Introdução

1O Projeto Centralidades tem entre seus objetivos aprofundar o tema a partir do diálogo entre pesquisadores do campo da antropologia urbana e da arquitetura e urbanismo, elegendo duas grandes cidades metropolitanas: São Paulo e Lima. Santo André inicialmente não fazia parte da escolha territorial desses trabalhos, mas boas convergências levaram à inclusão desse recorte, o que certamente enriqueceu a experiência e análise dos estudos.

2Inserido na Região Metropolitana de São Paulo – RMSP, o município de Santo André integra a sub-região metropolitana sudeste, mais conhecida como a ABC paulista. Composta por sete municípios, a região possui população total superior a 2,6 milhões de habitantes heterogeneamente distribuídos em uma área de 828 km² (SEADE, 2015), considerado o centro econômico mais dinâmico, não somente da Região Metropolitana de São Paulo, mas de todo o país (Figura. 1). Santo André, por sua vez, faz limite com a capital paulistana, abrangendo uma área de 175,78 km², possui 694.981 e densidade demográfica igual a 3.951,99 hab/km² (SEADE, 2021).

Aumentar Original (png, 610k) Figura 1: Localização doo municípios de São Paulo e Santo André na Região Metropolitana de São Paulo. Fonte: (ALBUQUERQUE, 2022).

Figura 2: Roteiro da caminhada etnográfica. Albuquerque, 2022.

Relato de Campo – Centralidade de Santo André

Começando no ponto de origem:

6Chegado o dia do encontro, Paulo aguardou os professores convidados no lugar combinado. Assim, chegaram pontualmente os professores Enrico, Magnani e Pablo. Paulo fez uma fala sobre como seria o roteiro em frente a um mapa dos arredores disponibilizado na estação de trem. Ocasião em que Magnani pediu para que Paulo explicasse quem fora Celso Daniel a Pablo. Assim, Paulo discorreu sobre este notório personagem político, natural da cidade, engenheiro e professor universitário. Também explicou que Celso Augusto Daniel, filiado ao Partido dos Trabalhadores (PT), exerceu o cargo de prefeito de Santo André por duas vezes e deputado estadual, quando fundou o Consórcio Intermunicipal das Bacias do Alto Tamanduateí e Billings, do qual foi presidente; em 2000 foi novamente eleito prefeito, mas faleceu em 2002, não concluindo seu terceiro mandato. Entre tantas políticas públicas idealizadas por Celso, uma das mais importantes foi a instituição do orçamento participativo na cidade. Assim, sendo reconhecido como uma importante liderança política da esquerda brasileira.

7Logo a seguir, os caminhantes saíram da estação em direção ao roteiro que fora acordado. E, assim, o pequeno trecho de início, logo de saída da estação, conta com uma passagem permeada por detalhes, equipamentos, grupos sociais, que constantemente, durante o dia, se intercalam, modificam-se, mostrando as vicissitudes da centralidade andreense. Na saída, há um terminal de ônibus logo em frente e uma pequena base da Polícia Militar à esquerda. Bares, lojas, e inúmeros transeuntes, trabalhadores da região, além de muitos ambulantes também compõem esta paisagem. O grupo atravessou a rua, coberta por um viaduto e se dirigiu para uma conhecida passagem, denominada Travessa Diana.

8Os caminhantes procuravam fazer seus primeiros reconhecimentos da localidade. Bares, “inferninhos” (casas de prostituição), lojas, misturam-se na estreita e pequena Travessa. Pelo horário, estava um pouco vazia e silenciosa, mas Paulo, que conhece a região, sabia que o cenário certamente se modificaria com o passar das horas.

9Após caminhar pela travessa Diana, o grupo retornou alguns metros para o começo da rua Bernardino de Campos e percebeu nas imediações da estação/terminal de ônibus uma fisionomia de lugar bastante distinta de uma formação urbana mais recente. Trata-se de um trecho bastante peculiar, porque diz muito sobre a relação da cidade com as demandas do período industrial, aspectos materializados onde se estabeleceu o primeiro quarteirão que originou o chamado “povoado da estação”, formado no entorno da estação ferroviária da São Paulo Railway, no fim do século XIX (Figura 03). A permanência desse conjunto, capaz de informar sobre aquele momento da formação da cidade àqueles que hoje chegam do trem, também atrai a atenção dos técnicos do patrimônio cultural que a reconhecem como uma unidade de paisagem tratada como o “DNA da cidade”. Ali, a paisagem é diversa, tanto em imagem, como em som, cheiros, sugerindo possibilidades sinestésicas.

