1Para Lefebvre (1991), a forma urbana é, mentalmente, a simultaneidade e, socialmente, o encontro (que reúne os produtos e as atividades circunvizinhas). Ela condensa a paisagem, obrado trabalho, forma imposta à natureza sobre um território.
2A idéia de simultaneidade e de encontro pressupõe, por sua vez, a existência de temporalidades diversas, de aglomeração e de adensamento de eventos num só espaço. Tais elementos parecem ser atributos que não podem ser negligenciados quando da apreensão da forma espacial urbana.
3Mas o que dizer, então, da forma metropolitana? Não há dúvida de que, diferentemente da grande cidade que existiu na antigüidade, a metrópole é uma criação do modo de produção capitalista (Silva, 1982) em um determinado momento de sua história. Diríamos mesmo que a grande cidade é, certamente, um fenômeno milenar, ao passo que a metrópole é um fenômeno surgido com a modernidade.
- 1 Essas definições apresentadas por Lavinas (1990) tomam por base fontes diversas, a saber: A.C. Ribe (...)
4Como, então, defini-la hoje? Como expressão materializada das novas formas econômicas (oligomonopolista) e dos novos patamares financeiros e técnicos do processo de acumulação de capital? Como foco da atividade econômica e da concentração populacional? Como área relativamente restrita onde interagem processos de forte concentração de população e de recursos, decorrentes do avanço da industrialização? Como cidades com população superiora um milhão de habitantes? Como cidade principal que exerce influência funcional, econômica e social sobre outras cidades menores, seja no plano regional, nacional ou mundial? Como grandes aglomerações urbanas onde se vive uma espécie de « devastação subjetiva »? (Lavinas, 1990)1. Nada excludentes, essas formulações parecem mais se completar, expressando a complexidade do fenômeno metropolitano contemporâneo.
5De fato, não há dúvida de que a metropolização e a metrópole, diferentemente de períodos anteriores à modernidade, têm uma expressão formal em que se estabelece uma nova estrutura espacial e de usos em relação à terra urbana, bem como uma transformação extraordinária no plano da estruturação da produção, chegando, no período contemporâneo, a estar relacionada a um processo de desconcentração, dando origem às metrópoles desconcentradas ou polinucleadas.
6Há, igualmente, além dessas características estruturais, a emergência e a intensificação de novos fluxos de relações econômicas e sociais em vários planos, inclusive na vida cotidiana.
7Como então estabelecer essa compreensão para uma metrópole regional como Belém, em que as definições estruturais capitalistas se mostram contingentes e são mediadas por ações outras que se configuram no plano regional e local, e neste se singularizam?
8Pode-se dizer que a urbanização amazônica é uma decorrência do processo de industrialização verificado no País, no qual a fronteira econômica se coloca como uma necessidade de busca de recursos que atendam não só à dinâmica econômica mundial, como também à industrialização interna, ainda que a industrialização não seja, como no caso de Belém, o elemento propulsor direto da metropolização.
- 2 Diferentemente de Manaus, Belém não sofreu o estímulo de crescimento a partir do setor industrial d (...)
9A ausência de um setor secundário moderno e dinâmico2 faz com que em Belém as condições de empobrecimento sejam bem mais agravadas, dada a situação da ocupação profissional, o que se reflete automaticamente no espaço de reprodução da força de trabalho urbana. Não se quer dizer com isso que a possível existência de um setor industrial moderno possa caracterizar um outro perfil da mão-de-obra, mas sim enfatizar o agravante quando se trata de uma região metropolitana onde as perspectivas econômicas desse setor são por demais reduzidas.
10Faissol et al., citados por Santos (1994), ao compararem o valor da transformação industrial relacionando setores tradicionais e modernos, mostram que, das regiões metropolitanas brasileiras, a de Belém – hoje formada pelos municípios de Belém, Ananindeua, Marituba, Benevides e Santa Bárbara –, apresentava os mais baixos índices de modernização, revelando também um alto contingente de fabricações voltadas para o consumo local e regional.
11Os mesmos autores, ao estudarem o grau de concentração de indústrias, constataram que a Região Metropolitana de Belém (RMB) aparecia também com os índices mais desfavoráveis no conjunto de nove regiões metropolitanas estudadas.
- 3 Como assalariado externo, entende-se, segundo o estudo de Corrêa (1996), como aquele empregado em e (...)
12Ratificando essa condição do espaço metropolitano belenense, em estudo que procura mostrar as metrópoles como centros de gestão do território, Corrêa (1996) constata a pouca expressão exercida por Belém ao se tomar como referência o parâmetro de assalariamento externo3. Por exemplo, no tocante àquilo que o autor chama de densidade de atuação, Belém se coloca como a décima metrópole, no conjunto de onze regiões metropolitanas brasileiras consideradas, com apenas 5.576 assalariados externos; nesse caso, assemelhando-se muito a centros não-metropolitanos. Quanto à diversificação das atividades industriais controladas pela metrópole belenense, indústrias como madeireiras, extrativo-minerais, perfumarias, sabões e velas são as mais expressivas, apresentando, por isso, uma diversificação limitada e de pouca modernização tecnológica. Essa limitação, por sua vez, reflete-se no âmbito regional de atuação, sendo que 77,3% de seus assalariados externos estão no próprio Estado do Pará e 16,8 % nas cidades de São Paulo (12,0%) e Rio de Janeiro (4,8%).
