Introdução

1Dentre as várias centralidades paulistanas selecionadas para o projeto Centralidades de Lima-São Paulo, uma delas, a princípio, não encontrava comparativo com a capital peruana. A avenida Paulista, cujo reconhecimento enquanto “centralidade” remonta à passagem da primeira para a segunda metade do século XX, apresenta diferentes vocações a depender de quem frequenta, de quando é ocupada ou dos interesses em jogo.

2Ninguém da equipe parecia duvidar que a avenida era uma centralidade, mas não conseguíamos, a princípio, reconhecer um tema que preponderava em relação aos demais. Assim, diferente das demais centralidades observadas (histórica, comercial, financeira), a avenida Paulista ficou nomeada como ela própria. Assim, o objetivo deste trabalho não foi comparar essa centralidade diretamente com Lima, mas reconhecer quais os aspectos que fazem da avenida uma centralidade em São Paulo, buscando temas, usos e práticas sociais que poderiam, posteriormente, ser utilizados para pensar a comparação planejada.

3No dia 07 de maio de 2022, um grupo de pesquisadores/as ligados/as ao LabNAU foi à avenida Paulista com o intuito de realizar uma caminhada etnográfica por quase toda a avenida, e uma derivação para a rua Augusta, aproximando-nos cada vez mais do centro geográfico da cidade. Este texto, escrito de forma compartilhada, traz os relatos de três pesquisadores/as que fizeram a caminhada, seguindo uma linha narrativa cronológica e espacial. Três olhares diferentes – únicos e complementares – que desvelam estilos de escrita, interesses de observação e referenciais muito particulares. Essa diversidade de olhares em um mesmo contexto etnográfico, sem dúvida, permite apreender as múltiplas camadas – modos de uso, atividades de lazer, dinâmicas de sociabilidade e construções temporais - que guardam as ruas da cidade de São Paulo, neste caso, especificamente a avenida Paulista e a rua Augusta.

5Escolhemos fazer a caminhada em um sábado, dia em que os usos da avenida talvez fossem mais misturados, mesclando aquela intensidade cultural e de lazer dos domingos (principalmente nas horas em que a avenida está destinada exclusivamente a pedestres e veículos não-motorizados) com a movimentação ligada ao trabalho e ao consumo. Nosso encontro aconteceu na Casa das Rosas, um dos últimos equipamentos culturais da avenida antes que ela, com um pequeno ângulo, se torne avenida Bernardino de Campos e siga em direção ao sul.

6Enquanto caminho da saída do metrô Brigadeiro à Casa, ainda sozinho, me lembro de quando, pela primeira vez desde o início da pandemia do Coronavírus, fui fazer um trabalho de campo na avenida: uma caminhada etnográfica de caráter didático e analítico com estudantes de arquitetura e urbanismo. Naquela ocasião, pouco menos de um ano atrás, acompanhei a reabertura do programa Ruas Abertas, com uma multidão de pessoas voltando a circular (ainda que aderindo pouco ao recomendado uso de máscaras e do distânciamento social). Além disso, pude perceber um movimento que temos visto em todo o país e especialmente na cidade. Uma das facetas do empobrecimento da população se dá no aumento da população em situação de rua. Hoje um ano depois, não percebo nenhuma mudança aparente do que vi um ano atrás…

7A avenida Paulista sempre foi um lugar de destaque para essa população, mas é só com o olhar etnográfico que consigo fugir da tentação de homogeneizar e percebo algumas nuances. Deitado atrás de uma banca de jornal, dorme um homem, com alguns pertences embalados em lona plástica. Lembro que me contaram em outra ocasião que esses cantinhos trazem discrição e tranquilidade, mas em contrapartida são mais sujos (pela presença de animais e por serem utilizados como banheiro). Próximo a esse primeiro homem, havia outro; mas este dormia atravessado na calçada, obrigando os transeuntes a desviar. Ele não parecia carregar consigo nenhum pertence volumoso. Mas era possível ver uma sacola de papel com comida ou água que alguém deixou ao seu lado. Mais exposto, é verdade que estava sujeito ao tropeção de algum distraído, mas também podia receber ali uma dádiva inesperada.

8Percebemos uma falha de comunicação: o professor José Guilherme Magnani estava nos esperando em outro ponto da avenida: o vão sob o MASP (Museu de Arte de São Paulo). Rapidamente, vamos para lá enquanto desviamos de pedestres apressados, banquinhas de venda de artesanato e peças de roupa e recrutadores de doações para ONGs e ações sociais.

