produção estava concentrada em áreas de estabelecimentos agropecuários entre 20 hectares e menos de 100 hectares na maioria dos municípios.

22Neste esforço constatou-se que existe uma heterogeneidade, tanto em termos de estrutura das unidades produtivas, como no tipo de produção, especialmente, em se tratando dos assentamentos inseridos na fronteira agrícola do MATOPIBA maranhense. Paula et al. (2022) e Paula & Castro (2023), em estudo de caso, observaram uma reconcentração fundiária, bem como, a penetração da sojicultura e pecuária extensiva, justamente, em assentamentos inseridos nessa fronteira e na RGI de Açailândia. Os Assentamentos de Reforma Agrária, assistidos pelo INCRA, na Região Geográfica Imediata de Açailândia, possuem a seguinte estrutura (Quadro 2):

Quadro 2. Região imediata de Açailândia: total de assentamentos de reforma agrária assistidos pelo INCRA, área total, percentual em relação a área total dedicada a atividade agropecuária dos municípios, capacidade total dos assentamentos e número de famílias assentadas – 2017.

Quadro 2. Região imediata de Açailândia: total de assentamentos de reforma agrária assistidos pelo INCRA, área total, percentual em relação a área total dedicada a atividade agropecuária dos municípios, capacidade total dos assentamentos e número de famílias assentadas – 2017.

I – Total de Assentamentos de Reforma Agrária assistidos pelo INCRA.

II – Área total dos Assentamentos de Reforma Agrária assistidos pelo INCRA.

III – Área total dos Estabelecimentos Agropecuários dos municípios da Região Imediata.

IV – Capacidade total dos Assentamentos de Reforma Agrária assistidos pelo INCRA.

V – Total de Famílias Assentadas.

VI - % Total de Famílias Assentadas na Região Imediata.

Fonte: Instituto Nacional de Reforma Agrária (INCRA). Diretoria de Gestão Estratégica (DE). Coordenação-Geral de Monitoramento e Avaliação de Gestão (DEA). Superintendência Regional (SR-12). Informações Gerais dos Assentamentos – 2017. (*) IBGE, Censo Agropecuário, 2017. https://sidra.ibge.gov.br.

23No que se refere ao total dos assentamentos de reforma agrária, assistidos pelo INCRA, naqueles municípios, tem-se, a partir da Coluna I, as seguintes informações: em primeiro lugar, a RGI de Açailândia possui, no total, 59 assentamentos; em segundo lugar, o município com maior número, é Bom Jesus das Selvas com 22 assentamentos, perfazendo 37,29% do total da região. O município de Buriticupú aparece como segundo com maior número, 16, participando no total com 27,12%. Itinga do Maranhão (12 e 20,34%) e Açailândia (8 e 13,56%) completa a lista dos municípios com maior número de assentamentos. São Francisco do Brejão possui apenas 1 assentamento. Tal como abordado no tópico anterior, em relação a área dos assentamentos, o mais importante, é saber como eles se inserem na estrutura agrária dos respectivos municípios, a partir da correlação entre área total dos assentamentos versus área total dos estabelecimentos agropecuários. Desse modo, visualizamos tal inserção em percentuais.

24Outro exemplo significativo é Buriticupu, onde a área total dos assentamentos supera a área total dos estabelecimentos agropecuários levantados pelo IBGE no Censo Agropecuário de 2017. Essa condição ressalta a importância da trajetória socioprodutiva dos assentamentos para o desenvolvimento socioeconômico do município. Em Itinga do Maranhão, os assentamentos representam 20,51% da área total dos estabelecimentos, enquanto Açailândia e São Francisco do Brejão apresentam percentuais em torno de 8,00%. Além disso, ao observar o percentual de famílias assentadas na RGI em relação à capacidade total dos Assentamentos de Reforma Agrária assistidos pelo INCRA, constata-se, conforme evidenciado no Gráfico 2, uma ocupação significativa, acima de 90% (totalizando 91,52% de ocupação) em toda a RGI. Novamente, como realizado para a RGI de Imperatriz, foi buscar-se no Censo Agropecuário de 2017, uma aproximação entre a produção agropecuária distribuída por grupos de área nos respectivos municípios.

25Na Região Geográfica Imediata de Açailândia. Em todos os seus municípios, a agricultura familiar estava voltada, em 2017, para a produção de arroz, feijão, mandioca e milho. Açailândia foi o único município que apresentou produção de soja, no âmbito da agricultura familiar. Tal, como na RGI de Imperatriz, também aqui a produção está concentrada em áreas de estabelecimentos agropecuários entre 20 hectares e menos de 100 hectares. Em Açailândia, por exemplo, a produção de arroz em casca se concentrou, em 2017, em 100,00% na área entre 1 e menos de 5 hectares.

