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A construção de metodologia colaborativa em um supletivo profissionalizante

Nídia Nacib Pontuschka

Resumos

Analisa a metodologia utilizada por alguns professores em sua prática cotidiana e a maneira como o seu fazer pedagógico se inseriu no projeto político–pedagógico proposto pelo Centro de Estudos, Ensino e Pesquisa (CEEP) e pelas instituições parceiras. Baseia-se em três entrevistas realizadas com professores que ministram aulas em classe do Supletivo Profissionalizante, no Sindicato dos Marceneiros, em São Paulo.

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Notas da redacção

Texto apresentado na mesa redonda Perspectivas da educação não-formal e alternativa em Geografia, no 7º Encontro Nacional de Prática de Ensino de Geografia (Vitória, setembro de 2003).

Texto integral

« [...] por mais cético que se possa ser sobre a eficácia social da mensagem sociológica, não se pode anular o efeito que ela pode exercer ao permitir aos que sofrem que descubram a possibilidade de atribuir seu sofrimento a causas sociais e assim sentirem-se desculpados; e fazendo conhecer amplamente a origem social, coletivamente oculta, da infelicidade sob todas as suas formas, inclusive as mais íntimas e mais secretas » (Bourdieu, 2003).

1Este texto tem a preocupação de analisar principalmente uma das dimensões do Curso Supletivo Profissionalizante do Centro de Estudos, Ensino e Pesquisa (CEEP). O artigo busca o entendimento da metodologia utilizada por alguns professores em sua prática cotidiana e a maneira como o seu fazer pedagógico se inseriu no projeto político–pedagógico proposto pelo CEEP e pelas instituições parceiras. A análise dessas práticas de sala de aula está fundamentada em três entrevistas realizadas com professores que ministram aulas em classe do Supletivo Profissionalizante, no Sindicato dos Marceneiros, em São Paulo.

A formação de professores e o supletivo do CEEP

2Os idealizadores do Supletivo Profissionalizante do CEEP propõem como objetivo primordial para a Formação Pedagógica dos Professores a utilização de metodologias interdisciplinares, em que o Estudo do Meio, reconhecido como pesquisa no ensino, dê a direção para o currículo e, nessa proposta, que o corpo docente seja capaz de gerar idéias, tomar decisões e construir o seu próprio currículo, conjugando os atos de Pensar, Pesquisar, Criar e Fazer. Acreditam na unidade da Educação, em que alunos e professores construam e criem juntos o conhecimento, embasados nas culturas dos diferentes grupos e no conhecimento historicamente produzido pela humanidade.

3Hoje, novas demandas culturais e novas teorias educacionais já permitem aos educadores do CEEP dar um outro sentido às práticas pedagógicas tanto na seleção dos conteúdos como nos métodos de trabalho com os jovens e adultos. A proposta do CEEP já se distanciou bastante de certos cursos que transmitem conteúdos pouco ou nada significativos para os alunos trabalhadores e daqueles que, sem ter material destinado a adultos, utilizam trabalhos dedicados às crianças, o que contribui para afastá-los da sala de aula ao se sentir infantilizados, impedindo-os de dar continuidade à escolaridade.

4Após as reflexões de Paulo Freire sobre a Educação Popular e a Educação em geral, vêem-se iniciativas animadoras surgidas em secretarias municipais de educação, nas universidades e também em algumas organizações não-governamentais (ONGs) que demonstram a preocupação com a maior qualidade do Ensino Supletivo e no empenho de manter os alunos na escola até o final do curso.

5A documentação acumulada sobre o curso do CEEP, no período de 1999 a 2002, permite realizar uma avaliação das classes de ensino de Jovens e Adultos, tanto da Grande São Paulo como das cidades do interior –Rio Claro, Limeira e Franca –, e refletir como professores e alunos têm conseguido produzir conhecimentos compatíveis com os princípios estabelecidos no dia-a-dia das práticas pedagógicas.