@tuttyupie ·24 de jul de 2019

lista de obstáculos a vencer se vc trampa na paulista e precisa sair pra almoçar: greenpeace, abrinq, hippies, mafia de palhaços, hippies, perdidos aleatórios, gosta de teatro?, revista ocas (voltou com tudo), patinete, polícia de bike na calçada, abraço grátis, alunos do dante

(https://twitter.com/​tuttyupie/​status/​1154138795324968960)

10A avenida Paulista parece uma grande vitrine - e não falo apenas das lojas e galerias (essas na verdade nem parecem ter tantas vitrines assim), um local para expor o que quer que seja: produtos, ações, ideias… Apenas nesse curto trajeto da metade sul da avenida, entre a Casa das Rosas e o MASP, percebo várias interações nesse sentido. Além dos palhaços, reparei nos postes, paredes e até no chão: panfletos colados oferecendo aulas (de inglês, de música), adesivos de causas políticas e sociais, lambe-lambes contra o governo, QRCodes divulgando artistas independentes, perfis de redes sociais coladas ou inscritas nos espaços que instigam algum mistério e geram cliques aos donos dos perfis. Vendo mensagens políticas é difícil esquecer do gigantesco pato amarelo inflável que foi posicionado dentro do prédio da FIESP como um símbolo de movimentos golpistas e direitistas alguns anos atrás.

11No próprio comércio isso se vê - e nem tanto para divulgar produtos, mas para divulgar as marcas. Vejo ao longo do caminho o “Méqui”, um restaurante da rede McDonald’s especial e estilizado, que parece fazer mais sentido como um monumento aos novos conceitos da marca do que realmente para vender lanches, refrigerantes e batatinhas. Pensando nisso, percebo que a ciclovia no centro da avenida também não está lá apenas para garantir a segurança de ciclistas e outros veículos não motorizados, mas para servir de emblema sobre o plano cicloviário e uma cidade que começa a pensar para além dos carros. Enquanto no resto da cidade a gestão municipal já alterou a cor vermelha das ciclovias (talvez muito ligada ao PT), ali na Paulista ela se mantém. Ao longo da caminhada vejo turistas e moradores da própria cidade tirando fotos nesse tapete vermelho que oferece um bom destaque e bons ângulos da avenida para se postar em redes sociais.

12Quando chegamos ao Parque Trianon, decidimos fazer um pequeno desvio e entrar no bosque denso do parque. A mudança de temperatura e umidade são logo sentidas e vemos uma família de imigrantes latinos com quem o professor Magnani gasta seu espanhol. Moram em São Paulo e as meninas gostam de brincar nos playgrounds do Trianon. Ainda vemos gente passeando com cachorros, outras dormindo ou sentadas nos bancos. Quem dorme deitado talvez não seja autorizado a ficar ali: ao lado do parque, há algumas barracas de acampamento. Varrendo a calçada está uma das moradoras, que cantarola uma música. Magnani comenta: “tá feliz, hein?”, ao que ela responde orgulhosa contando como está limpa sua casa. Afinal de contas, “sábado é dia de faxina”.

Segunda parte3

15A questão de gênero está marcada no trecho que caminhamos da rua Augusta sentido Centro por meio de bandeiras hasteadas em prol da diversidade sexual e do movimentos LBGTQI+, presença de boates gays e a comercialização de produtos e símbolos portadores de ideologias e posicionamentos de maior identificação com a esquerda, dentro do espectro político do que entendemos hoje em São Paulo, a esquerda é lida como esta frente que busca maior diálogo com as pautas de grupos minoritários e compreende composições familiares baseadas não somente em relações heteronormativas.

17Outra característica muito peculiar da rua comentada pelo grupo durante a caminhada etnográfica é a observação de seus diferentes usos vinculados ao dia e a noite, ou seja, como aquela rua em um sábado de manhã é diferente da sua ocupação em um sábado à noite. Se durante o dia é possível notar o fluxo mais tranquilo nas calçadas, famílias indo às compras ou se encaminhando para o almoço, moradores do entorno com trajes de academia para praticar exercícios físicos e/ou passear com seus animais, entregadores de aplicativos procurando apartamentos/escritórios para entrega, trabalhadores da região buscando algum refúgio no intervalo, citadinos em seus trajes convencionais e a característica trilha sonora de carros, buzinas, latidos, lojistas te convidando a conhecer a loja, garçons recolhendo as louças dos pratos-feitos das mesas ocupando metade das calçadas e secadores em ação nos cabelereiros.

