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Dossiê: Estudos urbanos, processos de racialização e produção da diferença

Produção das diferenças juvenis: fragmentos etnográficos sobre a educação pública estadual em Osasco/ SP.

The production of differences in youth: ethnographic fragments about state public education in Osasco/ SP 
Ana Carolina Batista de Almeida Farias

Resumos

Este artigo pretende lançar luz sobre a construção das relações sociais, predominantemente entre estudantes, em três escolas públicas estaduais situadas no município de Osasco - SP. As reflexões tiveram como base três pilares: a interseccionalidade, os estudos críticos da branquitude e estudos sobre juventudes. A partir destas discussões teóricas, foi possível refletir sobre como os estudantes e sua rede de relações na escola são atravessados por essas variáveis. Para tanto, a metodologia deste artigo foi a utilização de bibliografia específica, bem como a interlocução com a pesquisa etnográfica. A conclusão do artigo aponta para o fato de que, no escopo das três escolas pesquisadas, a interseccionalidade entre questões de classe social, sexo e raça, em diálogo com os privilégios da branquitude, são pontos fundamentais para a compreensão do processo de produção das diferenças juvenis no cotidiano escolar. 

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Notas da redacção

Versão original recebida em 18/11/2022 / Original Version 18/11/2022

Aceitação / Accepted 18/12/2022

Texto integral

Introdução

1Para iniciar este artigo, é importante explicitar a intenção da pesquisa que o embasa: um constructo das Ciências Sociais, produzido por uma mulher branca, que pretende oferecer uma breve reflexão sobre um fragmento de seu trabalho de campo de doutorado, a fim de observar e compreender questões referentes às interseccionalidades e à branquitude em escolas públicas estaduais da cidade de Osasco, em São Paulo. Cabe ainda evidenciar que a motivação para o recorte de pesquisa apresentado ocorreu principalmente a partir de um episódio que presenciei enquanto estava na função de professora, no ano de 2016. Uma aluna negra se sentia perseguida pela coordenadora, que implicava com sua blusa decotada. Segundo a garota, no início de uma das aulas, ela foi retirada da sala pela coordenadora e mandada para a casa por estar com roupa inadequada à escola. A menina lembrou à coordenadora de que ela não era a única e que outras alunas, brancas, também utilizavam decotes na escola.

2A mãe da menina solicitou uma conversa com a coordenação e, a pedido da aluna, eu também estive presente. Questionada pela mãe sobre se essa atitude de perseguição constante não seria racista, a coordenadora disse que tudo isso não passava de “coisa da cabeça” da menina, que o melhor seria ela procurar um psicólogo, pois aquela escola nunca tinha testemunhado um ato de racismo. A coordenadora é branca/loira e sempre faz questão de dizer a todos que questões raciais estão apenas na cabeça de quem as vive.

3Tal incidente ocorreu em uma escola pública no Ensino Médio noturno regular da cidade de Osasco, onde atuei como docente entre os anos de 2011 e 2021. Minha indagação partiu da tentativa de conhecer as diferentes realidades das escolas estaduais do município, para então compreender como essas questões se constituem em outros espaços escolares.

4Esse artigo traz, dessa maneira, alguns resultados de observações de campo da correspondente pesquisa de doutorado. Trata-se de um trabalho ainda em andamento, realizado com jovens frequentadores do Ensino Médio de três escolas públicas do município de Osasco, em três diferentes partes da cidade: uma escola na Zona Sul, outra próxima ao centro da cidade e uma escola na Zona Norte. O tema em discussão tem por base a investigação do cotidiano dos jovens frequentadores do Ensino Médio, com o objetivo de compreender o modo como as questões interseccionais e da branquitude influenciam seu cotidiano escolar.

5É importante lembrar que o debate sobre racialização não está restrito apenas às pessoas negras. Os estudos críticos da branquitude sinalizam que pessoas brancas vivenciam o privilégio de sua brancura sem ao menos problematizá-lo. Nesse sentido, algumas vivências experienciadas por professores e jovens estudantes brancos nas escolas nos dão pistas de como esses problemas passam ao largo das reflexões sobre privilégio, sem ao menos serem problematizados e continuam sendo naturalizados e reproduzidos em sala de aula.

6A investigação em contextos escolares com foco nas juventudes já possui um considerável acúmulo de discussões na literatura acadêmica. Afinal, existe um caminho de longa data percorrido nas Ciências Sociais construído por estudos que relacionam a escola e as juventudes. De acordo com Alexandre Barbosa Pereira (2007, p. 2),

a discussão sobre essa relação entre escola e juventude não é nova. Carles Feixa (2006), ao tratar das diferentes abordagens acadêmicas sobre a juventude, destaca que nos Estados Unidos, em 1929, Robert e Helen Lynd, em sua etnografia urbana sobre Middletown, uma pequena cidade no meio oeste dos Estados Unidos, já haviam observado o surgimento de uma cultura colegial. Segundo Feixa, esses dois autores enfocavam as culturas formais e informais da high school.

7Contudo, mostra-se fundamental também levar em consideração como a escola é vista historicamente em determinados cenários. Cassab (2010) faz uma retomada histórica sobre o papel da escola no século XIX, destacando a presença de jovens ricos e pobres nesse contexto, destacando o quanto era breve a juventude para os pobres, na medida em que a escola servia como mais um modelo disciplinador. Dayrell (2007, p. 1118) endossa esse pensamento, quando faz a seguinte afirmação:

parece que a instituição escolar torna-se parte dos problemas que ela se propôs a resolver. Nesse contexto, tanto professores quanto alunos vêm se perguntando pelo papel da escola, pela sua função, levando-nos a interrogar sobre o lugar que esta ocupa na socialização dos jovens: será que a escola “faz” a juventude? É com esse olhar que temos de analisar a relação da juventude com a escola.

8É nesse olhar, orientado pela pergunta sobre se “a escola faz as juventudes”, que reside a importância de uma investigação focada em jovens e não apenas nos docentes e em currículos escolares. Ao mesmo tempo, é importante considerar que as juventudes não são homogêneas e que não podemos colocá-las como algo uno e indivisível. Pereira (2007) nos faz pensar essa diferenciação de como é ser jovem em cada contexto. Segundo Pereira (2007, p. 5),

os autores ressaltam a especificidade de classe nas definições do que é ser jovem, pois, avisam, há classes nas gerações, assim como há gerações nas classes. Contudo, eles ressaltam também a especificidade de gênero nas definições de juventude: “a juventude depende também do gênero, do corpo processado pelas sociedades e pela cultura, a condição de juventude se oferece de maneira diferente para o homem e a mulher” (MARGULIS e URRESTI, 1996; trad. minha). O tempo transcorreria de maneira diferente para a maioria das mulheres em relação à maioria dos homens. Entre outros fatores, os autores apontam a questão da maternidade como elemento relevante para definição dessa temporalidade diferenciada, pois, ele não alteraria apenas o corpo, mas também o modo como elas desfrutariam e configurariam sua juventude.

