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O espaço da prática de ensino: um lugar para parceria de aprendizagens na formação inicial e continuada

Marisa Terezinha Rosa Valladares

Resumos

O conceito de espaço é fundamental ao estudo da Geografia. Trata-se de algo que vai além do espaço físico preparado pela natureza, no qual vive a espécie humana. Também seu conceito não se esgota na paisagem que oculta e apresenta, simultaneamente, as dimensões do tempo passado e presente nas diferentes características dos aspectos naturais e dos aspectos culturais. O espaço geográfico guarda a especificidade de ser permanentemente (re)elaborado pelo fazer humano, constituindo-se ao sabor dos saberes que se concretizam no bem e no mal das sociedades, ao longo dos tempos. O espaço geográfico é a categoria central do estudo da Geografia, em torno da qual se espraiam as categorias de região, território, natureza, sociedade e lugar. Contudo, mesmo sendo a categoria central e mais ampla do estudo da Geografia o espaço não contém em si as nuances das relações que os seres humanos travam comum lugar. Tomei emprestada da ciência geográfica a compreensão de suas categorias espaço e lugar, para efetuar uma analogia entre seus conceitos e o tratamento que será dado ao estágio curricular da licenciatura de Geografia nesse estudo. Considerando-se a forma usual do estágio curricular, ser-lhe-á atribuída a nominação metafórica de espaço, devido à sua (re)elaboração freqüente como « lócus » da aprendizagem prática profissional. Pretendo atribuir-lhe, também, a dimensão de lugar de parcerias, no qual a cumplicidade, a experiência e o afeto hão de se encontrar para entabular novas relações, entre os tempos de aprender e de ensinar, no espaço de construção de saberes, desde a formação inicial até a formação continuada dos professores de Geografia.

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Notas da redacção

Texto apresentado na mesa redonda Os fundamentos teóricos e práticos da formação de professores de Geografia e as concepções de estágio, no 7º Encontro Nacional de Prática de Ensino de Geografia (Vitória, setembro de 2003).

Texto integral

1. Metáforas conceituais

1O conceito de espaço é fundamental ao estudo da Geografia. Trata-se de algo que vai além do espaço físico preparado pela natureza, no qual vive a espécie humana. Também seu conceito não se esgota na paisagem que oculta e apresenta, simultaneamente, as dimensões do tempo passado e presente nas diferentes características dos aspectos naturais e dos aspectos culturais. O espaço geográfico guarda a especificidade de ser permanentemente (re)elaborado pelo fazer humano, constituindo-se ao sabor dos saberes que se concretizam no bem e no mal das sociedades, ao longo dos tempos. O espaço geográfico é a categoria central do estudo da Geografia, em torno da qual se espraiam as categorias de região, território, natureza, sociedade e lugar. Contudo, mesmo sendo a categoria central e mais ampla do estudo da Geografia o espaço não contém em si as nuances das relações que os seres humanos travam com um lugar.

2Tomei emprestada da ciência geográfica a compreensão de suas categorias espaço e lugar, para efetuar uma analogia entre seus conceitos e o tratamento que será dado ao estágio curricular da licenciatura de Geografia nesse estudo. Considerando-se a forma usual do estágio curricular, ser-lhe-á atribuída a nominação metafórica de espaço, devido à sua reelaboração freqüente como « lócus » da aprendizagem prática profissional. Pretendo atribuir-lhe, também, a dimensão de lugar de parcerias, no qual a cumplicidade, a experiência e o afeto hão de se encontrar para entabular novas relações, entre os tempos de aprender e de ensinar, no espaço de construção de saberes, desde a formação inicial até a formação continuada dos professores de Geografia.

2. Do modelo da prática à prática vivida

3No tempo em que fui professora de escolas do ensino fundamental e médio, sentia falta de companhia para repensar o meu trabalho docente. Trabalhei, por muito tempo, em escolas de periferia, em escolas de zona rural e, também, em elegantes escolas particulares de centros urbanos. Sempre senti e me ressenti por serem raras as oportunidades de discutir e repensar minha prática pedagógica com outros colegas, como parte de um refazer profissional. Era difícil participar de congressos, encontros ou seminários, por causa do salário – sempre tão curto – e porque esses eventos eram restritos à academia, aconteciam esporadicamente e, via de regra, em grandes centros urbanos.

4Não satisfaziam minha sede de saber o monólogo de alguns cursos de « capacitação », nem a individual tarefa de acompanhar o raciocínio desenvolvido por autores de livros ou de palestras. As reuniões pedagógicas, longe de se tornar espaços para troca de experiências inovadoras ou reconstruções de fazeres diários, anunciavam-se perigosas para discussões que ultrapassassem as usuais proposições institucionais, marcando o futuro dos afoitos e ousados na escola. Não eram boas épocas para transgressões e resistências – que, ainda assim, ocorriam.

5Em meu trabalho no ensino fundamental e médio, eu recebia, às vezes, estagiários das licenciaturas e, por meio das aulas deles, analisava o que prometia a produção escolar das novas gerações, comparando e avaliando essa produção com a minha própria prática.

6Esses momentos eram considerados ricos hiatos de diálogo pedagógico, furtados à curta disponibilidade de tempo de que dispúnhamos: eu, os estagiários e a professora supervisora deles. Assim mesmo, nas discussões apressadas pelo fazer cotidiano, havia fôlego para deixar nascer uma cumplicidade entre nós, consolidada pela imersão em reflexões as quais nos permitiam preciosas descobertas e nos uniam em convicções docentes similares.

7Às vezes, a professora supervisora, feliz por notar o meu interesse na aprendizagem dos estagiários, concedia-me o « privilégio » de « tomar conta » deles e ia embora cuidar de outros afazeres, deixando « o velho e o novo » se encontrarem à revelia do seu controle. Aconteceu, também, de a colega se ressentir com meus comentários sobre as propostas/práticas dos estagiários, tomando as reflexões suscitadas pela experiência como críticas ao seu trabalho – hierarquicamente entendido por ela como « superior » –, e ir embora, levando com ela o prazer de estar com os estagiários…

8De certa forma, os momentos com estagiários representavam uma ruptura com o estabelecido. A ânsia de aprender mais transformava o estágio rotineiro em lugar de resistência contra o modelo reprodutivista previsto para professores na escola e permitia rompera tradição do estágio como espaço de prática apenas para os estagiários, tornando o estágio um lugar de aprendizagem para nós todos. Representava, também, uma transgressão porque, como professora da turma, eu incitava os estagiários a repensarem certas práticas usuais, tais como o uso da cartilha/livro didático ou de uma pseudoseriedade imposta à fala educativa, desprovidas de prazer, ludicidade, criatividade e crítica. Esses momentos prometiam uma parceria entre nós: eles me emprestavam seus textos, novos para mim, e eu lhes falava de minha prática e lhes emprestava materiais didáticos que eu criava no dia-a-dia. Falava-lhes sobre minhas crenças e meus desejos em relação à prática educativa. Avaliávamos nossas convicções e aprendíamos um pouco mais…