6É preciso lembrar a história de um trabalho coletivo que, em determinado momento, se gestava no âmbito do CEEP e que se conectou com a história de um grupo de profissionais da educação que, desde os anos1990, se reúne no Laboratório de Pesquisa e Ensino em Ciências Humanas (LAPECH), na Faculdade de Educação da USP, tendo a experiência com Projetos de Educação Continuada em prefeituras municipais de São Paulo, Diadema, Santo André e, atualmente, Guarulhos, congregando professores da USP, alunos da Pós-Graduação do Mestrado e Doutorado e professores da rede pública e particular da cidade de São Paulo com trabalhos em projetos interdisciplinares desenvolvidos junto às secretarias já mencionadas.

7O CEEP, por meio da professora Cecília Guaraná, diretora do curso de Educação de Adultos, convidou o grupo do LAPECH para realizar um trabalho de assessoria, responsabilizando a equipe pela formação continuada dos professores das classes do Supletivo.

8Após o aceite do trabalho, a atenção a uma questão se fez necessária: Que professor seria o melhor para esses alunos que já haviam passado pela escola em ocasiões precedentes, mas que de diversas maneiras e por diversos motivos foram dela expulsos? Para que a equipe tivesse a compreensão necessária do significa do desse tipo de curso e pudesse planejar o desenvolvimento da assessoria foi necessário estabelecer alguns princípios de modo que o Supletivo fosse diferenciado dos cursos que têm como tarefa única atribuir um certificado para os estudantes. A reflexão sobre os princípios do curso deveria ajudar até mesmo na entrevista inicial de seleção dos professores.

9Os princípios gerais do curso foram estabelecidos após reunião em que estiveram presentes representantes dos vários sindicatos envolvidos, da coordenação do CEEP e da futura assessoria. Nessa reunião as lideranças sindicais enfatizaram a necessidade de enfrentar a extraordinária dívida social e o não-compromisso das variadas políticas públicas em enfrentar, prioritariamente, a educação de Jovens e Adultos de forma reflexiva e não apenas como instrução, visando unicamente a certificação.

10Em uma sociedade complexa e predominantemente urbana como a do Brasil, interagem de forma complexa as múltiplas dimensões da vida humana, como o mundo do trabalho, a participação social, econômica e política, a situação da família nos vários estratos socioeconômicos; as oportunidades de lazer e ócio; aspectos do multiculturalismo de nossa sociedade; os movimentos migratórios. A preocupação inicial do CEEP era como organizar um currículo para alunos trabalhadores que mobilizasse essas várias dimensões da vida, relacionando-as às disciplinas escolares, de modo a ampliar o conhecimento e o entendimento das realidades do mundo, neste começo de século. Essa necessidade remeteu o grupo para os objetivos de um Supletivo Profissionalizante para alunos trabalhadores, cujo perfil foi esboçado anteriormente, e para os professores responsáveis por sua educação.

11É sabido que os professores chegam às classes comum saber acadêmico produzido nas escolas de ensino superior que vai ser aperfeiçoado e filtrado no cotidiano da escola. Ao lado da formação acadêmica que o professor já traz, ele precisaria receber uma formação específica para ser um bom professor de alunos trabalhadores.

Princípios norteadores da educação de jovens e adultos

12Antes de discorrer sobre os princípios que nortearam o trabalho de formação no Supletivo é preciso deixar explícito o que se entende por Educação de Jovens e Adultos. A Educação de Jovens e Adultos do CEEP está sendo entendida como processo que visa o desenvolvimento das potencialidades de cada ser jovem ou adulto que, na relação estabelecida com o educador e os demais alunos pela via do conhecimento, promova a formação de sujeitos autônomos, críticos e criativos, fundamentados em referenciais éticos, cooperativos e solidários; como alunos trabalhadores, a compreensão da perspectiva do trabalho deve ser primordial, embora outras dimensões da vida como a cultura e a ética estejam também presentes.

13O desenvolvimento humano dos alunos trabalhadores requer a articulação de várias dimensões: conhecimentos acumulados numa leitura disciplinar e interdisciplinar, localizando e preenchendo as lacunas conceituais necessárias a essa combinação; integração dos trabalhadores no movimento coletivo de criação conceitual para a gestação do plano de ação emancipadora do trabalho humano; mobilização dos trabalhadores para a apropriação social da tecnologia automatizadora para o desenvolvimento do trabalho útil e para a satisfação das necessidades humanas vitais.

14A hipótese engendrada é a de que a vivência de um trabalho coletivo, participativo e interdisciplinar como conjunto dos professores facilitaria a formação de um coletivo semelhante nas classes dos alunos trabalhadores.

