Introdução

1Esta caminhada contou com a participação de todos os integrantes do projeto, mas logo após o encontro na entrada do metrô Santa Cecilia e a visita ao edifício Racy – por convite do colega Rosenilton, morador do prédio – para se ter uma visão panorâmica da cidade do alto de seu 17º andar, a equipe se dividiu: Magnani, Pablo e Alex seguimos nosso próprio rumo em direção ao Largo do Arouche e à praça da República.

2Antes de apresentar os três relatos, vale a pena ressaltar os pontos que nosso olhar compartilhou e aqueles que foram objeto de atenção particular de cada um. O edifício Racy foi um deles – aliás de toda a equipe, mas chamaram-nos a atenção o perigo da baixa amurada no 17º andar, principalmente porque, segundo a síndica, há muitos pedidos de visita (e pagas, o que não foi o nosso caso) e lá embaixo uma nova mancha da Cracolândia, bem na hora em que recebiam as marmitas para o almoço. Outros pontos de interesse comum e registro foram: o cine pornô 24 horas, a abordagem do corretor de imóveis, com sua imperdível oferta; o morador de rua que pediu um dinheirinho para comprar gilete e poder fazer a barba; as tendas de banho e lavado de roupa na praça da República. E depois o almoço, claro.

3Pablo, por sua vez, notou a recorrência de árvores de grossos troncos, por vários lugares e a quantidade de edifícios em construção: seria um indício de gentrification nesses espaços? Alex ressaltou que essa área, em especial a rua Vieira de Carvalho, era tomada pela prostituição; no meu caso, foi a caminhada inicial nos arredores antes da chegada dos colegas e a vista à casa de artigos religiosos; o contato com cachorrinhos e seus donos, para engrenar um papo; a entrada nas tendas de banho da Prefeitura e conversa com os funcionários; finalmente, outra conversa, com o casal de moradores de rua, na praça da República. Alguns pontos apenas, aqui ressaltados: a leitura dos relatos mostrará de forma mais completa o olhar e o estilo de cada um; foram suprimidas algumas imagens por estarem repetidas nos três relatos.

Primeiro relato1

5Completado o grupo da caminhada, seguimos até o edifício Racy – residencial e comercial – onde nos esperava o colega e morador Rosenilton, que havia combinado com Giancarlo uma vista panorâmica de São Paulo, do alto desse edifício. Tivemos de nos cadastrar na portaria pois, segundo a síndica que nos acompanhou, dona Olga, essa visita é muito requisitada, principalmente para gravações. Tudo muito organizado, divididos em dois grupos para o elevador, lá fomos nós. A vista é realmente impressionante; as bordas do parapeito muito baixas, alguém comentou que podem servir de tentação... Lá embaixo, uma mancha da Cracolândia, na hora do almoço:

6Vista do edifício Racy, na região central de São Paulo: à esquerda, o viaduto Elevado Presidente João Goulart, popularmente conhecido como Minhocão; à direita, nova concentração da Cracolândia. Crédito de imagem: NAU/USP

7Saindo do prédio, dividimo-nos – pois éramos onze – eu, Pablo e Alex rumamos em direção ao Largo do Arouche. Logo me deparei com este bar, para uma foto, pois a decoração era incrível, com Lula em destaque, na parede:

8Em seguida, passamos em frente a um cine 24 horas, pornô; cumprimentei, sem maior sucesso, uma moça ali sentada; depois, cruzando a pista, um morador de rua nos abordou, pedindo uns trocados, para comprar gilete e fazer a barba! Foi prontamente atendido.... rua Vieira de Carvalho, rua Aurora, conhecidas pela prática da prostituição e na sequência, a praça da República.

9Antes, passamos pela Academia Paulista de Letras e uma cachorrinha, a Maysena, muito simpática, propiciou um rápido contato com sua dona. Entramos na praça do Largo do Arouche, lembrando que é uma mancha muito frequentada por homossexuais masculinos. Na praça da República, o coreto central estava com barracas de moradores de ruas; circulando pela praça, travestis nos seus respectivos pedaços compartilhados com outros frequentadores da mancha.