9O tempo passou e houve uma mudança de lugar profissional para aquela professora inicial. Atualmente, como professora de Prática de Ensino para a licenciatura de Geografia, confirmei algumas crenças e não esqueci o compromisso de dividir/multiplicar aprendizagens do magistério escolar. Também busco manter-me alerta para o perigo de perder a dimensão dos problemas e das vivências docentes da sala de aula na escola atual, com suas múltiplas dificuldades e emergências. Esse temor não é infundado pois, às vezes, a absorção da produção teórica se confunde com o escopo da prática do professor universitário, cristalizando o inconcebível paradoxo da fragmentação teoria X prática. Corre-se um crescente e permanente risco de tornar a linguagem um dialeto acadêmico, inacessível aos colegas professores de escola. Com essa linguagem, o raciocínio sobre as problemáticas educacionais torna-se um verdadeiro enigma para aqueles colegas. E aí, ainda que livros e encontros se multipliquem, acionados pelo novo momento globalizatório – que não reduziu custos e nem melhorou salários docentes, só para não esquecer que o problema prosaico da inacessibilidade ao saber partilhado persiste – tudo se tornaria inútil: a solidão dos professores de escola persistiria.

10Por conseguinte, compactuo com as convicções de Giroux (2000), Freire (1982) e Arroyo (2000) de que não é preciso uma fala fácil para professores, mas uma fala baseada na esperança, nos sonhos possíveis e nas dobras da prática pensada para dizer da simplicidade das coisas verdadeiramente importantes.

11Com essas convicções mantenho o interesse em investigar o estágio curricular de licenciaturas na perspectiva de associá-lo com a formação continuada dos professores do ensino fundamental e médio, estabelecendo com eles o diálogo de uma aprendizagem recíproca.

12Experimentei, na Universidade, com alunos estagiários de Geografia, a aventura de elaborar espaços deformação para professor nos quais se mesclaram a formação inicial e a formação continuada. Ousamos confrontar o entusiasmo de quem se lança da academia para a prática docente (levando o conhecimento produzido na primeira e os desconhecimentos de uma prática que se inicia) com a postura consolidada pela experiência dos professores de redes municipais ou estaduais. Essa experiência é que provocou e insiste em continuar provocando minha busca de concretizar novas alternativas para o estágio curricular da licenciatura de Geografia, colando os episódios da prática aos saberes proporcionados pela fundamentação teórica.

13Pretendo, neste trabalho, discutir uma proposta que seja palpável e especial, gerada em antigos desejos de professora de escola e ampliada em esperanças compartilhadas com estagiários e outros professores, parceiros deste trabalho.

3. Da prática vivida às experiências da prática

14A partir dessas crenças sinalizadas, incorporei à disciplina Prática de Ensino de Geografia, desenvolvida no Departamento de Didática e Prática de Ensino, da Universidade Federal do Espírito Santo, uma experiência de encontros pedagógicos entre estagiários e professores do ensino fundamental e médio.

15Os objetivos pretendidos podem ser assim sintetizados: 1. Proporcionar aos alunos-estagiários uma prática de ensino que contemple a pesquisa, o ensino e a extensão proclamados como sustentáculos da aprendizagem universitária, consolidada em pesquisa-ação; 2. Fundamentar a profissionalização do magistério a partir de uma prática docente pesquisadora e reflexiva sobre o próprio ato educativo; 3. Avaliar o processo de construção dessa prática em parceria com os profissionais de Geografia, da educação básica, já integrados ao mercado de trabalho; 4. Possibilitar aos professores de Geografia das escolas públicas de ensino um contato com a produção acadêmica dos conhecimentos de sua área, estimulando-os a transformar essa produção em conteúdos escolares, por meio do conhecimento advindo de suas experiências em sala de aula. 5. Vivenciar a prática investigativa reflexiva, socializando as produções obtidas com a comunidade acadêmica e escolar.

16As vivências que me permitiram iniciar a socialização de minhas convicções, fornecendo-me dados decampo, foram desenvolvidas a partir de 1994, em escolas públicas (em especial a EPGUFES) e junto aos professores de educação básica dos municípios de Jaguaré, Venda Nova do Imigrante, Vargem Alta, Ibatiba, Ecoporanga, Piúma, Vila Velha entre outros. Utilizo-me dos registros coletados nessas situações para exemplificar pontos da minha profunda crença nos benefícios para a formação docente construídos no encontro entre alunos-professorandos e professores, eternos aprendizes…

17Nas atividades de estágio era comum ouvir de professores da escola, ao receberem os estagiários com os braços carregados de mapas, globos, caixas de jogos etc., o comentário: « Ah! Quando eu era estagiário, também fiz assim. Depois a gente se acomoda! »

18Entre os estagiários, no início de semestre, as reclamações são comuns: « Eu já leciono, por que tenho que passar pela observação, participação e regência? Por que não podem ir me ver dando aulas em minha escola? » ou então « É horrível estagiar: os alunos sabem que somos estagiários e o seu comportamento não é o mesmo de uma aula comum ».

19No conjunto, embora cada uma dessas situações exija uma reflexão e mereça uma explicação, elas denunciam que o estágio, em sua forma usual, não satisfaz a nenhum dos envolvidos. A sua artificialidade se sobrepõe às possibilidades de uma aprendizagem de fato.

20Quando iniciei o trabalho com a prática de ensino, senti que as dificuldades aparentes me proporcionavam oportunidade de colocar em ação a idéia de associar o estágio curricular a programas de formação continuada de professores da educação básica.

21Assim, iniciei um estágio com os alunos de Prática de Ensino I – Geografia, propondo a pesquisa dos conteúdos específicos da área, solicitados pela Secretaria Municipal de Jaguaré para um curso de capacitação de professores de Geografia, de 5ª a 8ª séries.

22Nas quatro horas de aulas semanais, eu e a turma de alunos nos dedicamos a: levantar e estudar a produção bibliográfico-acadêmica em comparação com o que os livros didáticos apresentavam; procuramos pesquisar e avaliar as indicações de programas oficiais e livros didáticos que contemplassem as solicitações dos professores; esforçamo-nos em pesquisar, em produzir técnicas e em construir recursos didáticos que atendessem às necessidades de transposição didática dos conteúdos; e, também, buscamos experimentar a aplicação de nossas propostas de tratamento pedagógico junto às turmas de 5ª a 8ª séries. Os alunos escolheram os temas e as turmas com os quais se sentiam mais à vontade, em escolas próximas às suas casas, em horários que lhes eram convenientes.