  • 1 Os professores de todas as escolas do Supletivo do CEEP reúnem-se uma vez por mês com a equipe da a (...)
  • 2 Reuniões semanais em cada escola para planejar os trabalhos conjuntos e refletir sobre os problemas (...)

15Com essa perspectiva, o CEEP estabeleceu como primeiro princípio a interdisciplinaridade, ou seja, a criação de um trabalho interdisciplinar tanto nos momentos de formação continuada dos professores1 como na formação em serviço2 realizada semanalmente em cada uma das escolas.

16Associada intrinsecamente à interdisciplinaridade e ao trabalho coletivo está a dialogicidade, a qual exige permanente colaboração entre os vários sujeitos sociais envolvidos no projeto. Considerava-se necessário trabalhar com os professores o pensar e o agir interdisciplinares, tendo a consciência de que não é fácil, para a pessoa formada em uma escola em que o trabalho individual, a compartimentação do conhecimento e a competição sempre foram estimulados, integrar-se a um projeto coletivo, colaborativo e interdisciplinar, baseado em um processo de pesquisa no ensino que, paulatinamente, vai se constituindo.

17A ruptura com formas tradicionais de ensino, baseadas na racionalidade técnica, em que o conhecimento se apresenta fragmentado e previamente constituído, para caminhar na construção de uma educação que busque a totalidade, em que a soma das partes não é igual ao todo, é uma das prioridades na formação desses professores.

18A aproximação a essa totalidade somente é conquistada por meio de uma construção em que olhares diferenciados (alunos, professores, coordenação, sindicalistas) incidam sobre um objeto de natureza transdisciplinar, e os grupos envolvidos no processo educativo dialoguem sobre ele, cada qual iluminado pelos fundamentos teóricos e conceituais de sua disciplina, na busca incessante de compreender melhor seu objeto de análise. Dessa maneira, os conteúdos emanariam da própria vivência e do conhecimento prévio dos estudantes, de seu trabalho, seus problemas e sonhos, articulados às disciplinas de referência.

19A concepção de interdisciplinaridade, como a concebemos, pressupõe um procedimento que assegure a contribuição das diversas ciências e linguagens para a compreensão de determinados temas que orientam o trabalho escolar. A especificidade de cada disciplina ou área de conhecimento é respeitada e um diálogo inteligente entre elas precisa ser estabelecido para permitir uma compreensão melhor do mundo, dos temas e aspectos nele inseridos.

20Para se atingir uma aproximação à interdisciplinaridade é imprescindível reconhecer o valor educativo do diálogo, da participação, da consideração do saber primeiro do sujeito, que se constitui na porta de entrada para a construção do alicerce educativo para a reflexão e a construção de conhecimentos mais elaborados e integrados.

21O respeito e a consideração dos fragmentos de saberes permitem ir à busca das relações entre eles, na tentativa de caminhar na direção da totalidade e ampliá-la continuadamente pela integração de novas partes enovas relações, para se chegar à abstração.

22O adulto pode, através do trabalho e da sua própria vida, ter, com seu esforço e sua experiência, resolvidos alguns problemas emergentes que permitem a ele sobreviver em um mundo complexo como o atual, mas pode ser que faltem a ele possibilidades de crescimento por não dominar a escrita, o raciocínio matemático ou conhecimentos sobre determinados temas da sociedade e do ambiente, em tempos e espaços diferentes, que não lhe possibilitem a seleção de argumentos para defender suas idéias, suas posições políticas e seus direitos de cidadão.

23Em decorrência dessas considerações, vê-se que a continuidade da escolaridade torna-se necessária, o repertório cultural desse aluno precisa ser constantemente enriquecido. Acredita-se que esse enriquecimento vai permitir que ele, além de ampliar as oportunidades de se manter no trabalho ou de conquistar emprego quando fora do mercado, possa obter melhores condições de trabalho e se inserir na sociedade de forma consciente, crítica e com real participação, reconhecendo suas possibilidades e seus limites, mas sobretudo tendo consciência de ser um cidadão.

24A escola para os trabalhadores contribui para o aumento de consciência e pode concorrer, até mesmo, para a melhor distribuição de bens materiais e culturais, significando aumento de poder para os trabalhadores em geral.