10Chamaram-me a atenção umas barracas da prefeitura, num lado da praça, com pessoas em fila, esperando para serem atendidas. Resolvi entrar, era um serviço de banho e lavagem de roupa para moradores de rua; tudo muito organizado, toalhas empilhadas à disposição. O superintendente, sr. Arnaldo, nos concedeu uma rápida entrevista – mas não permitiu tirar fotos. São 25 funcionários, atendem mais de mil pessoas por dia! Uma das funcionárias era formada em Direito...

11Nessa mesma praça, com muitos moradores acampados, resolvi me aproximar e conversar com um casal e mais uma senhora ali estabelecidos. Bem-falante, o senhor, era de Pirituba, mas agora mora na rua; ex-presidiário, bem-falante, com opiniões sobre os policiais – ladrões, também, pois extorquem os abordados. Trouxe uma cadeira para eu me sentar e desenvolveu uma teoria sobre D E U S - não é nome de uma entidade, mas uma sigla; e outra sobre o consciente e o subconsciente e por aí afora... Confessou que ele e a mulher são alcoólatras, um problema, reconhece; a mulher falou pouco, toda enrolada em cobertores, mas disse que gosta de morar na rua.

12Despedi-me, Pablo e Alex levantaram-se da amurada para continuar a caminhada; nisso o senhor da conversa anterior reapareceu pedindo uma contribuição para comprar cerveja, no que foi prontamente atendido. Mais uma volta pelo entorno e já era hora de almoçar.... Encontramos o restante da equipe e Alex, ex-morador (do pedaço, não de rua), indicou o restaurante Pampa, farto.... Satisfeitos, dirigimo-nos para o estúdio da Jéssica, terceiro andar, 308, na Galeria Itália, para a reunião final.

Segundo relato2

14El edificio se construyó aproximadamente entre 1950 y 1952. Da a la avenida Sao Joao y lleva por nombre “Racy”. Es un edificio extenso de 14 pisos y 140 departamentos, con vários ascensores que permiten el acceso a los pisos por diferentes ingresos, incluyendo el ascensor de servicios. Luego de registrar nuestro ingreso una señora, que entiendo está a cargo de la administración del edifico, junto con Rosenilton, nos guiaron hasta la azotea, que sería uma suerte de piso 17 si contamos el terreo o primera planta como uno más. La vista es espectacular pero al no tener un vidrio protector me generó una fuerte sensación de vértigo.

15Hacia el este se puede ver un poco de cracolandia, mientras que hacia el sur se puede apreciar el viaducto Mignoacao y algunos de los edificios emblemáticos de la ciudad. Al salir del edificio nos despedimos de la señora que muy amablemente buscó despedirse de los peruanos en castellano. Nos dividimos en grupos y yo fui para la caminata hacia Plaza República junto con Alex Sander y el profesor Magnani.

16Salimos por la avenida Sao Joao y luego tomamos por la avenida Duque de Caxias, que me llamó la atención por el mal estado de las aceras por donde caminábamos, que no solo son diferentes por predios, sino que tienen muchos huecos o zonas erosionadas. Por su parte, el profesor Magnani me hizo notar cómo habían puesto brea en un retiro de un edificio, para evitar que la gente se siente. Se trata de pequeños gestos que tienen cierta connotación violenta, que también he visto en algunos espacios públicos situados en zonas residenciales de Lima.

17En la zona hay muchas oficinas (talleres) de auto, pero había alguna tienda de comestibles, de donde salió una señora con un perrito. Magnani intentó acercarse, preguntándoselo primero a la propietaria, pero apenas se acercaba el perrito quería morderlo, por lo que nos retiramos. También Alex Sander, que había vivido unos seis años por el lugar, nos comentó que en esa zona hay mucha prostitución homosexual de varones, que es un lugar que en las noches se llena, haciéndome notar que había muchos hoteles sencillos en torno a la avenida. Inclusive luego vimos un Cine de 24 horas –de filmes pornográficos-. En la intersección se vía dos muchachos que estaban al acecho del semáforo para ofrecer limpiar los vidrios por algunas monedas; me hizo recordar esta misma práctica en Lima.

18Al final de la avenida Caxias había un joven en situación de rúa y el profesor Magnani le hizo algún comentario para entablar un contacto pasajero pero amable. Pero para mi sorpresa el joven se levantó inmediatamente y abordó al profesor pidiéndole dinero para una afeitadita. Nosotros continuamos la marcha y cruzamos hacia la parte arbolada de la av. Largo de Arouche pero el muchacho lo siguió y no paró hasta que el profesor le diese un billete. Luego, nos detuvimos a ver la decoración de un restaurante-bar, que era realmente muy rico em elementos simbólicos, tanto políticos, culturales como de opciones sexuales.