23Empenhavam-se em descobrir novas facetas do assunto pesquisado e não pouparam esforços para alcançar suas metas. Essa perspectiva os insinuava na pesquisa, desmistificando a idéia de que a pesquisa era prerrogativa dos bacharelandos, bem como associava ao ato de pesquisar as características de prazer e de praticidade para a vida.

24Desde os primeiros passos, o papel dos professores que nos receberiam nas salas do ensino fundamental foi muito importante. Eles se constituíam em consultores ouvidos com atenção pelos estagiários. Suas sugestões, críticas e orientações eram discutidas no grupo.

25A experimentação das propostas construídas se desenvolveu em torno de problematizações sobre os temas, lançadas aos alunos do ensino fundamental. Novamente, a perspectiva de pesquisa acompanhava os estagiários: recolhiam dados, testavam hipóteses e formulavam respostas, com os alunos das turmas de ensino fundamental, diante dos problemas apresentados. Elaboravam um ensaio inicial da pesquisa de sua própria prática docente, na busca da melhor forma do agir docente. Embora não soubéssemos disso àquela época, estávamos vivenciando o que preconizam em seus estudos Nóvoa (1991, 1992), Schön (1992) e Zcheinner (1992): a pesquisa da/na própria prática docente, a competência reflexiva e a definição da identidade do professor como profissional em contínua formação.

26As reflexões e avaliações, desenvolvidas paralelamente aos momentos com os alunos do ensino fundamental, envolviam os professores das turmas, os estagiários e eu, como professora do estágio. Eram momentos ricos e, como na minha própria história anterior, eram furtados às atividades de planejamento dos professores da escola fundamental, às horas disponíveis dos alunos de Geografia e às minhas horas de planejamento e atividades administrativas.

27Nesses momentos, avaliávamos e discutíamos nossa competência de empatia, buscando a capacidade de nos situarmos no lugar do outro (aluno ou colega) para assimilar melhor os processos usados na construção de sua aprendizagem e poder interagir melhor na problematização e na transposição didática dos conteúdos. Discutíamos o valor do diálogo e da compaixão para com os alunos e para com colegas professores, na dimensão da prática docente. Assombrávamo-nos coma responsabilidade das ações que devem ser contidas nas práticas pensadas. Buscávamos, também, entender e impregnar a nossa prática com estratégias possíveis. Aprendíamos…

28Ao término do período de regência nas turmas de 5ª/8ª séries, começamos a nos preparar para ir ao encontro dos professores de Jaguaré. O município de Jaguaré fica no norte do Estado do Espírito Santo e exige uma viagem de aproximadamente três horas de carro da UFES até lá. Desloquei-me para Jaguaré coma turma dividida em dois carros, durante dois meses, em encontros que se alternavam semana sim, semana não. Os estagiários estavam um pouco inseguros e amedrontados com a perspectiva de apresentar suas produções como resposta às solicitações dos professores. Temiam – e eu também - que as expectativas, que os professores tinham em torno do « curso » pensado por nós como « encontro », fossem frustradas.

29A discussão sobre a seleção de conteúdos que atendessem aos dois segmentos (professores, formados em ensino médio e/ou superior, e alunos do ensino fundamental) exigia o entrelaçamento de pesquisas nas áreas de conteúdo geográfico e de conteúdo pedagógico, para validar ou não as informações e as posições frente a elas. Essas reflexões permearam importantes momentos, nos quais teoria e prática se embaraçaram e se abraçaram.

30Destacava-se, entre os problemas na seleção de conteúdos solicitados, o estudo do « novo planeta Carla », uma curiosidade despertada nos professores, por certo, pela divulgação, na mídia, de informações sensacionalistas sobre a « possível descoberta de um novo planeta ». Ao longo de nossos estudos e discussões decidimos aplicar, a esse tema, um tratamento pedagógico semelhante ao que aplicaríamos a alunos do ensino fundamental, ou seja: forneceríamos o máximo das informações obtidas na mídia, problematizando a seguir a veracidade, a importância e o tratamento geográfico que deveria ser dado àquelas informações para que elas se tornassem parte de um saber crítico e voltado para a leitura/construção de um mundo melhor.

31Lembro-me dos alunos afirmando « isso não é geografia! » (referindo-se a pedidos como aquele do planeta Carla) e eu insistindo que deveriam provar para si mesmos, para os alunos e para os professores do ensino fundamental essa afirmativa, além de transformá-la em exemplo de análise da importância ou desimportância dos conteúdos « enciclopédicos ».

32A técnica utilizada para apresentação das informações sobre o « planeta Carla » foi propositalmente descritiva: uma longa, detalhada e ilustrada aula, com uso de slides e transparências. Os alunos do ensino fundamental se entediaram menos com a aula de aplicação do que os professores de Jaguaré. A problematização do assunto desafiou os alunos a associar as informações sobre o suposto planeta às suas necessidades e às suas vidas. As respostas obtidas demonstraram claramente os matizes do « saber para a escola »: lembraram como as informações os ajudariam no concurso para a escola técnica, como os ajudariam em provas de Geografia e como os deixavam « bem informados »... No caso dos professores, esses se depararam com sua própria inquietude: o que fariam com aquele arsenal de informações para si mesmos e para seus alunos?

33Relembro a reflexão de um dos meus alunos-estagiários: « Se não tivesse vivenciado essa situação, tão alheia aos meus padrões acadêmicos de Geografia, por certo eu teria muitas oportunidades de incorrer em situações semelhantes: privilegiaria conteúdos técnicos, considerando-os relevantes; dispensaria informações presentes na vida de meus alunos por outras espetacularmente alardeadas pela mídia e, provavelmente, não refletiria sobre a aplicação pedagógica e sobre a necessidade da análise crítica do uso desses saberes na vida dos meus futuros alunos » (L., Prática de Ensino I, 1994).

34Os dois grupos – o de estagiários e o de professores de Jaguaré – só se intimidaram nas horas iniciais do primeiro encontro. A partir do estabelecimento do liame de parceria em torno de um objetivo comum – a busca do saber docente –, os avanços foram se processando rapidamente, com intensa troca de informações, sugestões, críticas, experiências e afeto.

35No grupo dos professores de Jaguaré, algumas professoras, inicialmente, mostraram-se resistentes às « novidades », como alcunhavam as propostas de atividades participativas do grupo de estagiários. Não resistiram mais tempo do que aquele necessário para as costumeiras observações: « No começo de minha carreira, eu também fazia assim: muitos cartazes e muito esforço. Depois, fui me desiludindo... »; ou: « Isso é fácil fazer para professores, quero ver com os alunos »; como também: « Na escola não tem material »; e: « Eu não tenho tempo ». Logo, ao ser solicitadas para opinar, sugerir ou avaliar as propostas, foram se integrando/entregando ao clima de parceria – ainda que um pouco ranzinzas, no início. Passaram a expressar suas visões enriquecidas pelo tempo de experiência – mesmo prejudicadas, às vezes, pelo acriticismo ou conservacionismo radical. Envolveram-se e foram se sentindo encantadas e valorizadas por estarem sendo solicitadas, ouvidas e respeitadas « pelos alunos da UFES ».