25A observação criteriosa e constante do professor e o registro sobre o que ocorre na sala de aula e fora dela permitem ao professor chegar a uma seleção de conteúdos culturais que se constitui no cerne do trabalho pedagógico durante cada um dos ciclos. O plano decurso das diferentes disciplinas precisa ser orientado pela seleção cultural estabelecida pelo conjunto dos professores e pelas temáticas extraídas do conhecimento dos alunos-sujeitos e do contexto da metrópole-mundo ou das cidades do interior em que funciona mas classes deste curso supletivo: Rio Claro, Limeira e Franca.

26A pesquisa da realidade local e de suas relações com realidades globais em um Estudo do Meio e a possibilidade de interferir nos problemas cruciais vividos pelo povo brasileiro devem estar presentes na seleção dos conteúdos, embora não necessariamente constituindo um elenco seqüencial para todas as classes. Cada escola vai propor seus temas e sua seqüenciação, de acordo com os organizadores do currículo. Exemplos de temas relevantes na atualidade são: desigualdades sociais em um país capitalista industrial ou pós-industrial em um mundo globalizado, o mercado de trabalho e as novas tecnologias, o desemprego, as questões ambientais, as várias discriminações (da mulher, de minorias étnicas), as cidades com seus equipamentos urbanos deficientes ou ausentes, as novas territorializações vivenciadas no mundo contemporâneo, a desinformação ou a fragmentação da informação sobre a vida do país.

27A diversidade cultural dos alunos, ou o multiculturalismo, precisa ser considerada como riqueza e como identidade do nosso povo, caminhando em direção à superação de preconceitos que interferem nas relações pessoais de alunos e professores, obstaculizando o aproveitamento das possibilidades que a vida e o cotidiano da escola podem oferecer. Promover o convívio social entre diferentes constitui-se em um dos aspectos importantes do processo educativo.

28Os conteúdos extraídos da realidade por meio de pesquisa precisam ser relatados e registrados, sendo a oralidade uma forma de expressão que interage com outras linguagens: a escrita em suas diferentes modalidades, a plástica, a gráfica, a fotográfica e a televisiva.

29Sintetizando, na metodologia empreendida pelo CEEP são princípios básicos: considerar a interdisciplinaridade como necessidade de uma aproximação entre as disciplinas, sobretudo com os seus objetivos e em determinados momentos e conteúdos afins; considerar que o ponto de partida para a continuidade da escolarização são os saberes trazidos pelos alunos (saber primeiro); que a realidade local, entendida como local de moradia, como local de trabalho, como a família, a escola dos filhos, a igreja precisam ser investigadas e a partir de seu conhecimento construir parâmetros para a compreensão de espaços de dimensões maiores e das inter-relações entre eles; considerar que o trânsito pelas várias linguagens, a compreensão delas e das diferenças entre elas são elementos culturais necessários, juntamente com o conhecimento da linguagem convencionalmente utilizada na escola: o texto escrito; o entendimento de que não se aprende e se enriquece a bagagem cultural apenas nas quatro paredes de uma sala de aula, mas que existem outros espaços de aprendizagem, na rua, na cidade, nos cinemas, nos museus, nas conversas informais com os amigos, que oferecem elementos importantes de reflexão.

30Desse olhar decorre a importância do Estudo do Meio, para auxiliar na apropriação de conhecimentos provenientes de vários espaços, na escola ou fora dela. O espaço virtual, uma nova tecnologia que cada vez mais penetra nos vários tipos de trabalho, também precisa ser conhecido e apropriado pelo cidadão.

31Dada a diversidade de lugares em que funcionam as classes do Supletivo do CEEP, utiliza-se uma metodologia que permite uma certa flexibilidade em relação aos eixos temáticos a ser desenvolvidos em cada um dos ciclos. Assim, se o eixo temático for a moradia, certamente será diferente a abordagem em Carapicuíba ou Osasco, municípios de expansão urbana polarizados pela cidade de São Paulo, e em Franca, cidade polarizada por Ribeirão Preto, e especializada na monoprodução de calçados e na exportação para os grandes centros urbanos do país e do exterior. Áreas de ocupação, por exemplo, existem em Franca e em Osasco e Carapicuíba. Nos arredores de Franca há áreas de ocupação de agricultores sem terra, em terras devolutas ou em terras improdutivas, assim como em Osasco ou Carapicuíba há ocupações de terrenos demoradores urbanos denominados sem-teto. Essas constatações levam a seleção de conteúdos a caminhos diferentes que posteriormente podem se integrar.

