CAPES. Mestrados/Doutorados reconhecidos – Grande área de Ciências Humanas – Área Geografia. (Disponível em http://www.capes.gov.br. Acesso em31/08/2003.
CAPES. Avaliação triênio 2001/2003 – Pós-graduação, 2003. (CD-ROM)
Nos cursos de pós-graduação são gerados trabalhos que constituem o lastro do conhecimento e representam os rumos da Geografia a cada momento. Menos importante tem sido seu papel na formação de professores. Estes dois lados de uma mesma estrutura são questionados no sentido de trazer à tona a reflexão sobre que pesquisa, que pesquisador e que professor de terceiro grau estamos formando. Com relação à pesquisa, questiona-se sua qualidade e sua relevância científica e social. Quanto ao pesquisador, reflete-se sobre os instrumentos teóricos e técnicos apresentados e sobre o grau de autonomia que ele consegue atingir. Quanto ao docente, discute-se até que ponto nossos cursos têm dado a adequada ênfase às questões relativas ao ensino. Os novos desafios dizem respeito à qualidade e ao financiamento da pós-graduação.
Texto apresentado na mesa redonda Organização da pesquisa em ensino de Geografia no Brasil, no 7º Encontro Nacional de Prática de Ensino de Geografia (Vitória, setembro de 2003).
1Falar de pós-graduação em Geografia é remontar ao final da década de 1960, quando, efetivamente, se institucionalizou como atividade acadêmico-científica regular no país. É, também, falar da centralização do sistema, quase que com exclusividade na região Sudeste (Rio e São Paulo) até meados da década de 1970, tendo como única e heróica exceção Pernambuco.
2É colocar questões que incomodam e discutir os desafios que espreitam os programas de pós-graduação, mesmo que não se proponham respostas ou soluções.
3Com perfil de distribuição geográfica centralizada, as diretrizes hegemônicas ditadas a partir dos núcleos pioneiros de pós-graduação em Geografia fluíram com facilidade, impregnando a ciência geográfica de todo o país. Seu papel, formando quadros para a docência e a pesquisa nas universidades brasileiras, foi fundamental na construção do arcabouço do que viria a ser a Geografia nacional, carregada, ela própria, das influências recebidas do exterior por aqueles centros.
4Assim, o privilégio de temas, técnicas e abordagens teóricas que interessavam à Universidade de São Paulo, à Universidade Federal do Rio de Janeiro, à Universidade Estadual Paulista em Rio Claro e à Universidade Federal de Pernambuco, sem qualquer barreira, passou a ser de interesse das Universidades Federais de todos os estados brasileiros, de muitas faculdades particulares e de alguns centros no exterior.
5Não vai aqui qualquer crítica dirigida àqueles que, naquele momento e hoje ainda, impõem linhas de pesquisa e posicionamentos teórico-metodológicos e técnicos. A Ciência é assim. Ela se ajusta muito bem às explicações dos modelos de difusão de inovações e dos modelos de centralização1. A questão que se coloca é:
Que sensibilidade temos tido para com temáticas e necessidades regionais ou locais? Até que ponto temos aceitado ou respeitado explicações que não são orientadas por nossas convicções teóricas?
6Parece que as respostas a estas questões têm sido dadas pelos cursos novos e áreas de concentração que se instalaram a partir dos quatro primeiros. Ao contrário destes, com áreas de concentração abrangentes – Geografia Humana, Geografia Física, Organização do Espaço, por exemplo, justificáveis pela peculiar situação pela qual passava o ensino pós-graduado naquele momento, marcada pela pequena oferta de oportunidades e, conseqüentemente, pela necessidade de ser suficientemente amplo para atender toda a demanda, alguns novos cursos e áreas têm estabelecido claramente seus interesses como: Geomorfologia e Geoecologia, Organização espacial rural no mundo subdesenvolvido, Recursos naturais, uso e ocupação das áreas do cerrado, Tratamento da informação espacial.
7Ao mesmo tempo em que alguns novos cursos e áreas indicam mais diretamente linhas de interesse, outros apontam para o privilégio de temas regionais como o semi-árido, as regiões litorâneas, o mundo subdesenvolvido, as áreas de cerrado.
8Apesar disso, é cada vez maior a superposição das áreas de concentração em torno da dualidade Natural/Humana, Ambiental/Humana, Ambiental/Urbana e Regional, Regional/Meio ambiente, Socioambiental, Regional/Urbano ou qualquer outro nome que se dê ao estudo das configurações da natureza e das sociedades humanas projetadas num espaço. Senão, vejamos as informações do Quadro 1.
9Um olhar mais aproximado da estrutura dos programas de pós-graduação revela as linhas de pesquisa que, com maior precisão que as áreas de concentração, indicam os interesses de pesquisa que agregam os docentes e alunos dos programas. Esmiuçando este conjunto (Quadro 2, ver p. 68) verifica-se a saudável diversidade temática que colore nossa ciência, porém poucos são os programas que explicitam o ensino de Geografia (em destaque) como uma de suas preocupações.
