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Etnográficas

Forró de vinil: notas sobre o Baile dos Ratos no evento SP na Rua

Forró de vinil: notes on the “Baile dos Ratos” at “SP na Rua” event
Diego Corrêa de Araújo

Resumos

Esse trabalho foi realizado para a disciplina de Pós-graduação do Departamento de Antropologia da USP: “Música, localidade e marcadores sociais da diferença”, ministrada pelo professor Gibran Teixeira Braga, no segundo semestre de 2019. Trata-se de uma etnografia do evento SP na Rua, tendo como foco de atenção a apresentação do coletivo Baile dos Ratos fazendo discotecagem de forró no evento. O artigo busca, por meio da etnografia, compreender a dinâmica geracional entre os DJs entrevistados, os artistas de outrora e as casas especializadas no ritmo.

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Texto integral

1Versão original recebida em / Original version 31/01/2023

2Aceito em / Accepted 15/04/2023

  • 1 Descrição do evento inserida no site da Prefeitura de São Paulo. Acessado em 29/09/19.

A 7ª edição do SP NA RUA acontece nos dias 28 e 29 de setembro, as 20h às 6h, com 16 pontos de festa e mais de 30 atrações culturais espalhadas pelo Centro de São Paulo. Parte do Agendão, calendário cultural integrado do programa São Paulo Capital da Cultura, da Secretaria Municipal de Cultura, o SP NA RUA reúne coletivos e DJs e oferece 10 horas de manifestações artísticas, musicais e performáticas. Acompanhe a programação na fanpage do SP na Rua e nas redes sociais da Secretaria Municipal de Cultura1.

3No dia 28 de setembro de 2019, no centro de São Paulo, foi realizado o evento SP na Rua. Neste dia, além de conhecer e experenciar pela primeira vez essa festa, também pude apreciar o “Baile dos Ratos”, cujos ritmos em destaque eram o xote, xaxado, arrasta-pé e o baião, popularmente conhecido como forró.

Momento da apresentação do Baile dos Ratos. Diego Araújo (2019)

4O palco estava montado na rua Dr. Bráulio Gomes, na programação constava, além do Baile dos Ratos, Fiebre en la Selva e Boteco Pratododia. Pontualmente às 23h40 os DJs Nando Ronca, Maicow Leite e Thobias Silva, entraram no palco para iniciar a apresentação. Momentos antes do baile propriamente dito, consegui conhecer um pouco mais de perto a história desse trio, com o objetivo de fazer um registro etnográfico.

5Atualmente na cidade de São Paulo é possível observar diferentes formas de lazer associadas ao forró2. Na Zona Oeste de São Paulo, existe um circuito3 de casas especializadas no ritmo que foram palcos centrais da dinâmica do forró pé-de-serra na cidade no final da década de 1990, como a casa de show Remelexo Brasil e o Canto da Ema (Alfonsi, 2007). Por outro lado, existem também aqueles bailes que são itinerantes e, portanto, não existem em lugares fixos, são organizados por um grupo de pessoas que se juntam para fazer o evento visando o lazer por meio da música e da dança. Um caso exemplar desses bailes é o “Forró do Amigos”4. Esses coletivos muitas vezes são formados por pessoas que já frequentaram bailes de forró em casas institucionalizadas que são aquelas especializadas no ritmo. Outro exemplo similar dessas manifestações é o “Forró pé-de-calçada”, um grupo de pessoas que organizam forrós em parques e praças públicas e suas ações estão mais localizadas na região da grande São Paulo, em Santo André.

6É importante ressaltar que na região do baixo Pinheiros estão situadas algumas casas que ajudaram a disseminar os bailes de forró na cidade de São Paulo, algumas delas extintas como a Organização Elenko KVA (1997-2006); Projeto Equilíbrio (1994-2003) e Danado de Bom (2001-2002). Além destas, o Canto da Ema (ativo desde 2000) e o Remelexo Brasil (desde 1995), são as principais especializadas em forró na região. Dentre os diferentes produtores de bailes de forró em casas especializadas no gênero musical na Zona Oeste de São Paulo, encontram-se Paulinho Rosa e Carlos Magno; ambos construíram de forma coletiva algumas práticas comuns nesses ambientes.

7As pessoas que foram socializadas nesses bailes institucionalizados nos finais da década de 1990 foram recriando as práticas culturais tecidas nesses ambientes para lugares públicos e privados e o Baile dos Ratos é um caso específico dessas manifestações. Trata-se de um grupo de pessoas que colecionam discos (vinil), amantes do forró, que se reúnem para fazer um baile onde o artista que se apresenta no lugar do trio (sanfona, zabumba e triângulo) ou de alguma banda de forró, é o trio de DJs.

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  • 5 Transcrição da entrevista feita por um repórter da TV Cultura, com permissão, pude acompanhar e reg (...)

A cultura nossa já vem do vinil desde antes dos nossos pais, e a gente traz o forró pé-de-serra através do vinil também fazendo esse resgate da cultura, mostrando para todo mundo que o forró pé-de-serra é da juventude, é da galera, que dá para curtir e dançar bem gostoso mesmo5.