18Durante a noite, mudam o cenário, os atores e as regras, alguns citadinos saem de cena para outros entrarem, a calçada fica congestionada por grupos que se aglomeram e avançam para pequenos trechos da rua, por não caberem nos limites do bar. Os trajes dos citadinos tornam-se mais extravagantes, coloridos ou monocromáticos, dependendo do estilo musical; cada estabelecimento entoa uma música e disputa a atenção dos passantes; algumas casas de show, como o Studio São Paulo, organizam suas filas para a entrada na casa e as boates deixam os seus seguranças a postos nas entradas para evitar qualquer desacato com os homossexuais e travestis que estão fumando um último cigarro antes de encarar a pista ou flertando com um potencial cliente.

19Porém, nos últimos anos, dois fatores contribuíram para uma alteração marcante tanto na paisagem quanto nas dinâmicas e usos da rua Augusta, sendo eles a crise sanitária global ocasionada pela COVID-19 (2020-2022) e a classificação da rua Augusta como uma Zona de Eixo de Estruturação da Transformação Urbana (ZEU), em 2014, segundo o Plano Diretor da Cidade. A localidade passa a ser lida como uma área prioritária da cidade com passagens de diferentes modais de transporte, chamando atenção do setor imobiliário.

21Voltando às diretrizes do Plano Diretor que identifica a região da rua Augusta como uma ZEU, há neste tratado normativas para os empreendimentos com áreas entre 10 mil e 20 mil metros quadrados de serem obrigados a dedicar 25% da fachada para comércios e lojas e a área para o público, incluindo a calçada, tem que ter no mínimo 4 metros de largura. O problema é que essas regras nem sempre são respeitadas e ao longo do trajeto notamos que a sociabilidade entre a rua e os tradicionais estabelecimentos que comungam uma relação entre o dentro e o fora, jogando com as fronteiras que indicam o limite da calçada e o início da rua, observada em bares, cafés, cinemas de rua e restaurantes, estão deixando de existir e dando lugar a edifícios residenciais que em vez de estimularem a fachada ativa, como previa o Plano Diretor, se munem de gradil, muros e calçadas cada vez mais estreitas e não há sociabilidades, nem dinâmicas culturais que ocorram entre muros. A rua Augusta, uma das ruas mais culturais e pulsantes da capital, corre o risco de se transformar numa área residencial? As questões que ecoam até este ponto da caminhada são muitas: Quantas temporalidades guarda uma rua? Como a rua se adapta e se relaciona com as transformações urbanas? Como estas transformações promovem alterações nos seus modos de usar?

Terceira parte7

23Viramos à direita na rua Peixoto Gomide, uma das travessas da Augusta, conhecida por ter um dos quarteirões mais agitados da região, voltado sobretudo – mas não exclusivamente – ao público LGBTQIAP+. A esquina da rua Peixoto Gomide com a rua Frei Caneca abriga bares famosos, como a Aloka Club, Terraço Club e Bar da Lôca. Em frente a este último era possível notar uma grande quantidade de lixo, latinhas de cerveja amassadas e garrafas vazias espalhadas pela calçada. Paramos para conversar com uma moça que, naquele momento, varria a calçada. Moradora dos primeiros andares de um dos muitos prédios antigos e baixos da região, e que abriga um bar em seu térreo, ela reclamou do barulho aos finais de semana, principalmente nas noites e madrugadas de sexta-feira e sábado, quando há grande concentração de frequentadores, que tomam a rua e calçadas; mas disse que a rua era tranquila ao longo da semana, voltada principalmente aos pequenos comércios, como bares, lojas de doces, salões e cabeleireiros etc. Novamente, a cidade e suas múltiplas temporalidades.

24Logo após esse pequeno trecho da rua Peixoto Gomide, viramos à esquerda na rua Frei Caneca, com significativa mudança na paisagem, agora com características fortes de bairro residencial. Edificações antigas, de poucos andares, também observadas na rua Augusta, convivem com prédios mais recentes e altos, além de outros tantos empreendimentos imobiliários – pelo menos três – em construção, com seus canteiros de obras tomando os espaços de circulação e atrapalhando o deslocamento de pessoas – e muitos cachorros - por quadras de calçadas mais estreitas.