13Em conseqüência, a metrópole guarda certas peculiaridades em relação às condições de desenvolvimento impostas à Amazônia e ao seu processo interno de regionalização. Diferentemente de outras regiões em que a desconcentração metropolitana acompanha mais de perto o movimento do dinamismo econômico, configurando a metrópole polinucleada, a expansão aqui considerada reflete, acima de tudo, as condições de pobreza que caracterizam a mão-de-obra disponível no espaço amazônico. É com base nessa reflexão que procuraremos compreender de que maneira o processo de produção do espaço regional traz implicações decisivas para a organização intra-urbana da metrópole belenense.
14Tornou-se comum no período histórico atual uma conformação metropolitana que tem acompanhado a reestruturação da economia capitalista no plano mundial. Alguns autores têm voltado sua atenção para a compreensão dessa forma metropolitana, a exemplo do que fazem Soja (1993) e Gottdiener (1993). Suas análises, ainda que não possam ser traduzidas de maneira literal para a realidade brasileira, e especialmente para a realidade amazônica, merecem ser consideradas pelas reflexões teóricas que são mencionadas.
15O primeiro autor, por exemplo, mostra que a evolução da forma urbana – da estrutura interna da cidade capitalista – tem passado por reestruturações induzidas pela dinâmica que moldou a paisagem macrogeográfica do capitalismo e que o atual período histórico é marcado por profunda e perturbadora metamorfose urbana.
16Há para Soja (1993), em conseqüência disso, uma reestruturação interna das regiões metropolitanas, fruto e condição de um processo combinado de desindustrialização e reindustrialização, que tipifica a forma metropolitana, constituída a partir de uma suburbanização/metropolização difusa e contínua que não está associada ao declínio dos centros das cidades. Estes sofrem o processo de renovação, ao mesmo tempo em que se estimula o surgimento das cidades externas, ou seja, aglomerações bastante amorfas, que formam novas concentrações dentro do tecido metropolitano.
17Gottdiener (1993), analisando a mesma realidade estudada por Soja, caracteriza a forma metropolitana contemporânea como parte de uma organização socioespacial em que a população metropolitana passa a estar distribuída e organizada em áreas regionais em permanente expansão. Essas áreas são amorfas na sua aparência, maciças no escopo e hierárquicas em sua escala de organização social. Tendo em vista essa conformação, o referido autor as denomina de áreas metropolitanas polinucleadas, como uma maneira de distingui-las daquelas interpretações que as apresentam como uma versão mais ampla da cidade.
18Em se tratando de economias dependentes, como a amazônica, ainda que algumas características apresentadas por aqueles autores estejam presentes na forma metropolitana, é preciso considerar algumas particularidades. Os efeitos dos processos socioespaciais contemporâneos verificados em países centrais certamente não têm o mesmo rebatimento territorial naqueles espaços, apresentando-se com uma certa diferenciação, o que leva Jaramillo & Cuervo (1990), por exemplo, a defenderem a idéia de uma « urbanização dependente » ou « periférica ».
19Conforme indicam aqueles autores, pelo fato de o capital na periferia não possuir as mesmas características de acumulação dos países centrais, ele precisa compensar a concentração de recursos limitados em poucos centros à custado restante do território, a fim de que consiga aglomerações urbanas com um mínimo de complexidade, tornando-as comparáveis com as cidades dos países centrais. De imediato se revela uma diferença no grau de homogeneidade, que se apresenta como uma tendência explícita dos países considerados centrais, bem diferente das economias dependentes onde se vê não só a persistência, como também o agravamento das disparidades no que se refere à dotação de equipamentos urbanos e outras condições gerais da acumulação.
20Um dos principais argumentos defendidos por Jaramillo & Cuervo (1990) é o de que as repercussões do atual momento de acumulação de capital não foram tão significativas sobre o perfil regional e a conformação das redes urbanas. O que ainda sobressai, entretanto, é a continuidade nas hierarquias das redes urbanas e a manutenção de seus padrões regionais, não se observando, salvo algumas exceções, aquelas reestruturações nítidas que se configuram nos países centrais.
21Segundo os mesmos autores, alguns elementos contribuem para essa diferenciação da estruturação espacial dos países latino-americanos. Um deles é o caráter derivado e subsidiário da tecnologia imperante, assim como o peso muito menor da transformação tecnológica e debilidade das políticas tecnológicas associadas à indústria, que ocasionam efeitos menos expressivos na estruturação espacial desses países. Por outro lado, uma das suas características é a necessidade de concentrar os investimentos públicos e privados destinados à produção de equipamentos em poucas áreas do território, provocando desigualdades flagrantes.
22Da mesma forma, a debilidade política e organizativa dos trabalhadores e o grande número de população ativa desempregada, torna necessária para o capital a busca de novas localizações. A relocalização em decorrência da busca de mão-de-obra altamente qualificada, pelas próprias condições de desenvolvimento tecnológico desses países, não se faz de maneira pronunciada.