Gráfico 2. Região geográfica imediata de Açailândia – percentual de famílias assentadas x capacidade total dos assentamentos – 2017.

Gráfico 2. Região geográfica imediata de Açailândia – percentual de famílias assentadas x capacidade total dos assentamentos – 2017.

Fonte: Instituto Nacional de Reforma Agrária (INCRA). Diretoria de Gestão Estratégica (DE). Coordenação-Geral de Monitoramento e Avaliação de Gestão (DEA). Superintendência Regional (SR-12). Informações Gerais dos Assentamentos – 2017. (*) IBGE, Censo Agropecuário, 2017. https://sidra.ibge.gov.br.

A agroindústria de leite e derivados

A demanda por leite e derivados

26É importante ressaltar que os níveis de consumo per capita de leite, assim como de outros produtos de origem animal, são determinados por uma série de fatores. Incluem aspectos econômicos tais como nível de renda e preços relativos e fatores demográficos como urbanização, além de fatores socioculturais. O crescimento econômico e o aumento da renda têm sido os principais determinantes do consumo de produtos de origem animal em grande parte dos países em desenvolvimento.

27Um estudo conduzido pela Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO) em 2013, analisando dados de 144 países em 2005, estabeleceu uma média de duas porções diárias de consumo de leite (aproximadamente 480-500ml), com base em recomendações de diferentes nações. No Brasil, o consumo per capita de leite e seus derivados vem apresentando uma tendência de crescimento desde a década de 1990, especialmente após a estabilização econômica em 1994. Produtos lácteos assim como os demais produtos de origem animal têm uma maior elasticidade renda da demanda do que outros alimentos, especialmente nos menores extratos de renda. Isso significa que um pequeno aumento na renda leva a um grande aumento nos gastos com estes produtos

28De acordo com a Pesquisa Trimestral do Leite realizada pelo IBGE, o consumo trimestral de leite aumentou consideravelmente, passando de 2.623.844 litros no ano de 1997 para 6.798.153 litros no 4º trimestre de 2020.Na metade da década de 1990, a média de consumo trimestral estava em torno de 2 milhões de litros, alcançando de 3 a 4 milhões na primeira metade dos anos 2000. Na segunda metade daquela década, houve oscilação entre 3 e 4 milhões. A partir de 2010, o consumo elevou-se para aproximadamente 5 milhões, atingindo o marco de 6 milhões de litros em 2013 e mantendo-se entre 5 e 6 milhões desde então.

29No que se refere especificamente ao estado do Maranhão, o seu consumo também vem aumentando paulatinamente desde a segunda metade da década de 1990. O consumo de leite naquele estado, saltou de 4.448 litros, no 1º trimestre de 1997 para 22.282 litros, no 2º trimestre de 2014, seu maior nível de consumo. Na primeira metade da década de 2010, o consumo de leite no Maranhão atingiu a casa dos 22 milhões de litros, não obstante oscilações bruscas ao longo do período, tal como a queda para 8.838 litros, no 4º trimestre de 2015, seu menor nível de consumo.

30Na segunda metade daquela década, o consumo girou em torno de 11.201 litros, seu menor nível, no 1º semestre de 2016 e 18.804 litros, seu maior nível, no 1º trimestre de 2020. Na média geral, o consumo de leite foi, naquele período de 15.228 litros. Por fim, nos últimos trimestres, primeiro de 2021 ao segundo de 2023, o consumo de leite no Maranhão girou em torno de 13.704 litros.

Oferta de leite no Maranhão

31Analisando a distribuição do efetivo de rebanho bovino no estado do Maranhão, dos cinco maiores municípios criadores, observa-se que aqueles posicionados na primeira e terceira colocação situam-se nas Regiões Geográficas Imediatas do estudo. Açailândia, com efetivo de 395.335 cabeças, em 2022 e Amarante do Maranhão (RGI Imperatriz), com um rebanho de 303.713 animais. Dos outros três maiores, o município de Grajaú, com 218.642 cabeças, se insere na Região Intermediária de Imperatriz.

32No que se refere à participação percentual no total de cabeças de gado no estado do Maranhão no período de 2010 a 2022, o que se pode depreender é que aquelas são regiões com participação significativa na atividade pecuária deste estado. A participação da RGI de Imperatriz situa-se em torno de 17% e 18%, não obstante uma tendência de queda relativa, a partir de 2017. Já a participação da RGI de Açailândia, no mesmo período, esteve entre 12% e 10%, também, com tendência relativa de queda, notadamente, a partir de 2017. Entretanto, essa diminuição relativa não está associada a uma redução no efetivo, mas sim ao aumento do efetivo em outras regiões imediatas.