10Na esquina da avenida Queirós dos Santos (Figura 3, 4 e 5) com a rua Bernardino de Campos, o grupo deparou com o Nosso Bar - assim é conhecida popularmente a edificação tombada como bem cultural municipal pelo COMDEPHAPAASA (Conselho Municipal do Patrimônio Histórico, Artístico, Arquitetônico-Urbanístico e Paisagístico de Santo André), órgão de preservação do patrimônio da cidade, que entre outras razões é remanescente da formação urbana de Santo André. Esta edificação se integra na atual paisagem com outras de uso misto que foram se instalando naquelas redondezas seguindo uma tipologia de sobrado - com uso comercial no térreo e residência, na maioria dos casos, no pavimento superior. Na atualidade, de modo geral, foi mantido o gabarito (altura das construções) e, ainda que hoje não haja o uso residencial, de certa forma permanece uma efervescência urbana de origem que se faz presente nos bares, açougues, lojas de secos e molhados, eletrônicos, farmácias, clínicas populares de dentista e oftalmologia. Lugar que ao longo do dia é permeado de muita circulação e de encontros impulsionados pela força dos usos comerciais e serviços. Nota-se que poluições de todo tipo estão presentes, mais especificamente a visual que chama muito a atenção dos que caminham por lá, a qualquer horário do dia.

Aumentar Original (png, 1,7M) Figura 3: Fachada lateral de antiga propriedade da família Queiroz dos Santos - depois conhecida como Nosso Bar - a partir da rua Bernardino de Campos, 1981. Foto Carlos. Coleção Dalvira Ribeiro Cangussú. Acervo MSAOAG.	Aumentar Original (jpeg, 63k) Figura 4: Vista da lateral da edificação situada na esquina da avenida Queirós dos Santos e rua Bernardino de Campos, com destaque para a placa do Nosso Bar. Década de 1970. Coleção PSA. Acervo MSAOAG.
Aumentar Original (jpeg, 54k) Figura 5: parte da fachada lateral da edificação tombada conhecida como Nosso Bar. Esse trecho fica defronte da linha férrea. Foto: Paulo Tácio, 2022.

11Ao subirmos pela rua Bernardino de Campos, o grupo logo observou as diferenças que se mostram nas nuances da paisagem - ora sutil, ora escancaradamente. O Tênis Clube, o Clube Primeiro de Maio, os Correios marcam a transição daquela paisagem de extenso comércio popular nas proximidades da estação de trem e que vai se transformando à medida que se aproxima do Centro Cívico, até se distinguir na forma de organização do espaço de uma população com maior poder aquisitivo.

O centro do poder:

12Chegamos à Praça IV Centenário, onde finaliza a rua Bernardino de Campos e inicia a avenida Portugal. Essa praça, ainda que seccionada pela avenida Ramiro Colleoni e Viaduto da Acisa, engloba todo um conjunto de prédios públicos: os Correios, A Escola Estadual Américo Brasiliense e o Centro Cívico. Nesse ponto, enquanto seguia em direção dos edifícios do Centro Cívico, Paulo explicou localização e uso das edificações daquela praça e indicou a localização do Marco Zero da cidade, destacando que apesar de instituída oficialmente, aquela referência geográfica reconhecida como o lugar em que se origina a numeração da cidade ainda é desconhecida por quase toda a totalidade dos andreenses.