32A mídia, sobretudo a televisão, através das emissoras de maior poder, atinge todo o território nacional, fornecendo muito material a ser debatido em todos os lugares mencionados, porque padroniza as informações e, na maioria das vezes, apresenta dados fragmentados, que não oferecem o contexto dos acontecimentos divulgados. No entanto, há amplo material a ser debatido, criticado e transformado em conteúdos. Assim, os professores podem extrair desse poderoso instrumento conteúdos escolares não simplesmente para transmiti-los, de forma simplista, mas para acrescentar outras informações e os contextos históricos e econômicos em que os fatos ocorrem e, na escola, acrescidos da crítica, contribuir para que os alunos se fortaleçam como cidadãos.

33Sabe-se que a formação de um coletivo não garante um trabalho interdisciplinar na escola, mas sem ele não se consegue realizar a interdisciplinaridade, princípio maior no Projeto do CEEP. Os professores entrevistados afirmam que o grupo de professores avançou muito, desde o começo das classes do Supletivo Profissionalizante do CEEP, e complementam dizendo: « mas há ainda muito a caminhar na formação de um coletivo » no qual as trocas e a interdisciplinaridade realmente aconteçam. Há trocas com alguns professores, mas não há com aqueles que dão aulas em outros lugares.

34Que educação interessa ao aluno trabalhador? Essa é uma pergunta que acompanha sempre os professores entrevistados. A preocupação é pensar em questões educacionais mais amplas sobre educação, auxiliados pela Universidade e pelos sindicatos, para que possam implementar uma política pública de educação « debaixo para cima ».

35A professora de Matemática destaca a importância do diálogo na classe e mostra como fugir do trabalho mecânico, com a utilização permanente do raciocínio. Afirma que o professor necessita estar aberto às propostas e sempre ter a preocupação: « como posso tornar esse conteúdo matemático mais significativo para os alunos? »

36Em reunião na qual estavam presentes professores novos como o de Matemática, de Carapicuíba, a Profa. Mônica relatava como construía e explorava as tabelas e regra de três para brincar um pouco com « Duplex », jogo de palavras, e o professor de Matemática de Carapicuíba perguntou: mas como jogo de palavras numa regra de três? Com essa pergunta a professora teve a oportunidade de falar sobre as atividades que criara no trabalho pedagógico com a Matemática. Houve troca e houve crescimento do grupo presente, sobretudo dos professores chegados recentemente ao Supletivo do CEEP.

37A professora ainda se pronuncia sobre a formação do professor e o trabalho mecânico:

« Se a pessoa absorveu linearmente a sua formação, no caso, a Matemática Dura, dificilmente ela vai dialogar com o outro e buscar caminhos no sentido de que os alunos sanem suas dificuldades, pois dará ênfase à quantidade de conteúdos matemáticos e não ao significado dos conteúdos selecionados, criteriosamente, assim, a tendência é realizar um trabalho mecanizado » (Professora Mônica, de Matemática, 2002).

38O que a professora pensa ela traduziu da seguinte forma: « Ajudar o aluno a apropriar-se de um conceito é fazer com que ele aspire àquilo para a vida toda ». Desse modo, conclui-se que o aluno precisa apropriar se de conteúdos que tenham significado, para que ele encontre o seu próprio caminho, e para essa tarefa o professor precisa estar preparado.

39Nas reuniões coletivas, há a discussão do local de aprendizado do aluno e alguns colocam a idéia de que o conhecimento não se produz somente na sala de aula; que o conhecimento construído no espaço de vida e transformado em conteúdos escolares é o que atende melhor aos anseios dos alunos.

40No diálogo na classe emergem variadas representações. Por exemplo, estudar as ciências humanas, basicamente, História e Geografia, é fazer política, e política não os interessa. Em determinado momento, fez-se necessária a discussão de o que é política. A esse respeito, um dos professores citou um fato acontecido em classe. Dois alunos abriram amplo debate sobre a importância da política na vida da sociedade e de cada pessoa, individualmente. Um dos alunos, que apresenta significativa formação sindical, falava da falta de participação política no Brasil e fez a seguinte colocação: « o povo brasileiro vive uma boçalidade muito grande ». Imediatamente, uma aluna retrucou: « não, eu não sou boçal não ». E se fez uma discussão acirrada sobre política orientada pelo professor.