9Dentre as questões das diferenças entre as juventudes, sobretudo no que tange às questões raciais, é necessário levar em consideração a diferença entre jovens negros e brancos durante o processo de escolarização. De acordo com Joana Célia dos Passos (2009, p. 3),

ao aproximarmos os conceitos “juventudes” e “negros”, temos uma categoria social que pretende apresentar elementos de análise peculiares a um determinado grupo, o de jovens negros, entendendo os jovens negros nas suas variações e diversidade social, sexual, de gênero, de valores, de localização geográfica, de classe entre outras. A relevância desse estudo deve-se à escassez de pesquisas que articulam educação e juventude, levando em conta a variável raça, como constatado nas pesquisas “Juventude e escolarização” coordenada por Marilia Sposito (2002) sobre a produção de conhecimento a respeito do tema em programas de pós-graduação em educação no período de 1980 a 1998. E no estudo “O estado da arte das pesquisas em Educação de Jovens e Adultos no Brasil: a produção discente da pós-graduação em educação no período 1986-1998” (Haddad, 2000).

10A partir do exposto, detalharei adiante como o meu olhar se volta para as pesquisas sobre juventudes, interseccionalidade e branquitude, a partir de experiências em escolas e quais os caminhos da delimitação do campo para realizar a pesquisa.

Delimitação do campo

11O corpus dessa pesquisa se constitui da observação de três escolas do Município de Osasco, uma em cada localidade, conforme apresentado a seguir:

12a) Uma escola na Zona Sul de Osasco, localizada na divisa com o município de Cotia. Essa parte da cidade tem uma história peculiar, pois o bairro foi construído ao final dos anos 80 por um grupo de pessoas de movimento de moradia. Os residentes desse bairro são hoje em sua maioria filhos e netos das pessoas que lutaram por moradia nessa localidade.

13b) A outra escola está no extremo norte da cidade, em um bairro periférico, com moradias populares que não são de alvenaria, margeando um córrego que passa quase em frente à escola. O bairro é caracterizado como extremamente violento e, durante a observação de campo em 2022, aconteceu um episódio de chacina nos arredores da escola. Em conversa com o diretor, ele afirma que a instituição acolhe todos os estudantes que foram rechaçados pelas escolas do entorno. Desde 2021 essa escola é participante do Programa de Escola Integral (PEI) e atende estudantes por 7 horas ao dia.

  • 1 O IDESP (Índice de Desenvolvimento da Educação do Estado de São Paulo) é um indicador de qualidade (...)
  • 2 O Projeto de Vida funciona como o articulador do projeto pedagógico da escola, ao mesmo tempo em qu (...)

14c) O terceiro espaço de pesquisa também é uma PEI. Trata-se, no entanto, da mais antiga escola do município integrada ao programa (sua implementação ocorreu em 2015), que possuí o maior IDESP1 dentro das escolas estaduais situadas no município (4,52 em 2019). É conhecida por trabalhar de maneira enfática com o projeto de vida2 dos estudantes e por ser um espaço que acolhe alunas e alunos durante um período de 9 horas ao dia. Por esses e outros motivos, é vista como uma referência no município e está localizada nas imediações do centro da cidade.

15A pesquisa de campo consistiu em acompanhar semanalmente um período de aula em cada uma das escolas. Às segundas-feiras, estou na escola B das 14h00 às 19h00. Às terças-feiras, acompanho a escola C das 7h00 até 12h00 e às quintas-feiras, a escola A das 7h00 até 12h20.

16Acompanho aulas de diversas disciplinas (Química, Matemática, História, Língua Portuguesa entre outras) em 3 terceiras séries do Ensino Médio previamente selecionadas pela gestão escolar, por serem salas “problemáticas” (sob o ponto de vista da gestão). As terceiras séries do Ensino Médio são interessantes, pois são as únicas do Ensino Médio que não estão subordinadas à nova Base Nacional Comum Curricular (BNCC). Além disso, trata-se de uma série que, devido à pandemia, cumpriu o 1º e o 2º ano do Ensino Médio em modalidade de ensino à distância.

17Comecei a aproximação com as escolas, as primeiras reuniões com a gestão escolar e com os professores, em setembro de 2021, para enfim conseguir autorização para entrar definitivamente em fevereiro de 2022 e iniciar as observações. Durante o período de acompanhamento, permaneço em uma carteira, a mesma que os estudantes utilizam e sento-me ao fundo da sala de aula, para conseguir acompanhar a dinâmica da turma. Um dos maiores desafios dessa jornada está sendo permanecer sentada por tanto tempo em cadeiras desconfortáveis. A todo momento, tanto eu quanto os estudantes sentimos a necessidade de levantar para movimentar o corpo. Com isso, fica evidente que um dos desafios (dentre muitos) da pesquisa é como o corpo também produz o campo.

18Aqui é possível trazer à luz a discussão sobre como o corpo marca a pesquisa etnográfica. Silvana de Souza Nascimento (2019) nos fornece subsídios para pensar o corpo da antropóloga e o percurso de pesquisa, marcado durante o próprio fazer etnográfico. A autora revela a importância do corpo fronteiriço, o corpo não dual, que se deixa afetar pelo campo. É justamente nessa perspectiva que a pesquisa aqui apresentada se localiza. Minha dupla condição de professora e pesquisadora traz desdobramentos para a etnografia. De acordo com Nascimento (2019, p. 462),

qual seria, portanto, a especificidade do corpo da antropóloga nesta reflexão? Não trago, obviamente, respostas únicas, mas sugestões e possibilidades para pensar um certo estado de corpo etnográfico, no substantivo feminino, que se materializa em diferentes formas de escrita encarnadas. Um estado de corpo fronteiriço, híbrido e não homogêneo, que se deixa marcar pela sua biografia, pelas suas escolhas teóricas, pelos contextos socioculturais, políticos e históricos e pelas suas experiências de campo (Peirano, 1995, 2008).

19Sendo assim, o meu corpo de mulher, branca, moradora da periferia, professora e antropóloga, que se deixa afetar pelo campo e pelos interlocutores desses espaços, produz, por todos esses atravessamentos, uma etnografia implicada.

20Ainda que as três escolas sejam da Rede Estadual, situadas no mesmo município (Osasco), cada uma delas possui um perfil particular e, por esse motivo, jovens frequentadores do Ensino Médio são atravessados materialmente e simbolicamente pelas intersecções de classe, raça e gênero, assim como estudantes brancas e brancos também são privilegiados pelo sistema escolar. Veremos alguns relatos etnográficos sobre as constatações que realizei a partir do acompanhamento sistemático das três escolas.

Interseccionalidade e sua relação com a branquitude

21De acordo com Patricia Hill Collins e Sirma Bilge (2021), a interseccionalidade é um termo consagrado e utilizado por diversos atores sociais, sejam eles acadêmicos, ou pessoas ligadas aos movimentos sociais, dentre outros grupos que ajudaram a popularizá-la. Sua origem, porém, deu-se no contexto do movimento feminista negro americano dos anos 1960-1970, quando este se viu confrontado com a complexidade da vivência das mulheres negras norte-americanas, que não conseguiam expor suas experiências de vida sob um olhar simplesmente monofocal.

22Nesse sentido, a interseccionalidade é utilizada como ferramenta analítica que, em linhas gerais, auxilia na compreensão dos contextos em que os grupos sociais e indivíduos estão inseridos. A partir daí, o conceito pode ser aplicado para uma análise mais acurada de como os indivíduos, submetidos a diversos atravessamentos, sobretudo de classe, raça e sexo, são afetados por esses e outros marcadores. Dentre as categorias mais conhecidas estão a intersecção de raça, sexo e classe, que se destacam mais quando analisadas em conjunto em vez de separadamente. Collins e Bilge (2021) enfatizam diversos exemplos de aplicação desse conceito, sua origem em movimentos sociais femininos de mulheres negras e, posteriormente, sua inserção na academia.