13Continuando a caminhada pela Praça IV Centenário, o grupo atravessou a rua e seguimos para a praça central do Centro Cívico e lá dialogamos sobre as antigas chácaras que foram paulatinamente sendo desapropriadas para dar espaço ao que hoje são os bairros centrais e sobre a organização e uso das edificações daquele conjunto (Prédio Executivo, Câmara dos Vereadores, Fórum e Complexo Cultural). Neste ínterim, Elaine Albuquerque se integrou à discussão trazendo outras informações sobre a organização do espaço e as construções daquele conjunto dentro do contexto urbano. De lá o grupo atravessou pela passarela que liga o Centro Cívico à área dos Correios e, seguindo o roteiro, pela rua Bernardino de Campos, tomando à direita pela rua Monte Casseros, com intenção de chegar ao Calçadão da rua Coronel Oliveira Lima, uma das ruas de Santo André existente desde o início da formação da cidade e que compunha com outros caminhos a ligação da Estação até a atual São Bernardo do Campo.

14Paralelamente à curva perpendicular da rua Monte Casseros, está uma das vielas que conectam ao Calçadão da rua Coronel Oliveira Lima, rua Capitão Biágio Jacopucci. Entramos por ela e percebemos que era uma passagem com pouca circulação de pessoas e com muitas pichações; para ela se voltam os fundos de um edifício central (Figura 06). No caminho, o professor Magnani abordou um rapaz que seguia com um carrinho de mão para o único espaço não construído daquela viela, e ele explicou que estava trabalhando para instalação de um estacionamento. Foi então que reparamos ali as marcas de uma recente demolição. Também percebemos que aquela viela estreita e pouco ensolarada também tinha algumas poucas edificações precárias com aspecto de moradia no andar térreo e outras no superior, além de algumas pequenas lojas. Magnani também conversou um pouco com um comerciante que estava atrás do balcão de sua loja de embalagens e ele falou que seu comércio tinha bom fluxo e que atendia pessoas de toda a região, o que nos impressionou tendo em vista a localização tão sutil - parecia ser um lugar muito escondidinho aos olhos de quem se serve daquilo que se tornou o maior e mais antigo centro de comércio popular a céu aberto de Santo André: o Calçadão da rua Coronel Oliveira Lima.

Aumentar Original (png, 739k) Figura 6: Vista da viela denominada Rua Cap. Biágio Jacopuci. Fotos: Google maps e Paulo Tácio, 2022.

Outro centro: a praça e a igreja

15Seguindo até o final da viela, atravessamos o calçadão da rua Coronel Oliveira Lima e dali a poucos metros, chegou-se à Praça do Carmo, que se anexa à direita desse grande eixo. Enquanto se circulava pela praça, o grupo discutiu sobre a conformação desse lugar ao longo do tempo e como os vestígios catalizadores da centralidade instituída, expressos principalmente pela presença da catedral e da praça, foram reforçados com a instalação da Casa da Palavra e concha acústica, além da presença Cúria, cartórios, instituições financeiras e demais comércios. Essa “outra centralidade” é mais marcada pela presença de pessoas do que o Centro Cívico, porém bem menos agitada que aquela no entorno da Estação do trem; parece oferecer um ambiente mais acolhedor aos transeuntes do Calçadão da Oliveira Lima e seus arredores. Os bancos da praça e as sombras das árvores parecem dizer que ali as pessoas podem parar um pouquinho.

Figura 7: Vista da lateral direita da Praça e da Catedral Nossa Senhora do Carmo. Foto: Paulo Tácio, 2022

Aumentar Original (jpeg, 33k) Figura 8: Vista da praça e frente da Catedral. Foto: Paulo Tácio, 2022.

16Retomando o trajeto pela Oliveira Lima, partimos pelo trecho coberto. Nesse ponto, Pablo questionou as diferentes paginações de piso que dividia o Calçadão em dois trechos: toda a parte descoberta, incluindo a Praça do Carmo estava pavimentada com mosaico português enquanto toda a parte coberta é revestida de ladrilhos coloridos. Elaine explicou que aquela diferença se tratava de obras de arte de autores e período distintos. Essa discussão sobre as calçadas foi se desenvolvendo ao longo do trajeto, indo e voltando, à medida que se percebia um novo padrão de paginação.

