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Parceria na licenciatura: fortalecendo lutas pela profissionalização docente

Erineu Foerste

Resumos

Este trabalho discute aspectos da prática da colaboração entre diferentes segmentos institucionais e seus profissionais, interessados na formação inicial e continuada de professores da escola básica. Partindo de uma concepção sócio-histórica da construção da identidade profissional docente, o artigo critica a racionalidade técnica (geradora de dicotomias como teoria e prática, pensar e fazer, universidade e escola básica etc.) que perpassa os currículos de licenciatura. Que profissional da educação a academia se propõe formar e como isso é negociado a partir de demandas colocadas pelo contexto social? Até que ponto a falta de uma política interinstitucional de profissionalização do magistério contribui para a desvalorização social docente?

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Notas da redacção

Texto apresentado na mesa redonda Política educacional brasileira e os novos desafios da formação do professor de Geografia, no 7º Encontro Nacional de Prática de Ensino de Geografia (Vitória, setembro de 2003).

Texto integral

1 – Colocando o problema

1Discussões acerca do processo de socialização profissional no contexto brasileiro nos últimos anos têm mobilizado setores dos órgãos da gestão educacional, universidades, entidades científicas educacionais, entidades de classe dos profissionais da educação etc. De um modo geral observa-se que a formação inicial e continuada de professores é objeto de análises, as quais remetem, grosso modo, a um certo consenso de que é necessário construir projetos que favoreçam um revigoramento da profissão docente. Trata-se, no presente momento, na perspectiva dos profissionais do ensino, de fazer face às reformas e aos programas oficiais em implantação nessa área. Embora pareça num primeiro momento que nessa questão está prevalecendo a dimensão meramente política, isso acaba por não representar o que de fato norteia as lutas e os embates estabelecidos pelo professorado com o poder público. Não se pode perder de vista a outra face do problema. Ocorre que os profissionais do ensino foram construindo ao longo dos últimos decênios uma concepção de caráter sócio-histórico do seu trabalho (Freitas, 1999) que não prescinde de dimensões que constituem a base da sua profissão, como: unidade teoria e prática, interdisciplinaridade, gestão democrática, compromisso social e político, trabalho coletivo, articulação entre formação inicial e continuada.

2Aqui queremos discutir aspectos da colaboração entre pesquisadores da academia e professores do ensino básico a partir de autores que começam aos poucos a investigar essa temática. Consideramos, na trilha da produção teórica disponível, a questão do trabalho compartilhado entre profissionais do ensino básico e da universidade na formação de professores como uma prática que cumpre um papel articulador na avaliação e na reformulação curricular dos cursos de licenciatura, exatamente porque vem favorecendo abordagens teórico-práticas que possibilitam a indissociabilidade entre formação inicial e continuada, enfim, entre a dimensão acadêmica e dos saberes da prática docente.

3Vale destacar que algumas reflexões preliminares a respeito da problemática, motivadas principalmente pela nossa inserção profissional no processo de formação inicial e continuada do professorado da escola básica, movem-nos a participar de debates em busca de alternativas concretas. Questionamentos como « porque a licenciatura tem um currículo tão segmentado e ainda tão dissociado/distante do cotidiano da escola básica? », « qual a validade de um trabalho articulado da universidade com a escola básica na formação de professores? », « o que ganham os profissionais do ensino básico ao compartilhar seus saberes com a academia? », « em que medida uma articulação da licenciatura com a escola básica impulsiona o processo de profissionalização docente? », « até que ponto a universidade consegue discutir com os profissionais do ensino (sindicatos e associações) e secretarias de educação o tipo de profissional que deve formar? » etc. Vêm nos desafiando ao longo do tempo a acompanhar a implementação e o desenvolvimento de programas alternativos, bem como a produção acadêmica na área.

2 – Contextualização do debate

4O estudo da literatura coloca de imediato uma questão terminológica importante. Os autores falam em parceria (pesquisadores portugueses utilizam também o termo « partenariado ») e em colaboração como termos que significam a mesma prática. Parceria ou colaboração interinstitucional referem-se a relações entre diferentes sujeitos e instituições (governo, universidade, escolas, sindicatos, profissionais do ensino em geral etc.) que passam a estabelecer interações para tratar de interesses partilhados, definindo e implementando programas a partir de objetivos comuns, com a definição de atribuições e/ou competências institucionais.