19Continuamos por la calle Largo do Arouche donde había un edificio en construcción. Al passar delante de él un señor vendedor se nos acercó entregándonos volantes y contándonos las grandes ventajas de la inversión, pues un departamento de 33m2 tenía un costo de 400,000 reales y el alquiler podía ascender a 3,000 reales. Nos habló de las ventajas de la localización, pero finalmente le dijimos que estábamos de paso.

20Me dejó pensativo el hecho de que nos ha visto y por nuestra imagen le resultamos clientes potenciales; ergo, tenemos un perfil semejante al del comprador de esos departamentos. En efecto, si bien es zona del centro popularizada, se ve que los nuevos proyectos o emprendimientos inmobiliarios están apuntando a sectores sociales de mayor ingresso interesados en la vida activa de la zona central.

21Alex Sander nos mostró que al costado de ese edificio en construcción estaba el local de la academia de Letras. Más adelante el profesor encontró otra dueña de perro, esta vez más grande y que se llamaba Maicena –curioso nombre-. Esta sí era una perrita amable, le batió la cola y hubo buena onda.

22Al frente, estaba la Praça de Largo de Arouche, donde me llamó la atención un enorme árbol de raíces gigantescas. No es la primera vez que veo ese tipo de árboles en la ciudad y comienzo a prestarles más atención, ¿desde cuándo existen? ¿son anteriores a la urbanización? Alex Sander por su parte nos fue contando que esa plaza también era ocupada por homosexuales varones. En la plaza también había un mercado de flores pero de escala barrial. Eso indica que hay muchos residentes que les interesa comprar flores para adornar sus viviendas, que encajarían en el perfil de cliente que buscan los inmobiliarios en el sector.

23Me dejó pensativo el hecho de que nos ha visto y por nuestra imagen le resultamos clientes potenciales; ergo, tenemos un perfil semejante al del comprador de esos departamentos. En efecto, si bien es zona del centro popularizada, se ve que los nuevos proyectos o emprendimientos inmobiliarios están apuntando a sectores sociales de mayor ingresso interesados en la vida activa de la zona central.

24Alex Sander nos mostró que al costado de ese edificio en construcción estaba el local de la academia de Letras. Más adelante el profesor encontró otra dueña de perro, esta vez más grande y que se llamaba Maicena –curioso nombre-. Esta sí era una perrita amable, le batió la cola y hubo buena onda.

25Al frente, estaba la praça de Largo de Arouche, donde me llamó la atención un enorme árbol de raíces gigantescas. No es la primera vez que veo ese tipo de árboles en la ciudad y comienzo a prestarles más atención, ¿desde cuándo existen? ¿son anteriores a la urbanización? Alex Sander por su parte nos fue contando que esa plaza también era ocupada por homosexuales varones. En la plaza también había un mercado de flores pero de escala barrial. Eso indica que hay muchos residentes que les interesa comprar flores para adornar sus viviendas, que encajarían en el perfil de cliente que buscan los inmobiliarios en el sector.

26Llegamos finalmente a la Praça República, donde Alex Sander nos advirtió que era la zona donde más se roban celulares, por lo que hay que estar atentos. La plaza llama la atención por la cantidad de árboles que tiene donde por lo menos dos son de tronco gigantes, quedando pendiente identificar sus nombres. También hay pequeñas lagunas que se pueden atravessar mediante pequeños puentes. Alex Sander nos hace ver que hay algunas mujeres brevemente vestidas sentadas en algunas zonas, que por lo que menciona, se dedican a la prostitución.También vemos mucha gente en situación de calle, como personas que laboran por la zona que aprovechan para descansar en las bancas. Hay también un coretto (glorieta) pero que es usado como lugar para dormir para numerosas personas en situación de calle.