10A segunda questão que se coloca é:
considerando que os objetivos da pós-graduação são o estabelecimento de quadros competentes para atender à expansão e melhoria da qualidade do ensino superior, formando o professor; o estímulo ao desenvolvimento da pesquisa científica, preparando adequadamente o pesquisador; o acompanhamento das ampliações do conhecimento e o surgimento das novas ciências e o treinamento de técnicos do mais alto padrão para fazer face às necessidades do desenvolvimento nacional em todos os setores, como os programas de pós-graduação em Geografia têm cumprido estes objetivos?
11Mais especificamente, dado o fato inconteste de que o rumo certo para os egressos dos cursos de graduação e pós-graduação em Geografia é o magistério,
que papel tem tido nossos programas na formação do professor para os diferentes níveis uma vez que o ensino aparece minoritariamente dentre as linhas de pesquisa?
12Para municiar a reflexão sobre esta questão, é importante resgatar da memória dos programas pioneiros a mudança do perfil do alunado dos cursos de pós-graduação. Estes programas tiveram a missão de titular pessoal já vinculado às instituições universitárias brasileiras. Assim, seus primeiros alunos e a maioria dos que buscaram os cursos de pós-graduação até meados da década de 1980, eram professores universitários de instituições públicas, muitos já com larga experiência, muitos já alçados aos mais altos cargos da carreira do magistério superior, que viam na pós-graduação uma forma de melhorar sua qualidade profissional ou ainda um meio de fazer jus a incentivo financeiro pela titulação.
13Aos poucos, mas consistente e progressivamente, o perfil descrito foi mudando com a substituição dos profissionais por estudantes recém-formados, ainda não engajados ao mercado de trabalho, por docentes participantes do ensino não-universitário (fundamental e médio) ou, ainda, por professores universitários de escolas particulares, menos tradicionais, locais ou regionais.
14Esta mudança de perfil acarretou novas experiências para os programas, que passaram a se preocupar com a necessidade de conseguir bolsas e recursos para pesquisa para estes estudantes que não os teriam a partir de suas instituições de origem, situação que se agravou, pois este momento coincide com a proliferação de novos cursos (não só de Geografia) demandando bolsas e com a restrição dos recursos das agências financiadoras.
QUADRO 01: Áreas de concentração dos programas de pós-graduação em Geografia
Fonte: CAPES - 2003. (disponível em http://www.capes.gov.br).
15Reforçando a questão anterior, é lícito se insistir na pergunta provocadora a partir desta mudança de perfil:
Hoje, mais que em tempos passados, os cursos de pós-graduação têm a responsabilidade deformar o professor, uma vez que recebem recém-formados sem qualquer experiência docente (muitos só bacharéis) e os entregam ao mercado de trabalho para atividades de magistério. Estamos oferecendo disciplinas para a formação do professor ou oportunidades de pesquisa em ensino em quantidade e qualidade suficientes?
16Considerando a pesquisa, deve-se refletir se a produção de nossos programas de pós-graduação tem se revelado como contribuições efetivas para o avanço da Geografia e se esta é a expectativa com respeito às teses e dissertações que temos orientado e aprovado. Vai aqui uma outra provocação:
Nossos programas de pós-graduação são, realmente, os comandantes dos rumos da Geografia científica ou têm servido apenas para dar titulação a alunos bem-intencionados a partir de trabalhos pouco criativos?
QUADRO 02: Linhas de pesquisa dos programas de pós-graduação em Geografia
Fonte: CAPES. Avaliação triênio 2001/2003 - Pós-graduação, 2003. (CD Rom)
17Tendo em vista toda a dinâmica tecnológica dos nossos dias, que coloca à disposição do pesquisador instrumental avançado de análise espacial, a Geografia, no geral, não tem dado a ênfase que talvez fosse necessária para dotar o pós-graduando de maior poder de competitividade no mercado de trabalho fora do ensino, que precisa ser mais consistentemente aberto ao geógrafo. Retomada sob outro enfoque, a questão aponta para a feroz competição que a Geografia tem enfrentado em face das Geociências, da Arquitetura, da Agronomia, entre outras, que têm assumido com gosto e sucesso a análise espacial. Cabe uma pergunta:
O que temos feito para suprir nossos alunos como conhecimento instrumental necessário para capacitá-lo ao pleno exercício profissional?
18Dada a inexorabilidade do processo de globalização, dados os novos arranjos espaciais dele decorrentes, certamente novas temáticas deveriam ou deverão tomar parte do corpus de preocupações da Geografia. A pergunta que se coloca é:
Como ficam as temáticas particulares do tipo « a cultura do fumo em... » ou « a violência na cidade de... » ou ainda « o impacto da urbanização na poluição do ar em ... »?