5Por entender que tanto o vocábulo parceria como o termo colaboração abarcam os significados básicos de negociação e partilha de compromissos institucionais, ambos os termos serão utilizados em nossas discussões, sempre para significar o trabalho articulado entre diferentes instituições (universidade, secretarias de ensino, escola básica, órgãos ligados ao MEC, entidades de classe do professorado) e atores sociais.

2.1 – O debate no contexto brasileiro

  • 1 Nessa mesma época estava em ação o Movimento de Educação de Base, cuja dinâmica organizativa e de f (...)

6Tomando para uma análise publicações nacionais, o tema ainda foi pouco estudado. Entretanto, este olhar sobre o campo da educação brasileira identifica experiências de parceria, sendo ainda difícil precisar se o sentido teórico e prático dessa prática é tomado enquanto colaboração, como estamos tratando (Foerste,1998, 2000 e 2001). Naqueles aspectos de cunho histórico nesse debate, os estudos apontam para experiências embrionárias de parceria no Brasil nos anos 1950 e 1960, em que profissionais do ensino foram qualificados através de programas oficiais. Exemplos disso são tomados em programas desenvolvidos no Centro Regional de Pesquisas Educacionais de São Paulo e do Programa de Assistência Brasileiro-Americana ao Ensino Elementar1.

7Num sentido geral o presente momento apresenta experiências concretas de parceria sendo realizadas na educação. Cabe destacar que dispomos também de elaborações, que se situam mais no plano das intenções, em textos legais e/ou oficiais, os quais se reportam à parceria. Este é o caso da nova LDB, que se refere ao chamado « regime de colaboração » (Título IV – Da organização da educação nacional) entre as esferas do poder público, da União, dos estados e municípios, nos processos organizativos e de gestão. As recentes reformas no processo de formação de professores, impulsionadas pelas chamadas Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação de Professores da Educação Básica (MEC, 2002a e 2002b), apontam a prática da parceria entre a universidade e a escola básica como um dos grandes achados para a resolução dos problemas da formação de professores em nosso meio.

  • 2 No volume do Programa de Governo do primeiro mandato de presidente da República Fernando Henrique C (...)

8Observam-se também iniciativas de parceria em desenvolvimento, diretamente ligadas ao poder público e/ou entidades da sociedade civil, entre as quais podem ser mencionadas, a título de exemplo, a Comunidade Solidária2 (com algumas frentes de atividades na área de educação e saúde) e o Instituto Aírton Senna (principalmente na educação de adolescentes e adultos com defasagem de ensino, mediante o chamado « Programa de Aceleração de Ensino »).

9A atuação das organizações não-governamentais tem cumprido uma função social e política importante na área de formação humana. Muitas dessas entidades têm se destacado pela criação de formas alternativas de resolver problemas sociais (entre eles na área de educação), sobretudo naqueles setores em que o Estado tem se mostrado impotente e lento para atender às demandas da sociedade (Sandoval, 1988; Ladim, 1988; Williams, 1990; Souza, 1991; Tenório et al., 1997; Arruda, 1998). Trata-se da construção de modalidades pouco convencionais de planejar e gerir programas em que atores sociais diversos, sobretudo ligados a organizações da sociedade civil, assumem compromissos e responsabilidades para o resgate da cidadania.

10Contribuições recentes nesse debate são produzidas pela Fundação Getúlio Vargas/SP e pela Fundação Ford, apoiadas pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social – BNDES. Somam esforços no levantamento e na análise de dados a respeito de experiências que estão sendo denominadas de « parceria ». Reconhece-se que por meio dessa prática se está em busca de alternativas de acesso à cidadania para pessoas em situação de pobreza e exclusão social (Jacobi, 2000; Battaggia, 2000; Beltrão, 2000; Almeida, 2000; Fujiwara e Alessio, 2000). Nos últimos anos se observa uma tendência de implementar alternativas interorganizacionais de ação, nas quais se estabelecem relações de cooperação entre setores governamentais, organizações não-governamentais de interesse público e privado. Grosso modo, as experiências mostram que soluções locais são produzidas como um novo espaço de construção de cidadania, evidenciando o « fortalecimento da capacidade de intervenção local na sua articulação com a política pública » (Camarotti e Spink, 2000). A busca de uma maior dignidade para todos, mediante a provisão e o acesso aos bens e serviços de setores excluídos da sociedade é a questão central posta em jogo.

