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Editorial

Editorial

Cláudio Luiz Zanotelli

Dedicatória

Dedicamos esse número ao amargo Rio Doce e as comunidades que aí vivem.

Texto integral

1O número 20 da revista Geografares é publicado em um momento difícil para o Brasil com as ameaças de desestabilização da República brasileira por parte de setores da sociedade que querem se amparar do poder a qualquer custo sem reconhecer os últimos resultados da eleição para presidente da república. Por outro lado, temos uma Câmara dos deputados federal e um Senado que estão pautando leis e projetos de leis que significam recuos sociais, econômicos e ambientais gravíssimos. Tempos difíceis se anunciam e mobilizações e resistências sociais se fazem necessárias para resistir à onda golpista e reacionária que está no ar.

2Tempos também difíceis estão na ordem do dia com o desenrolar de uma tragédia anunciada: a ruptura em 5 de novembro de 2015 da barragem de rejeitos da empresa Samarco (pertencente às multinacionais de mineração Vale e à BHP Billiton) em Mariana, Minas Gerais. Foram 50 milhões de metros cúbicos de uma lama viscosa e contaminada que inundaram o vale do Rio Doce e a costa do Espírito Santo, ou seja 50 bilhões de litros de lama - o que dá para encher 50 milhões de caixas d’água de mil litros -, que se arrastaram ao longo de 800 Km da bacia do rio e continuam a se deslocar em mar aberto. As ações ao longo das semanas em que essa lama da destruição descia o rio foram irrisórias, pois não se pode ou não se quis e/ou não se preocuparam em segurar a lama, em desviá-la. Dia após dia as crônicas dos eventos diziam da posição do front enlameado e da impotência e imprevidência da empresa responsável pelo desastre e do Estado e suas instâncias, como uma catástrofe anunciada a sociedade seguia o caminho da lama dia após dia, impotente.

3Trata-se de um crime ambiental de amplitude fenomenal e que atingiu e atingirá centenas de milhares de pessoas ao longo da bacia do Rio Doce entre Minas Gerais e o Espírito Santo. A onda de lama de rejeitos contaminados que matou várias pessoas e que está asfixiando os peixes e os animais de maneira geral e a vegetação da bacia do rio chegou ao mar e está se alastrando ao norte e ao sul da foz do Rio Doce fazendo com que milhares de pessoas fiquem sem água para seus afazeres cotidianos.

4A Bacia do Rio Doce já estava extremamente degradada pelos desmatamentos e pelo uso intensivo da água para agricultura intensiva, pelas indústrias e pela mineração depredadora. Não há nada que “pague” essa tragédia. Em causa está a exploração da natureza e o modo de exploração capitalista. Estamos na era do “antropoceno” ou do “capitaloceno” onde se está constituindo uma nova era geológica pela atividade destruidora por meio da exploração do planeta Terra. A exploração predadora e o modo de consumo sem freios necessitará de vários planetas Terra se continuarem na pegada e no ritmo atual.

5Estamos diante de um dilema ou mudamos o sistema e o regime de exploração da natureza e dos homens ou ao longo do século XXI assistiremos cada vez mais a crises ambientais, climáticas, sociais e econômicas, um período de instabilidade planetária está já aqui com as guerras, migrações em massa, tragédias ambientais à repetição, todos produtos dos modos de exploração ligados à energia fóssil e ao uso insensato das terras, das águas, das florestas e à exploração dos animais e de todos os seres vivos.

6A geopolítica dos Estados e das corporações dominantes, principais responsáveis das emissões de gás carbônico ao longo do século XIX e XX, impondo uma ordem consumerista desenfreada e difusora dos modos de exploração capitalista está nos levando a um literal mar de lama. Mariana é um exemplo do que ocorre em vários lugares de Minas Gerais (existem centenas de barragens de rejeitos do tipo daquela que desmoronou em Mariana), do Espírito Santo (a Samarco transporta por “minerodutos” todos os anos milhões de toneladas de minério ferro em pó, misturados às águas dos rios, explorados em Mariana para seu porto no Espírito Santo, em Ubu, donde é exportado, utilizando a água que deveria ter outras prioridades que não esse “transporte” e a jogando em seguida, depois de decantada, mas ainda contaminada, na lagoa Mãe Bá e no mar), do Brasil e no mundo.

7Portanto, para mudar é necessário resistências, contra-projetos, contra- -racionalidades que indiquem outros caminhos. E, justamente, esse número da Geografares trás artigos que debatem sobre esse tema e como é necessário o confronto à destruição dos territórios e dos espaços do cotidiano. Estamos falando daqueles que r-existem às formas depredadoras do capitalismo: os territórios e espaços ribeirinhos, os camponeses e a agroecologia, os indígenas, os povos das florestas, as populações ditas “tradicionais” ou simplesmente as comunidades que no aprendizado cotidiano constroem outro modo de ser, outra relação com o meio que não aquela das grandes empresas como a Samarco-Vale-Billiton que extraem o metal da Terra e usam água como se fossem bens infinitos colocados ali à sua disposição.