41O aluno, depois dos debates, pediu desculpas à classe por suas palavras intempestivas. E assim os alunos trabalhadores vão se desenvolvendo como alunos e se consolidando como cidadãos. Segundo os depoimentos dos professores, mesmo os alunos que não se manifestavam no início do curso hoje já se colocam, já emitem opiniões iluminados pela leitura de matérias de jornais, revistas, ou seja, apropriando-se da produção cultural disponível.

42É preciso destacar a necessidade de que as representações dos alunos se tornem emersas e de que os conflitos apareçam; no entanto, o educador precisa estar pronto para administrar o conflito. Num projeto em que se pretenda a real participação da classe, deve-se prever que isso será uma constante.

43Um dos princípios importantes do Projeto do Supletivo Profissionalizante do CEEP é o de que os conteúdos e os métodos selecionados tenham relação como espaço de vida dos estudantes trabalhadores, para que a sua presença na escola tenha sentido.

44Para expressar a diferença do trabalho pedagógico realizado no CEEP em comparação com o de muitos outros supletivos que visam apenas dar um certificado aos alunos, a professora entrevistada toma como ponto de partida o trabalho do qual participou em um Supletivo localizado no interior de uma COHAB, na zona leste, área residencial popular, denominada Salvador Allende:

« Todos os alunos moravam nas imediações da escola, no entanto chegavam atrasados e não podiam entrar. Mas eram alunos que trabalhavam durante o dia e nem sempre nas proximidades de sua residência. O professor não tinha autonomia para permitir que o aluno entrasse nasala de aula fora do horário estipulado. Se uma menina menstruada precisasse ir ao banheiro, não tinha permissão. Essas regras impostas pelos dirigentes da escola não eram aceitas pelos grupos de adolescentes e tampouco pelos professores, que se viam na contingência de sair da escola ou eram expulsos. Para se realizar um trabalho decampo com os alunos, colocavam-se tantos empecilhos que levavam à desistência do professor.

Outra questão era a visão de disciplinas compartimentadas, não se podendo relacionar o conteúdo de uma disciplina com outros conteúdos, como se o conhecimento fosse também compartimentado.

Houve assassinato de jovens no conjunto habitacional e muitos outros problemas, mas a escola simplesmente ignorava, não era uma questão a ser pensada pela escola.

O complicado para o professor era falar do Estado abstrato ou falar da interferência do Estado no lugar? A escola estava isolada da vida. Nesse conjunto habitacional havia associações de moradores; organizações populares e a escola não fazia parte desse contexto » (Professora Sueli, de História, 2002).

45O ensino na escola da COHAB ignorava que se localizava dentro de um conjunto residencial popular, que os alunos da escola mantinham ali relações de afetividade, namoravam, brigava e a escola estava afastada de todo esse movimento da vida que se desenrolava no lugar, como se a escola fosse algo isolado do lugar, ou seja, um não-lugar. Continua a professora: « Como se a escola existisse independentemente dos grupos que dela faziam parte ».

46A professora conclui o seu relato: « o conteúdo escolar estava acima das pessoas, acima da vida, portanto, isso não pode ser considerado como conhecimento e a escola não está exercendo o seu papel, ou seja, o de trabalhar com o conhecimento ».

47No CEEP, o ato de ensinar é um processo pedagógico participativo, no qual professores, alunos, coordenadores, sindicatos e direção tentam construir, juntos, uma escola que vá além das quatro paredes da sala de aula, incluindo a coordenação, os secretários, os professores, os alunos, os funcionários como parceiros na educação.

48A flagrante diferença entre o Supletivo do CEEP e outras escolas é retratada também pela professora de Física e Matemática, que assim se manifesta:

« Uma das principais diferenças é a questão do grupo de professores. O fato de os professores estarem muito preocupados com o crescimento intelectual do aluno e dos docentes resulta no trânsito de uma disciplina para outra. Os estudantes trabalhadores percebem a existência de uma meta entre os professores: um constrói e o outro reforça essa construção através do trabalho pedagógico de sua disciplina » (Professora Mônica, 2002).