11No ensino básico regular há diversos programas em andamento na esfera da administração pública estadual e municipal. Estão sendo considerados inovadores em termos de gestão, considerando a soma de esforços entre diferentes setores sociais. Há estudos realizados pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada – IPEA– e publicados em 1995 no volume Gestão educacional – experiências inovadoras, em que são apresentadas as análises de um total de doze estudos de caso, entre os quais se destacam o do Estado de Minas Gerais, o do Paraná e o do município de São Paulo. Segundo o IPEA observa-se um novo padrão de gestão educacional sendo implementado, com uma descentralização dos processos de tomada de decisão.

12Esta amostra de experiências traz no seu bojo uma questão a ser mais estudada: a prática da colaboração e da partilha de compromissos e responsabilidades com as equipes de escola e comunidade e/ou setores organizados da sociedade civil são aspectos tomados como importantes para o resgate da qualidade do ensino público.

13Examinando produções da Associação Nacional de Pós-graduação e Pesquisa em Educação (ANPEd) e do Encontro Nacional de Didática e Prática de Ensino (ENDIPE), bem como a publicação de periódicos nacionais, algumas constatações interessantes se destacaram. Estas buscas teóricas passaram a ser realizadas com o objetivo de verificar se se conta já com estudos que estão sendo desenvolvidos com o intuito de analisar e/ou compreender a problemática da parceria na formação de professores no contexto nacional. Não se pode afirmar ainda que o tema tenha sido tratado na sua especificidade. Às vezes o problema chega a ser mencionado, mas geralmente na sua relação com outra questão principal. De um modo geral prevalecem ainda as abordagens que buscam compreender as interfaces entre teoria e prática, articulação entre formação específica e formação pedagógica, a construção da identidade e da autonomia profissional do professor etc.

14Alguns estudos (Silva, 1996; Martins, 1996; Perosa e Almeida, 1999; André et al., 1999) mostram que a prática da parceria ajuda a explicitar melhor a complexidade do processo de formação docente. Denunciam, de um modo geral, que há interesses velados de atribuir ao professor o caos instalado no sistema de ensino, sem uma discussão maior sobre as verdadeiras causas da crise educacional. Os autores defendem que é preciso explicitar as contradições presentes no discurso oficial, que exime o poder público de suas responsabilidades em relação a uma maior valorização social do professor, por exemplo. Segundo estas publicações, setores da academia têm corroborado essa visão da problemática, o que explicita sua complexidade e os conflitos históricos inerentes ao processo de formação de professores na universidade. Ressaltam ainda a importância de uma maior valorização do que de fato pensa o professor sobre sua profissão, sobre a inexistência de uma cultura de continuidade dos programas de formação e valorização social e profissional docente.

15Para André et al. (1999) a produção teórica nacional sobre o professor, particularmente no que diz respeito a sua formação inicial e continuada, denuncia a falta de um projeto que defina que tipo de profissional sequer formar para a escola básica. O estudo recomenda que não se pode desconsiderar a relevância de uma política que garanta uma integração mais orgânica entre as agências que formam os professores (e destacam que estão se referindo à universidade) e as secretarias de educação, na execução de um programa de resgate da profissão docente, colocando o próprio professorado como sujeito ativo desse movimento.

16Sobre a relação entre universidade e escola básica especificamente, que é uma das facetas da problemática aqui em questão, apresentamos um trabalho no GT Formação de Professores da ANPEd, no qual realizamos um esforço de revisão do que publicam a seu respeito alguns dos periódicos nacionais (Foerste,1998). Destacamos que a integração é frágil. De modo geral os currículos de licenciatura refletem que a universidade não tem discutido com os profissionais do ensino básico e secretarias de educação (estadual e municipais) políticas de profissionalização docente. Esta é a principal causa da falta de programas interinstitucionais mais estáveis, a partir dos quais a universidade, na condição de instituição formadora de professores e produtora de conhecimento educacional, e as secretarias de educação garantam algumas condições indispensáveis para uma efetiva colaboração entre os professores do ensino básico e os professores da universidade na formação inicial e continuada dos profissionais da escola básica.

17Para Menezes (1996), os estudantes dos cursos deformação de professores na universidade precisam participar de forma mais efetiva na vida da escola, onde se realiza a prática pedagógica ou o trabalho docente. Um trabalho conjunto entre os estabelecimentos escolares e a academia é um dos pilares básicos dessa proposta. Discutindo o papel e o lugar da faculdade de educação na formação de professores, Almeida e Speller (1996) e Almeida (1996) analisam a importância da construção de laços institucionais em que o governo e a universidade partilham objetivos comuns e compromissos na formação de professores, o que tem possibilitado reflexões sobre caminhos e alternativas nesse processo.