Aumentar Original (jpeg, 175k) Figura 9: Calçadão da Cel. Oliveira Lima, piso de Jorge Bomfim e Luciano Fiaschi, instalado em 1978. O projeto foi realizado em parceria com Luciano Fiaschi em 1978. Composto por desenhos geométricos realizados com a técnica de mosaico português nas tonalidades vermelha, branca e preta. A proposta compreendia toda a extensão da rua Cel. Oliveira Lima e Praça do Carmo, somente nos anos 2000 o piso foi parcialmente substituído com instalação da proposta de Sacilloto onde atualmente está o trecho coberto. 2021. Coleção: CT-APC.

Aumentar Original (jpeg, 47k) Figura 10: Calçadão da rua Cel. Oliveira Lima, trecho coberto com o piso de lajota de cimento estampa a composição de Luiz Sacilotto, 2022. Foto: Paulo Tácio. Aumentar Original (jpeg, 70k) Figura 11: Em outro ângulo, nota-se a diversidade expressa na composição de cerca de 30 obras do artista. A obra foi instalada nos anos 2000, no trecho entre as ruas Monte Casseros e Luís Pinto Fláquer, no momento remodelação urbana ocorrida recebeu o projeto de Luiz Sacilotto. Foto: CT-APC.

17No calçadão da rua Coronel Oliveira Lima, os caminhantes andam um pouco mais devagar, olham a localidade, mas não param. Parece que a vocação dessa via ainda se faz presente nesse movimento: o Calçadão é lugar de passagem, as poucas pessoas que estão paradas são pedintes assentados em pontos onde haveria mais chance de serem atendidos, panfleteiros que se empenham a direcionar possíveis clientes às lojas, ou músicos de rua, que fazem suas apresentações em meio ao burburinho da multidão e propagandas ensurdecedoras das lojas. Cada um a seu modo disputa a atenção dos transeuntes.

Onde é o centro?

18Quase no final do Calçadão o grupo entrou em uma galeria comercial homônima: Galeria Oliveira Lima. Notou-se a presença de alguns de seus elementos construtivos, sobretudo a permanência do piso cerâmico São Caetano, comercializado até os anos 1970, quando Magnani abordou um senhor que estava “disponível”, pois enquanto todas as outras pessoas circulavam, ele era a única pessoa que estava parada no lado de fora das lojas.

19Após conversas iniciais, o senhor Carlos (como se apresentou) disse que era morador do Núcleo Sorocaba, um bairro periférico da cidade e que estava esperando sua esposa chegar. Elaine explicou para os convidados mais ou menos a localização mencionada pelo senhor Carlos e em seguida Magnani lhe dirigiu a pergunta central que permeava as discussões do grupo de pesquisadores: E para você, onde é o centro da cidade?

20Sua resposta intrigante nos levou a refletir sobre as referências das pessoas sobre a cidade onde vivem:

“Para mim, o centro da cidade depende de onde estou: se estou lá na minha casa, o centro é toda essa região onde a gente está até a estação. Mas se eu já estou aqui, o centro é a estação de Santo André, onde tem o terminal de ônibus”.

21A ideia de centro a partir de fora (da casa dele) é um “centro amplo” é uma grande área que abrange desde o ponto inicial do trajeto, onde começou a formação do primeiro núcleo no entorno da estação até o local que o grupo estava – entre o final da rua Coronel Oliveira Lima e a rua Luís Pinto Flaquer. Porém, quando ele já está inserido no “centro amplo”, sua noção de centro se desloca para uma área mais reduzida: o entorno da estação do trem. São pontos de centralidade que se alternam para ele a depender de seu ponto de referência.

22Outro ponto a destacar é que o local onde estávamos coincide exatamente nos limites classificados por técnicos do patrimônio cultural como “transição suave entre paisagens” (Gonçalves et al., 2011). O curioso é que muito possivelmente aquele senhor não tenha essa informação técnica, mas a forma de organização do espaço ao longo do tempo intuitivamente lhe foi perceptível.

Aumentar Original (png, 362k) Figura 12: Mapa das unidades de paisagens da área central e suas transições, Aguinaldo Gonçalves, 2011 - com adaptações Albuquerque, 2022.