25Logo após passar em frente ao Shopping Frei Caneca, equipamento importante da região, viramos à esquerda na rua Antônia de Queirós, caminhando por um trecho dominado por pequenos estabelecimentos comerciais com diferentes fins: restaurante, bar, lavanderia, farmácia etc. A dona de uma pequena loja disse, enquanto passávamos, que o movimento estava muito calmo naquela manhã: “hoje tá meio morto, hein?”, disse para uma cliente da loja.

26Esse pequeno trecho nos levou novamente para a rua Augusta, encontrando uma paisagem semelhante ao que vimos no trecho anterior, com estabelecimentos comerciais fechados, tanto em prédios de poucos andares quanto em prédios residenciais mais novos, mas também com algumas obras e ocupações organizadas por movimentos de moradia, revelando uma característica tônica da região: suas constantes e rápidas transformações urbanas.

27Após descermos um quarteirão, chegamos ao Parque Augusta, espaço verde cercado por prédios, aberto recentemente, após um longo e polêmico processo de gestão urbana que envolveu diferentes atores (poder público, grupos imobiliários, moradores do entorno) em uma discussão sobre democracia direta, acesso à cidadania, práticas ambientalistas e direito à cidade. A área abrigou por muitos anos o casarão do Colégio Des Oiseaux, antigo colégio particular para mulheres mantido pela instituição religiosa Nossa Senhora das Cônegas de Santo Agostinho, e outras duas instituições de ensino, a Escola Santa Mônica (para crianças carentes) e o Instituto Superior de Filosofia, Ciências e Letras Sedes Sapientiae. O edifício foi demolido em 1974 e o terreno passou a ser utilizado para apresentações musicais nos anos seguintes. Em meio aos vários interesses imobiliários, o terreno ficou por muito tempo fechado e abandonado, até ser tombado em 2004.

28Foram décadas de disputas judiciais e administrativas que exigiram negociações entre o poder público e a iniciativa privada, esta representada pelas construtoras Setin e Cyrela, que almejavam levantar três torres residenciais e comerciais no local. A disputa pelo terreno mobilizou diversos movimentos sociais, associações de moradores de bairros da região (Consolação, Cerqueira César) e grupos ativistas que lutavam pela criação do parque, como o Organismo Parque Augusta, Aliados do Parque Augusta e Parque Augusta sem Prédios. No acordo, as construtoras cederam o terreno ao poder público e custearam a implantação do parque em troca de compensações para a construção de novos empreendimentos em outras áreas da cidade. As obras foram iniciadas em outubro de 2019 e, após sucessivas paralisações, inclusive pela descoberta de materiais arqueológicos na área, em novembro de 2021, no final do período mais crítico da Pandemia da COVID 19 – a famosa “segunda onda” –, o Parque Augusta - Prefeito Bruno Covas foi inaugurado.

29Resultado de uma luta comunitária, a partir da mobilização da população frente a interesses e conflitos que transitam entre o público e o privado no que se refere a questões históricas, ambientais e sociais, o parque ocupa uma grande área (cerca de 23 mil m²) entre as ruas Augusta, Consolação, Caio Prado e Marquês de Paranaguá. Aberto de segunda a segunda, das 5 horas às 21 horas, oferece diversos espaços e equipamentos para usos diversos, como trilhas para caminhada por entre bosque de mata nativa, gramados descampados, bicicletários, playground (com escorregador, balanço, trepa-trepa e outros brinquedos), sanitários públicos, anfiteatro com arquibancada e palco, redário (espaço com ganchos para pendurar a rede) e alguns fragmentos de construções históricas do início do século XX, como a Casa das Araras, construção tombada que foi restaurada para abrigar atividades artísticas e culturais, como pequenos eventos e exposições

30Muitas pessoas aproveitavam a manhã no parque, com usos muito variados: pessoas caminhando, correndo, fazendo exercícios com instrutores ou na academia ao ar livre; outras passeando com seus cães; café da manhã e pic-nics de familiares e de amigos nos gramados abertos; um pequeno grupo de terapia holística; crianças andando de patinete ou brincando nos equipamentos infantis do parque. Nos arredores, alguns vendedores ambulantes (pipoca, batata chips, água de coco, milho). Ou seja, uma notável pluralidade de usos, mas regulados pelos olhares de muitos seguranças privados.