33No que diz respeito ao efetivo de vacas ordenhadas nas Regiões Geográficas Imediatas em estudo, os cinco principais municípios com rebanhos de vacas ordenhadas estão entre as RGI’s examinadas. Açailândia lidera com o maior rebanho, totalizando 62.067 cabeças em 2022, seguida por Amarante do Maranhão, com 21.949. Em terceiro lugar está Estreito, com 20.088 cabeças, seguido por Porto Franco e Itinga do Maranhão, com 19.941 e 17.332, respectivamente. Dos cinco principais municípios, três estão na Região Geográfica Imediata de Imperatriz (Amarante do Maranhão, Estreito e Porto Franco) e dois na Região de Açailândia (Açailândia e Itinga do Maranhão), sendo Açailândia o município com o maior número de vacas ordenhadas em todo o estado do Maranhão (IBGE, 2022).

34Quanto à produção de leite no estado do Maranhão, em 2010 registrava-se um total de 375.898 litros. Esse número aumentou para 405.898 litros em 2022, representando um crescimento de 107,98%. No entanto, ao analisar a série histórica, nota-se uma queda acentuada na produção entre os anos de pico, 2015 (393.341 litros), e o vale em 2019 (342.273 litros). A partir de 2020, a produção voltou a crescer, alcançando seu maior volume em 2022.

Gráfico 3. Regiões geográficas imediatas de Imperatriz e Açailândia – Participação percentual da produção de leite no total do Maranhão – (Mil litros) – 2010/2022.

Gráfico 3. Regiões geográficas imediatas de Imperatriz e Açailândia – Participação percentual da produção de leite no total do Maranhão – (Mil litros) – 2010/2022.

Fonte: IBGE. Pesquisa Pecuária Municipal. Resultados 2022.

35Em relação à distribuição da produção de leite no estado no ano de 2022 e sua concentração produtiva, destacam-se 19 municípios com uma produção de leite superior a 5 milhões de litros. Desses municípios, 16 estão localizados nas Regiões Geográficas Imediatas em análise. Açailândia lidera como o maior produtor de leite do Maranhão, com uma produção de 51.391 litros em 2022, representando 12,66% do total da produção do estado. Em segundo lugar está Porto Franco, com 17.408 litros, o que equivale a 4,29%.

36Ao analisar as Regiões Geográficas Imediatas de Imperatriz e Açailândia, e suas respectivas participações percentuais na produção de leite total do estado do Maranhão, o Gráfico 3 é apresentado. A Região Geográfica Imediata de Imperatriz representa mais de 30% da produção de leite do estado, variando sua participação percentual entre 31,19% em 2010 e 36,78% em 2022 - ano em que atingiu seu pico de participação. Ao longo da série histórica, a RGI de Imperatriz manteve-se consistentemente na faixa dos 30%. O ano de menor participação foi 2017, com 30,87%.

Quadro 3. Maranhão - Valor da produção de leite (R$ 1.000) - principais municípios - 2022.

Quadro 3. Maranhão - Valor da produção de leite (R$ 1.000) - principais municípios - 2022.

Fonte: IBGE. Pesquisa Pecuária Municipal. Resultados 2022.

37A Região Geográfica Imediata de Açailândia, embora detenha o município com a maior produção leiteira, apresenta uma trajetória de queda em sua participação relativa ao longo da série histórica entre 2010 e 2022. Em 2010, sua produção representava 25,99% do total, alcançando seu nível mais baixo em 2017, com 18,90%. Durante o período de 2011 a 2015, sua participação variou na faixa dos 23%, com exceção de 2014, que registrou 22,96%. A partir de 2016, observou-se um declínio, permanecendo abaixo dos 20% entre 2017 e 2021, em torno de 19,79%. Em 2022, houve um retorno para a faixa dos 20%. Quanto ao valor da produção de leite, esta concentração se evidencia justamente nas RGI em análise, como destacado No Quadro 3.

38Esses dados apontam que os 12 municípios com maior valor na produção de leite concentram 44,55% do total do estado do Maranhão. Açailândia se destaca como o município com o maior valor, atingindo um VP de R$ 92,505 (noventa e dois milhões e quinhentos e cinco mil reais), o que representa 12,56% do valor total da produção de leite do estado.