27Nos llama la atención unas carpas blancas habilitadas por la municipalidad. El professor Magnani se acercó a preguntar y nos hizo señar para acercarnos. Entramos los tres y el señor Arnaldo, funcionario municipal con formación en turismo nos atendió, advirtiendo que no se pueden tomar fotos. Nos comentó que es el programa “viva no centro” que atiende desde la pandemia a las numerosas personas en situación de calle que viven por la zona. Ellos no ofrecen comida –hay otro lugar que sí lo hace- pero en cambio ofrecen espacio y servicios para la higiene: baños y lavandería. Nos comenta que ahí se atiende alrededor de mil personas por día pero que el local mayor de ese programa, iniciado por Bruno Covas, se encuentra en la Plaza de Sé. También comentó que en total tiene un equipo de 24 personas para realizar el servicio diario, de 7am a 7pm. Nos llamó la atención lo organizado y limpio del espacio, que al parecer fue una iniciativa que se toma luego del surgimiento de la pandemia del COVID-19.

28Salimos del servicio y en uno de los jardines del parque nos llamó la atención cómo era ocupado por personas en situación de calle. En particular un señor y dos señoras que estaban descansando sentados en unas sillas vetustas. El profesor Magani se les acercó y comenzó a hablar con ellos y tuvo buena acogida porque le ofrecieron una silla para continuar la conversación. Al parecer se trataba de una persona desempleada que ya había establecido su modo de vida en la zona.

29Mientras tanto Alex y yo nos sentamos en el borde del parque. Alex me fue contado que hasta hace unos cinco años la Praça estaba con rejas que no facilitaban el acceso. Estas fueron retiradas y ahora mucha gente aprovecha para atravesar la plaza como parte de sus itinerarios.

30Finalmente, el profesor terminó su conversa y se acercaba a nosotros para continuar la marcha cuando el señor con el que conversó se le acercó diciéndole en voz alta que necesitaba para unas cervecitas, a lo cual el profesor accedió y le dio un billete.

31Luego de ello dimos una vuelta por los alrededores, por donde se hallan edifícios emblemáticos de la ciudad como el Copan, obra de Niemeyer, y el edificio Italia de Franz Heep, que forman parte del paisaje próximo a la Plaza República.

32Luego de eso fuimos a almorzar a un restaurante económico que conocía Alex y que ofrecía buffet por el precio de 29.9 reales. Estaba al costado de la plaza y tenía variedad de ensaladas y de carnes. Al llegar a eso de la 1:20 había espacio pese al éxito de comensales del restaurante, pero cuando salimos cerca de las dos estaba el establecimiento estaba casi vacío. Luego del almuerzo nos fuimos hacia la Galeria Sete de Abril, donde acordamos encontrarnos con todo el equipo.

33Durante la caminata, fueron varias cosas que me llamaron la atención.En primer lugar, en lo referido a la experiencia de espacio construido, la importante vegetación del centro y en particular los grandes árboles. Los árboles por una parte dan sombra, pero también alegran el paisaje y hacen la experiencia de caminar mucho más llevadera, a pesar de que muchas aceras tienen roturas o discontinuidades.

34En relación al espacio habitado, es llamativo el elevado número de personas en situación de calle. Casi en todas las calles y avenidas que hemos recorrido había personas durmiendo en la calle o sentada contemplando la gente pasar. Ellos no son expulsados de los espacios, pero sí se ve policía que está atenta ante cualquier situación eventual de trasgresión del orden público. Estas personas coexisten con transeúntes que trabajan o con paseantes como nosotros; mutuamente hay una desatención, aunque siempre hay una palabra de pedir dinero que dicen de memoria. Sin embargo, las dos veces que el profesor Magnani interactuó com ellos, la respuesta final era esperar algún tipo de regalo en dinero, a manera de intercambio. Ergo, si la iniciativa de hablar corre del transeúnte como nosotros, hay como una regla tácita de que se debe de darles algún tipo de aporte en reciprocidad a haberse acercado a ellos, siendo de otra condición social.

35Hay policía en los entornos pero es llamativa la tolerancia a la situación de calle en estos lugares. En cambio, no nos tocó ver mucho comercio ambulatorio, por lo que supongo que es posible que esté bastante controlado en estas zonas o están localizados en lugares próximos al circuito que se realizó, que se puede ver en el esquema presentado.

36Por último, una mención aparte son los negocios inmobiliarios en la zona. Al parecer hay uma proyección importante por atraer a profesionales jóvenes o sin familia a vivir por la zona. ¿Se trata de posibles procesos futuros de gentrificación? Son situaciones a las que hay que estar prestando atención.