23No caso do Brasil, as autoras utilizam o exemplo em sua obra Interseccionalidade do movimento de mulheres (2021), que expõe como em 1975, no início da efeméride Década das Mulheres, promovida pela ONU, as brasileiras apresentaram o Manifesto das Mulheres Negras no Congresso das Mulheres Brasileiras, ponto a partir do qual foi possível identificar como a vida das mulheres eram moldadas, em todas as suas esferas, pela intersecção de classe/ raça e gênero.

24Nascimento (2019) também corrobora essa perspectiva como referência para sua obra. A autora utiliza o recurso do corpo da pesquisadora que está na fronteira e por isso produz uma etnografia levando em conta a situação de pertencer a diversos contextos, inscritos, por sua vez, em seu corpo. Segundo Nascimento (2019, p. 463),

o ponto de vista da outsider within, proposto por bell hooks (1984) e Patricia Hill Collins (1986), entre outras autoras do pensamento feminista negro, também dialoga com essa perspectiva, na medida em que sugere o lugar da margem, ocupado por mulheres negras, inclusive intelectuais, como um espaço de produção de um conhecimento específico, que se faz pela apropriação do estar entre dois ou mais mundos, que possibilita transitar entre eles, compreender suas linguagens e perspectivas. Assim, a margem produz um olhar peculiar sobre o mundo que não se deixa cristalizar por um único pensamento do lado de cá ou do lado de lá dos muros.

25Compreender que o corpo da antropóloga está na fronteira e é atravessado por diversos marcadores auxilia a pensar como os corpos dos estudantes também se encontram nessa perspectiva, ainda que alguns corpos, quando inseridos na cultura escolar, sejam compreendidos como “neutros” (como é o caso dos meninos brancos). Durante o trabalho de campo apareceram situações que foram observadas e dialogam com essa inspiração de uma etnografia implicada, à maneira de Nascimento (2019).

26A seguir serão expostos três relatos de campo que auxiliam a pensar as temáticas branquitude e interseccionalidade. O primeiro relato foi coletado na escola C e é um fragmento do caderno de campo.

Relato de aula n° 1

27Início da aula e a professora (mulher branca) pergunta o que é projeto de vida para toda a sala. A maioria que responde são meninos. Ela pergunta se eles sabem como seguir seu projeto de vida. Novamente, a maioria que responde são meninos.

28A professora inicia uma apresentação de slides. A primeira pergunta é: o que vocês estão fazendo aqui? Entre os alunos, alguns dizem: “que difícil, isso é pergunta que se faça para o último ano”? A próxima pergunta a ser projetada foi: “qual o sentido da vida?” Em seguida, a professora expõe uma imagem com dois caminhos vazios. Os adolescentes ficaram incomodados com a imagem e a pergunta. Uma das meninas brancas da turma diz que a pergunta não tem relação alguma com a imagem.

29A professora faz várias outras perguntas que induzem os adolescentes a concordarem com as colocações. Ao final de cada pergunta, a professora reitera: “faz sentido”? Após a sequência das perguntas, a professora apresenta o vídeo de uma especialista que explica as teorias do projeto de vida. A maioria dos adolescentes não presta atenção a esse momento. Após o vídeo, ela escreve na lousa palavras-chave para apresentar a ideia do que é ético ou antiético.

30A professora faz uma pergunta: “se eu disser para quebrarmos os vidros do corredor, isso é ético ou antiético?” Uma vez proposta a pergunta, há uma tiração de sarro generalizada sobre a questão, um riso por parte de muitos estudantes. A professora volta a perguntar se quebrar os vidros seria contra os princípios dos adolescentes. Alguns dizem que não seria, pois a sala é abafada e se os vidros fossem quebrados a circulação do ar melhoraria. Após essa breve discussão a professora retorna para apresentar a segunda parte do vídeo. Os adolescentes reagem novamente com falta de interesse. Notando isso, a professora muda de estratégia e pergunta à turma: “vocês estão cansados, com sono? Vamos conversar”?

31Nessa “conversa”, a professora lança outra pergunta: “o que, a partir de hoje, vocês começaram a pensar sobre os seus projetos de vida”? Com base nesse questionamento, uma adolescente branca diz: “o que um jovem de classe baixa pode ter como perspectiva de projeto de vida? Será que com os jovens ricos acontece a mesma coisa?” A professora não aprofunda a questão proposta pela aluna, e retoma um conceito apresentado no vídeo sobre gravidez na adolescência. Ela reitera que a gravidez na adolescência é algo que atrapalha muito o projeto de vida das meninas.

32A aula prossegue com mais uma pergunta: “o que mais chamou a atenção nessa aula?”. Uma aluna branca diz que nada lhe chamou a atenção, pois já tinha seu projeto de vida traçado há anos, por ela e por seus pais. Em seguida, uma aluna negra diz que ainda não tem projeto de vida definido. Para fechar a aula, a professora ressalta a importância de as pessoas pensarem seu projeto de vida e retoma a pergunta: “o que você está fazendo aqui?” e finaliza com a frase nos slides: “comece onde está, use o que tem e faça o que você pode. Assim você pode atingir tudo o que quiser”.

Relato de aula n° 2

33A aula se inicia com a chamada. Ao mesmo tempo há muita conversa e agitação dos alunos. Por conta do barulho, a professora desliga o ventilador e chama a atenção da sala várias vezes para conseguir terminar a chamada. A proposta da aula é uma dinâmica sobre super-heróis. A professora pergunta aos estudantes: “qual é o seu super-herói favorito”? E “qual é o superpoder de seu super-herói”?

34Ao pensarem sobre o superpoder dos heróis, os alunos fazem o seguinte comentário: “o superpoder dele é ser rico”. Nessa turma, ao que me parece até agora, os meninos têm uma participação mais intensa que as meninas, principalmente quando a professora de projeto de vida faz alguma pergunta a todos. Quando a professora pergunta para alguns quais são os super-heróis e os superpoderes escolhidos, a turma começa a responder. Entre os meninos, a resposta recorrente foi: “Batman, porque ele é bilionário”. Entre as meninas, “Homem-Aranha, porque ele é lindo”.

35Na próxima dinâmica, a professora lê um texto da apostila e pergunta para a sala qual o superpoder que eles gostariam de ter. Uma das meninas do grupo, sentada ao meu lado, diz que gostaria de ter o poder do teletransporte para poder viajar sempre para qualquer lugar e termina com a frase: “imagina que top estar em Paris agora!”. Enquanto a professora conduz a conversa, ela acrescenta: “alguns heróis eram pobres e foram melhorando com o tempo”.

36Quando a professora lança outra questão (“qual é seu super-herói da vida favorito”), uma das meninas responde: “minha mãe, porque ela sempre me salva”. Diante dessa fala, várias outras meninas concordam e reafirmam em seus grupos que as mães são suas verdadeiras super-heroínas. A professora pergunta qual é a qualidade dos alunos, haja vista que super-heróis nem sempre têm superpoderes e sim qualidades ou habilidades. Alguns meninos e meninas não sabem responder quais são suas qualidades, então a professora sugere uma dinâmica na qual cada um falaria sobre uma qualidade do colega próximo. Quando as qualidades eram atribuídas aos meninos, os adjetivos mais comuns eram “inteligente”, “engraçado”, “gente boa”. Entre as meninas, os mais comuns eram “simpática”, “gente boa”, “compreensiva”.