Produção de derivados do leite

39Finalizando a análise da oferta, examina-se a produção dos três principais produtos lácteos amplamente consumidos no Brasil, os quais também têm lugar significativo na dieta maranhense: manteiga, queijos e requeijões. Essa seleção se justifica como ponto de partida para o desenvolvimento da agroindústria nos Assentamentos de Reforma Agrária, assistidos pelo INCRA, nas áreas sob estudo. No que concerne à produção de manteiga, observa-se, por meio da Figura 2, que sua fabricação é praticamente inexistente no estado do Maranhão. Este mapa focaliza os estabelecimentos dedicados a essa agroindústria rural, baseando-se nos dados do Censo Agropecuário de 2017.

Figura 2. Estabelecimentos agropecuários, com agroindústria rural - produtores de manteiga – 2017

Figura 2. Estabelecimentos agropecuários, com agroindústria rural - produtores de manteiga – 2017

Fonte: IBGE. Censo Agropecuário, 2017. IMESC. DATAIMESC.

40 O estado do Maranhão possui apenas oito estabelecimentos voltados para a produção de manteiga. Tais estabelecimentos estão situados em municípios fora das RGI em estudo.

Figura 3. Estabelecimentos agropecuários com agroindústria rural. Produtores de queijos e requeijão – 2017.

Figura 3. Estabelecimentos agropecuários com agroindústria rural. Produtores de queijos e requeijão – 2017.

Fonte: IBGE. Censo Agropecuário, 2017. IMESC. DATAIMESC.

41Em relação aos estabelecimentos dedicados à produção de queijos e requeijões na agroindústria rural maranhense, a figura 3 evidencia sua concentração nas RGI em análise, segundo dados do Censo Agropecuário de 2017. No Maranhão, há 1.188 estabelecimentos com foco nessa atividade. A RGI de Imperatriz representa 15,86% do total desses produtores no estado. Dentro dessa região, o município de Amarante do Maranhão possui 38 estabelecimentos, correspondendo a 20,43% do total, seguido por Estreito, com 23 estabelecimentos, representando 12,37%. Montes Altos e Cidelândia completam a lista, com 17 e 15 estabelecimentos, respectivamente.

42Por outro lado, na Região Geográfica Imediata de Açailândia, o número de estabelecimentos agropecuários voltados para essa agroindústria é consideravelmente maior. Essa RGI contribui com 20,45% do total no estado, somando 243 estabelecimentos. Açailândia, nesse contexto, detém 84 estabelecimentos, representando 34,57% do total da RGI. Em resumo, as duas RGI em análise concentram conjuntamente 36,11% dos estabelecimentos agropecuários dedicados à produção de queijos e requeijões no Maranhão (429 estabelecimentos agroindustriais rurais).

Os mercados regionais e ambiente organizacional

43Observou-se que apesar da evolução da pecuária leiteira no estado do Maranhão, e seus desdobramentos na agroindústria rural de leite e derivados, em especial queijos e requeijões, permanecem limitações e espaços para avanços. De um lado, a produção regional se revela bastante inferior à média nacional, não obstante a omissão de uma análise comparativa, pelo lado da oferta, entre os entes federados.

44A presente análise concentra-se na investigação das oportunidades de mercado para o desenvolvimento da agroindústria de laticínios nos Assentamentos de Reforma Agrária, sob a assistência do INCRA, nas áreas em estudo. Esse estudo se baseia em uma adaptação da pesquisa realizada por Silva et al. (2023). Inicialmente, é realizada uma análise da estrutura de operação em redes de produtores, considerando o panorama delineado na análise anterior sobre a oferta de laticínios. Conforme os dados observados previamente, é evidente que a produção de leite no Maranhão possui como característica predominante sua atuação como uma atividade secundária à pecuária de corte. Ambas operam de forma extensiva, com os produtores desempenhando suas funções de maneira familiar.

45No contexto da pecuária leiteira, as análises realizadas pelo Fundo de Desenvolvimento da Pecuária no Maranhão (FUNDEPECMA) indicam que a maioria das unidades produtivas está orientada para a subsistência familiar, o que dificulta sua inserção efetiva na economia de mercado. Esse cenário explica, em parte, a limitação dessa atividade, que frequentemente utiliza métodos rudimentares sem o suporte técnico veterinário necessário. Entretanto, os dados revelam transformações significativas na cadeia produtiva de leite e derivados no Maranhão ao longo do tempo. Segundo o FUNDEPECMA, essas mudanças estão relacionadas à crescente preocupação com normas sanitárias, aprimoramento da qualidade dos produtos para atender às exigências dos consumidores e um maior controle na produção e comercialização desses alimentos. Além disso, muitos produtores demonstraram um empreendedorismo notável, buscando novas abordagens para acessar o mercado, ainda que em muitos casos de maneira informal.