Terceiro relato3

38Somos recebidos pela síndica a partir de um pedido de um colega do grupo que mora no prédio. Normalmente, as visitas em grupos são cobradas, mas, por sermos pesquisadores, dona Olga diz que nossa entrada seria uma cortesia. A arquitetura pomposa do prédio, com entrada ampla e lojas no primeiro andar, é utilizada para filmagens e por agências de publicidade. Grupos de alunos e turistas visitam com frequência o prédio.

39Subimos até o terraço, no 17º andar, que tem uma vista panorâmica de 360° da cidade. O guarda-corpo fica abaixo das normas de segurança, perigoso para quem se aproxima. Por isso, as visitas precisam de um acompanhamento da síndica ou de funcionário. Além do mar de prédios ao redor, de cima, chama a atenção a vista do Elevado Presidente João Goulart, o Minhocão. Foi construído em 1971, em meio a polêmicas sobre os investimentos que iam privilegiar condução de carros em detrimento da construção de metrôs na cidade. Há décadas o Elevado é objeto de pesquisas nas áreas de arquitetura, antropologia, sociologia, educação física, entre outras.

40De cima, dona Olga nos mostra um dos novos pontos de concentração da Cracolândia, que tinha área fixa ao lado da Estação da Luz. A Prefeitura de São Paulo desativou o ‘ponto fixo’ onde se reuniam os viciados. Migraram para a praça Duque de Caxias, uma área próxima ao ponto inicial, depois foram dispersados e agora estão localizados na rua Helvetia com a avenida São João, a poucos metros do prédio.

41Saímos de lá, e o grupo se dividiu para explorar, a pé, áreas específicas. Eu, os professores Magnani e Pablo ficamos responsáveis por percorrer do Largo do Arouche até a praça da República. Assim que descemos do prédio, viramos à direita na avenida Duque de Caxias, no sentido do Largo do Arouche. Em direção oposta à nossa, a avenida Duque de Caxias era rota de peregrinação - durante todo o dia e na madrugada - de viciados em crack que se concentravam na Estação da Luz.

42Seguindo pela avenida Duque de Caxias, percebemos que a área em direção ao Largo do Arouche concentra lojas de peças e serviços para automóveis, ao lado de pequenos restaurantes e prédios residenciais. Andando por 200 metros, chegamos ao Largo do Arouche, uma região antiga de São Paulo.

43Na praça, a pomposa Academia Paulistana de Letras divide espaço com novos empreendimentos imobiliários. Um corretor de imóveis nos aborda e nos dá um folheto sobre a venda de apartamentos em frente à praça. Como pesquisadores, acho que nossa curiosidade ao olhar a região em detalhes despertou nele a possibilidade de que estivéssemos procurando lugares para alugar ou comprar. Ele aponta e mostra um prédio antigo ao lado que custa R$ 3 mil o aluguel. E mostra animado as vantagens do financiamento do prédio em construção.

44Nos desvencilhamos e seguimos pela rua Vieira de Carvalho, conhecida por ser um ponto tradicional à noite do público LGBTQIA+, mas concentra principalmente o público gay masculino. O comércio também está voltado para esse público. Saunas para o público gay, lojas temáticas e hotéis com a bandeira do Arco-Íris se multiplicam na região. Chegando ao final da rua, já atravessando o semáforo com passagem para a praça da República um morador em situação de rua intercepta o professor Magnani e pede dinheiro para fazer algo inusitado: queria comprar uma lâmina para fazer a barba. Magnani tira uma nota de R$ 10 do bolso: a feição do pedinte muda completamente. Surpreso, agradece com um sorriso.

45Começamos a circular pela praça da República, certamente o segundo ponto central mais conhecido depois da praça da Sé, onde fica a Catedral Metropolitana de São Paulo, o marco zero da cidade.

46Em frente ao metrô, um prédio antigo é a sede da Secretaria do Estado de São Paulo. Na parte oposta, atrás do metrô, na outra extremidade da praça, há uma base da Polícia Militar de São Paulo com viaturas, mas que não oferece segurança a quem transita pela praça. Estranhamente, a praça da República é uma das regiões onde há maior número de celulares roubados na capital. As gangues de bicicleta circulam em dupla, trio e às vezes em quatro ao mesmo tempo. Comento com Magnani e Pablo que os reconheço de longe. Vivi durante 12 anos na Bela Vista, popularmente Bixiga, que fica a poucas quadras dali. Meu desafio naquele lugar, que conheci a realidade como morador, é lançar-me na missão de incorporar o que Roberto DaMatta chama de anthropological blues, transformando o “exótico em familiar” e o “familiar em exótico”. Ou seja, ver o cenário daquele lugar com estranhamento, coisa que nunca havia acontecido.