31Em uma região de grande densidade urbana, o Parque Augusta é um lugar de encontro e convivência para moradores do entorno, mesmo para aqueles de áreas um pouco mais distantes que, frente à ausência de espaços verdes na região, muitas vezes utilizam aos sábados e domingos o Elevado João Goulart (popularmente conhecido como Minhocão) para lazer e sociabilidade. “Ausência” que deve ser sempre relativizada, visto que a região apresenta mais parques e áreas verdes (como o Parque Trianon e o Parque Buenos Aires) que outros bairros das periferias paulistanas, revelando assim a má distribuição do verde na cidade e a concentração de equipamentos de lazer nas regiões com mais infraestruturas públicas fundamentais. A falta de áreas de lazer em bairros periféricos é um reflexo das desigualdades observadas na cidade.

32Retornamos à rua Augusta e na última quadra da caminhada alcançamos a Praça Roosevelt, que naquele final de manhã pouco lembrava a paisagem de outras caminhadas pela região: pico de skatistas, mas ocupada também por outros frequentadores. Diferente do Parque Augusta, a Praça Roosevelt é um grande espaço de concreto, sem áreas verdes, sobre um túnel que faz a ligação do centro com a zona leste da cidade. A praça tinha poucos frequentadores naquele momento. Alguns fazendo exercícios físicos, outros caminhando com cachorros e dois skatistas apenas: “Galera tá indo mais pro Vale [do Anhangabaú]”, disse um deles. A quantidade de frequentadores contrastava com o número de carros e motos da polícia estacionados próximos à base da Guarda Civil Metropolitana na praça – inclusive, um deles, ao se deslocar, quase atropelou um homem e seu cachorro bem a nossa frente. Novamente, a questão das temporalidades e fluxos citadinos aparece com força, pois implica avaliar os impactos dos horários na configuração dos cenários, atores e regras observados.

33Encerramos a caminhada de frente para a rua da Consolação, abrindo uma roda de debate em um banco da praça, para trocar ideias, impressões e insights sobre o percurso, inclusive traçando algumas comparações com as observações realizadas nas ruas e centralidades de Lima, bem como para delinear os roteiros das futuras caminhadas e projetar as próximas etapas da pesquisa.

Algumas considerações

34São muitos os diálogos possíveis entre avenida Paulista e rua Augusta, duas vias importantes para refletir sobre as transformações urbanas de uma região marcada por constantes processos de atualização de seus usos, temporalidades e significações. Trata-se, de fato, de uma centralidade multifacetada. Afinal, abrigam alguns dos principais espaços de lazer e instituições culturais da cidade; de dia e de noite, dias de semana e finais de semana. Ora, a própria avenida Paulista é, em si mesma, uma opção de lazer e sociabilidade aos domingos, quando algumas de suas vocações históricas – centralidade financeira ou empresarial – perdem protagonismo frente às apropriações espontâneas e criativas de moradores de diferentes partes da cidade. A mesma avenida que recebe skatistas e artistas de rua pode ser, no mesmo dia, ocupada por torcidas de clubes de futebol ou arena para manifestações políticas por grupos de diferentes espectros políticos, o que a torna, também, espaço de dissensos e negociações.

35Pluralidade de usos também observada na rua Augusta, cuja contradição mais evidente – entre o lado dos Jardins e o do Centro – é só uma das muitas nuances de uma rua assinalada por princípios segmentares de diferentes ordens: usos, temporalidades, estéticas, intencionalidades e posicionamentos políticos. A mesma rua que vem renegando seus cinemas de rua e tem sucumbido à lógica imobiliária - “da grana que ergue e destrói coisas belas” - também tem sido espaço de acolhimento a diferentes performances, experimentações e modos de vida, seja constituindo-se como centralidade para o público LGBTQIAP+ seja abrigando um novo espaço de lazer e sociabilidade como o Parque Augusta. O parque é emblemático nesse contexto porque não é fruto de decisões dos agentes que geralmente têm o poder de planejar a cidade, mas como resultado de forças que conseguiram se fazer ouvir e pautar a vida urbana.

36São diversas “Paulistas” e “Augustas”, muitos cenários, atores e regras (MAGNANI, 2002), distintas formas de “fazer cidade” (AGIER, 2011), mas é possível entender São Paulo e suas centralidades a partir de cada uma delas.