23Talvez seja devido a essas características que não possamos falar, para o caso do espaço metropolitano de Belém, de um movimento generalizado de crescimento econômico das chamadas cidades externas que compõem o espaço metropolitano. Se num determinado momento os distritos industriais implantados com os incentivos governamentais voltados para a Amazônia estimularam o processo de dispersão das unidades produtivas, não se pode dizer que os mesmos incrementaram de maneira decisiva a vida econômica suburbana. E isso pode ser percebido através da participação dos diversos setores econômicos no quadro metropolitano.
24Um estudo feito pela Companhia de Habitação do Pará (COHAB–PA, 1997) apresenta um diagnóstico bastante ilustrativo desse quadro econômico da Região Metropolitana de Belém.
25Segundo esse estudo, a RMB constitui a região econômica de maior expressão do Estado do Pará, com um Produto Interno Bruto (PIB), a custo dos fatores, estimado para o ano de 1995em R$ 4,8 bilhões e 37,2% do agregado estadual. Quanto à distribuição deste por setores, tem-se o seguinte quadro: 75% do total no setor terciário, 23,8% no setor secundário e 0,9% no setor primário.
26A espacialidade do PIB pelos Municípios que constituem a RMB se dá da seguinte maneira: 95,2% do PIB total concentram-se em Belém; Ananindeua vem em seguida, com 2,9%; o conjunto Benevides, Marituba e Santa Bárbara contribuem com apenas 1,9% do PIB. Nestes, o setor primário é ligeiramente majoritário, ao passo que em Ananindeua, além do primário, há um certo destaque para o secundário, que se deve à existência de vários estabelecimentos localizados na BR-316 e no seu distrito industrial. Vale a pena destacar que o PIB per capita (a custo dos fatores) foi de R$ 3.150 em 1995, valor este bem abaixo da média nacional para o mesmo ano, em torno de R$ 3.724.
27É o terciário o setor de maior importância e de maior crescimento no conjunto da RMB, fazendo dessa concentração urbana a mais significativa no conjunto do Estado do Pará. É ele também o grande absorvedor de mão-de-obra da metrópole, superior a 328 mil pessoas, correspondendo a cerca de 83% do total de ocupações nos Municípios de Belém e Ananindeua, com destaque para os empregados domésticos (com 38,1% do total), os prestadores de serviços (com 26,1% do total) e os comerciantes de mercadorias (com 24, 1%).
28O setor secundário é o segundo em importância econômica, apresentando um PIB estimado para 1995 em US$ 1,1 bilhão. Predominam os estabelecimentos de médio e pequeno portes, com destaque para a indústria de transformação, para a construção civil e para os serviços industriais de utilidade pública.
29Quanto ao setor primário, a ausência de um cinturão verde contribui para que esse setor tenha pouca participação no conjunto da economia metropolitana. O destaque é para a pequena produção voltada para o abastecimento local.
- 4 Com o agravamento da crise econômica nacional, no começo dos anos noventa, expresso através da tend (...)
30O quadro econômico que caracteriza a metrópole belenense apresenta-se problemático quando se considera mais recentemente a retração dos incentivos que foram colocados para a região amazônica em décadas anteriores4 e o grau de expropriação do pequeno produtor no espaço rural. Por outro lado, um setor, como o da construção civil, que se destacava como importante componente absorvedor da mão-de-obra na metrópole nos últimos anos, apresenta um significativo arrefecimento, redundando, portanto, num nível marcante de desemprego.
- 5 Esta análise baseia-se nos dados que constam no trabalho de Sena (1996).
31Uma análise da situação de emprego e desemprego na Região Metropolitana de Belém5 vem reforçar essas condições que definem, em grande parte, a forma espacial metropolitana e sua dinâmica interna, senão vejamos: o processo de retração da oferta de emprego é marcante no espaço metropolitano. Se, no período de1986 a 1989, foram gerados aproximadamente 24,7 mil empregos, no período subseqüente, de1990 a 1995, foram nada menos que 27,6 mil postos de trabalho eliminados no mercado formal da economia, sendo que, neste último período, os setores comércio, indústria de transformação, serviços e construção civil apresentaram um desempenho negativo quanto à oferta de empregos.
32Ainda que nos anos de 1993 e 1994 a economia da RMB tenha voltado a crescer, e o sintoma disso tenha sido a maior oferta de emprego, no ano de 1995 a oferta de emprego formal é desfavorável, à exceção do setor de serviços, que teve desempenho positivo.
33Do total de 590.500 pessoas que compõem o conjunto da População Economicamente Ativa (PEA), segundo dados de maio de 1995 da Pesquisa de Emprego e Desemprego na RMB, mencionados por Sena (1996), 66.100 estavam desempregadas, o que corresponde a uma taxa de desemprego da ordem de 11,25% da PEA, sendo que no conjunto da população ocupada, 136.900 (26,1%) são trabalhadores autônomos (ambulantes, feirantes, trabalhadores por conta própria, etc.) e 48.200 (9,2%) são empregados domésticos. Incluindo categorias como trabalhadores familiares, donos de negócio familiar, empregados remunerados em espécie e benefício, estima-se, aproximadamente, 195.600 pessoas (37% do total de ocupados) no mercado informal de trabalho da RMB.