46Essa perspectiva é corroborada pelo estudo de Freitas, Moura e Paula (2017), que investiga os fatores que influenciam a adesão das propriedades leiteiras na microrregião de Imperatriz aos padrões normativos oficiais. Essa adesão é vista como um caminho para a conformidade com as regulamentações do mercado, assim como uma oportunidade para acessar créditos visando a expansão das respectivas produções.

47O desenvolvimento da pecuária leiteira e da agroindústria de leite e derivados no Maranhão enfrenta várias barreiras que, em alguns momentos, comprometem sua dinâmica, levando até mesmo a períodos de escassez. Uma das principais questões identificadas é a dificuldade na coleta e transporte adequado do leite cru, o que está diretamente relacionado à infraestrutura logística deficiente, principalmente nas estradas vicinais.

48Além disso, o Fundo de Desenvolvimento da Pecuária no Maranhão e um estudo do IMESC (2019) apontam outros obstáculos. Estes incluem a irregularidade no fornecimento de energia elétrica de qualidade, questões relacionadas a licenciamentos, a falta de assistência técnica, a escassez de pesquisas no setor, o uso de raças com baixa produtividade genética e a informalidade na comercialização direta entre produtores familiares e indústrias. Um fator crucial que também se destaca é a organização dos próprios produtores.

49A criação de um ambiente organizacional coeso é fundamental para estabelecer conexões eficazes com outras instituições que possam apoiar o desenvolvimento da indústria de laticínios. O ambiente institucional depende, primariamente, desse contexto organizacional. O conceito de ambiente organizacional é extraído dos manuais de teorias gerais da Administração, referindo-se ao conjunto de forças, tendências e instituições, tanto internas quanto externas, que têm o potencial de influenciar o desempenho dos empreendimentos (SOBRAL & PECI, 2008; Cap. 3., pp., 70-95). Esta é uma lição fundamental para a organização dos produtores de leite e a agroindústria pretendida como estratégia de desenvolvimento socioeconômico nos Assentamentos de Reforma Agrária assistidos pelo INCRA, nas RGI em estudo. Resumidamente, a colaboração em rede entre os produtores é essencial para superar os principais desafios enfrentados no desenvolvimento da agroindústria.

50Pode-se observar que nos assentamentos de reforma agrária no Maranhão, há uma estrutura interna composta por várias associações, geralmente dispersas nos povoados que integram esses assentamentos. Em muitos casos, também existe uma associação central, responsável por estabelecer vínculos institucionais com entidades e instituições externas. Ao analisar o contexto dos assentamentos ligados diretamente às regiões imediatas em estudo, foi identificada a presença de uma cooperativa que se tornou o cerne do estudo focado na estratégia de implementação de agroindústrias de leite e derivados nessas áreas. A Cooperativa Mista dos Assentamentos de Reforma Agrária da Região Tocantina Ltda (COOMARA), localizada no PA Açaí, no município de Açailândia, emerge como ponto inicial dessa iniciativa agroindustrial. O sucesso dessa empreitada pode servir como modelo replicável para os demais assentamentos e seus respectivos municípios.

51A COOMARA foi fundada em 22 de fevereiro de 1997, inicialmente composta por 153 sócios fundadores. Seu principal propósito foi proporcionar aos trabalhadores acesso a linhas de crédito destinadas ao beneficiamento de produtos agroindustriais, além de organizar o sistema de cooperação agrícola no Maranhão (EQUIPE TED-UFMA/INCRA, 2023a).

52Atualmente, a cooperativa conta com 222 sócios, dos quais 87 estão registrados na DAP Jurídica. A experiência organizacional da COOMARA está centrada no suporte oferecido aos assentamentos para acesso a programas de crédito como o PRONAF e o PROCERA. Além disso, estabeleceu parcerias com a Associação Estadual de Cooperação Agrícola (AESCA), destacando-se a implantação do projeto CIMA’s – Centro Irradiador de Manejo de Agrobiodiversidade, firmado por meio do convênio MMA/FNMA nº 071/2004 com duração de dois anos. Em colaboração com a equipe técnica do convênio TED UFMA/INCRA, a cooperativa desenvolveu planos de negócios e estratégias de comercialização voltadas para a produção de queijos. Os 10 objetivos delineados no Plano de Negócios da COOMARA, expressos No Quadro 4, refletem sua cultura organizacional e os princípios orientadores do empreendimento.

Quadro 4. Empreendimento COOMARA – Plano de negócios

I) Diversificação da produção

Expandir as atividades de produção além do extrativismo tradicional de carnaúba, visando agregar valor à matéria-prima e criar produtos com maior potencial econômico.