36Uma dessas professoras destacou-se, no registro das avaliações finais, afirmando que o « entusiasmo dos alunos não poderia ser contaminado por sua desesperança », razão pela qual resolvera participar dos encontros com outra disposição, « disposição essa que no final de carreira havia aberto para ela e para seus alunos um novo limiar de educação » (M., professora da rede estadual, 1995).

37Os alunos-estagiários ficaram fortemente marcados pela importância dada aos estudos por eles apresentados. Surpreendiam-se com o valor atribuído, pelos professores do distante rincão, aos conhecimentos da geografia acadêmica, reconhecidos como preciosas aquisições para o dia-a-dia docente, em contraste com o significado atribuído por eles a esses mesmos conhecimentos, na rotina universitária, como cansativas obrigações estudantis.

38Alguns deles estavam na condição de « faça um bacharelado e leve de brinde uma licenciatura », por conta das distorções proporcionadas pela universidade no tratamento histórico dos cursos de bacharelado e licenciatura traduzido na velha fórmula de « 3+1 ». Hoje, tenho a grata satisfação de vê-los atuando como professores reflexivos e pesquisadores, no ensino fundamental, no ensino médio e também no ensino superior.

39Essa experiência foi repetida em outros municípios, em anos subseqüentes. Permitia-nos assegurar ao profissional, egresso da licenciatura, continuar a usufruir e participar da construção do conhecimento de sua área, amparado e integrado à universidade. Permitia ao aluno-estagiário a esperança de que não estaria só no futuro. Proporcionava-me, como professora de prática, a possibilidade de não me distanciar dos problemas e das soluções que constituem o cotidiano do professor escolar.

40Algumas intermediações foram muito importantes para a consecução dessas práticas: a criação de um laboratório de Ensino-Aprendizagem de Geografia (LEAGEO) que permite vínculos com professores e instituições de formação ou empregadoras dos profissionais da educação, independentemente de mudanças na administração de municípios ou instituições outras; a interlocução com outros professores de prática de ensino e suas experiências; o entusiasmo e a esperança dos muitos colegas/estagiários.

4. Das práticas experienciadas às exigências da prática

41A metodologia empregada no desenvolvimento da disciplina sob essa perspectiva propõe um conjunto de pesquisas da produção acadêmica do saber geográfico e do saber pedagógico, para aplicação experimental no estágio curricular, com os devidos registros, discussões, produções de materiais didáticos e de técnicas adequadas aos propósitos esboçados, além de constantes avaliações e reflexões sobre o processo de aprendizagem. Os resultados alcançados são transformados em oficinas pedagógicas que são, posteriormente, oferecidas aos professores do ensino fundamental/médio, como possibilidades de práticas docentes para o ensino escolar. Nessas oficinas, os professores refletem com os alunos-estagiários sobre o que lhes é oferecido, apresentando suas percepções, críticas e sugestões.

42A aprendizagem dos dois grupos em contato propicia a ambos oportunidades de análise, crítica, síntese e avaliação de suas concepções pedagógicas. Associado a essas aprendizagens, há o entrosamento entre dois momentos específicos da vida de professores: o momento de sua formação inicial, impregnado de esperanças ou de ceticismos, e o momento da formação continuada, que apresenta, também, características de uma paixão persistente pelo fazer docente ou do desgaste produzido no cotidiano do ofício de professor. Nesse encontro reside um especial aprendizado para todos os envolvidos – razão do meu entusiasmo por este trabalho.

43A amplitude dessas pretensões exige a institucionalização de parcerias, o estabelecimento de convênios entre a Universidade e a escola, e esse processo está incluído no desafio deste trabalho.

44Nos estudos sobre formação inicial e continuada de professores, perpassa, como um fio transversal, um entendimento comum na definição de identidade do docente como pesquisador de sua própria prática, na sua própria ação pedagógica. Na essência, tais estudos delineiam o perfil de um profissional com competência para refletir sobre o seu cotidiano docente, objetivando uma práxis transformadora.

45Para consecução das formas de operacionalização dos momentos de formação inicial, de formação continuada e em serviço, os estudiosos procuram trabalhar com as contradições existentes na prática social de educar. Destacam-se, nesse aspecto, as discussões sobre poder e conhecimento desenvolvidas por Apple (1999), Moreira (1999), Giroux e MacLaren (1999), entre outros autores.

46Baseando-me neles, considero importante realçara compreensão de que um currículo para formação de professores, « para ser uma forma de política cultural, deve enfatizar a importância de tornar o social, o cultural, o político e o econômico como os principais aspectos da análise e avaliação da escolarização contemporânea » (Giroux e McLaren, 1999, p. 139).

47Se tal compreensão de currículo orientar a formação do professor, é possível promover sua capacidade de reapropriação do poder de sua autonomia docente. Essa condição é uma possibilidade que precisa ser constantemente reestruturada, na formação continuada, pois ela não se esgotará no simples desejar ou acreditar, mas deverá se concretizar no exercício constante de teorizar e praticar.

48Isso não pode ser contido apenas em programas deformação continuada, que se traduzam em cursos e eventos similares esporádicos, de curta duração, sem perspectivas de projeção para o futuro.

49Numa rápida retrospectiva, é possível verificar que a formação continuada tem acontecido, no Brasil, geralmente, sob a égide das instituições formadoras e/ou empregadoras, na forma de « capacitações », « treinamentos », « atualizações », « aperfeiçoamentos », metodologicamente organizados em palestras, cursos de férias, reuniões pedagógicas e/ou encontros. Em alguns centros urbanos brasileiros esses eventos ocorrem com uma relativa freqüência. Ainda assim, um contingente bastante numeroso de professores que atua na zona rural e nas periferias urbanas permanece à margem dessa « formação ».

50Para além da limitação quantitativa desse tipo de « formação » continuada, seus outros problemas são bastante conhecidos: o distanciamento entre as expectativas dos professores, as orientações das instituições empregadoras e as produções oferecidas pelos professores implementadores; o caráter instrumentalizador ou a preponderância da reprodução de conteúdos « teóricos » sobre as possibilidades de integração prática X teoria; a dissociação entre a teorização sobre a escola e para a escola; a dificuldade de articulação entre os saberes apresentados e a produção de novas práticas; bem como o caráter episódico dos eventos.

51Uma percepção comum, colhida na prática desses trabalhos como professora, ao longo de mais de uma década, é que esses encontros, fortuitos na duração, dissociados da realidade/contexto local e desprovidos de continuidade, flutuam ao sabor das gestões administrativas como grandes icebergs e deles só se efetuam registros das imagens « emersas »: possibilitam efêmeras promessas coletivas e raras transformações individuais. Não desejo, contudo, destituir a importância dessas tentativas. Como possibilidades delineadas para a época e como esforços de professores implementadores, organizadores e participantes, renderam alguns frutos importantes, tais como as análises críticas dos resultados delas e propostas de construção de novas alternativas.