18Segundo balanços feitos por Fusari (1998), Manfredi (1998), Garcia (1998) e Almeida (1999 e 2000) das políticas educacionais e sua repercussão na formação de professores e na organização e funcionamento da escola, está emergindo uma nova concepção dos papéis da universidade e do governo no desenvolvimento profissional do magistério. Consideram nesse processo a prática da colaboração como um aspecto relevante. Mas no que consiste essa prática?

19Em suas pesquisas, Manfredi (1998) e Almeida (1999 e 2000) observam uma tendência na qual os sindicatos dos profissionais do ensino, por exemplo, estão contribuindo para o movimento que busca criar condições concretas de formação e desenvolvimento profissional docente. Algumas entidades, como o Sindicato dos Profissionais do Ensino Oficial do Estado de São Paulo (APEOESP), avançaram numa perspectiva diferenciada de lutas, que colocam como necessário o desenvolvimento inclusive de cursos em colaboração entre o sindicato e as universidades.

20Os autores partem de análises a respeito de aspectos históricos de programas de formação realizados pelo movimento sindical, no âmbito das escolas/centros e sindicatos da Central Única do Trabalhadores (CUT), e secretarias de educação no Estado de São Paulo. Destacam-se projetos implementados pela CUT, que vem acumulando experiências adotando uma postura política discutida coletivamente, a partir do que a entidade compreende que é preciso investir na formação de formadores nos chamados centros de formação mantidos por ela em diversos pontos do país. Até 1990 a CUT trabalhou na formação através de suas Secretarias Estaduais de Formação e entidades de apoio na formação. São consideradas relevantes pela entidade nessa fase as experiências realizadas pela Escola Sindical do DIEESE, pelo Centro Ecumênico de Documentação e Informação (CEDI), pelo Instituto Cajamar (INCA), entre outros. Na última década foram criadas escolas ou centros de formação regionalizados, como: Escola São Paulo (SP), Escola 7 de Outubro (MG), Escola Sul (SC), Escola Norte I e Escola Norte II – Chico Mendes (região Norte) e Escola Nordeste. Cada centro/escola tem autonomia para estabelecer convênios e relações de cooperação.

21Em especial a Escola São Paulo (criada pela CUT em fevereiro de 1993), através da APEOESP, passou a planejar e realizar cursos, contando com a colaboração de professores da Universidade de São Paulo(USP), Universidade Estadual Paulista (UNESP) e Universidade de Campinas (UNICAMP). Nessa dinâmica de formação foi criado o projeto « Reinventando a Escola », que tem entre suas estratégias « a organização de redes de formação contínua através de Grupos de Referência. Os Grupos de Referência são espaços coletivos de aglutinação de professores-coordenadores, professores das séries iniciais e representantes de escola, para a reflexão das práticas educativas vivenciadas nas escolas » (Manfredi, 1998, p. 559). Graças ao apoio do sindicato é oportunizada aos professores a criação de comunidades de aprendizagem docente, para troca permanente de experiências, realização de estudos e discussões de práticas, construção e troca de materiais pedagógicos, promoção de análises políticas e sindicais etc. Esse programa da CUT reafirma um dos fins primordiais da entidade, que consiste em promover a auto-organização dos trabalhadores do magistério, para revitalizar a qualidade do ensino básico oficial e a organização sindical do magistério das escolas públicas. Não resta dúvida de que abordagens como estas possibilitam refletir sobre o papel das entidades de classe do magistério no processo de profissionalização do professorado através de colaboração interinstitucional. Como o movimento docente percebeu que a conquista de um maior reconhecimento social do professor na sociedade não era só uma questão que se daria por intermédio de melhores salários, mas com a construção de uma outra mentalidade sobre o processo de profissionalização docente, a começar pelo próprio professor, a formação passou a ser vista como tão importante quanto qualquer luta por mais salário, merecendo ser melhor pensada pelo sindicato.

22Conforme análises de Manfredi e Almeida é nisso que reside basicamente a necessidade de programas que favoreçam o processo de socialização profissional mais planejada e refletida com o professor. Essa é uma tarefa que o sindicato reconhece como importante, masque ele por si só não conseguiria atender satisfatoriamente. Assim, a universidade é chamada para, em colaboração interinstitucional com a CUT, promover atividades que favoreçam a reflexão dos professores sobre sua vida profissional, sobre seu papel na sociedade, enfim, a respeito da importância de um maior engajamento deles enquanto sujeitos de seu próprio desenvolvimento na profissão. Tal procedimento passou a significar que eles deveriam encontrar meios alternativos, mediante sua efetiva participação, que fizessem face tanto à fragilidade da formação inicial dos cursos de formação continuada oferecidos pelas secretarias de educação como ao pouco caso desses órgãos governamentais pela implementação de um projeto de escola pública de qualidade e promotora de cidadania.