37Quando chegou minha vez de atribuir uma qualidade para uma estudante loira e de olhos azuis, as meninas do meu lado sugeriram: “fala que ela é bonita”. Mas eu queria fugir deste estereótipo e disse que ela era inteligente. As meninas disseram que eu era “simpática”.

38A próxima atividade que a professora propôs foi um quadro a ser preenchido pelos alunos: “eu sou bom em_____”; “eu preciso aprender_____”; “eu tenho medo de_____”; “eu me animo quando_____”; “eu não gosto de_____”. Comecei a trocar respostas com o pequeno grupo de meninas que estava ao meu lado. Uma das meninas colocou em seu quadro: “eu sou bom em ser ‘mãe’ dos colegas, sempre cuido de todos”. Percebi que, no que se refere a esse tópico, havia uma recorrência nas respostas das meninas no tópico: ser compreensiva. Na resposta sobre o que era preciso aprender, maioria delas escolheu “aprender a falar não”.

39Na questão “tenho medo de_____”, todas as meninas (exceto uma) responderam “decepcionar minha mãe”. A aluna que não respondeu isso, disse: “tenho medo que ao sair da escola não arrume trabalho e não consiga ir para a faculdade”. Na questão “eu não gosto de_____”, todas responderam “falsidade”. Ainda ao longo dessa troca de ideias, quando a professora perguntou a todos o que foi mais difícil de preencher, as perguntas escolhidas foram “eu sou bom em_____” e “eu preciso aprender a_____”. A classe também identificou que a questão mais fácil de responder foi: “eu tenho medo de_____” “eu me animo com_____”.

40A professora termina essa dinâmica perguntando qual é o superpoder de cada um dos alunos “Meu superpoder, por exemplo, é ser paciente, compreensiva. Qual é o superpoder da mãe de vocês”, diz ela. A aula termina e, ao ir embora, uma das coordenadoras me pergunta: “você é casada, mas não tem filhos, não é”? Eu confirmei essa condição de mulher casada sem filhos, e ela diz: “seria muito mais difícil fazer isso tudo com filhos”.

41*

42Nos relatos acima foi possível identificar várias questões de interseccionalidade, sobretudo no que tange às questões de sexo, raça e classe social. Durante quase todos os relatos de campo dessa escola, os meninos, quando se pronunciam perante a sala, são mais escutados do que as meninas. Os que falam são, sobretudo, os meninos brancos. Em diversas sequências ao longo da minha observação etnográfica, noto que, sistematicamente, nas ocasiões em que a professora propõe perguntas para todos, a voz dos meninos brancos é mais ouvida pelo coletivo. A segunda maior participação é das meninas brancas, depois a dos meninos negros. Enfim, o que marca a observação é o silêncio sistemático das meninas negras.

43O mesmo ocorre no relato sobre quem tem os projetos de vida estruturados. Geralmente aqueles que respondem são os meninos e, mais do que isso, aqueles que têm maiores perspectivas de entrarem em universidades públicas. A escola se orgulha em afirmar que, antes da pandemia, 50% dos seus estudantes ingressavam em universidades públicas. Algo muito diferente dos relatos colhidos na escola do bairro mais periférico.

44Em relação ao projeto de vida, é fundamental ressaltar que essa é uma disciplina instituída pela Secretaria da Educação do Estado de São Paulo (SEDUC), portanto, um modo institucional de pensar o futuro dos adolescentes. A perspectiva de futuro que os próprios estudantes constroem sobre suas vidas depois da escola não necessariamente corresponde ao projeto de vida instituído. Além disso, ela varia de acordo com a localidade da escola na cidade.

45Para deixar evidente essa perspectiva, lanço mão do relato sobre a escola do bairro A.

46Fragmento de diálogo: puxei conversa com um menino negro que estava atrás de mim e ele estava sonolento. Ao perguntar por que ele estava com tanto sono, ele respondeu que trabalha à noite fazendo e entregando pizza. Quando terminar a escola, quer ter um carro, um terreno e vai continuar fazendo pizza para realizar seu projeto, pois não tem estudo. Indaguei ao menino o que ele estava fazendo na escola terminando a 3° série do Ensino Médio, se isso não poderia ser considerado seu estudo e disse que no futuro ele poderia pensar em fazer uma faculdade. Ele me responde afirmando que faculdade é cara e eu insisto retrucando que existem também faculdades gratuitas. Ele me olha com certa ironia, encosta a cabeça na carteira e volta a dormir.

47*

48Ou seja, embora eu estivesse realizando trabalho de campo em três escolas públicas do mesmo município, tanto a localização da escola quanto a origem social dos estudantes e sua cor de pele, assim como o sexo, pareciam fazer toda a diferença no que se refere aos seus projetos de futuro. Além disso, meninos brancos de classe média gozam do direito de serem ouvidos com atenção na sala de aula, enquanto meninos negros e meninas brancas e negras têm menos espaço para performar publicamente no contexto observado.

49O dinheiro também aparece como algo importante quando os meninos distinguem o super-herói favorito por ser “bilionário” ou quando uma das meninas indaga se o projeto de vida de adolescentes ricos poderia ser diferente dos dela.

50Mais uma vez, assim, é possível identificar no trabalho de campo os conceitos trazidos pelas autoras que trabalham a interseccionalidade. Através dessa ferramenta analítica percebe-se que os diálogos não são aleatórios ou neutros, estão contextualizados de acordo com as questões raciais, de classe e sexo. Quando alguns jovens possuem mais espaços para construir seus projetos futuros e para serem ouvidos, esse é um indicativo de como as relações entre eles se constituem, entrecortadas pelos marcadores sociais. Quando meninas brancas reafirmam o que é socialmente esperado delas, isso nos dá pistas de como irão se relacionar com os meninos da sala material e simbolicamente.

51O silêncio das meninas negras e a falta de perspectiva expressa pela fala de uma delas também indicam a relação que elas têm com essa turma. E por fim, igualmente marcada socialmente é a frase escrita na lousa, na medida em que pressupõe depender de cada um dos estudantes a superação dos obstáculos sociais de classe, raça e gênero: “comece onde está, use o que tem e faça o que você pode. Assim você pode atingir tudo o que quiser”.

52O fato de meninos brancos serem os mais ouvidos nesses fragmentos etnográficos e ao longo do trabalho de campo justifica a escolha da interseccionalidade como ferramenta analítica. O silêncio das meninas negras, sendo um indicativo do espaço reservado às meninas negras e periféricas nas relações sociais dentro das escolas, também reflete dificuldades históricas semelhantes às enfrentadas pelas mulheres negras que cunharam o termo interseccionalidade. Isso sugere que os diálogos sobre interseccionalidade e branquitude estão ancorados nas mesmas questões, porém, com diferentes perspectivas de acordo com os atores sociais implicados nas cenas vivenciadas.