52Entre as novas propostas de formação continuada, aquelas que abrangem encontros intercalados com retornos à prática escolar, aquelas que contemplam a formação em serviço e aquelas nas quais o profissional de educação associa a aprendizagem à pesquisa de/em sua prática, parecem contribuir mais significativamente para a melhoria da educação escolar.

53Contudo, a viabilização de propostas desse tipo esbarra nas condições de isolamento institucional: a escola, sozinha, não pode dar conta de operacionalizar um projeto de formação continuada dos seus professores, e a universidade, como instituição formadora, necessita da escola como campo de ação para as práticas curriculares e como campo de pesquisa para sua própria produção pedagógica. Por sua vez, as instituições empregadoras precisam dos formadores de professores e de suas produções teóricas para implementação de projetos de formação continuada. Cada uma delas, por conseguinte, não alcança sozinha seus intentos. Quando atuam em conjunto, sem contudo oficializar o compromisso permanente de parceria, satisfazem, momentânea e parcialmente, essas necessidades. Todavia, sem o compromisso de enfrentamento da problemática como um todo, não tocam no cerne da questão da « necessidade de estruturação de um sistema educacional brasileiro – inexistente, de fato » (Fusari, 1998, p. 534) – e que envolve a questão da formação continuada – e não esporádica – do profissional de educação, como premissa essencial de garantia de qualidade na oferta de escolarização.

54Vale ressaltar que a formação inicial também está fortemente enlaçada à questão da continuidade da formação do professor. A formação inicial do professor se constituiu, por muito tempo, como o período em que se efetuava sua preparação definitiva para a prática docente, como também constata Fusari (1998) em seus estudos. Ainda que persistam resquícios dessa filosofia de formação inicial de professores, surgem contrapontos que conferem à habilitação legal dos docentes o desenvolvimento de

« [...] conhecimentos e habilidades, atitudes e valores que lhes possibilitem permanentemente ir construindo seus saberes-fazeres docentes a partir das necessidades e dos desafios que o ensino como prática social lhes coloca no cotidiano » (Pimenta, 1996, p. 75).

55A legislação atual determina que a formação inicial do professor, de todos os segmentos de ensino, seja efetuada em nível de graduação. Nas orientações legais sobre a formação inicial de professores, o antigo modelo de « 3 +1 » deverá ser substituído por um novo arranjo curricular que identifique a licenciatura como curso específico desde o seu início. Nessa proposta, as « práticas de ensino » e os « estágios curriculares supervisionados » podem deixar de ser disciplinas curriculares e passarem a se constituir em componentes curriculares de disciplinas, distribuídas desde o início do curso. Com esse direcionamento, há uma aproximação entre os dispositivos legais relativos à formação do professor e os estudos que buscam discutir a profissionalização do professor, uma vez que há o entendimento de que teoria e prática, conhecimento específico e conhecimento pedagógico não devem estar fragmentados, mas intimamente imbricados na elaboração das aprendizagens e dos saberes dos licenciandos.

5. Da prática exigida à prática das parcerias

56Essa mudança de enfoque na formação inicial ilustra uma profunda alteração na identidade dos professores, projetada na dimensão das competências que lhes são exigidas. Reflete mudanças sociais que exigem dos professores uma permanente continuidade nos seus estudos.

57Assim, as parcerias entre as instituições se apresentam como alternativas às ações isoladas ou esporádicas que, comprovadamente, se esgotam em resultados que não alteram as mazelas educacionais.

58A proposição de parcerias entre universidade e escola ou agência empregadora de professores (secretarias municipais ou estaduais de educação) não se encaixa em ações exclusivamente concernentes à dimensão da extensão universitária, nem tampouco em projetos de formação continuada desenvolvidos pelas instituições empregadoras como cursos nos quais o « professor formador de professores » leva aos « professores de escola » o saber « produzido na universidade » e se « nutre » de informações sobre a aprendizagem e o ensino na educação básica.

59Acredito que a parceria, como alternativa para a concretização da formação inicial imbricada na formação continuada, prevê uma intensa troca de aprendizagens, compromissos e produções, oportunizando aos grupos envolvidos o dimensionamento de um crescimento profissional orientado por uma promessa coletiva, com amplas repercussões dentro das instituições envolvidas e com a interação das suas existências. Cada uma dessas instituições deve estar compromissada com os propósitos das outras, atendendo às demandas de construção de novos espaços educativos, nas interfaces de suas ligações operativas.

60A prática do estágio na formação do professor, cristalizada pelo tempo e no tempo, sempre exigiu uma relação institucional entre a universidade e a escola, embora nem sempre a idéia de parceria se concretizasse.

61Excetuando-se as escolas de aplicação, cuja situação já indica claramente a idéia de uso do espaço escolar como laboratório e não como parceiro de aprendizagens, a relação das licenciaturas com escolas receptoras de estagiários parecia emprestar a estas últimas um prestígio, que era o máximo de retorno alcançado por elas. Como o acesso às escolas e, também às faculdades, era numericamente equilibrado para a situação de colocação de estagiários; como as salas de aula das escolas eram amplas e como as relações professor/aluno na escola se mantinham « controladas », a inserção de estagiários nas escolas não se constituía problemática.

62Nesse contexto, a UFES delimitou o tamanho da turma de prática de ensino em, no máximo, 12 alunos para que esse estágio se desenvolvesse com um padrão de operacionalização e de vivência prática considerado próximo do ideal, do ponto de vista da universidade. A turma de 12 alunos podia ser inserida nas salas de aula, sem problemas. A carga horária de cada uma das Práticas de Ensino perfazia um total de 105horas, divididas em 4 horas semanais de aulas com a turma e 3 horas para o estágio. O estágio se concretizava em 15 horas de observação, 15 horas de participação e 15 horas de regência para cada aluno – sempre acompanhado pelo professor de Prática de Ensino. Havia, ainda, 1 hora semanal de atendimento individual pelo professor de Prática de Ensino, para cada aluno, em atividade de planejamento e de orientação de atividades práticas.

63Na atual conjuntura, esse modelo tornou-se inviável: a quantidade de alunos matriculados aumentou enquanto o número de professores diminuiu; a realidade socioeconômica do país se agravou e a maioria dos alunos universitários não dispõe de tempo livre pois é composta de alunos-trabalhadores, o que dificulta a organização de horários para estágios com acompanhamento do professor. A Prática de Ensino tal como proposta se encaminhou para um desgaste: não é possível negar matrícula aos alunos periodizados e não é possível atendê-los em levas de trinta ou quarenta alunos no modelo adotado e, ainda remanescente na legalidade (não na legitimidade) da instituição.