19Responder a todas estas questões, e outras, não é tarefa fácil, nem se pode ter certeza se é possível. Mas a tentativa de discussão neste momento é obrigação de todos nós, praticantes, formuladores de rumos e disseminadores da nossa ciência.
20O primeiro desafio a ser enfrentado pela pós-graduação é o desafio da qualidade.
21O aumento desmesurado do número de programas de pós-graduação em todas as áreas, inclusive na Geografia, tem exigido critérios de qualidade cada vez mais estritos quanto à estrutura, ao corpo docente, à infra-estrutura de laboratórios e bibliotecas. Esta qualidade tem que ser reconhecida pela comunidade acadêmica e científica e, por isso, deve ser expressa em produção bibliográfica consistente e importante na área. Estas condições valem tanto para a proposição de um programa novo quanto para a avaliação de um antigo.
22A exigência de maiores níveis de qualidade aponta para um arrefecimento no ritmo de crescimento do número de programas e para uma avaliação depreciadora da boa parte dos programas hoje existentes. Aponta, também, para uma corrida à produção bibliográfica e à produção de teses e dissertações em tempo recorde, que nem sempre primam pela qualidade que perseguem.
23O segundo desafio é o do financiamento, hoje dependente basicamente das agências de fomento (Capes, CNPq e Fap’s), uma vez que, no geral, as universidades públicas não orçam nem contabilizam os custos da pós-graduação, deixando às verbas provenientes destas agências o custeio de materiais de consumo, manutenção de equipamentos, diárias de campo etc. e mesmo das bancas de qualificação e defesa.
24Com o aumento da demanda junto às agências, ocasionada pela multiplicação dos programas, e com a estagnação orçamentária destas instituições, o nível de financiamento dos programas caiu em quantidade e qualidade, ou seja, o número de bolsas destinadas a cada programa vem diminuindo progressivamente e tem como conseqüência a diminuição dos recursos colocados à disposição dos programas. Da mesma forma, o uso destes recursos, antes mais livre, hoje tem restrições que impedem, por exemplo, a compra de livros ou de equipamentos de informática, entre outros.
25Se as universidades não se comprometerem seriamente e regularmente com os custos da pós-graduação, pode-se prever que em pouco tempo o sistema tenderá a entrar em colapso, comprometendo a tão exigida qualidade.
26Por outro lado, a diminuição dramática do número de bolsas compromete o acesso aos programas e alonga os tempos de titulação, tão cobrados pelas avaliações.
27Assim, os programas de pós-graduação se encontram literalmente envolvidos por um problema circular: se não tem qualidade, não tem financiamento; senão tem financiamento, fica difícil atingir a qualidade.
28Responder às questões e enfrentar os desafios apontados não é tudo, nem estas são as únicas questões, nem estes os únicos desafios. A comunidade de geógrafos envolvidos com pós-graduação é crescente, quer na condição de alunos, quer como professores e administradores de programas. Este contingente de pessoas tem se preocupado com os problemas enfrentados pela área e tem podido, de algum tempo a esta data, discuti-los e opinar quanto à sua solução tanto nos fóruns de coordenadores patrocinados pela Associação de Pós-graduação e Pesquisa em Geografia (ANPEGE) quanto por meio de seus representantes na comissão de avaliação de programas junto à Capes. As soluções buscadas nem sempre dependem diretamente dos geógrafos, mas sua legítima pressão pode ser decisiva para a implementação de meios de superação das dificuldades.
CAPES. Mestrados/Doutorados reconhecidos – Grande área de Ciências Humanas – Área Geografia. (Disponível em http://www.capes.gov.br. Acesso em31/08/2003.
CAPES. Avaliação triênio 2001/2003 – Pós-graduação, 2003. (CD-ROM)
1 Tal tendência se institucionaliza à medida que as agências de fomento privilegiam e induzem grandes projetos temáticos ou integrados, nos quais a linha de pesquisa do orientador é o eixo mestre, em detrimento do eventual interesse do orientando ou da instituição a que ele pertence.
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Título | QUADRO 01: Áreas de concentração dos programas de pós-graduação em Geografia |
Créditos | Fonte: CAPES - 2003. (disponível em http://www.capes.gov.br). |
URL | http://journals.openedition.org/geografares/docannexe/image/22457/img-1.png |
Ficheiro | image/png, 284k |
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Título | QUADRO 02: Linhas de pesquisa dos programas de pós-graduação em Geografia |
Créditos | Fonte: CAPES. Avaliação triênio 2001/2003 - Pós-graduação, 2003. (CD Rom) |
URL | http://journals.openedition.org/geografares/docannexe/image/22457/img-2.png |
Ficheiro | image/png, 147k |
Lucia Helena de Oliveira Gerardi, «O ensino e a pesquisa na Pós-graduação em Geografia: velhas questões, novos desafios», Geografares [Online], 4 | 2003, posto online no dia 30 setembro 2003, consultado o 16 junho 2025. URL: http://journals.openedition.org/geografares/22457
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