Surpresas ao longo do calçadão

23Ao caminhar pela rua Coronel Oliveira Lima despropositadamente, é possível afirmar que, exceto o acesso à praça do Carmo e à Galeria Oliveira Lima, não é tão fácil notar que pequenas travessas e acessos podem atravessar o agitado Calçadão e levar para outros cantos da cidade. Essa experiência foi bem marcante para os convidados quando Elaine e Paulo os chamou a adentrarem por uma grande loja de calçados e puderam notar, com expressão de grata surpresa, que ao chegarem no centro do estabelecimento, atrás da área de vitrines, havia uma grande área aconchegante reservada para as pessoas tomarem café. Passando desse trecho, indo para os fundos da loja, estava o estacionamento relativamente arborizado que dava acesso à pequena, sem saída, rua Capitão Mário Flaquer.

Aumentar Original (png, 639k) Figura 13: Vistas da travessa Salvino Degni. Fotos: Google maps e Paulo Tácio, 2022.

25Ao sair da Travessa Savino Degni, o grupo chegou ao final do calçadão acessando o Largo Embaixador Pedro de Toledo. Esse espaço aberto faz uma continuidade e possui a mesma paginação de piso que o calçadão da rua Coronel Oliveira Lima, talvez, por isso, são poucas as pessoas que podem distingui-lo do Calçadão a não ser pela presença do busto ali instalado que homenageia um conhecido personagem na história da cidade: Senador Fláquer. Assim como o busto, a rua que dá continuidade ao eixo do Calçadão tem o mesmo nome. Entretanto, seguindo uma espécie de códigos referenciais usados especificamente pelos andreenses, essa rua é popularmente conhecida como a “rua dos bancos”, ainda que seja perceptível a diminuição de agências físicas nessa rua - ocorridas tanto pela difusão de agências pela cidade como um todo, bem como pela mudança decorrente da interação digital dessas instituições financeiras – é frequente ouvir alguém se referindo a rua pelo nome oficial.

26Para acessar a rua Senador Flaquer, o grupo atravessou a rua Luís Pinto Fláquer (esse homenageado era pai do referido senador) e, seguindo a lógica dos “códigos referenciais andreenses”, foi explicado para os convidados que a rua é popularmente conhecida como “rua onde sobem os ônibus”.

Marcando caminhos: paginação de calçada

27Prosseguindo pela rua Senador Fláquer, notou-se que parte dela consistia em um calçadão com diversos mobiliários urbanos como bancos, mesas, pergolados/suporte para exposições. Esse trecho possui um padrão de paginação específico diferente daqueles aplicados nos trechos anteriores que despertou a pergunta de Pablo a respeito de sua autoria. Elaine informou que as peças haviam sido desenvolvidas por um arquiteto e professor bastante conhecido no campo do design chamado Sylvio de Ulhoa Cintra Filho e que compunha um projeto de revitalização do centro da cidade realizado pela Prefeitura entre os anos 1997-2000. Eram exatamente os mesmos padrões existentes nas áreas lindeiras à estação ferroviária. O trecho do calçadão levou até uma espécie de praça onde está localizado o Cine Teatro Carlos Gomes, equipamento público recentemente recuperado pela prefeitura para abrigar atividades culturais.

28O calçadão da rua Senador Fláquer finaliza antes da chegada ao Cine Teatro Carlos Gomes, porém a padronização da calçada segue a mesma até o final do quarteirão, onde está a próxima rua, denominada rua Siqueira Campos, porém popularmente conhecida como “rua onde descem os ônibus”. Atravessando a rua, continuando pela rua Senador Fláquer até chegar ao Museu da cidade, destino final da caminhada. Neste ponto, Pablo destacou a padronização de outro piso, já esperando uma boa história sobre o tema. Tratava-se de um calçamento em Ladrilho Santo André, um tipo de desenho que foi aplicado em diversos trechos da área central da cidade, cuja estampa foi desenvolvida pelo paisagista Burle Marx (Figura 14) justamente para fazer referência ao design que ele elaborou para o piso em mosaico português que pavimenta as praças do Centro Cívico entre final dos anos 1960 e início dos anos 1970.