47Comento que a técnica que as gangues de bikes utilizam no roubo merecia um estudo etnográfico. Eu mesmo já fui vítima deles. Se seu celular estiver à mão e você estiver distraído digitando, o movimento é rápido e preciso. Eles procuram as vítimas mais distraídas. São rotineiras as cenas de roubos: de repente alguém sai gritando, pega ladrão!, com a vítima correndo desesperadamente atrás da garoto na bike. Eu desconfio de que a polícia conhece todos os movimentos, táticas e os reconhecem pelo movimento constante de vaivém desses garotos. Em conversas com policiais, eles dizem que os criminosos passam o celular para o parceiro em poucos minutos e, mesmo conseguindo prendê-los, saem com dois ou três dias da delegacia porque as vítimas não prestam queixa. Sem denúncia da vítima, não há crime. “É como enxugar gelo”, afirmou um dos policiais com quem conversei em outras ocasiões. A região é repleta de lojas que vendem aparelhos usados e os criminosos contam com esse sistema de receptação, segundo a própria polícia.

48Circulamos ao redor da praça, passando pela pomposa e charmosa avenida São Luís, uma via de menos de 1 km. Na esquina da avenida Ipiranga, há o edifício Itália, um ponto turístico de São Paulo. Seguindo pela avenida Ipiranga, mais à frente, há o edifício Copan, igualmente famoso por ter sido projetado pelo arquiteto Oscar Niemeyer.

49Contornamos por trás para voltar à praça da República. Dessa vez, paramos para observar cenários e pessoas. Chama a atenção do professor Magnani uma tenda grande, onde pessoas - aparentemente em situação de rua - formam uma pequena fila. Magnani se aproxima e pergunta o que seria aquilo. Um funcionário de uma empresa contratada pela Prefeitura de São Paulo explica que ali as pessoas podem tomar banho, lavar e secar roupas. A estrutura foi montada durante a pandemia e permanecia. Entramos para conhecer e um gerente nos explica o funcionamento.

50Ao sair de lá, ainda na praça da República, Magnani começa a conversar com duas senhoras e um homem sentados em cadeiras na praça. Eu e o professor Pablo ficamos observando a cena a alguns metros de distância. Gentilmente, o homem traz uma cadeira para o Magnani, que ouve a história de vida atentamente. Segundo Magnani, os moradores estavam ali porque tinham problemas com alcoolismo.

51Pablo sente fome e decidimos almoçar na praça da República antes de encontrar o restante do grupo numa sala cedida pela Jéssica Andrade, uma das integrantes do grupo, localizada na rua Sete de Abril ao lado da praça. Lá faríamos um balanço da caminhada pelo centro.

Conclusão:

52Interessante ressaltar uma das características das caminhada em grupo, na perspectiva da etnografia compartilhada: a especificidade do olhar de cada pesquisador: Pablo, com sua formação de arquiteto, entre outros detalhes, notou a profusão de árvores – talvez comparando já com o caso de Lima, mais seco – numa área central da cidade: “Los árboles por una parte dan sombra, pero también alegran el paisaje y hacen la experiencia de caminar mucho más llevadera, a pesar de que muchas aceras tienen roturas o descontinuidades”. Não lhe passaram despercebidos, também, os espaços construídos: “Por último, una mención aparte son los negocios inmobiliarios en la zona. Al parecer hay una proyección importante por atraer a profesionales jóvenes o sin familia a vivir por la zona. ¿Se trata de posibles procesos futuros de gentrificación?” Alex, por sua vez, antigo morador da região, ressaltou o uso da área pela prática da prostituição, os pedaços de gays e o perigo do roubo de celulares: um olhar de “perto”. De minha parte, observei alguns aspectos de usos e apropriações recentes e inusitadas nos trajetos percorridos: tendas de banho e lavanderia da Prefeitura para moradores de rua, sociabilidade e histórias de vida desses atores sociais na praça, suas abordagens com os transeuntes.