23Em programas interinstitucionais como esses deformação docente em serviço são partilhados objetivos comuns, em que se observam discussão e flexibilização de práticas historicamente construídas, sobretudo por parte da academia em seus cursos de licenciatura. O que está em pauta, mostram as autoras, é uma busca efetiva da auto-organização dos trabalhadores do magistério, entre outras dimensões igualmente relevantes do ponto de vista político-acadêmico, como por exemplo conquista de melhores remunerações e condições concretas de trabalho. Estas investigações contribuem para reforçar a concepção de que novos caminhos são possíveis, principalmente para se revitalizar a qualidade do ensino básico, com uma maior organização política do professorado para a sua profissionalização.

2.2 – O debate no contexto internacional

24Em países como França, Inglaterra, Portugal, Canadá, entre outros, a construção de alternativas na última década, para viabilizar uma parceria efetiva entre a universidade e a escola básica, parece apresentar potencialidades. Discussões disponíveis podem contribuir para se avançar na resolução de alguns problemas da formação inicial de professores, através da chamada colaboração entre diferentes instituições interessadas no professor (Nóvoa, 1995; Bourdoncle, 1995 e 1997; Tardif et al., 2000).

25A produção teórica disponível, como discute Smedley (2001), mostra que há resistências de setores educacionais, pois temem o fato de não se saber precisar ainda em que consistem experiências dessa natureza, principalmente em termos de ganhos para a academia e os professores do ensino básico. Talvez a realização de estudos sobre programas como esses seja uma medida necessária para se fundamentar melhor a sua validade teórico-prática. Ao mesmo tempo, não há como negar as potencialidades dessa prática na formação dos profissionais do ensino.

26Tardif e Lévesque (1998) e Tardif et al. (2001) fazem um chamamento acadêmico importante: deveríamos evitar uma perspectiva que pode apresentar a parceria na educação como uma panacéia de todos os complexos problemas e contradições da formação de professores, como se pode observar nas reformas em andamento em boa parte de países da Europa, entre os quais se destaca o Reino Unido, nos Estados Unidos, no Canadá anglófilo, entre outros. Uma postura de reflexão e estudos em face dessa inovação pode contribuir para evitar interpretações aligeiradas e sem maior fundamentação teórico-metodológica. A parceria educacional, envolvendo especificamente a formação docente, deveria ser tomada pelos profissionais da educação, conforme estes autores, como uma prática que se constrói e reconstrói coletivamente, constituindo-se num campo de investigação em franco desenvolvimento em nosso tempo.

27Uma aproximação da problemática a partir da literatura reafirma um quadro em que se nota que a formação inicial de professores na universidade é complexa e com divergências nas suas abordagens (Lenoire Raymond, 1998a). Está sendo questionada, para uma reformulação epistemológica (Santos, 1991; Schön,1983, 1992 e 2000; Tardif, 2000).

3 – Considerações finais

28Os movimentos que buscam reformular o currículo de formação dos profissionais do ensino, entre os quais se situa a prática da colaboração entre professores do ensino básico e da academia, insere-se num debate mais amplo sobre a crise do projeto de formação de profissionais no âmbito da universidade. É parte da chamada crise da concepção tradicional de ciência, das profissões e da formação de profissionais (Machado,1994; Bourdoncle e Lessard, 1998). Há crescentes demandas para se repensar a organização institucional da academia e de pressupostos curriculares, na área de educação, que possibilitem a adoção de uma outra racionalidade, para superar práticas que têm reforçado uma visão de que a formação de professores é um campo de segunda categoria na universidade (Candau et al., 1988; Santos, 1991; Lüdke, 1994; Scheibe, 2001).No dizer de Perrenoud (1993) os formadores de professores estão acostumados, pela tradição humanista e republicana, « a ver a profissão através de lentes idealistas e racionalistas » (p. 195). Daí emergem muitas dificuldades, sobretudo a falta de interesse de uma maior reflexão sobre o campo de trabalho docente, as quais impedem em diversos aspectos o fortalecimento da área de educação no meio acadêmico e um maior reconhecimento social do professor.