53Gabriela Kyrillos (2020) expõe os antecedentes da interseccionalidade e enfatiza que o conceito não pode ser desvinculado de sua verdadeira origem, pois existe o perigo de um esvaziamento do termo e de um apagamento da importância do movimento de mulheres negras como as primeiras pensadoras da intersecção. Segundo a autora, é necessário ter cautela ao realizar as análises interseccionais, pois, apesar de sua grande importância, essa ferramenta analítica precisa ser tanto rememorada quanto preenchida de sentidos. Segundo Kyrillos (2020, p. 3),

esse local específico no qual se encontravam as mulheres negras, mesmo quando o movimento feminista se expandia nos Estados Unidos e procurava lutar pelos direitos das mulheres, fez com que a participação daquelas no movimento fosse pautada por diversos momentos de silenciamento. A dominância das mulheres brancas e a falta de empatia da maior parte delas fizeram com que muitas vezes fossem incapazes de perceber o quanto as principais bandeiras do feminismo ignoravam as vivências das mulheres negras naquele momento. Em uma corajosa tentativa de demonstrar que existiam muitas formas de ser mulher naquela sociedade, Sojourner Truth fez um dos discursos mais famosos da luta antirracista e antissexista. Truth, que foi escravizada por 40 anos e viveu outros 40 como uma mulher livre, subiu ao palco na primeira Convenção Nacional pelos Direitos das Mulheres nos Estados Unidos, em 1852, e disse: “eu não sou uma mulher”?

54Ainda a respeito da análise da interseccionalidade, utilizo novamente a referência de Kyrillos (2020, p. 7) sobre a importância de não se dissociar as análises entre classe, raça e sexo.

Brah (2006) demonstra como não é possível falar de categorias de forma unificada, nem quando se fala de mulheres, nem quando se fala de mulheres negras, mulheres brancas ou mulheres trabalhadoras. A autora compreende que as “estruturas de classe, racismo, gênero e sexualidade não podem ser tratadas como ‘variáveis independentes’, porque a opressão de cada uma está inscrita dentro da outra – é constituída pela outra e é constitutiva dela” (p. 351). Em outro trecho, Brah (2006) adiciona que “parece imperativo que não compartimentalizemos opressões, mas em lugar disso formulemos estratégias para enfrentar todas elas na base de um entendimento de como se interconectam e articulam” (p. 376). E essa perspectiva apresentada por ela demonstra mais uma vez de que modo as bases para a construção do conceito de interseccionalidade surgiram a partir das vivências e escritas dos feminismos negros.

55A maneira como a imagem do feminino é construída chama a atenção. Também em meio aos relatos e intervenções na sala de aula. Quando as meninas respondem à pergunta sobre suas qualidades, termos como “simpáticas” e “compreensivas” são os mais recorrentes. Além disso, a figura materna aparece diversas vezes em seus relatos como uma mulher que sempre salva, aquela que compreende e que pode ser utilizada. Isso se manifestou até mesmo como característica de “acolhimento” e “compreensão”, quando uma das meninas afirmou ser a “mãezona” das amigas. Traço de expressão do feminino foi também o exemplo da professora, quando esta disse ser a “compreensão” um de seus superpoderes. E o questionamento da funcionária da escola, baseado na pressuposição de que, se eu fosse mãe, eu talvez não poderia ser pesquisadora, como se as duas funções fossem incompatíveis.

56Para a discussão sobre relação entre a performance da feminilidade e as escolas, podemos encontrar subsídios em Marília Carvalho (2020), que se propõe a realizar uma análise sobre docentes do Ensino Fundamental I da Rede Estadual de São Paulo e destaca pontos fundamentais em sua pesquisa, no que tange a aspectos simbólicos e materiais interseccionais vivenciados por essas pessoas dentro do ambiente escolar. Há, assim, segundo a abordagem de Carvalho (2020), a observação no trabalho de campo de que as professoras continuam identificando o trabalho docente como uma atribuição feminina.

57O exercício docente, portanto, parece ainda desempenhar um grande papel na representação da performance da feminilidade. Além disso, a classe social é um importante marcador para compreensão do desdobramento do trabalho docente. Nas palavras de Carvalho (2020, p. 10):

minha preocupação não era entender como aqueles homens e mulheres constituíam suas identidades de gênero e de classe, mas como lidavam com esses significados múltiplos que estruturam sua atividade docente. Assim, para fazer a articulação entre gênero e classe, não me bastaria definir o pertencimento de classe dos sujeitos da pesquisa, ou sua renda. E constatar, por exemplo, que a maioria das professoras do Fundamental 1 na rede estadual de São Paulo são mulheres originárias de famílias de camadas médias baixas. Era preciso encontrar a forma de articulação estrutural do capitalismo contemporâneo, trazer também a discussão sobre classe para o plano da estrutura social, para além da renda individual e do pertencimento de classe dos sujeitos. Pois não se tratava de adicionar um elemento econômico (classe) a uma dimensão simbólica (gênero), já que considero que tanto gênero quanto classe têm dimensões econômicas, sociais, políticas e simbólicas. Da mesma maneira que podia perceber o gênero organizando toda a nossa vida social, era preciso entender como a estrutura de classes do capitalismo contemporâneo fazia o mesmo, estruturando símbolos, instituições e identidades individuais.

58Aqui seria importante explicitar que não há, por parte de nossa pesquisa, qualquer intenção de realizar um julgamento moral da professora responsável pela condução das aulas, nem dos estudantes e tampouco da funcionária que me perguntou sobre maternidade. O propósito desta análise é compreender como as relações sociais são construídas a partir dos conceitos acima referidos.

59Se a interseccionalidade é uma ferramenta analítica fundamental para compreender a realidade, outro conceito que poderia auxiliar a compreensão do cotidiano são os estudos críticos da branquitude. A partir de observações nas salas de aula em que já atuei como professora e durante o trabalho de campo para o doutorado, pude perceber o quanto as relações no ambiente escolar são extremamente permeadas pela questão racial, porém, sempre com o viés de que negras e negros são os únicos responsáveis por esses debates.

60Os relatos que aqui estão expostos revelam que os estudos sobre interseccionalidades ganham força ao serem compreendidos como complementares aos estudos críticos da branquitude. As opressões vivenciadas a partir da intersecção classe, sexo e raça privilegiam, no mesmo contexto, indivíduos brancos. Os estudos críticos da branquitude evidenciam que os brancos não se compreendem como mais uma das identidades raciais e sim como a única identidade racial. Esses estudos possuem uma tradição maior nos EUA e a partir dos anos 1980 e na década de 1990 vêm sendo complementados por pesquisas brasileiras oriundas da psicologia. Segundo Carone e Bento (2012, p. 59),

alinhadas a essa perspectiva, Iray Carone, Maria Aparecida Bento e Edith Pizza inauguraram os estudos de branquitude e branqueamento na psicologia social brasileira. O foco deixa de ser a negritude e passa a ser a branquitude, ou seja, a identidade étnico-racial que uma pessoa branca pode escolher ou não revelar: “ser branco é não ter que pensar sobre isso”. Trata-se de um modo de comportamento social a partir de uma situação estruturada de poder, baseada em uma racialidade neutra, não nomeada, percebida como não constitutiva da identidade imediata do sujeito, mas sustentada pelos privilégios sociais cotidianamente experimentados.