II)Agregação de Valor

Estabelecer uma unidade industrial para processar

o pó de cera em cera de carnaúba, com o objetivo de aumentar o valor agregado aos produtos, abrindo oportunidades para comercialização em mercados locais.

III)Desenvolvimento

Econômico Sustentável

Contribuir para o crescimento econômico da comunidade assentada, promovendo a geração de renda e emprego por meio da produção de cera orgânica e seus derivados, de forma ambientalmente consciente.

IV) Parcerias estratégicas

Colaborar com parceiros, como Sindicatos dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais (STTR’s); a Universidade Federal do Maranhão, o Instituto Federal do Maranhão, a Universidade Estadual do Maranhão e demais instituições de ensino e pesquisa, que possam colaborar com apoio técnico, assessoria e conhecimento especializado na elaboração, execução e aprimoramento do projeto.

V) Capacitação e Formação

Oferecer treinamento técnico e capacitação para os membros da cooperativa e demais membros de famílias assentadas, visando melhorar as habilidades de produção da agricultura familiar, gestão e comercialização, contribuindo para o crescimento sustentável da iniciativa.

VI) Inovação e Qualidade

Promover a adoção de práticas inovadoras e padrões de qualidade na produção de cera orgânica, a fim de atender às demandas dos mercados locais e internacionais, destacando-se pela qualidade dos produtos oferecidos.

VII) Fortalecimento Comunitário

Reforçar o senso de comunidade entre os assentados, promovendo a cooperação e colaboração entre os membros; além de incentivar a troca de conhecimentos e experiências.

VIII) Impacto socioeconômico

Alcançar melhorias tangíveis na qualidade de vida dos membros da associação, gerando empregos, renda estável e oportunidades para crescimento individual e coletivo.

IX) Sustentabilidade ambiental

Implementar práticas de produção sustentável, respeitando os recursos naturais e minimizando os impactos ambientais, ao mesmo tempo em que busca explorar o potencial da carnaúba de maneira responsável.

X) Posicionamento no mercado

Estabelecer referência na produção de queijos de alta qualidade, diferenciando-se no mercado por meio de práticas sustentáveis e produtos inovadores.

Fonte: Equipe TED-UFMA/INCRA (2023b).

53Essa ação da COOMARA pode representar um ponto inicial para a construção de uma cadeia produtiva do leite e seus derivados, trazendo benefícios para os Assentamentos de Reforma Agrária vinculados ao INCRA nas RIG de Imperatriz e Açailândia, com potencial de impacto em todo o estado do Maranhão.

54A estratégia inicial para os assentamentos, como mencionado no objetivo X do projeto COOMARA, é determinar a variedade e o mercado-alvo. No contexto dos assentamentos, o mercado institucional governamental surge como uma opção facilitadora para a estruturação da estratégia de desenvolvimento socioprodutivo. Essa estratégia pode viabilizar a venda dos produtos, especialmente para produções pequenas, sejam elas familiares ou por meio de cooperativas. Dentro desse contexto, destacam-se duas modalidades principais: o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), criado em 2003 para promover a agricultura familiar e expandir o acesso à alimentação, e o Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE), estabelecido em 1955, com o propósito de garantir a alimentação nas escolas. Atualmente, além de nutrir as instituições educacionais, o PNAE, bem como o PAA, atua como um mercado “aninhado” (PLOEG, et al. 2012) para a aquisição de produtos provenientes da agricultura familiar local e promoção do desenvolvimento rural sustentável.

Considerações finais

55O objetivo deste estudo foi analisar as potencialidades econômicas das Regiões Geográficas Imediatas de Imperatriz e Açailândia para a implementação de agroindústrias de leite e derivados nos assentamentos de reforma agrária apoiados pelo INCRA. A justificativa para a realização deste trabalho reside na inclusão dessas regiões na nova fronteira agrícola brasileira, conhecida como MATOPIBA, que tem gerado pressões significativas sobre os assentamentos. Essas pressões se manifestam por meio de invasões de terras, expansão da soja e pecuária extensiva, o que tem desestruturado o conceito original dos assentamentos de reforma agrária, inicialmente planejados para pequenas produções voltadas ao abastecimento local.

56A viabilidade de uma estratégia de desenvolvimento socioeconômico baseada na agroindústria de leite e seus derivados só faz sentido se estiver fundamentada em uma base econômica estabelecida, servindo como estímulo. Foi nesse contexto que foram analisadas as características socioeconômicas e produtivas das regiões delimitadas. A conclusão é que a produção de leite e derivados, como uma agroindústria de destaque para os assentamentos, está intimamente ligada à vocação regional.