8Portanto, clamamos pelos Direitos dos viventes, o homem como ser vivente e não mais e tão somente como ser moral a dizer o “verdadeiro” e a comandar a cadeia da biosfera. Ao contrário, o homem ao lado dos animais, dos vegetais, dos minerais, ao lado ao invés de os excluir ou de ser “superior”. Como diria Elisée Reclus estar com os animais e com a natureza de maneira geral como amigos. Para isso não se pode mais ver a natureza (que somos nós mesmos) como a “coisa” a ser explorada: falar aos pássaros, aos bois e às plantas, se inserir nessa velha sabedoria indígena de viver em comunhão com a natureza, por um devir índio, um devir animal, um devir floresta, um devir geológico, um devir rio....viver é perigoso, pois os animais e os rios podem se revelar humanos, prenhes de espíritos, e por isso deve-se ter pleno respeito por eles. Assim, não é a “humanização” do processo de capitalização da natureza, mas uma humanização que não separa o homem da natureza, pois ela é englobada no plano do próprio “espírito”, da própria “alma”, do próprio mito, função vital à vida: como dizia Reclus “O homem é a natureza tomando consciência de si própria”.

9Que o Doce Rio que conhecemos na nossa infância não vire mais a cloaca do capitalismo.

Os artigos

10O artigo Monopolização e R-existências: educação do campo como fortalecimento da territorialidade camponesa no Noroeste do Espírito Santo de Angelo de Sousa Zanoni, trata dos diferentes usos do território Noroeste do Espírito Santo, trazendo um recorte espaço-temporal a partir da década de 1920 até os dias atuais. Em um primeiro momento, expõe a gênese da atual estrutura fundiária desse território, destacando uma porção caracterizada pela predominância da pequena propriedade. Em seguida, investiga as transformações ocorridas na década de 1960, destacando a industrialização e modernização agrícola, bem como as posteriores mudanças oriundas do modelo urbano-industrial estendido para o campo. Por fim, aponta para os movimentos campesinos de r-existências, indicando a educação do campo como um elemento estratégico para a recriação e reprodução camponesa no Noroeste do Espírito Santo.

11O a artigo Cartografia Social: O mapa como construção cultural e exercício do poder de Jadson de Jesus Santos e Gicélia Mendes da Silva, descreve os diferentes tipos de cartografias, incluindo a cartografia social e a utilização delas nos inúmeros processos de formação histórica da sociedade através da multiplicidade da cultura e da constituição dos poderes. Nos indicando possibilidades de usos emergentes da cartografia.

12Ana Júlia Poletto em Corpo-paisagem: Diadorim e o sertão inflamável, parte da paisagem como construção cultural e' busca analisar através da leitura das imagens do corpo de Diadorim, personagem de Grande sertão: Veredas de Guimarães Rosa, as paisagens corporais que aparecem na obra, buscando representações da experiência da modernidade neste corpo representado. Acreditamos que na travessia do corpo selvagem-sertão à água-vereda podemos encontrar um imaginário de corpos a serem lidos, corpos que, como as paisagens, são construídos e imanentes.

13Edmilson Soares e Leandro Bruno Santos com o artigo Planos urbanísticos, moradia e segregação socioespacial no Brasil entre finais do século XIX e início do século XX, abordam a cidade brasileira entre a segunda metade do século XIX e as primeiras décadas do século XX, quando se verificam mudanças estruturais no âmbito econômico, social e político que conduzirão às nova formas de produção e consumo da cidade e da moradia. Sobrepõe-se à matriz arcaica de feição colonial uma nova roupagem que, travestida de moderna, só fez exacerbar suas dramáticas injustiças, levando à produção de um espaço urbano segregado, tanto no plano social como no espacial. A questão do acesso à terra e a atuação do Estado estão no cerne dessas enormes desigualdades.

14Num tema em geografia que é ainda balbuciante, apesar dos avanços nas pesquisas serem proeminentes, Márcia Andréia Ferreira Santos em O território geográfico como perspectiva de análise da criminalidade violenta, objetiva discutir o conceito de território como categoria de análise da criminalidade violenta, em especial aquele relativo ao tráfico de drogas. A pesquisa foi realizada a partir do levantamento bibliográfico sobre a temática em livros, dando ênfase aos trabalhos desenvolvidos por geógrafos.

15Finalmente, na tentativa de apontar alternativas ao desenvolvimento econômico concentrador Alexandre Magno de Melo Faria, Wladimir Colman de Azevedo Junior e Charline Dassow no artigo Desenvolvimento territorial desequilibrado e subpolos emergentes em Mato Grosso, descrevem subpolos econômicos de Mato Grosso que poderiam reduzir o desequilíbrio econômico territorial. O Modelo de Gravitação Potencial (MGP) foi utilizado para estimar os campos de força que surgem da interação entre as massas econômicas do sistema selecionado. Os resultados indicam um processo de desenvolvimento desequilibrado, onde 10% das economias locais possuem mais de 94% dos scores potenciais de polarização nos anos avaliados, com apenas dois polos se destacando: Cuiabá e Rondonópolis. Contudo, há um processo de desconcentração que revela a emergência de 17 subpolos que expandem seus scores potenciais, com redução da importância de Cuiabá e Rondonópolis. O desenvolvimento territorial equilibrado depende da consolidação dos subpolos emergentes, permitindo a elevação da dinâmica econômica em outras regiões alternativas aos polos econômicos.

16Boa leitura!

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Para citar este artigo

Referência eletrónica

Cláudio Luiz Zanotelli, «Editorial»Geografares [Online], 20 | 2015, posto online no dia 14 dezembro 2015, consultado o 18 julho 2025. URL: http://journals.openedition.org/geografares/13797

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Cláudio Luiz Zanotelli

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