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62Além disso, quando o assunto é branquitude e escola, podemos encontrar subsídios em Anna Luiza Barbosa Martins (2019). Essa pesquisadora estuda como a branquitude era compreendida pelos educadores brancos dentro da Rede Municipal do Rio de Janeiro e nos dá pistas de como pensar a questão em nosso projeto de pesquisa. De acordo com Martins (2019), as professoras que foram entrevistadas eram brancas e tiveram muita dificuldade de compreender a racialização de suas identidades. Em outras palavras, sua própria condição racial nunca foi uma questão para elas, pois elas eram brancas – e, nesse sentido, ser branca é a norma a ser considerada, quando o assunto é racialização. Ao mesmo tempo em que tinham dificuldades de se enxergar no centro desse debate, conseguiam rapidamente compreender os privilégios que viviam por serem brancas, como no seguinte trecho de Martins (2019, p. 77):

também nesta categoria tem-se a constatação de um dado já esperado: a omissão das discussões sobre a identidade branca no ambiente escolar. Falar de relações raciais deveria abranger os diferentes sujeitos implicados nessa dinâmica, incluindo aí o sujeito branco. Falar do branco, reconhecê-lo como racializado, dizer de seus privilégios e questionar seu lugar universal, de norma e de referência, não foram, no entanto, tarefas descritas como realizadas pelos professores.

63No relato a seguir, concentro-me em um diálogo que tive excepcionalmente com professores da escola e não com os jovens. O episódio aconteceu na escola considerada uma das mais violentas da cidade e se deu em meio a uma das primeiras reuniões para o aceite do trabalho na instituição, após a primeira reunião com o diretor da escola. Antes de expor o fragmento de trabalho de campo, entretanto, recupero as reflexões de Luena Nascimento Nunes Pereira sobre sua experiência em Angola e sobre uma possível “neutralidade” do corpo da antropóloga/antropólogo, que não se reconhece racializado, situado territorialmente, partilhando modos de vida comuns a uma parte da população. De acordo com Pereira (2020, p. 1),

essa transformação do perfil dos cientistas sociais desafia a ideia de um “nós antropológico”, centrado em uma ideia naciocêntrica, que não reconhece sua posição de classe, raça e território, ou seja, branca, de classe média, oriunda ou socializada no sul/sudeste do país.

64Esse não reconhecimento por parte de antropólogas/os sobre a maneira como seus corpos são situados por esses marcadores surgiu como uma questão na medida em que eu realizava meu trabalho de campo. Ao mesmo tempo o fenômeno também ocorria com outras pessoas brancas observadas durante o próprio trabalho de campo, sobretudo com aquelas situadas em posição de privilégio, fossem elas diretoras de escola, professores homens brancos, professora branca e loira, todos os quais compartilhavam identidades “pseudoneutras”. Por estarem em lugares de privilégio, ainda que dentro da escola, isso se tornou mais evidente.

65Vejamos a seguir um trecho da conversa em uma das escolas pesquisadas. O diálogo ocorreu com os professores na ocasião em que expliquei como o trabalho de campo seria realizado no ano de 2022.

Relato n° 3

  • 3 Ainda estávamos em um período crítico da pandemia, embora a vacinação já tivesse avançado e as esco (...)

66Em uma terça-feira de tempo encoberto, com temperatura, entretanto, próxima aos 30º C, dirijo até a escola com meu carro, após uma aula online do doutorado.3 O percurso dura por volta de 20 minutos. Estava ansiosa para chegar logo, pois a coordenadora deu recomendações de que eu chegasse um pouco antes, para que pudéssemos alinhar nossas falas antes da reunião com os professores. Notei que havia uma certa apreensão de sua parte (mulher branca), pois ela estava excessivamente interessada em saber como eu conduziria a conversa. Ela disse que era para eu começar abordando o aspecto de “parceria”, “projeto”, reafirmar que eu iria “ajudar a escola”.

67Eu expliquei que o motivo principal da minha visita à escola era o desenvolvimento da pesquisa de doutorado, mas que eu poderia também contribuir com formações, textos, reflexões, desde que a escola os solicitasse. Ela perguntou se eu já havia trabalhado na rede estadual, eu respondi que atuava desde 2007 na rede, mas estava afastada neste momento devido à pesquisa de doutorado.

68Notei que ela se mostrava um pouco receosa com a reunião. Aos poucos os professores começaram a chegar. Um dos presentes puxou assunto comigo (um homem branco, professor de física), perguntando o que eu estava fazendo ali, se eu era estagiária. Eu disse que sim. Ele perguntou se eu já havia atuado na educação, ao que eu respondi afirmativamente. E ficou lá, tentando decifrar quem eu era.

69Aos poucos os demais professores se apresentavam. Um deles (professor de Sociologia, um homem negro) já me conhecia, pois eu havia sido coordenadora de Sociologia da Diretoria de Ensino de Osasco. Quando os professores do Ensino Médio estavam todos na sala, comecei a apresentação que esclarecia o que eu estava fazendo na escola: apresentei-me como professora da rede estadual do município de Osasco que havia resolvido estudar a própria rede. Mencionei a ideia de observar o impacto da branquitude nos projetos de vida, mas completei a informação com a ideia de eu que também poderia fazer rodas de conversa, reflexões, levar leituras, em contrapartida ao acompanhamento de aulas da disciplina sobre os projetos de vida.

70Nesse momento, um professor branco disse que não havia entendido nada “sobre esse negócio de branquitude e projeto de vida” e afirmou que o que eu estava falando “não tinha nada a ver com nada”. Em seguida, uma professora branca e loira disse que esse assunto não fazia o menor sentido na vida dela, pois nunca refletiu sobre isso, não tinha a intenção de pensar sobre isso e nem de fazer seus alunos pensarem sobre isso. Concluiu afirmando que toda a questão era bobagem e que somos todos humanos.

71A partir dessa fala, perguntei apenas para as pessoas brancas quando elas tinham se descoberto brancas? Uma professora disse que foi na ficha da maternidade, quando precisou preencher a cor. O professor que me contestou disse que foi na certidão de nascimento. Outros professores brancos mantiveram-se calados, com uma cara um tanto espantada. Eu disse que a branquitude tinha a ver com alguém não saber quando se descobriu branco, pois ser branco é algo considerado “normal”, “padrão”, por isso nós, sujeitos brancos, não paramos para pensar quando nos descobrimos com nossa cor. Observei que, se fizéssemos a mesma pergunta para pessoas negras, a resposta seria muito diferente, mas acrescentei que não faria aquela pergunta a professores negras e negros, pois o objetivo era estudar a branquitude.

72Os dois professores brancos (o homem e a mulher) passaram a me contestar incisivamente. Falavam que o que eu estava dizendo não fazia sentido, que no universo deles aquilo jamais fizera sentido.

73Foi quando dois professores negros (um de sociologia, que já me conhecia, outro de matemática) contaram que, por serem negros, já haviam passado por muito preconceito. O professor de Sociologia relatou que sofreu preconceito por ser filho da empregada com o patrão italiano. Sem condições de ser criado pela mãe, havia sido adotado por um casal branco e na idade adulta se tornou bailarino. Segundo ele, sua vida havia sido entrecortada por preconceitos, pois era adotado, negro e bailarino. Afirmou ainda que superou os preconceitos porque tinha ferramentas para isso, mas indagou quantos outros em condições similares às dele não teriam o mesmo acesso. E lembrou como a escola é o lugar para fornecê-las aos jovens negros.

74O professor de matemática, que é negro, contestou a professora branca, dizendo que aquilo não era sua realidade, mas era a de muitos alunos. O professor branco, ainda inconformado, disse que eu estava “levantando minha bandeira” na escola e que não concordava com isso. No instante seguinte, a professora branca e loira disse, com certo tom de cumplicidade defensiva, que me daria uma dica de pesquisa. Sugeriu que eu ficasse bem quieta nas observações e que eu não levantasse essa bandeira na sala de aula enquanto fizesse a observação, pois esse assunto, segundo ela, não teria fim. O professor branco perguntou como eu solucionaria o problema do racismo na escola. Ele disse ainda: “vamos imaginar que não houvesse existido escravidão, então seriamos todos iguais”.