- 6 Segundo dados da SUDAM e IPEA, a população de indigentes da RMB corresponde a um total de 118.414 p (...)
34Além disso, conforme nos mostra Ribeiro (1996), a RMB apresentou no ano de 1990 um dos maiores percentuais de pobreza no conjunto das regiões metropolitanas brasileiras, correspondendo a 43,20% de pobres, índice esse só superado pela Região Metropolitana de Recife, com 47,40%, conforme dados do Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas (IPEA), citados pela autora. Nas regiões metropolitanas do Sul e Sudeste tais índices foram mais reduzidos. Na de Curitiba, por exemplo, o percentual foi de 12,20%6.
35O reflexo disso se mostra, igualmente, no trabalho autônomo, que só tem crescido nos últimos anos. No período de 1992-1994, por exemplo, os autônomos passaram de 125.100 pessoas (ano de 1992) para 140.200 pessoas (ano de 1994), conforme pesquisa de emprego e desemprego realizada pelo Instituto de Desenvolvimento Econômico e Social do Pará (IDESP) e pelo Sistema Nacional de Empregos-Pará (SINE-PA) (SEGEP, 1995).
36Essas condições de reprodução da força de trabalho possuem uma dimensão espacial que acompanha a reprodução social no espaço metropolitano e no espaço regional como um todo. As dimensões que tomam, por exemplo, os assentamentos periféricos e o processo de periferização no espaço metropolitano de Belém, aparece, assim, como uma espacialização dessas condições. Isso porque, para os trabalhadores atingidos pela « desapropriação » das condições de utilização de seu trabalho no espaço rural ou de outras condições de subsistência, não é garantida, por exemplo, a transição automática para uma situação de emprego formalmente estabelecida, isto é, não é garantida a possibilidade de oferecer sua força de trabalho no mercado, caracterizando-se, assim, um estado de proletarização ativa (Lenhardt & Offe, 1984).
37É um processo, portanto, marcado pela descontinuidade da inserção da mão-de-obra, haja vista que as condições socioestruturais não se mostram favoráveis para que o trabalho assalariado (em potencial) funcione efetivamente como tal, pelas características que o capitalismo adquiriu no espaço regional amazônico.
38Nos últimos anos, a situação parece ter-se agravado substancialmente devido ao quadro econômico vivenciado pela região. Se num primeiro momento o processo de ocupação da Amazônia foi traçado no sentido de rearrumar a organização espacial da divisão inter-regional do trabalho, num segundo momento, ainda que a Amazônia não deixe de se integrar na clássica divisão do trabalho, através da exportação de seus produtos primários, outras tendências surgem e apontam para um acompanhamento do novo movimento da economia mundial:
Os projetos econômicos dessa nova era na Amazônia montam-se sobre matriz semelhante quanto ao mercado de trabalho: a oferta de emprego tende a ser cada vez mais reduzida e mais exigente de qualificação. Perfil que contribui para reforçar a divisão inter-regional do trabalho recrutando em regiões especializadas trabalhadores alocados nas mais elevadas hierarquias do processo de trabalho e até mesmo empresas especializadas para funcionar como subcontratadas. O engajamento de mão-de-obra não qualificada tende a ser relativamente decrescente (Castro & Marin, 1993, p.124).
39É nesse contexto que Vicentini (1994) associa a noção de metrópole na Amazônia à de miséria, mostrando ser aquela não só uma espacialidade das condições econômicas impostas à força de trabalho no espaço regional, conforme mostram Castro & Marin (1993), como também a outros elementos que caracterizam a dinâmica do espaço regional:
A « opção » pelo urbano envolve diferentes situações que apontam, entre outras, para a perda da terra, as constantes enchentes nas posses ribeirinhas e o isolamento em relação às condições mínimas de sobrevivência. Em parte, a partir de uma descrença generalizada em uma melhoria do contexto rural, a vinda para a cidade representa uma negação do meio concreto interiorano, mais do que uma identificação com o modo de vida urbano. Enfrentar as novas situações urbanas significa defrontar-se, por vezes pela primeira vez, com uma economia quase inteiramente monetarizada, só caracterizada nas metrópoles e nas cidades regionais na Bacia Amazônica. O trabalho assalariado na cidade, com carteira assinada e tempos controlados é rejeitado, por representar uma forma de subordinação e controle (Vicentini, 1994, p. 175-6).
40Em conseqüência dos elementos acima mencionados, constata-se que muito mais que engendrar uma forma urbana polinucleada ou multicentrada, as características da dispersão da metrópole belenense acompanham de perto a dinâmica de regionalização do espaço amazônico: « o frágil dinamismo produtivo da base econômica de Belém e a reduzida integração com a estrutura produtiva estadual são também determinados pelo porte relativamente pequeno do mercado local, pela carência de força de trabalho qualificada, pelas deficiências de tecnologia e baixa capacidade de investimento dos capitais » (Souza, 1992, p.59).