57Contudo, é importante ressaltar que essa agroindústria é uma entre várias possibilidades, não sendo a única. O que se afirmou é que a produção sustentável de leite e seus derivados se configura como uma atividade econômica central para a integração econômica dos assentamentos, dentro da dinâmica produtiva das regiões geográficas imediatas. Esse destaque se justifica, especialmente, pelo fato de que a grande maioria do gado bovino é destinada à atividade de corte. Além disso, tanto a pecuária de corte quanto a leiteira operam em uma estrutura extensiva, sendo esta última caracterizada por uma produtividade bastante baixa.

58A viabilidade da estratégia de desenvolvimento socioprodutivo está intrinsecamente ligada às condições internas dos assentamentos. Os 126 Assentamentos de Reforma Agrária, sob a supervisão do INCRA e distribuídos nos municípios das Regiões Geográficas Imediatas de Imperatriz e Açailândia, carecem de dados específicos sobre suas produções econômicas. A utilização do Censo Agropecuário de 2017 (IBGE) permitiu uma aproximação ao considerar a modalidade de agricultura familiar e suas classes de área como uma referência.

59Em síntese, a base da agricultura familiar dos municípios nas Regiões Geográficas Imediatas (RGI) analisadas gira em torno da produção de arroz, feijões, mandioca e milho, refletindo-se também na maioria dos assentamentos de reforma agrária no Maranhão. Dessa maneira, a análise das estruturas pecuárias revelou um sistema extensivo e de baixa produtividade na pecuária leiteira. No entanto, é nas RGIs de Imperatriz e Açailândia que se concentra a produção pecuária do estado. Essa concentração, aliada à avaliação do mercado de leite e derivados, indica a viabilidade da estratégia de desenvolvimento socioprodutivo dos assentamentos de reforma agrária por meio da agroindústria de lácteos.

60Por fim, essa estratégia apenas se completa em termos de viabilidade quando consideramos o ambiente organizacional interno dos assentamentos para a implementação da agroindústria. Embora seja inviável verificar tal ambiente em todos os 126 assentamentos assistidos pelo INCRA, a identificação de uma associação de produtores, famílias assentadas ou uma cooperativa no assentamento sugere as possibilidades econômicas, aplicando conceitos da teoria da administração. Nesse contexto, a COOMARA se destacou. Sua história, experiência organizacional e um projeto já em andamento para a construção de uma fábrica de queijos no Assentamento PA Açaí, em Açailândia, indicam a agroindústria de lácteos como uma estratégia de desenvolvimento rural sustentável para os assentamentos nas RGI de Imperatriz e Açailândia.

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Bibliografia

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EQUIPE TED-UFMA/INCRA Plano de comercialização da queijaria em Açailândia. São Luís: Universidade Federal do Maranhão/Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária, setembro 2023b (não publicado).

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Notas

1 As Regiões Geográficas Imediatas têm na rede urbana o seu principal elemento de referência. Essas regiões são estruturas a partir de centros urbanos próximos para a satisfação das necessidades imediatas das populações, tais como: compras de bens de consumo duráveis e não duráveis; busca de trabalho; procura por serviços de saúde e educação; e prestação de serviços públicos (IBGE, 2008).

2 Um estudo de caso sobre as vicissitudes dos assentamentos de reforma agrária, assistidos pelo INCRA, no Maranhão, e as pressões da agricultura empresarial sobre eles, consultar: PAULA, R. Z. A.; CASTRO, J. G; MATOS, J. V. F.; SILVA, L. E. C. Desenvolvimento rural em assentamentos de reforma agrária no maranhão: o caso do Terra Bela. In: TEXTO PARA DISCUSSÃO DO ERA – nº20, vol. 12, nov. 2022. São Luís: Grupo de Pesquisa Economia Regional Aplicada (ERA), Universidade Federal do Maranhão (UFMA). Versão resumida do trabalho, consultar: PAULA, R. Z. A. & CASTRO, J. G. Desenvolvimento rural em assentamentos de reforma agrária no maranhão: o caso do Terra Bela. In: Anais do XXXVIII do Encontro Nacional de Economia Política, Maceió, junho de 2023.