Aumentar Original (png, 415k) Figura 14: Vista do Centro Cívico, defronte à Câmara Municipal, notar piso em mosaico de pedra com o desenho criado por Burle Marx. Foto: CT-APC, 2020.
Aumentar Original (png, 914k) Figura 15: Vistas do calçadão da rua Senador Flaquer. Fotos Google Maps e Paulo Tácio, 2022.

29A caminhada etnográfica foi concluída no Museu de Santo André Dr. Octaviano Armando Gaiarsa. Os participantes percorreram por suas instalações enquanto conversaram sobre a relevância como patrimônio cultural reconhecida na instância municipal e estadual. E após serem apresentados aos demais funcionários do equipamento, reuniram-se no espaço reservado à biblioteca para discutir as descobertas da caminhada e a possibilidade de futuros projetos em comum.

Aumentar Original (png, 835k) Figura 16: Visita ao Museu de Santo André e reunião sobre encaminhamentos dos trabalhos. Fotos: Paulo Tácio, 2022.

Algumas Considerações

30A produção deste relato possibilitou revelar aspectos da cidade de Santo André, cujas características despertaram questionamentos relevantes a respeito de padrões ou fragmentos de centralidades que podem ser detectados e analisados dentro de uma área que institucionalmente é delimitada como área central desta cidade.

31A caminhada permitiu perceber o que a padronização de pisos realizadas pela municipalidade em várias calçadas na área central podem fazer mais do que sua função prosaica de calçamento. Cada uma dessas padronizações, de algum modo foram estratégicas para sinalizar a presença de projetos públicos relevantes. Isso pode ser visto no caso dos ladrilhos Santo André, de Burle Marx, instalados em várias calçadas das imediações do Centro Cívico, como que anunciando por meio de seu design que nas proximidades há, em escala maior, o mesmo desenho na praça dos poderes, bem como na instalação do piso Sacilloto no trecho coberto do calçadão da rua Coronel Oliveira Lima informando, por sua natureza artística, que a revitalização realizada nos anos 2000 era relevante forma de valorizar a ação de modernização e, ao mesmo tempo, o artista oriundo da cidade. Talvez os pisos mais recentemente instalados ao redor do Cine Teatro Carlos Gomes tenham seguido intenção parecida. Sobre o piso mais antigo do referido calçadão (Bomfim e Fiaschi) – presente parcialmente, devido à interrupção da alteração no trecho coberto, permite pensar na forma como a municipalidade comunicou aos transeuntes que aquela área que integrava o calçadão com a Praça do Carmo formava uma unidade.

32Os autores foram instigados a essa reflexão a partir da percepção de Pablo a respeito das distintas padronagens de paginação na área pública, uma vez que entre os participantes da caminhada era quem visitava o lugar pela primeira vez. Ainda que a curiosidade se justifique pela sua formação na área da arquitetura e urbanismo, pode-se refletir o quanto as pessoas que transitam pela área central poderiam capturar esses “sinais do poder público”.

33Pensando no objetivo inicial da caminhada que era compreender a centralidade de Santo André, os autores descobriram que uma cidade tão grande certamente possui várias outras centralidades que evocam análises específicas, e mesmo dentro de um recorte que se imagina ser a área central deste município foi possível identificar unidades que indicavam a existência de várias outras pequenas centralidades. Essa percepção ocorreu a partir das marcações que o poder público realiza por meio das diversas padronizações de piso, além de intervenções físicas mais encorpadas como a implantação de um projeto de requalificação urbana ou construção de um novo equipamento. Mas, para além da percepção da “mão do poder público”, enquanto agente que também participa da formação das centralidades, os autores refletiram sobre as formas como as pessoas que vivenciam a cidade percebem e interagem com essas várias centralidades. A partir desses dois pontos de vista, da administração pública e do cidadão, foi possível perceber que há diferenças e convergências entre a centralidade institucionalmente marcada e a centralidade percebida por aqueles que habitam a cidade. São relações que poderiam ser mais bem exploradas no âmbito de pesquisas sobre centralidades metropolitanas.