1É com grande satisfação que apresentamos mais um número da revista Geografares. A proposta deste dossiê nasceu do Seminário Internacional in­titulado Espaços Públicos, Es­paços Políticos, ocorrido em julho de 2017, na Universi­dade Federal do Rio de Janei­ro, e organizado pelo grupo de pesquisa Território e Cidadania e pelo Grupo de Estudos sobre Política e Território (GEOP­POL). Muitos dos artigos aqui reunidos tiveram suas versões preliminares apresentadas ao longo do evento, e foram poste­riormente reelaborados a partir das vívidas e enriquecedoras discussões aí havidas. Outras contribuições foram incorpo­radas durante organização do dossiê, agregando assim novas leituras para a questão que nor­teou o próprio seminário, qual seja: como, quando e em que circunstâncias os espaços pú­blicos podem ser concebidos como espaços políticos?

2Já na abertura são apre­sentadas abordagens antagôni­cas à indagação central aqui proposta. Os artigos assinados por Iná Elias de Castro e por Paulo Cesar da Costa Gomes e Leticia Parente Ribeiro par­tem de visões distintas acerca do estatuto dos espaços públicos e propõem perspectivas divergen­tes acerca das modalidades da ação política nos espaços aber­tos de convívio social. O con­fronto das ideias aí desenvolvi­das, além de deveras salutar no ambiente acadêmico, fornece também algumas importantes indicações para avançarmos no debate acerca das relações entre democracia e espacialidade. A atualidade desta temática pode, aliás, ser apreciada na análise crítica, proposta por André Felix de Souza, da tese relati­va à decadência dos espaços públicos nas cidades contem­porâneas. Muito difundida na bibliografia especializada, tan­to nas Ciências Sociais quan­to na Geografia, esta tese se baseia na compreensão de que tal decadência constituiria um forte indício de uma crise mais geral da própria democracia.

3Contrapontos empíri­cos a esta leitura dominante podem ser encontrados em muitas das contribuições aqui apresentadas. Lugares os mais diversos emergem como es­paços públicos intensamente ocupados, valorizados, disputa­dos e negociados a partir da atenta observação das práticas situadas de diferentes atores sociais. Carmen Egea Jiménez e Danú Fabre examinam a so­ciabilidade de grupos de jovens andaluzes associada ao consumo de álcool, enfatizando os confli­tos de uso em espaços urbanos abertos e as diferentes formas de negociação com atores estatais. Ângelo Serpa nos conduz à ci­dade de Salvador para indagar as práticas cotidianas associa­das ao comércio de rua frente aos processos de requalificação urbana. Os pequenos mundos do comércio constituem tam­bém o objeto da pesquisa de Renato Coimbra Frias. Neste caso, o emprego de métodos fonográficos de pesquisa nos permite acessar, de uma for­ma inovadora, as diferentes estratégias de publicidade e as efêmeras negociações dos usos de uma praça na área central do Rio de Janeiro. Ainda no con­texto carioca, mas percorrendo seus cenários noturnos, Marcos Paulo Ferreira de Góis analisa a ativação dos espaços públicos, as práticas sociais que os ani­mam, os significados que lhes são atribuídos, e as regras de convívio que aí se desenham.

4Os artigos de Carlos Hugo Soria Cáceres e de Ana Brasil Machado nos convidam a observar certos espaços de uso coletivo à luz dos desafios atuais e das lógicas cambiantes do planejamento urbano. No primeiro caso, trata-se de com­preender o processo de transfor­mação espacial e funcional das estações ferroviárias no contex­to da modernização do sistema de carris de alta velocidade na Espanha. Já o segundo artigo analisa o longo e intenso de­bate na esfera pública que ense­jou a construção de um parque ecológico na maior favela da cidade do Rio de Janeiro, a Ro­cinha, indagando também seus usos atuais.

5Outro grupo de artigos propõe abordar a temática do dossiê a partir de uma tipologia dos espaços políticos, qualifica­dos como exclusivos, limitados ou abertos. O artigo de Marcelo Alonso Morais emprega tal tipo­logia para interrogar as práticas associadas a grupos umbandistas no município do Rio de Janeiro visando à construção e à defesa de suas demandas. As dinâmicas específicas dos espaços políticos abertos constituem o foco dos artigos de Sérgio Borges e de Guilherme Felix Machado Filho. Partindo das grandes manifes­tações que mobilizaram praças e ruas das cidades brasileiras nos anos de 2013 e 2015/2016, ambos fornecem elementos para melhor compreender as lógicas associadas à transformação de espaços cotidianos de sociabi­lidade em recursos para a ação política.

6Destacam-se, final­mente, as contribuições que tematizam os desafios e as contradições que marcam a construção de novos canais de participação no contexto político-institucional brasileiro. O artigo de Daniel Abreu de Azevedo analisa os Conselhos Municipais e, mais especifica­mente, os Conselhos Tutelares do município do Rio de Janeiro, questionando sua legitimidade e, de forma mais abrangen­te, aquela do próprio modelo de democracia participativa. Bruno Abdala e Juliana Nunes empregam também um olhar crítico para a análise do papel desempenhado pelo colegiado territorial do Vale do Paranã, no estado de Goiás, na elaboração de políticas públicas.

7No conjunto, esperamos que os debates aqui apresenta­dos despertem novas questões e que estimulem a exploração de novos campos de estudos empíricos, ampliando assim o interesse pela pesquisa geográ­fica acerca dos fenômenos políticos.

8Uma ótima leitura!

9Igor Martins Medeiros Robaina e Leticia Parente Ribeiro