49Nesse depoimento percebe-se que os professores construíram um coletivo, que avança em direção a um trabalho interdisciplinar, diminuindo o vácuo existente entre as disciplinas, porque antes de tudo houve um planejamento inicial que tem continuidade nos encontros semanais. É preciso ressaltar que as escolas de São Paulo, por sua proximidade, são as que se conhece melhor, havendo necessidade de maiores investigações nas escolas do interior do Estado.

50Pensando na interdisciplinaridade, destaca-se a prática do Estudo do Meio realizada com todos os professores com o objetivo precípuo de que tomassem conhecimento do método e planejassem pesquisas decampo com os alunos trabalhadores em outros lugares e visando a outros conteúdos.

51Professores e alunos, juntos, discutem sobre assuntos diferentes que desejam estudar e escolhem um deles para conhecer com maior profundidade. Como exemplos, podem ser lembrados: a questão da educação escolar partindo do estudo de uma escola; o trabalho na cidade, por meio de entrevistas; o trabalho como turismo, o estudo das praças da cidade, das condições ambientais do bairro e da cidade, o trabalho em uma área rural, via estudo de uma fazenda ou de bairros rurais; usinas produtoras de açúcar e álcool; a vida de migrantes rurais que se deslocam de um lugar a outro na busca de emprego durante as safras.

52É importante que a escolha não seja forçada pelo docente, mas sim que os alunos, juntamente com os professores das diferentes disciplinas, selecionem um aspecto da realidade que o grupo–classe esteja motivado a conhecer. Segue-se um planejamento da parte dos professores e dos alunos, que ocorre em sala de aula, envolvendo o levantamento do que a classe sabe sobre o tema escolhido e a leitura de textos que alunos e professores levarão para a classe para ser lidos e debatidos. Depois de conhecer um pouco mais sobre o tema, cada professor saberá como relacionar o assunto com os objetivos de sua própria disciplina.

53Haverá então o planejamento da saída para o local escolhido com toda uma orientação sobre a programação, de forma a aproveitar ao máximo as informações a ser obtidas. No planejamento há que se ter o cuidado de saber que recursos serão utilizados para a coleta de informações (observações individuais, entrevistas, anotações em caderno, gravação, fotografias, desenhos). No retorno à sala de aula, o material coletado vai ser sistematizado pelas diferentes disciplinas, na tentativa de entender melhor aquele aspecto da realidade escolhido para o estudo.

54Se o estudo tiver como objetivo conhecer um aspecto da realidade externa à sala de aula, por exemplo do trabalho no interior de uma fábrica, é importante saber que, muitas vezes, apenas o visível não dá contada totalidade da realidade. Há necessidade de saber oque existe por trás daquilo que se pode observar deforma imediata.

55O Estudo do Meio tem a finalidade de conhecer melhor um objeto de estudo, mas também propor soluções para problemas encontrados na realidade estudada, considerando os limites e as possibilidades do grupo de alunos e professores em suas dimensões materiais, de comprometimento, de capacidade de criação e de vontade política. Nesse processo, alunos e professores vão assumindo o ensino e a aprendizagem, associados à pesquisa, como sujeitos da construção do conhecimento de forma interdisciplinar e, também, aprendendo a realizar o registro do material coletado e a sua sistematização.

56Para finalizar, sem concluir, é preciso ressaltar que, em vez de realizar um trabalho de pura transmissão de conhecimento, em que alunos e professores não estão satisfeitos, pode-se mudar o eixo para o da produção de conhecimento, com criatividade e participação. Alunos e professores, em processo constante de pesquisa, vão crescendo intelectual e emocionalmente, cuidando de seu aprender, de seu conhecer, de seu conviver.

57O primeiro Estudo do Meio realizado com os professores foi na área rural de Limeira, com o objetivo de que os professores conhecessem e assumissem esse método em que a pesquisa e o ensino interagem e requerem a participação dos alunos como sujeitos da ação.