75Eu disse que não era possível fingir esse tipo de coisa, pois a escravização foi um elemento fundante da nossa sociedade brasileira. E que, além disso, eu não estava ali para levantar bandeira, eu era uma pesquisadora, uma cientista, responsável por fazer uma observação de campo. Informei também que minha pesquisa havia sido aprovada pelo comitê de ética de pesquisa na Plataforma Brasil e que ela não previa levantar tais questões com alunos em sala de aula, mas sim observar como eles lidam o problema. Indiquei ainda que, se os professores quisessem ou aceitassem, eu poderia desdobrar a temática com eles em reuniões específicas, mas não com os estudantes. A partir daí, os ânimos foram acalmando, os dois professores começaram a contar o que desenvolviam nas aulas de projeto de vida, a afirmar que seriam dinâmicas muito interessantes, inclusive para a ampliação de repertório dos estudantes.

76A conversa foi, desse modo, tomando um outro rumo e, enfim, eu senti uma abertura para a aproximação. Isso depois de um embate de quase uma hora. Próximo ao final da exposição, um professor branco perguntou o que eu faria caso eu não encontrasse o debate da branquitude no projeto de vida dos estudantes. Eu disse então que isso seria um dado, que eu não estava na escola para ouvir o que quero, mas para ouvir o que o campo tem a me dizer. Portanto, que a ausência dessa questão também revelaria muitas coisas.

77A conversa se encerrou quando perguntei se eles me aceitariam na escola, mesmo que eu não estivesse ali para solucionar problemas e sim para abrir diálogo, trocar ideias e aprender junto a eles. O grupo de professores aceitou então a minha entrada em campo a partir de 2022. Ao final da conversa, já em um diálogo particular com a coordenadora, ela me disse que os professores são críticos mesmo, mas que o grupo seria muito bom. Revelou também que o projeto de vida e o novo currículo do Ensino Médio ainda eram questões difíceis dentro da escola, pois ninguém sabia muito bem o que fazer e como conduzir essas novas disciplinas.

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79O relato acima fornece subsídios sobre como falar com docentes brancos a respeito de seus privilégios, tendo isso essa uma das maiores barreiras que encontrei até agora no trabalho de campo. Lourenço Cardoso (2010), ao abordar o conceito de branquitude acrítica, salienta o quanto o discurso de suposta neutralidade ganha corpo quando pessoas brancas se situam como a regra social a ser seguida, sem se darem conta de quantos privilégios atravessam suas vidas por serem brancas.

80Assim como nos relatos 1 e 2, o relato 3 mostra como a branquitude é vivida de maneira naturalizada. Os docentes brancos possuem a tendência de não olharem para essa questão. Assim, de acordo com as análises realizadas e a observação etnográfica, a branquitude é uma chave de análise que deveria ser desnaturalizada, bem como a interseccionalidade, que demonstra ser a outra face do mesmo problema.

81O relato de número 3, coletado em outra escola a partir de uma reunião com os professores, corrobora que a branquitude parece ser uma premissa bastante comum nas três escolas. O branco como norma mostra sua face em diferentes ocasiões: seja nos professores brancos que não se compreendem como parte dos debates raciais, seja nos meninos brancos que têm mais espaço para fala em sala de aula.

82Os docentes-interlocutores nesse fragmento de campo têm como alunos muitos estudantes negros e negras. Talvez seja essa a razão por que, durante as observações de campo, noto por diversas vezes a presença de reflexos desse pensamento acrítico em sala de aula. De fato, em diferentes trabalhos de campo, tem-se observado de maneira sistemática o quanto o “pacto narcísico” também exerce efeitos sobre o imaginário e as atitudes dos estudantes brancos.

83O conceito de “pacto narcísico” desenvolvido por Maria Aparecida Bento em sua tese de doutorado Pactos narcísicos no racismo: branquitude e poder nas organizações empresariais e no poder público (2002) permite ampliar a compreensão sobre o imaginário que permeia a escola observada, revelando o quanto a branquitude está ligada à ideia de privilégios, sem que os agentes inseridos nesse contexto, sobretudo os brancos, consigam enxergar tal estrutura racializada. De acordo com Bento (2002, p. 30),

a omissão e o silêncio de importantes atores do mercado de trabalho aparecem materializados nas entrevistas com os gestores, que raramente percebem o negro em seu universo de trabalho. Tudo se passa como se houvesse um pacto entre os brancos, aqui chamados de pacto narcísico, que implica a negação no evitamento do problema em vistas à manutenção dos privilégios raciais. O medo da perda desses privilégios e o da responsabilização pelas desigualdades raciais constituem o substrato psicológico que gera a projeção do branco contra o negro, carregada de negatividade. O negro é inventado como um “outro” inferior, em contraposição ao branco que se tem e é tido como superior; e este outro é visto como ameaçador. Alianças intergrupais entre brancos são forjadas e caracterizam-se pela ambiguidade, pela negação de um problema racial, pelo silenciamento, pela interdição de negros em espaços de poder, pelo permanente esforço da exclusão moral, afetiva, econômica, política dos negros, no universo social.

84A presença da branquitude na escola se manifesta em aspectos que vão desde os padrões estéticos de beleza a serem alcançados até o vocabulário empregado por alunas e alunos, passando pela normatização das situações de privilégios ocorridas dentro da Unidade Escolar. Mesmo o ambiente social em que pessoas brancas estão inseridas (inclusive os professores deste relato) não propicia o entendimento do branco como norma, do branco como regra, e, no entanto, a presença desse elemento ocorre constante e cotidianamente. Em seus estudos, Lia Vainer Schucman retrata bem a discussão dos privilégios da branquitude. Segundo Schucman (2014, p. 138),

tais estudos apontam que o branco não é apenas favorecido nessas estruturas racializadas, mas é, também, produtor ativo dessas estruturas, através dos mecanismos mais diretos de discriminação e da produção de um discurso que propaga a democracia racial e o branqueamento. Esses mecanismos de produção de desigualdades raciais foram construídos de tal forma que asseguram aos brancos a ocupação de posições mais altas na hierarquia social, sem que isso fosse encarado como privilégio de raça. Isso porque a crença na democracia racial isenta a sociedade brasileira do preconceito e permite que o ideal liberal de igualdade de oportunidades seja apregoado como realidade.

85Quando falamos da importância de se trabalhar questões raciais de maneira geral dentro da escola, o que não se espera é que brancos sejam incluídos nesse debate, pois, para alguns desses professores, como se nota no relato, executar essa tarefa no espaço escolar não é responsabilidade deles. Pessoas brancas não foram historicamente convocadas a refletirem sobre sua condição enquanto pessoas racializadas, e são vistas como o modelo a ser seguido. Segundo Kiryllos (2020, p. 5),

ignorar o propósito político de branqueamento e homogeneização existente por trás do processo de miscigenação no Brasil é um dos aspectos que tornou e ainda torna tão difícil discutir questões raciais no país. Por essa razão, quando Joyce Souza Lopes (2013) escreve algumas pontuações e proposições às pessoas brancas e à luta antirracista. Ela afirma que “o principal desafio sobre a compreensão da identidade branca está relacionado à louvação da mistura racial, à positivação do Mito de Democracia Racial e sua tentativa de branqueamento via miscigenação” (p. 144). Conforme afirmou Avtar Brah (2006), “a racialização da subjetividade branca não é muitas vezes manifestamente clara para os grupos brancos, porque ‘branco’ é um significante de dominância, mas isso não torna o processo de racialização menos significativo.