3 As informações contidas na referida tabela foram compiladas, a partir do cruzamento do Relatório de Informações Gerais dos Assentamentos – 2017, elaborado pela Superintendência Regional (SR-12), situada em São Luís, capital do estado do Maranhão; com dados do Censo Agropecuário, do IBGE, de 2017

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Índice das ilustrações

Título Figura 1. Delimitação Territorial do MATOPIBA
Créditos Fonte: MIRANDA, E. E.; MAGALHÃES, L. A. & CARVALHO, C. A. Proposta de delimitação territorial do MATOPIBA. Nota Técnica 1. Campinas: EMBRAPA/GITE, maio 2014, pg., 11.
URL http://journals.openedition.org/espacoeconomia/docannexe/image/29786/img-1.png
Ficheiro image/png, 189k
Título Quadro 1. Região imediata de Imperatriz: total de assentamentos de reforma agrária assistidos pelo INCRA, área total, percentual em relação a área total dedicada a atividade agropecuária dos municípios, capacidade total dos assentamentos e número de famílias assentadas – 2017.
Créditos I – Total de Assentamentos de Reforma Agrária assistidos pelo INCRA.
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Ficheiro image/jpeg, 88k
Título Gráfico 1. Região Geográfica Imediata de Imperatriz – percentual de famílias assentadas x capacidade total dos assentamentos – 2017.
Créditos Fonte: Instituto Nacional de Reforma Agrária (INCRA). Diretoria de Gestão Estratégica (DE). Coordenação-Geral de Monitoramento e Avaliação de Gestão (DEA). Superintendência Regional (SR-12).
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Título Quadro 2. Região imediata de Açailândia: total de assentamentos de reforma agrária assistidos pelo INCRA, área total, percentual em relação a área total dedicada a atividade agropecuária dos municípios, capacidade total dos assentamentos e número de famílias assentadas – 2017.
Créditos I – Total de Assentamentos de Reforma Agrária assistidos pelo INCRA.
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Ficheiro image/png, 16k
Título Gráfico 2. Região geográfica imediata de Açailândia – percentual de famílias assentadas x capacidade total dos assentamentos – 2017.
Créditos Fonte: Instituto Nacional de Reforma Agrária (INCRA). Diretoria de Gestão Estratégica (DE). Coordenação-Geral de Monitoramento e Avaliação de Gestão (DEA). Superintendência Regional (SR-12). Informações Gerais dos Assentamentos – 2017. (*) IBGE, Censo Agropecuário, 2017. https://sidra.ibge.gov.br.
URL http://journals.openedition.org/espacoeconomia/docannexe/image/29786/img-5.png
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Título Gráfico 3. Regiões geográficas imediatas de Imperatriz e Açailândia – Participação percentual da produção de leite no total do Maranhão – (Mil litros) – 2010/2022.
Créditos Fonte: IBGE. Pesquisa Pecuária Municipal. Resultados 2022.
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Título Quadro 3. Maranhão - Valor da produção de leite (R$ 1.000) - principais municípios - 2022.
Créditos Fonte: IBGE. Pesquisa Pecuária Municipal. Resultados 2022.
URL http://journals.openedition.org/espacoeconomia/docannexe/image/29786/img-7.png
Ficheiro image/png, 46k
Título Figura 2. Estabelecimentos agropecuários, com agroindústria rural - produtores de manteiga – 2017
Créditos Fonte: IBGE. Censo Agropecuário, 2017. IMESC. DATAIMESC.
URL http://journals.openedition.org/espacoeconomia/docannexe/image/29786/img-8.png
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Título Figura 3. Estabelecimentos agropecuários com agroindústria rural. Produtores de queijos e requeijão – 2017.
Créditos Fonte: IBGE. Censo Agropecuário, 2017. IMESC. DATAIMESC.
URL http://journals.openedition.org/espacoeconomia/docannexe/image/29786/img-9.png
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Para citar este artigo

Referência eletrónica

Lúcio André Fernandes, Ricardo Zimbrão Afonso Paula e Leonardo Melgarejo, «O potencial da agroindústria do leite na transformação dos assentamentos de reforma agrária: um estudo em Imperatriz e Açailândia, Maranhão»Espaço e Economia [Online], 28 | 2025, posto online no dia 26 abril 2025, consultado o 15 junho 2025. URL: http://journals.openedition.org/espacoeconomia/29786

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Autores

Lúcio André Fernandes

Professor Associado da Universidade Federal de Pelotas (UFPEL)

lucio.fernandes@ufpel.edu.br.

Ricardo Zimbrão Afonso Paula

Professor Associado da Universidade Federal de Pelotas (UFPEL)

ricardo.zimbrao@ufma.br

Leonardo Melgarejo

Consultor do TED-INCRA/UFMA

melgarejo.leonardo@gmail.com

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Apenas o texto pode ser utilizado sob licença CC BY-NC-SA 4.0. Outros elementos (ilustrações, anexos importados) são "Todos os direitos reservados", à exceção de indicação em contrário.

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