41As características da forma metropolitana – que tendem a se consolidar tendo em vista políticas de urbanização colocadas ao nível nacional –, são ajustadas às estratégias de agentes hegemônicos locais, o que nos faz defender a existência de determinadas características do processo de desconcentração combinadas àquelas outras características da metrópole corporativa – voltada para atender aos interesses dos agentes hegemônicos –, conforme ressalta Rodrigues (1996, p. 120):
Belém, sem dúvida, é plenamente classificável como uma forma urbana dependente. Significa dizer que o seu processo histórico deformação pode ser entendido como um processo de urbanização dependente. O que não a isenta de submeter-se (ao contrário, aumenta sua submissão, no estágio atual, monopolista, do desenvolvimento capitalista), à lógica das grandes corporações econômicas. Neste sentido, a classificação de Belém como uma forma urbana dependente não é contraditória com a classificação de cidade corporativa. É bom esclarecer que nem todas as cidades corporativas são formas urbanas dependentes ou vivenciaram processos de urbanização dependentes.
42Ao caracterizar Belém dessa maneira o autor acima mencionado toma como base a conceituação de Santos (1990) de metrópole corporativa, acrescentando, entretanto, as determinações da formação socioespacial amazônica. O adjetivo dependente parece adequar-se muito bem à região urbana de Belém, seja pela maneira como ela se insere no contexto da política de desenvolvimento regional das últimas décadas, seja pelas características de seu processo de desconcentração, que implica um movimento de dispersão e de reforço da concentração, não como metrópole fabril, mas como centro urbano relacional:
Assim, como resultado da estrutura produtiva regional, foram escassos os componentes dinâmicos das atividades industriais implantadas no Estado do Pará e, por conseqüência, a economia do Município de Belém possui pouca integração com os grandes projetos industriais localizados no interior do Estado, embora disponha de um terciário organizado capaz de permitir a inter-relação com aqueles pontos de desenvolvimento (Souza, 1992, p. 58).
43Essas características sobre o processo de metropolização de Belém se inserem, portanto, num processo de urbanização dependente no contexto da fronteira econômica, e configuram particularidades quando comparadas à conformação da metrópole em outras regiões. A fim de melhor estabelecer esse cotejo, poderíamos mencionar o estudo de Gottdiener (1993), que busca enfatizar as repercussões do processo de reestruturação capitalista diante da organização do espaço metropolitano contemporâneo.
44O entendimento desse processo é analisado pelo autor não só pela mudança na forma contemporânea de acumulação de capital, como também, e principalmente, por meio da articulação Estado-circuito secundário (produção imobiliária), que forma a vanguarda das transformações espaciais. Os elementos indicadores da desconcentração para Gottdiener (1993), a habitação e a indústria, são analisados no plano intrametropolitano e também inter-regional. O processo revela uma forma desordenada de obtenção de lucros, ajudada pelo Estado, e envolve a manipulação de padrões espaciais. Estes, por sua vez, que contribuem para reproduzir o processo acumulativo, colocam-se no foco de interesses que atuam no setor da propriedade e de empreendimentos particulares, cuja repercussão mais marcante se dá na vida cotidiana das pessoas. Caracteriza a metrópole desconcentrada para esse mesmo autor:
-
a substituição da « vida insular » da cidade, da empresa ou corporativa com mercado seguro, por um mundo inseguro de competição internacional, com reorganização do trabalho e ambientes voláteis de insumo e rendimento;
-
declínio do poder da cidade central, uma vez que a maioria dos eleitores habita os subúrbios, o que representa um maior número de autoridades políticas balcanizadas;
-
transformação das condições de vida pessoal, observando-se a substituição da clássica vizinhança, das relações densas e localizadas, por redes diluídas constituídas no nível metropolitano.
45Se a primeira característica não parece marcara dinâmica da metropolização na fronteira, visto que o principal fator da dispersão não é a indústria e sua dinâmica de acumulação flexível, mas a habitação de baixa renda, que responde às necessidades da metrópole corporativa fragmentada, as duas outras acompanham de perto o padrão espacial que estamos procurando tratar.
46Para o caso belenense, não se pode falar de substituição da cidade corporativa, mas sim de reforço a esta, ainda que, mutatis mutandis, se faça presente o processo de desconcentração mencionado por Gottdiener (1993).
47Reproduzindo as desigualdades próprias da cidade corporativa, vê-se, igualmente, um processo de reprodução do espaço, responsável pela dinâmica de reestruturação que preside a conformação da metrópole dispersa.
48O conceito de reestruturação, aqui mencionado, não é visto como algo que se apresenta de per se, mas como parte do processo de constituição da metrópole e, nesse caso, de uma metrópole regional. Ele pressupõe a idéia de ruptura de determinadas tendências, processos ou fenômenos verificados na dinâmica urbana; mas não só isso, evoca-se, igualmente, uma idéia de reconstrução, de desconstrução e de tentativa de reconstituição socioespacial (Soja, 1993).
