1A Expansão Portuguesa: Uma História Económica, de Nuno Valério, é uma obra ambiciosa, cobrindo todo o período da expansão portuguesa, desde os primórdios, com a conquista de Ceuta em 1415 (e mesmo antes, no sentido de enquadrar o início do processo), até à descolonização, no último quartel do século XX. Analisa-o na perspectiva da metrópole, mas também de cada um dos territórios colonizados, inserindo-os no contexto daquilo a que chama os “quatro impérios coloniais portugueses”. Esta é uma classificação ligeiramente diferente da convencional, que costuma indicar três, indo o primeiro de 1415 até à integração da coroa portuguesa na espanhola, em 1580, o segundo desde a separação das coroas em 1640 até à independência do Brasil, em 1822, e o terceiro desde então até à descolonização da década de 1970. Valério introduz uma subdivisão no período de 1415 a 1580, considerando que a dobragem do Cabo das Tormentas (1488) separa um império sobretudo africano, até então, de outro sobretudo asiático, daí até ao fim do século XVI.

2Pode dizer-se que o título do livro é algo enganador, ou talvez mais o subtítulo: “uma história económica”. Isto porque, na verdade, não se trata de uma história económica e sim de uma história da expansão em geral, já que, no conjunto da obra, a parte dedicada à economia acaba por ser menor. Cada capítulo analisando os sucessivos “impérios” organiza-se por secções, uma dedicada à sua extensão geográfica, outra aos métodos administrativos utilizados pelos portugueses em cada um dos territórios pertencentes ao império, outra ainda à economia e uma final dedicada à relação de cada um dos impérios com a sociedade portuguesa. É evidentemente importante conhecer a evolução da extensão geográfica dos territórios extra-europeus controlados por Portugal, ou os métodos administrativos usados na sua governação, mas esses são assuntos apresentados nas inúmeras histórias da expansão portuguesa existentes, incluindo uma coordenada por João Paulo Oliveira e Costa e publicada tão recentemente quanto 2014. Também os capítulos dedicados a cada um dos territórios seguem um formato fixo, que se repete e no qual a economia não ocupa lugar central. Perante a abundância de histórias da expansão generalistas, é pena a perda de oportunidade para discutir os aspectos propriamente económicos, até porque eles se encontram no centro de alguns dos mais importantes debates actuais sobre a expansão portuguesa.

3Um dos contributos importantes do livro no que respeita às questões económicas é a apresentação, em apêndice, de vários indicadores estatísticos macroeconómicos, embora reproduzindo trabalhos anteriormente publicados pelo autor sob a forma de artigos ou working papers. Os indicadores mais importantes aqui apresentados são os “índices de actividade económica” para cada um dos territórios colonizados, correspondendo no fundo à conversão de estimativas do produto interno bruto (PIB) de cada um deles em números-índice. O autor não indica os métodos utilizados para calcular o PIB na base destes índices. Embora seja verdade que essa explicação é feita nos seus outros trabalhos, para os quais aliás remete, seria interessante que fossem discutidos e até comparados com os existentes para outros impérios coloniais, como o inglês, o neerlandês ou o francês, sobretudo perante uma nova geração de cálculos de indicadores idênticos elaborados por autores como Stephen Broadberry, Leandro Prados de la Escosura ou Ewout Frankema, que têm alterado bastante a forma como interpretamos as economias imperiais europeias. Afinal como se comparava efectivamente a economia imperial portuguesa com as suas congéneres? Evidentemente que os dados de Valério ficam disponíveis para outros autores o fazerem, mas o próprio podia já tê-lo tentado nesta obra, abrindo novas perspectivas para a história económica da expansão.

6Portanto, a questão é: se a generalidade dos países europeus teve períodos extensos de expansão económica a seguir à peste negra sem que a expansão ultramarina tivesse dado qualquer contributo inicial, terá sido ela efectivamente decisiva para o crescimento económico de Portugal identificado por Valério? Ou poderia Portugal ter acompanhado os outros países no crescimento sem o contributo da expansão? A questão torna-se ainda mais complexa graças ao facto de os séculos XVI e XVII terem correspondido ao processo da chamada “pequena divergência”, em que os países do norte da Europa Ocidental começaram a deixar para trás os ibéricos nos respectivos níveis de rendimento per capita. Ou seja, os pioneiros da expansão ultramarina, possuindo então os mais vastos impérios, tornaram-se mais pobres relativamente aos países do norte da Europa, alguns sem qualquer experiência relevante de expansão ultramarina. Nesse caso, deu realmente a expansão um contributo decisivo para o aumento do rendimento da economia portuguesa ou terá acabado por funcionar como um handicap? Não sabemos, claro, mas este tipo de questões deve pôr-nos de sobreaviso sobre a avaliação do contributo da expansão para a economia metropolitana portuguesa apenas baseada na ocorrência simultânea da expansão e do crescimento, podendo tratar-se de uma mera correlação e não de uma ligação causal.

7Note-se que Valério também nos transmite a ideia de que a peste negra pode ter tido um impacto económico positivo a prazo para Portugal, quando nos diz que ela não deverá “ter implicado uma diminuição, pelo menos muito significativa, do nível de vida médio” graças a “um aumento da dotação de recursos naturais por habitante devido à própria diminuição da população”, pelo que será “razoável admitir que o rendimento anual por habitante se continuou a situar perto dos 450 euros a preços de 2000” (p. 60). Mas por isso mesmo é que se colocam as questões acima sobre o efectivo contributo económico do império ultramarino. Não estaria Portugal a entrar num processo de crescimento comum ao resto da Europa baseado no aumento da dotação de recursos produtivos pela população? Para além de que esta interpretação é contraditória com outra apresentada anteriormente por Valério, quando procura explicar a expansão “como um esforço para restabelecer a situação favorável da própria sociedade portuguesa, existente durante as décadas que precederam a irrupção da peste negra” (p. 14), correspondendo a uma tentativa para superar a “crise estrutural” que então atravessaria (p. 9). Ficamos, pois, sem saber se existia ou não uma crise e se a expansão foi ou não importante para a ultrapassar.

8Considerações do mesmo género podem ser feitas sobre quase todos os períodos estudados por Valério nesta obra, i.e. sobre o efectivo contributo das sucessivas encarnações do império ultramarino português para a economia metropolitana. É por isso que seria importante a obra conter um debate desenvolvido sobre estes assuntos, mais do que ao alcance do autor, um historiador económico sofisticado. Como este, muitos outros debates ficam por abordar, alguns deles candentes no actual mundo historiográfico, como aqueles atinentes à importância da escravatura e do trabalho forçado no império português, assunto que o autor poderia ter tratado isoladamente mas de forma ainda mais relevante por comparação com outras experiências imperiais europeias. Finalmente, restam algumas questões de detalhe. O autor polvilha o livro com informação quantitativa desenquadrada, como quando refere o valor de 450 euros a preços de 2000 para o PIB per capita de Portugal na segunda metade do século XIV, ou de “600 euros” na “viragem do século XVI” ou de “900 euros” no “final do século XVI” e outros similares. De onde vêm estes números? Como foram estimados? Seria importante sabê-lo. E merece menção ainda a estranha escolha do autor de apresentar a bibliografia organizada pela ordem alfabética do primeiro nome dos autores em vez do apelido, como é formalmente correcto. É uma escolha que dificulta a consulta e não tem explicação satisfatória aparente.