64A evidente dificuldade suscitada pela relação numérica entre alunos, professor, escola, nesse exemplo, se auto-explica, tornando-se desnecessário descreveras dificuldades com o custo do deslocamento para muitas escolas e a impossibilidade de acompanhamento simultâneo de tantos alunos.

65Diante dessas dificuldades, o estágio foi adquirindo um caráter de cumprimento de uma formalidade, sobrepujando o seu princípio norteador de ser um espaço para discussão da prática docente na concretude do fazer pedagógico.

66Os problemas, gerados por esse conjunto de fatos, exigem a elaboração de alternativas de desenvolvimento da Prática de Ensino que:

  1. garantam espaços educativos para a composição das demandas de observação, participação e regência para turmas muito mais numerosas;

  2. contemplem as novas orientações para formação inicial do professor como um profissional pesquisador e reflexivo;

  3. proporcionem ao professor das Práticas de Ensino o atendimento às demandas de formação continuada de professores da educação básica,

  4. consolidem espaço para pesquisas da prática pedagógica sem prejuízo para o atendimento das turmas de estágio.

67Essa situação exige a elaboração de alternativas de desenvolvimento da Prática de Ensino que levem em consideração não só as experiências e concepções acumuladas pelo Departamento de Didática e Prática de Ensino da UFES, mas também suas dificuldades e limitações diante das exigências legais atuais em relação à carga horária do estágio.

68As dificuldades descritas estimularam-me na busca de soluções, por meio de pesquisas junto de outras faculdades. Contatando professores e alunos representantes de Centros Acadêmicos de cursos de Geografia, busquei verificar como aconteciam os estágios na licenciatura dessa área. Enviei correspondência para 36 professores de Prática de Ensino, com quem mantive contato num evento de Geografia, em 2002, em João Pessoa, PB. Além deles, fiz contato com 16 alunos de diferentes cursos de licenciatura de Geografia, no âmbito nacional. Recebi 22 respostas de professores e 14respostas de alunos. Alguns professores e alguns alunos solicitaram que não se divulgasse o nome de suas faculdades, considerando que suas respostas pudessem causar mal-estar para professores da área de prática de ensino.

69Na UFMG, a principal característica destacada é que o estágio deve ser efetuado tanto na rede pública como em instituições escolares da iniciativa privada, sendo avaliado « a partir de conceitos e de observações estabelecidos pelas fontes geradoras de estágio, acompanhando e seguindo parâmetros estabelecidos em conjunto pelos docentes da UFMG » (Alves, 1998, p. 12).

70A USP propõe um sistema de projetos para atendimento à nova legislação, pertinente à expansão da carga horária de prática de ensino e estágio supervisionado. Essa estratégia será centralizada em um Núcleo e terá, para consubstanciá-la, uma rede de escolas conveniadas, com pessoal docente e técnico das escolas e da academia disponibilizado, com tempo remunerado para apoio e acompanhamento de estagiários.

71As universidades do sul do país guardam como característica do estágio o seu desenvolvimento em escolas parceiras, nas quais o estagiário é recebido sem restrições e se torna o principal responsável por sua própria atuação, não havendo acompanhamento presencial do professor de Prática de Ensino da universidade. Professores de Prática de Ensino do sul do país alegam que o acompanhamento dos estagiários impede que desenvolvam a autonomia e a responsabilidade próprias da função que irão exercer. Daí, a parceria com escolas exime o professor de prática da orientação e acompanhamento da atividade curricular, transferindo para o professor da escola essa atribuição.

72Oliveira (2001) informa que na UERJ a Prática de Ensino se divide em três disciplinas, cujas dimensões de estágio curricular acontecem no Colégio de Aplicação da universidade (CAP-UERJ). A primeira experiência acontece na disciplina de Prática de Ensino 0 (60 h – 30T e 30P), na qual os licenciandos não pertencem a um único curso e ficam sob a orientação dos professores da Faculdade de Educação. Nessa disciplina a prática acontece considerando a escola como uma totalidade, e os estagiários se ocupam de atividades genéricas do cotidiano escolar. Na Prática de Ensino I (120h – 60T e 60P) o estágio corresponde às atividades de observação e participação, concentradas em uma turma « fixa », ainda que com uma incursão obrigatória junto a cada um dos professores da área de Geografia do colégio. O estagiário se incumbe de tarefas como correção e planejamento de atividades para os alunos da escola. Na Prática de Ensino II (120h – 60T e 60P) o aluno deverá desenvolver atividades de regência na turma denominada « fixa », num total de 12horas, além de mais duas horas de regência para a própria turma universitária, ficando o restante da carga horária distribuída para aulas em diferentes séries dos dois segmentos (fundamental e médio). A supervisão é efetuada, nessas duas Práticas de Ensino específicas, por professores do departamento de origem da licenciatura, juntamente com o professor da escola. Não há detalhes sobre a obrigatoriedade do acompanhamento presencial do professor da universidade durante todo o estágio na escola.

73A divisão da Prática de Ensino em dois segmentos apresentou-se como um ponto em comum nas diversas licenciaturas pesquisadas. Outro aspecto freqüente nas informações obtidas é a delegação da responsabilidade do desenvolvimento do estágio ao licenciando, desde a seleção da escola até a regência e o registro em relatório.

74Por outro lado, alunos de universidades públicas e privadas, em especial no nordeste e no norte do país, denunciam o descaso e a desimportância atribuídos ao desenvolvimento do estágio curricular tanto pela equipe docente da academia como por professores de escola. Os depoimentos revelam que « a disciplina Estágio só existe no papel »; « alunos se formam sem nunca ter ministrado aulas em estágio »; « o estágio é assim: você arruma uma escola, e aí o resto é entre você e o professor da escola... ». Essa situação, embora desanimadora, parece não ser exclusividade das universidades de onde vêm as denúncias – pode acontecer em outros lugares sem que haja registro formal da irregularidade.

75Esses dados ajudaram a fortalecer minhas concepções sobre a validade da aplicação das parcerias na prática de ensino, não apenas como prática minimizadora dos problemas quantitativos de horas de trabalho ou de número de professores, mas como possibilidade de fortalecimento da categoria docente, favorecendo condições de qualidade na formação inicial e continuada. Revela-se essa alternativa como uma possibilidade capaz de garantir espaços educativos para as novas orientações da formação inicial do professor, nos quais seja possível prepará-lo para atuar como um profissional pesquisador e reflexivo, bem como proporcionar ao professor das Práticas de Ensino espaços de pesquisa da prática pedagógica simultâneos ao atendimento das turmas de estágio.