86Além dessa observação da branquitude acrítica, demonstrada pelos docentes, também é importante salientar que, nesses espaços, docentes, estudantes e funcionários brancos também são chamados a pensar sobre os problemas da racialização. Cabe a eles também pensarem como jovens estudantes negras e negros propiciam experiências diferentes daquelas que, enquanto sujeitos brancos, eles estão acostumados a vivenciar. Essa pode ser uma referência extremamente positiva, sem que, entretanto, elimine o fato de pessoas brancas se pensarem enquanto sujeitos portadores de privilégios. Nesse sentido, como nos três diálogos aqui apresentados, esse contexto confirma mais uma vez que a branquitude age em favorecimento dos indivíduos que a vivenciam, de acordo com os apontamentos da interseccionalidade.

87Para finalizar a reflexão sobre como a branquitude pode influir no sistema escolar, Matheus Monteiro Nascimento (2020) oferece alguns subsídios. No artigo Os privilégios da branquitude e a reprodução de desigualdades sociais da educação brasileira, Nascimento (2020) descreve os privilégios de estudantes brancos em detrimento dos não brancos em condições socioeconômicas semelhantes, entendidos estes como pretos, pardos, indígenas e amarelos, e traça um paralelo sobre os desempenhos de cada um deles em uma pesquisa quantitativa de dados do ENEM 2018. Ele observa que, de maneira geral, estudantes brancos têm mais acesso do que os demais aos equipamentos eletrônicos, à internet, à infraestrutura e, por esses outros motivos, têm mais possibilidade de escolha no ingresso aos cursos superiores.

88De acordo com Nascimento (2020, p. 7),

nota-se que a nota mínima para o ingresso em um curso de Medicina (755 pontos) é praticamente inatingível para todos os candidatos. Já Engenharia Civil é muito mais tangível para os candidatos brancos e amarelos do que para pretos, pardos e indígenas, assim como administração. A licenciatura em Física, que representa a menor nota de corte dentre todos os cursos disponíveis em 2018, é acessível para grande parte dos estudantes. Esse resultado torna evidente de que maneira os privilégios da branquitude se materializam na possibilidade de escolha de uma profissão de maior retorno financeiro para os brancos do que para os não brancos.

Considerações finais

89Este artigo apresenta dados de uma pesquisa de doutorado em andamento, mas parte de um acúmulo de experiências prévias. Primeiro, trago elementos de minha trajetória como professora do Ensino Médio, ao observar processos de naturalização da branquitude, racialização ou mesmo de racismo no cotidiano escolar, conforme relatado na introdução. Em segundo lugar, esta pesquisa também é, da mesma forma, uma continuidade de minha trajetória como pesquisadora do campo das relações raciais no cotidiano escolar. Em meu mestrado, investiguei as representações étnico-raciais na educação infantil a partir de uma abordagem da maneira como crianças de 4 e 5 anos compreendem questões raciais em seu cotidiano escolar, entre si e junto às suas educadoras (FARIAS, 2016). O que se apresentou aqui foi, nesse sentido, um avanço para um olhar agora focado no Ensino Médio e fundamentalmente concentrado nos efeitos das questões da branquitude e da interseccionalidade sobre o cotidiano escolar.

90Com base nos fragmentos etnográficos aqui expostos foi possível expor algumas análises que ocorreram até este ponto da pesquisa. As vozes brancas masculinas de jovens estudantes na escola central são mais ouvidas pelo coletivo nos momentos abertos à exposição de opiniões. São eles, principalmente, os que performam, entre si e com os adultos, a voz de estudantes ativos, ou seja, aquela que é mais legitimada pela escola, e demonstram ao mesmo tempo possuírem projetos de futuro mais bem definidos. Em seguida, foi possível notar um maior protagonismo das meninas brancas e um maior silêncio das meninas negras.

91As narrativas vivenciadas na escola C, onde se evidencia certo destaque reservado aos jovens brancos, a questão da branquitude acrítica demonstrada pelos docentes da escola B, a falta de questionamento sobre o silêncio de estudantes negros: todos esses fatores indicam que a questão da interseccionalidade e da branquitude são vivências cotidianas nas escolas pesquisadas, mas sem reflexão por parte dos adultos e dos jovens. A pesquisa se mostra relevante, assim, como forma de trazer à luz a importância desses fenômenos simultâneos e complementares. De acordo com os caminhos apontados pela etnografia, quanto melhor infraestrutura e a localização da escola, mais a branquitude acrítica tem possibilidades de se estruturar e não ser questionada em momento algum.

92Essas questões me fazem refletir sobre caminhos futuros para o desenvolvimento da pesquisa em curso. Principalmente sobre como atores da comunidade escolar (sobretudo os jovens) se constroem partir dos referenciais de interseccionalidade e branquitude. E, por outro lado, as possibilidades de agenciamento oriundas das jovens meninas negras nesse ambiente. Pois a pesquisa de campo já permite afirmar que, embora a branquitude acrítica seja experienciada nas três escolas a que tive acesso, nas escolas periféricas, onde há uma maior presença de estudantes negras/os, observam-se mais experiências de jovens negras que despontam como lideranças e referências positivas para as/os outras/os estudantes.

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Bibliografia

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Notas

1 O IDESP (Índice de Desenvolvimento da Educação do Estado de São Paulo) é um indicador de qualidade da educação básica. Na avaliação de qualidade das escolas feita pelo IDESP consideram-se dois critérios complementares: o desempenho dos alunos nos exames do SARESP e o fluxo escolar. Fonte: http://idesp.edunet.sp.gov.br/. Acesso em 23/06/2022.

2 O Projeto de Vida funciona como o articulador do projeto pedagógico da escola, ao mesmo tempo em que é um componente curricular que passa a ser trabalhado em todas as escolas da Rede Pública Estadual de São Paulo nos Anos Finais do Ensino Fundamental e Ensino Médio, a partir de 2020. Fonte: https://efape.educacao.sp.gov.br/curriculopaulista/wpcontent/uploads/download/Projeto%20de%20Vida/Diretrizes%20Curriculares%20Projeto%20de%20Vida%20Revisa%CC%83o_V1.pdf. Acesso em 05/08/2022.

3 Ainda estávamos em um período crítico da pandemia, embora a vacinação já tivesse avançado e as escolas de educação básica já houvessem retornado às aulas presenciais.

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Para citar este artigo

Referência eletrónica

Ana Carolina Batista de Almeida Farias, «Produção das diferenças juvenis: fragmentos etnográficos sobre a educação pública estadual em Osasco/ SP.»Ponto Urbe [Online], 30 v.2 | 2022, posto online no dia 20 janeiro 2023, consultado o 29 maio 2023. URL: http://journals.openedition.org/pontourbe/13991; DOI: https://doi.org/10.4000/pontourbe.13991

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Autor

Ana Carolina Batista de Almeida Farias

Mestra em Educação pela Universidade de São Paulo e Doutoranda em Ciências Sociais pela Universidade Federal de São Paulo.

anacarolsa@gmail.com

https://orcid.org/0000-0002-8135-2029

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