58Foi realizada visita a duas antigas fazendas de café: uma delas com as terras arrendadas para a produção de cana-de-açúcar e a casa-grande destinada a visitas de escolas e de grupos de turistas; e a outra ainda com pequena área cultivada com café, mas com o objetivo principal de transformar a propriedade em área de visitação (cobrando uma certa taxa) para um turismo dito ecológico e cultural, porque os proprietários pretendem realizar uma agricultura orgânica, ou seja, sema utilização de agrotóxicos.

59Nas entrevistas houve informações sobre a história das famílias, através dos herdeiros. Notou-se que os escravos somente foram mencionados quando os entrevistados foram questionados pelos professores.

60No retorno para a escola, os professores fizeram uma avaliação do trabalho, de suas observações e relacionaram muitos fatos com as respectivas histórias de vida, suas raízes, o trabalho dos pais e as críticas às falas dos entrevistados. Alguns professores fizeram interpretações relativamente ingênuas, enquanto outros conseguiram ir além das palavras ditas, demonstrando um alto nível de abstração e de capacidade de estabelecer relações com sua experiência de vida e seus conhecimentos anteriores.

61A partir desse estudo, os professores deveriam realizar projetos de Estudos do Meio, escolhendo temáticas e lugares em sua própria realidade, e desses projetos deveriam surgir informações que permitissem gerar temas ou construir temas geradores, lembrando mais uma vez Paulo Freire, que seriam aproveitados pelas áreas do conhecimento para a construção de seu programa.

  • 3 É preciso lembrar que no primeiro semestre de 2000 ainda não existiam as classes de Osasco e Carapi (...)

62Todas as escolas do CEEP em funcionamento na época3 fizeram projetos de Estudo do Meio com metodologias ainda tateantes, mas conseguiram sair com os alunos e realizar observações e entrevistas muito interessantes sobre o meio ambiente, o lixo da cidade, uma área de ocupação em um terreno de uma antiga fazenda improdutiva.

63Com a rotatividade dos professores, o aumento do número de classes e também a criação do Ensino Médio, houve necessidade de realizar outro trabalho em2000, e foi escolhido o Parque da Independência em São Paulo, onde se encontram o Museu Paulista da USP e o Monumento à Independência, às margens do córrego do Ipiranga.

64Além dos encontros dos professores com a coordenação e a assessoria, há também encontros da assessoria e da coordenação com os alunos. Sempre que possível houve reuniões nas cidades do interior e nas cidades da Grande São Paulo para conhecer os alunos, suas expectativas e seus anseios, assim como conhecer as dificuldades que os professores enfrentavam no cotidiano de seu trabalho em relação aos diferentes tipos de problemas, fossem pedagógicos ou de conteúdos disciplinares.

65Essa reflexão preliminar realizada a partir de entrevista com professores da cidade de São Paulo ainda se mostra insuficiente para o entendimento da construção de uma metodologia colaborativa nas demais cidades integradas ao projeto. Há necessidade de realizar entrevistas com professores de outras escolas, tanto do interior quanto da Grande São Paulo, para entrelaçar diálogos e conhecer no interior de um mesmo projeto como se revelam as práticas de ensino em cada uma das realidades urbanas em que se acham inseridas as classes do Supletivo, considerando as culturas diferenciadas dos professores, dos alunos, dos sindicatos e das demais instituições envolvidas no projeto.

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Bibliografia

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Notas

1 Os professores de todas as escolas do Supletivo do CEEP reúnem-se uma vez por mês com a equipe da assessoria em São Paulo para planejar, replanejar, avaliar e trocar experiências.

2 Reuniões semanais em cada escola para planejar os trabalhos conjuntos e refletir sobre os problemas específicos da escola, das classes e dos alunos. Os professores são remunerados por essas reuniões.

3 É preciso lembrar que no primeiro semestre de 2000 ainda não existiam as classes de Osasco e Carapicuiba e nem o Ensino Médio.

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Para citar este artigo

Referência eletrónica

Nídia Nacib Pontuschka, «A construção de metodologia colaborativa em um supletivo profissionalizante»Geografares [Online], 4 | 2003, posto online no dia 30 setembro 2003, consultado o 21 junho 2025. URL: http://journals.openedition.org/geografares/22620

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Autor

Nídia Nacib Pontuschka

Professora Doutora da Faculdade de Educação da USP, da Pós-Graduação da FEUSP e do Departamento de Geografia da FFLCH-USP

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