1O Turé é um ritual comum aos povos indígenas do Oiapoque – Galibi-Marworno, Karipuna, Galibi-Kalinã e Palikur-Arukwayene –, realizado em agradecimento aos Karuãnas, os seres invisíveis que habitam outro(s) mundo(s). Os Palikur-Arukwayene o chamam de Kayka, e embora haja distinção entre o Turé praticado por esses diferentes povos, há também diversas semelhanças rituais e estéticas e prevalece entre eles o princípio de agradecimento e referenda aos seres sobrenaturais – às pessoas invisíveis que vivem no outro mundo – pelas curas que eles propiciaram por meio das práticas xamânicas dos pajés. O pajé é o elo entre este e o(s) outro(s) mundo(s) e o Turé é dedicado aos Karuãnas que compõem o plantel de auxiliares invisíveis de um pajé, pessoas com as quais ele sustenta relações cooperativas (MAIA, 2012:981). O ritual é realizado dentro do lakur, constituído por um espaço circular delimitado a partir de um mastro central, enfeitado com grafismos.
2A estética do Turé é bem definida, os homens vestem o kalembê, um pedaço de pano vermelho; enquanto as mulheres usam butxiê, kuhun de penas de arara e plimaj na cabeça, também enfeitam o corpo com kuhun, colares de miçangas e pintam o rosto, braços e barriga com marcas diferentes (MAIA, 2009). Se o pajé é o elo entre os mundos, o espaço interno do lakur também é um terreno do sobrenatural, no qual somente é possível adentrar seguindo as regras definidas pelo pajé. Esse espaço é bem demarcado pelo mastro ao centro, ao pé do qual é colocado o banco do pássaro ou banco do pajé, com o banco de seus ajudantes principais em cada um dos lados. Dois grandes bancos zoomorfos, geralmente do jacaré e da cobra, são fixados nas extremidades do lakuh, em lados opostos, destinados aos dançarinos: de um lado os homens, do outro as mulheres.
3Os grafismos são fundamentais na estética do Turé, estão presentes na pintura corporal, mas também nos mastros, bancos, flautas e cuias. Todo o ritual, que pode durar de um a três dias, é regado a caxixi – uma bebida tradicional, fermentada, produzida a partir da mandioca, abacaxi e cará –, servido em cuias para os participantes. Não há Turé sem caxixi e a festa acaba no momento em que este termina. O fumo é indispensável às atividades do pajé, durante todo o ritual o pajé e seus ajudantes fumam cigarros de tawari, que geralmente ficam amarrados no mastro central.
4As imagens que compõem este ensaio, denominado simplesmente de “Turé”, foram selecionadas de um conjunto maior, captado durante o primeiro Turé da Aldeia Anawerá, do povo Galibi-Marworno, realizado em 2018, e fazem parte de um projeto destinado a registrar o ciclo do Turé dos povos indígenas do Oiapoque. Aqui o Turé é apresentado a partir dos detalhes, a lente se fixa nos principais elementos constitutivos do Turé, enfatizando sua importância para o ritual. Nosso foco foi as partes, não o todo ritual, mas o todo sem a parte não é todo, já disse o poeta, e o Turé sem suas partes não é Turé.
Figura 1: Detalhe do banco da cobra, destinado aos dançarinos do Turé – Aldeia Anawerá, 2018.
Figura 2: Pássaro no topo do mastro central do Turé – Aldeia Anawerá, 2018.
Figura 3: Preparação dos dançarinos com a pintura corporal – Aldeia Anawerá, 2018.
Figura 4: O pajé, principal elemento do Turé – Aldeia Anawerá, 2018
Figura 5: Mulheres seguram as cuias com as quais o caxixi é distribuído – Aldeia Anawerá, 2018.
Figura 6: O tawari do pajé preso no mastro principal – Aldeia Anawerá, 2018.
Figura 7: Mastro do Turé – Aldeia Anawerá, 2018.
Figura 8: Dançarinos do Turé – Aldeia Anawerá, 2018.
Figura 9: Preparação de uma das flautas do Turé – Aldeia Anawerá, 2018.