49Assim, a reestruturação da cidade « contém a dinâmica do próprio processo social que a determina, sendo a estrutura em cada corte do tempo do processo de reestruturação da cidade, também determinante dos momentos seguintes do processo » (Sposito, 1996, p. 111).
50Em se tratando de reestruturação urbana/metropolitana e, portanto, de reestruturação socioespacial, referimo-nos a determinadas alterações no plano das espacialidades e, por conseguinte, das formas espaciais, que se redefinem a partir de mudanças ocorridas nas relações estabelecidas pelos agentes produtores do urbano.
51Como se coloca essa reestruturação, considerando-se o processo de dispersão e concentração do espaço metropolitano de Belém?
52Diferentemente das áreas sujeitas diretamente às repercussões dos projetos econômicos instalados recentemente, o espaço metropolitano de Belém não se caracteriza, como nos demais núcleos urbanos da fronteira, como espaço de apoio à mão-de-obra móvel e polivalente:
A fronteira se organiza com trabalho móvel, isto é, com trabalhadores assalariados (temporários e permanentes) e com pequenos produtores que vendem sua força de trabalho, em pregando-se em atividades rurais e urbanas diversas, mesmo a custo de deslocamentos que alcançam, em média, mais de cem quilômetros de seu local de moradia. Essa força de trabalho móvel reside em grande parte nos núcleos urbanos (Becker, 1990, p. 47).
53Não é essa a característica da mão-de-obra que se reproduz na metrópole. Esta faz parte de uma dimensão da urbanização na Amazônia que parece apresentar um outro perfil, correspondente, principalmente, à população pobre que habita suas periferias.
54Mitschein et al. (1989) referem-se ao processo que define esse tipo de pobreza urbana no espaço metropolitano de Belém, chamando-o de « proletarização passiva », responsável também por aquilo que os autores denominam de uma « urbanização selvagem », uma vez que o processo de valorização econômica imposto à região levou à implantação de um capitalismo de enclave que, junto com a concentração fundiária, desencadeou a dissolução das tradicionais formas de (re) produção, que, para a grande maioria dos produtores diretos, não se traduz em uma perspectiva de assalariamento no mercado formal de trabalho na grande cidade, o que caracterizaria um estado de proletarização passiva.
55Os dados da análise apresentados por Mistschein et al. (1989) ratificam essa assertiva. De um universo de 5.525 pessoas pesquisadas moradoras de áreas periféricas de Belém, 65% dos entrevistados economicamente ativos se ocupavam de trabalhos não remunerados ou viviam de atividades consideradas informais. Desses 65%, um número significativo desenvolvia atividades relativamente permanentes, entretanto, a grande maioria destes já fora biscateiros, empregados domésticos, trabalhadores braçais sem qualificação ou vendedores ambulantes.
56Essa é uma conseqüência direta da estrutura econômica metropolitana, que tem como características a dependência de bens produzidos em outras regiões, a quase inexistência de um setor primário, a reprodução local de um setor secundário subordinado e marginal que, por causa da baixa verticalização produtiva, agrega pouco valor aos seus produtos, em geral destinados ao mercado externo, e a hegemonia de um frágil, ainda que hegemônico, setor terciário. Isso tudo origina e reproduz um quadro de desemprego estrutural que torna secundário o papel da força de trabalho, superdimensionando o subemprego e o trabalho no setor informal da economia (Rodrigues, 1996).
57Os conflitos que emergem em torno da apropriação da terra – no caso de Belém, na franja urbana – refletem a culminância dessas contradições, marcando o processo de reestruturação metropolitana aqui considerado, o que vem ratificar aquilo que Machado (1990, p. 130) já afirmava no início da década de oitenta, ao discutir a regionalização amazônica: « a persistira atual tendência à urbanização, será no urbano que se delineará a maior parte dos conflitos sociais, até agora restritos às áreas rurais da fronteira ».
58A periferização em Belém das décadas de sessenta, setenta e início da década de oitenta reforçou a existência de um tipo de forma metropolitana que se caracterizava por ser compacta ou confinada, já que eram as baixadas – espaços segregados, alagados ou sujeitos a alagamentos, e centralmente localizados – os principais locais de reprodução da mão-de-obra debaixo poder aquisitivo que passou a incrementar o espaço urbano belenense, sendo, por isso mesmo, essas áreas os focos políticos principais de atuação dos movimentos populares urbanos e dos interesses políticos do poder local.
59Em contraponto, a periferização que se manifesta a partir da década de oitenta é uma das principais expressões espaciais da dispersão já mencionada, revelando conflitos e envolvendo agentes diferentes. Esse processo de reestruturação está vinculado à dinâmica de regionalização do espaço amazônico, mas tem definições no âmbito local, a partir da correlação de forças que se coloca entre os agentes produtores do espaço urbano.
60Quanto ao processo de balcanização das forças políticas mencionadas por Gottdiener (1993), pode-se dizer que a sua expressão para o caso metropolitano de Belém pode ser percebida num embate interessante das forças políticas locais. Isso porque a dispersão acima mencionada induz, igualmente, à ocorrência de processos de emancipação política de unidades administrativas no espaço metropolitano de Belém. Pelo menos é o que se tem percebido no quadro dos últimos anos, com os movimentos de criação de municípios no interior da malha metropolitana, a exemplo do que aconteceu com Marituba e Icoaraci.