29Pesquisas que temos feito sobre a problemática mostram que no contexto nacional há experiências concretas em desenvolvimento (Foerste, 2002a e 2002b). Algumas delas datam desde os anos 1970, podendo ser citado como o exemplo mais típico o caso da Universidade Federal do Mato Grosso. As investigações possibilitaram análises a respeito da introdução de novos sujeitos históricos, na condição de colaboradores das equipes universitárias, como é o caso da figura do orientador acadêmico. Ajudaram a identificar a construção coletiva de novos espaços de formação dos profissionais do ensino, mais próximos do próprio campo de atuação dos professores. Trata-se dos pólos regionais de educação aberta e a distância, criados na implementação de programas de formação de professores para as séries iniciais do ensino fundamental, através da Licenciatura em Pedagogia – Séries Iniciais.

30Verifica-se uma crescente valorização dos chamados saberes da prática profissional dos professores da escola básica, até então pouco considerados nos currículos de licenciatura, o que vem favorecendo uma flexibilização dos projetos desenvolvidos pela academia nessa área específica.

31A área de formação de professores tem sido objeto de reformas de governo desde o final dos anos 1980no contexto internacional e mais recentemente no Brasil, as quais estão gerando turbulências e incertezas, ao mesmo tempo em que colocam na berlinda papéis ou formas identitárias tradicionais, sobretudo dos professores da universidade e da escola básica, atribuindo-lhes grande peso para as transformações requeridas pelos órgãos governamentais (Apple, 1997 e 1998; Popkewitz, 1997; Whitty, 1993 e 1998; Torres, 1998ae 1998b; Lenoir e Raymond, 1998a e 1998b; Lüdke etal.,2000). Nesse sentido se pode questionar como esse movimento de reformas se reflete e se institucionaliza, por exemplo, na criação das Professional Development Schools nos Estados Unidos, das Higher Education Institutions na Inglaterra, das Pädagogischen Hochschulen na Alemanha, dos Institutes Universitaires de Formation de Maîtres na França, dos Institutos Superiores de Educação no Brasil, mais recentemente etc. Enfim, essa tendência internacional não estaria apresentando um certo sentido de disputa de poder no campo da formação de professores entre órgãos de governo da gestão educacional e a academia, colocando em questão a legitimidade da universidade e seus docentes na formação inicial de professores?

32A tarefa de construir alternativas que viabilizem um projeto de profissionalização do magistério, promovendo a autonomia profissional do professor, conforme discutem Contreras (1997), Nóvoa (1998) e Lüdke (1998), constitui-se num desafio que extrapola o esforço individual ou de pequenos grupos isolados. Antes nos impulsiona a nos inserir num amplo movimento em que o magistério assume compromissos que emergem de uma postura ética construída no trabalho e na reflexão sobre a prática docente. As reformas necessárias na educação – e a parceria colaborativa é uma dimensão desse processo – são um desafio para um alargamento da atuação política do professor, seja no cotidiano da escola, seja na sua inserção nas lutas coletivas do magistério por uma maior valorização do trabalho docente.

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Notas

1 Nessa mesma época estava em ação o Movimento de Educação de Base, cuja dinâmica organizativa e de funcionamento caracterizava-se como parceria educacional. Essa afirmação é feita aqui apenas como uma hipótese a ser mais investigada em estudos especiais. Ver: MEB (1995), Wanderley (1984), Paiva (1987) e Werebe (1994).

2 No volume do Programa de Governo do primeiro mandato de presidente da República Fernando Henrique Cardoso, reafirmado para o segundo mandato, há um capítulo que trata exclusivamente de parcerias, mas o tema não é mencionado para a área da educação formal. Aliás, não se fala de parceria na educação no documento. Ver: PSDB/F. H. Cardoso. Mãos à obra; proposta de governo. Brasília: PSDB, 1994.

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Para citar este artigo

Referência eletrónica

Erineu Foerste, «Parceria na licenciatura: fortalecendo lutas pela profissionalização docente»Geografares [Online], 4 | 2003, posto online no dia 30 setembro 2003, consultado o 13 junho 2025. URL: http://journals.openedition.org/geografares/22326

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Autor

Erineu Foerste

Professor Adjunto do Departamento de Didática e Prática de Ensino – DDPE e membro do colegiado do Programa de Pós-Graduação em Educação – PPGE do Centro de Educação – CE da Universidade Federal do Espírito Santo – UFES.

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