76Essas indicações estão em consonância com as propostas apontadas pelos estudiosos sobre a formação do professor (Nóvoa, 1991, 1992, Schön,1992 e Zcheinner,1992) em relação aos desafios de fazer educação, no contexto atual. Parecem-me estar, também, em sintonia com o proposto na resolução CNE/CP 2/2002 e no parecer CNE/CP 28/2001, ao tratarem da carga horária dos cursos de graduação plena para formação de professores da Educação Básica. Ao definirem como devem ser incorporados, a « prática de ensino » e o « estágio supervisionado », no projeto pedagógico da instituição formadora, baseiam essa inserção na compreensão de que esses componentes curriculares, ao transcenderem a dimensão da sala de aula da universidade, devam ocorrer de maneira flexível e atendendo aos « múltiplos modos de ser da atividade acadêmico-científica ».

77Assim, parece-me viável considerar que a prática de ensino, como componente curricular, deva ser implementada associada ao desenvolvimento do estágio curricular supervisionado e a um projeto institucional de parceria entre formação inicial e formação continuada com agências empregadoras. No caso da licenciatura de Geografia na UFES, o LEAGEO poderá se caracterizar como parceiro institucional em projetos deformação inicial e continuada, podendo contribuir coma experiência acumulada, desde 1995, nessa proposta.

78Considerando o que a resolução CNE/CP 2/2002 e o parecer CNE/CP 28/2001, quando tratam da carga horária dos cursos de graduação plena para formação de professores da Educação Básica, preconizam como « prática de ensino » e « estágio supervisionado », parece-me ser possível investir no tratamento desses componentes curriculares como um espaço para concretizar o ensino, a pesquisa e a extensão universitária, por meio de convênios celebrados entre universidade e escolas cujos professores de Geografia se disponibilizem a atuar como parceiros dos licenciandos–estagiários e dos professores de estágio, num processo de formação contínua que se faz ensino pela cumplicidade de troca de aprendizagens.

79A perspectiva da formação reflexiva, incluindo a parceria entre sujeitos que buscam sua própria formação, pesquisando e tornando a sua prática um laboratório de aprendizagem contínua, portanto, parece estar de acordo com as necessidades do tempo presente.

80Uma parceria nesses moldes traz como critérios iniciais, a pressuposição de que

  1. a escola se disponha a receber os alunos de estágio, oportunizando que seus professores atuem como parceiros no acompanhamento dos estágios (envolvendo-se com o planejamento, a avaliação das atividades desenvolvidas, os registros necessários) e respectivos desdobramentos oferecidos pelo projeto de parceria, em consonância com as demandas de sua formação continuada (no desenvolvimento de pesquisas, na participação em oficinas, em cursos, em palestras etc.).

  2. a universidade ofereça aos professores das escolas-parceiras a participação em pesquisas, em oficinas, em cursos, em palestras etc, com respectivo registro formal dessas atividades;

  3. os professores de Estágio Supervisionado e Prática de Ensino atuem como parceiros dos professores de escola, promovendo as atividades pedagógicas necessárias ao desenvolvimento do projeto, mediando a parceria alunos–professores de escola;

  4. os alunos licenciandos se envolvam com a proposta, atuando nela para além do simples cumprimento do estágio curricular obrigatório,

  5. a universidade estabeleça convênio com instituições empregadoras.

81Para selecionar orientações quanto às obrigações das partes, efetuei pesquisas na bibliografia pertinente e busquei ouvir professores de escolas de educação básica, técnicos do Departamento de Ensino Médio da Secretaria Estadual de Educação do Espírito Santo (SEDU), professores da Coordenação de Ensino Fundamental de Geografia da Secretaria Municipal de Educação de Vitória. Analisei a Proposta Pedagógica do Curso de Licenciatura de Geografia da UFES e de outras universidades (UNIJUÍ, USP e UFMG), bem como o documento da Comissão de Alocação de Vagas Docentes para Prática de Ensino do DDPE, na tentativa de delinear um modelo de ação mais adequado às necessidades atuais das Práticas de Ensino das Licenciaturas. Com base nesses estudos, elaborei um modelo de convênio entre a UFES e a SEDU e uma proposta de projeto para estágio que se encontra em fase de análise no Centro de Educação da UFES.

82Efetuei, também, uma pesquisa junto a um grupo de 20 professores localizados em escolas no entorno da UFES e indicadas pela coordenação da rede municipal de Vitória e pela equipe de coordenação do Ensino Médio da SEDU. Essa pesquisa indica que os professores (100%) consideram interessante o estabelecimento de parceria entre instituições formadoras e empregadoras para concretização de formação continuada da categoria, de maneira sistemática. Entre eles, a maioria (80%) se declara interessada em participar da proposta de parceria estágio/formação continuada, desde que respeitadas condições como: certificação; definição de liberação de tempo pela instituição empregadora e continuidade do programa ao longo do ano, sema fragmentação do todo por conta do semestre letivo/UFES.

83Embora demonstrem esse interesse, alguns professores (80%) apontam como razões da usual resistência apresentada por si próprios e por colegas quanto ao acolhimento de estagiários em suas salas de aula: o desencontro dos calendários da academia e da escola; a maneira esporádica como o estágio é desenvolvido; a artificialidade da fórmula tradicional; a falta de tempo disponível para entrosamento entre os atores do processo; o desconforto causado pela presença do estagiário como um elemento estranho; a falta de entrosamento escola/academia.

84Os professores destacaram, também, que a relação entre eles, o professor de prática e o estagiário precisa ser pautada por fatores como ética, respeito e afeto que se espalhem na disseminação e na construção de conhecimento.

85Essas indicações são interessantes para orientar as relações de parceria institucional universidade e escola, além de demonstrarem como os professores de escola propõem uma fórmula de entrosamento com seus colegas da academia.

6. Da prática de parcerias à práxis desejada: de formação inicial e de formação contínua

86Como as discussões sobre o assunto não estão ainda consolidadas, torna-se necessário envidar esforços coletivos para definir um quadro de disciplinas que tratem do estágio supervisionado e da prática de ensino, com respectiva distribuição de cargas horárias, visando atender à legislação e, simultaneamente, à complexa situação das universidades federais. Na UFES, considerando-se todas essas pesquisas e toda a problemática apresentada, é possível, pensar numa proposta de funcionamento do estágio supervisionado – no caso, o estágio curricular de Geografia – como uma relação entre formação inicial e formação contínua.

87O momento inicial da proposta corresponderá à acolhida do estagiário pela escola e da escola pelo estagiário. Esse momento será deflagrado a partir de uma reunião entre professor de prática, professor-parceiro, representantes do corpo técnico-administrativo da escola e estagiário. Nela serão tratados os aspectos operacionais do estágio, que serão registrados num contrato didático (horários, normas, delimitação de papéis etc.). Deverá ser, também, um momento de aproximação entre os envolvidos no estágio, para que sejam iniciados os vínculos de afeto, respeito e ética, sinalizados pelos professores como necessários.