- 7 Esta análise sobre a distribuição da renda no espaço metropolitano toma como base o estudo realizad (...)
61Nesse caso, o que está em jogo é o controle político de um grande número de eleitores que acompanha o movimento de suburbanização da pobreza, das baixadas para o subúrbio, conforme poderemos perceber se analisarmos espacialmente a distribuição da renda no espaço metropolitano de Belém7.
62Com base no censo de 1991, conclui-se que48% da população da RMB reside em domicílios cuja renda mensal do chefe de família é inferior a dois salários mínimos. Se visualizarmos espacialmente a renda da população residente com base no rendimento médio mensal dos chefes de família, o que se percebe é uma distribuição bastante desigual:
Enquanto em Belém essa média alcançou R$ 555, foi de apenas R$ 333 em Ananindeua e ainda mais reduzida no conjunto Benevides/Marituba/Santa Bárbara: R$ 203. O mesmo indicador apresentou um valor baixíssimo no então distrito de Santa Bárbara do Pará: R$153. Comparados com a média brasileira – R$ 455 –, tais números mostram-se pouco expressivos, já que apenas a capital supera o patamar nacional, o qual, ressalte-se, é fortemente influenciado pelas remunerações normalmente mais baixas do meio rural. Ainda para efeito de comparação, a mesoregião de São Paulo alcança a marca de R$ 827, evidenciando a enorme discrepância entre o nível de renda pessoal da área de estudo e o do conjunto formado pela capital paulista e arredores (COHAB-PA, 1997, p.41).
63No interior do Município de Belém, a distribuição também se apresenta bastante heterogênea, haja vista que distritos como Icoaraci e Outeiro desempenham papel muito similares àqueles outros Municípios componentes do espaço metropolitano:
O distrito de Belém apresentou o rendimento médio de R$ 613, sendo substancialmente menor nos demais: R$ 408 em Icoaraci, R$ 389em Val-de-Cães, R$ 293 em Mosqueiro e R$251 em Outeiro.
Em compensação, a renda na capital apresentou a distribuição mais concentrada, tendo o índice de Gini atingido 0,6027, sendo de 0,5454 em Ananindeua e de 0,5786 nos três outros municípios. Para efeitos comparativos, esse indicador foi de 0,6366 para o país como um todo e 0,5748 na mesorregião de São Paulo (COHAB-PA, 1997, p. 41).
64Segundo diagnóstico da Prefeitura de Belém, com vistas à elaboração do atual Plano Diretor, a existência de unidades espaciais de renda mais elevada fora da área central do espaço metropolitano mostrava-se irrelevante; em contrapartida, há um declínio gradativo dos valores médios de renda ao longo das Rodovias BR-316 e Augusto Montenegro e nas nucleações de Ananindeua e Icoaraci. Nestas últimas, a situação se agrava, haja vista o expressivo aumento da densidade demográfica (COGEP, 1991).
65Rodrigues (1996), em trabalho que analisa a renda média por domicílio em quatro bairros de Belém (Nazaré, Terra Firme, Benguí e Nova Marambaia), constata também que, dos bairros analisados, o de maior renda é o de Nazaré, bairro localizado no interior da Área Central da metrópole, caracterizada pela intensidade da verticalização. Em contrapartida, ode menor renda é o bairro do Benguí, localizado na atual Área de Expansão de Belém, apresentando inferioridade de renda, inclusive em relação ao bairro da Terra Firme, reconhecido como um verdadeiro bolsão de pobreza de Belém e localizado, na sua maior parte, em áreas de baixadas no interior da área central metropolitana.
- 8 Os números em relação ao déficit habitacional do espaço metropolitano de Belém são bastante diversi (...)
66No processo de produção social do espaço, esse quadro tem implicações decisivas, dadas as condições de pobreza que definem o perfil socioeconômico do espaço metropolitano de Belém. Considerando-se que o incremento na economia amazônica estimulou os empreendimentos imobiliários e que o déficit habitacional, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), é superior a 200 mil moradias8, não surpreende o papel desempenhado por determinados agentes que, nos últimos anos, têm canalizado seus esforços para os novos espaços de assentamentos no sentindo de prevalecer seus interesses quanto à apropriação da terra urbana, reforçando, assim, o padrão disperso dos novos assentamentos.
67Importa considerar, finalmente, que a forma metropolitana dispersa implica mudanças na vida cotidiana, nas ações políticas dos diversos agentes, como também redefine os espaços de suas ações e destas com relação aos demais agentes, (re)desenhando territorialidades distintas na escala metropolitana.
68Na análise que buscamos realizar, concebemos o processo de metropolização de Belém a partir do entendimento da produção do espaço regional amazônico como fronteira econômica do capital no espaço brasileiro. O destaque e a importância do urbano para a estruturação do espaço regional permitem-nos considerar, conforme faz Becker (1990), a existência de uma fronteira urbana como parte dessa dinâmica imposta à Amazônia nas últimas décadas.
69Nesse contexto, particular importância assume a urbanização concentrada, definindo, igualmente, o processo de metropolização de Belém, na Amazônia Oriental. Ao contrário do que se poderia pensar a priori, a urbanização concentrada não perde importância no momento atual, diante da expansão da fronteira econômica verificada no interior da região. Isso acontece a despeito do maior dinamismo conferido por essa expansão a determinados espaços fora da órbita metropolitana, que foram estimulados acrescer econômica e demograficamente.
70Destarte, o processo de desmetropolização decorrente de menores taxas de crescimento dos centros metropolitanos em relação a outros núcleos urbanos da mesma região, tão discutido atualmente para o espaço brasileiro, não se aplica para a região na qual se insere o espaço metropolitano de Belém. Trata-se muito mais de um desdobramento do processo de metropolização marcado por (re)estruturações, rupturas, alterações, que não convive, pelo menos por enquanto, com aquele outro processo mencionado. Assim sendo, o espaço metropolitano de Belém desempenha papel que não deixa de ser importante para a atual dinâmica do espaço regional, ainda que esse papel tenha tudo a ver com o processo de empobrecimento e de expropriação da força de trabalho regional, culminando com aquilo que poderíamos chamar de uma verdadeira « metropolização da pobreza ».
71É essa dinâmica, presente no espaço regional amazônico, que vai caracterizar, por conseguinte, a forma metropolitana belenense. Esta última se define pela existência ainda do primado metropolitano no contexto regional e pela primazia do núcleo metropolitano, responsável por conformar um tipo de estrutura urbana dispersa. Nesse sentido, a desconcentração é o processo responsável pela conformação atual da metrópole, fruto de uma dinâmica que considera o espaço como uma força necessária a sua realização.
72A desconcentração pode ser analisada, assim, sob dois ângulos. Um deles se coloca no plano regional. A dinâmica amazônica não prescinde da urbanização concentrada e do processo de metropolização. Isso pressupõe considerar, portanto, que o espaço metropolitano se desenvolve não só através de um maior adensamento e verticalização, mas também estendendo-se e expandindo-se. Por outro lado, essa mesma dispersão é condição que ratifica a concentração populacional na região urbana de Belém. Nesse sentido, dispersão e concentração são pares dialéticos dos processos socioespaciais que conformam a desconcentração metropolitana. Ademais, concentração não é necessariamente sinônimo de mancha urbana única, mas é também intensidade de fluxos entre espaços relativamente próximos. Tais atributos parecem expressar muito bem o papel do espaço metropolitano de Belém no contexto regional ainda como primado metropolitano.
73Entretanto, não é só no plano regional que se verificam os atributos da desconcentração. Um outro ângulo desse processo pode ser captado na estruturação intra-urbana. Nesse caso, o primado metropolitano pressupõe igualmente a primazia das áreas centrais no processo de apropriação do espaço urbano. Para a concentração do capital, e nesse caso estamos falando principalmente do capital imobiliário, a existência da forma dispersa e da metrópole desconcentrada é uma condição e um meio necessário.
74No caso belenense, o processo de produção de imóveis para a demanda solvável, pressupõe um « alisamento » ou « arrasamento » dos espaços centrais, inclusive das áreas de baixadas, conhecidas por serem espaços de reprodução de camadas de baixa renda. Pressupõe, também, a criação de uma fronteira urbano-imobiliária na chamada Área de Expansão, que tem possibilitado a dispersão metropolitana e o rearranjo interno do espaço, tendo em vista a apropriação diferenciada por agentes hierarquicamente diferentes. Neste plano, a dispersão e a concentração formam também um par dialético para a realização dos processos socioespaciais no âmbito metropolitano.
75A dimensão que tomam, então, os espaços de assentamentos da população de baixo poder aquisitivo está imbricada numa teia de relações que faz parte dos esquemas políticos em jogo. Não se trata aqui de uma simples cooptação ou manipulação dos agentes não hegemônicos, mas de uma cadeia de articulação, em que a dimensão territorial do urbano/metropolitano adquire importância relevante.
76Quais as redes de articulação organizadas e acionadas pelos diversos agentes? Em que medida a forma dispersa garante a (re)produção de relações que se estabelecem entre os agentes no plano local? Como e por que essas redes se configuram?
77Estas são algumas questões que estão associadas a essa conformação urbana atual apresentada pela metrópole belenense, que faz do espaço não só um resultado dessas condições de urbanização que acontecem na região amazônica, mas também, e principalmente, uma estratégia para a sua apropriação nos moldes de reprodução das relações capitalistas.
78O aspecto a ser priorizado, nesse sentido, é exatamente a trama de relações, configuradora de articulações e redes de interesses, que têm expressão espacial. Sendo a indústria da construção civil o elemento de frente na dinâmica econômica local, seja na produção de habitações, seja na produção de infra-estrutura (Souza, 1992), é ela, em grande parte, que vai definir o processo de metropolização em questão. Não obstante, outros agentes ganham evidência, como o próprio Estado, os grupos sociais excluídos e os proprietários fundiários.