88O estagiário terá, a partir de então, um tempo pré-estabelecido para conhecer e se tornar conhecido pela equipe da escola. Levantará dados sobre o funcionamento da escola, sua história e seu cotidiano. Deverá efetuar uma pesquisa sobre o entorno da escola, buscando conhecer a comunidade na qual ela se insere. A partir de então, deverá ser efetuado um diagnóstico pedagógico, junto aos professores de Geografia da escola. Os alunos e professores envolvidos com o estágio irão estudar e avaliar as demandas da escola, observadas pelos estagiários no diagnóstico efetuado e sugeridas pelos professores e alunos de Geografia da escola, delineando a dimensão de um projeto de pesquisa que será desenvolvido nos momentos subseqüentes, equivalentes aos momentos de participação e de regência.

89O professor de prática não estará presente nas escolas durante todo o período de estágio de cada aluno devido aos problemas já descritos. Essa perspectiva estará considerando a construção de autonomia do estagiário na sua inserção no ambiente escolar, propiciando a construção de uma relação profissional com o pessoal da escola, assim como estará possibilitando ao professor de prática tomar conhecimento das diferentes histórias e dados das escolas conveniadas. Os registros efetuados sobre a escola, com base nas observações dos estagiários, deverão ser discutidos com a equipe (colegas, professores da escola e da UFES).

90Essa proposta pretende não perder de vista a necessidade de concretude das possibilidades, não se afastando do que preconiza Freire (1982, p. 100): « o sonho viável exige de mim pensar diariamente a minha prática; exige de mim a descoberta, a descoberta constante dos limites da minha própria prática ».

91Assim, apenas a partir do delineamento das propostas de trabalho para o estágio é que os alunos-licenciandos irão pesquisar e produzir tratamento pedagógico que atendam às demandas levantadas. Esse período será dividido entre pesquisas bibliográficas independentes, elaboração de materiais e organização de oficinas pedagógicas para professores de escola.

92Um dos valores a ser enfatizado na prática de ensino será a responsabilidade das ações, na direção que sugere Arroyo (2000, p. 230):

« Partir das práticas cotidianas para reorientar o currículo e a escola não é propor como ideal um professor praticista, rotineiro, distanciado do conhecimento, de parâmetros mais universalistas, do avanço das ciências. [...] Há algo mais de fundo a ser respeitado: a procura do reencontro do que é constitutivo de sua identidade mestres: saber fazer educação no cotidiano, o que não pode ser confundido com rotinas ».

93A experimentação das propostas será desenvolvida como um tempo de efetiva regência, integrando os conteúdos das turmas da escola com as problematizações pesquisadas pelos estagiários e professores. Oportunizará a experimentação/validação de hipóteses, por meio da pesquisa da própria prática, na buscada melhor forma do agir docente. Essas atividades se constituirão como parte do processo de formação continuada dos professores da escola. Nelas será considerado o diálogo apontado por Giroux (1999, p. 118) no exercício de uma pedagogia « baseada em uma esperança adquirida, forjada em meio à percepção de riscos e imersa em um compromisso de transformar acultura e a vida pública ».

94A partir da experimentação das propostas pedagógicas haverá uma avaliação conjunta de sua realização e de sua eficácia ou não. Os resultados deverão ser registrados em relatório final pelos estagiários e, eventualmente, em apresentação de trabalhos em eventos acadêmicos e/ou artigos para publicações.

95À guisa de propor parcerias em minhas convicções e reflexões, convido vocês a me acompanharem em incursões sobre o que propõem Carvalho e Simões (1997, p. 64):

« defende-se, em síntese, que o cotidiano seja o ponto departida, mas que seja fertilizado pela teoria e pela reflexão, para que os professores atuem, para além do imediatismo e do conformismo, em direção às finalidades da instituição escola dirigida às camadas populares, via ampliação qualitativa do processo de socialização do saber, a partir da implantação, na escola, da formação continuada do professor por meio da pesquisa de sua própria prática, mas... para além dela »

96A proposição das relações entre saberes do cotidiano e da academia, entre a prática e a teoria, entre a prática e a práxis, entre a informação e o conhecimento, necessariamente presentes nas parcerias docentes, nos exige uma insaciedade que não se esgota nos limites aparentemente amplos de situações teoricamente embasadas, como a pesquisa da própria prática, masse expande em espirais cada vez mais exigentes de saberes que se projetam para o futuro. Exige-nos a troca compartilhada, a cumplicidade de saberes e de sonhos, que se metamorfoseiam em novos saberes e em novos sonhos porque se impregnaram de outros.

97A proposta de estudo para efetivação da parceria universidade e escola, colocando os estudantes (formação inicial) em contato com professores (formação continuada), pretende reproduzir simbolicamente o que descreve Calvino (1990, p. 38-39), situando-se no limiar entre a Geografia e a Pedagogia:

« A oitenta milhas de distância contra o vento noroeste, atinge-se a cidade de Eufêmia, onde os mercadores de sete nações convergem em todos os solstícios e equinócios. O barco que ali atraca com uma carga de gengibre e algodão zarpará com a estiva cheia de pistaches e sementes de papoula, e a caravana que acabou de descarregar sacas de noz-moscada e uvas-passas agora enfeixa as albardas para o retorno com rolos de musselina douradas. Mas o que leva a subir os rios e atravessar os desertos para vir até aqui não é apenas o comércio das mesmas mercadorias que se encontram em todos os bazares dentro e fora do império do Grande Khan, espalhadas pelo chão nas mesmas esteiras amarelas, à sombra dos mesmos mosqueteiros, oferecidas com os mesmos descontos enganosos. Não é apenas para comprar e vender que sevem a Eufêmia, mas também porque à noite, ao redor das fogueiras em torno do mercado, sentados em sacos ou barris ou deitados em montes de tapetes, para cada palavra que se diz – como « lobo », « irmã », « tesouro escondido », « batalha », « sarna », « amantes » – os outros contam uma história de lobos, de irmãs, de tesouros, de sarna, de amantes, de batalhas. E sabem que na longa viagem de retorno, quando, para permanecerem acordados bamboleando nos camelos ou nos juncos, puserem-se a pensar nas próprias recordações, o lobo terá se transformado em um outro lobo, a irmã numa irmã diferente, a batalha em outras batalhas, ao retornar de Eufêmia, a cidade em que se troca de memória em todos os solstícios e equinócios »

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Para citar este artigo

Referência eletrónica

Marisa Terezinha Rosa Valladares, «O espaço da prática de ensino: um lugar para parceria de aprendizagens na formação inicial e continuada»Geografares [Online], 4 | 2003, posto online no dia 30 setembro 2003, consultado o 12 junho 2025. URL: http://journals.openedition.org/geografares/22597

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Autor

Marisa Terezinha Rosa Valladares

Professora do Centro de Educação da UFES

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Apenas o texto pode ser utilizado sob licença CC BY-NC 4.0. Outros elementos (ilustrações, anexos importados) são "Todos os direitos reservados", à exceção de indicação em contrário.

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