9Foi por volta das 23h que cheguei nas proximidades do palco em questão, a atração naquele momento era uma DJ do coletivo Boteco Pratododia. A estrutura do palco não era grande, uma tenda de aproximadamente quatro metros de largura, no centro havia uma mesa retangular coberta com um tecido florido onde ficavam as aparelhagens e os discos das DJs. À direita e à esquerda do palco havia alguns discos pendurados no formato de cortinas. Além disso, do lado de fora do palco, duas caixas de som grandes estavam expostas de cada lado. A potência do som era relativamente alta para o espaço do evento. No entanto, ao caminhar pelos lugares onde aconteciam outras apresentações, foi possível observar que em alguns palcos havia muito mais caixas e, por conseguinte, potência de som do que as do palco onde aconteceu o Baile dos Ratos. O público, por ser no centro da cidade em um evento onde havia palcos simultâneos, era misto no tocante raça e gênero.

Momento da apresentação do Baile dos Ratos. Diego Araújo, 2019

10 Com os seus pôsteres pendurados do lado esquerdo e direito do palco, destacando o símbolo do coletivo, a cabeça de um rato, escrito embaixo: “Forró pé-de-serra 100% vinil”, anunciava-se que em breve os DJs iriam entrar em cena. Às 23h40 os DJs entraram no palco e iniciaram a apresentação.

11Cabe dizer que, antes do início da apresentação dos Baile dos Ratos, os DJs estavam concentrados no camarim, uma tenda branca fechada que ficava atrás do palco. Ao saber disso, consegui, com autorização deles, acompanhar uma entrevista curta do coletivo a um repórter da TV Cultura, e na sequência também pude fazer algumas perguntas para eles.

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  • 6 Para o tratamento das entrevistas, foram utilizados os procedimentos em história oral baseados no N (...)

Eu, [DJ] Thobias Silva, ao conhecer o forró, através de amigos, me apresentaram Luiz Gonzaga e Falamansa, lembro até hoje. E a partir disso, comecei a ter interesse pela música, saber quem era o compositor e tudo mais, e comecei a ir no forró. A partir do momento que comecei a dançar, a aprender a dançar, fui conhecendo cada vez mais os artistas, querendo pesquisar quem era aquele artista que estava tocando; que música que era; aquela curiosidade mesmo, sacou? E depois de um tempo, de anos, de conhecer o Fernando e o Maicow, o Fernando me resgatou... Aí comecei a colecionar vinil, que já tinha em casa, mas eu não era um colecionador assíduo, colecionava mais por carência. E a gente começou a se especializar em forró, o [Fer]Nando já colecionava, ele pode dizer melhor como é a parte dele. (Entrevista realizada em 28/09/2019)6. [Grifos meus].

13Interessante notar que o DJ Thobias Silva aponta duas importantes referências musicais que o fizeram se interessar pelo forró, e foi através de amigos que conheceu tais referências - Luiz Gonzaga e Falamansa. O forró como gênero musical e baile não surgiu de forma convencional, Luiz Gonzaga é sem dúvida um símbolo precursor que congregou não só elementos da música, mas também outros aspectos da cultura nordestina, catalisando em si um imaginário coletivo do Nordeste. Uma das principais obras biográficas de Luiz Gonzaga, elaborada por Dominique Dreyfus (1996) destaca como um marco histórico o episódio em que Gonzaga estava no Rio de Janeiro se apresentando na costa do porto, quando alguns estudantes, dentre eles alguns nordestinos, na década de 1940, solicitaram que ele tocasse “as coisas lá do Nordeste”.

Da esquerda para direita: entrevistador Diego, DJ Nando Ronca, DJ Maicow Leite, DJ Thobias Silva e entrevistador da TV Cultura. Diego Araújo, 2019

  • 7 Trecho da entrevista concebida por Paulinho Rosa, produtor e proprietário da casa de forró Canto da (...)

14 Quase 60 anos depois, em 1999 com o boom da banda Falamansa, o movimento do forró adquiriu uma nova configuração na cidade de São Paulo. Paulinho Rosa, produtor do Canto da Ema, afirma que: “foi uma coisa impressionante porque muita gente que era nordestino, músico que morava em São Paulo e trabalhava de garçom ou na construção civil, começou a reaparecer na forma de trios de forró, os trios antigos também”7. Este cenário, portanto, representa a ascensão das bandas de forró formadas por jovens universitários, que de alguma maneira foram influenciados pelos artistas mais consagrados no âmbito do forró, como Luiz Gonzaga, Jackson do Pandeiro, Dominguinhos, Trio Virgulino e outros trios que já estavam atuando na cidade.

15A pesquisa de Silva (2003) apresenta três momentos distintos, mas complementares do forró: o primeiro diz respeito à década de 1940, quando surgiu o forró tradicional criado por Luiz Gonzaga; já o segundo momento o forró é dividido em duas fases, a primeira seria em 1975 composta pelos músicos da MPB, e a segunda deu-se na década de 1990 com as bandas de forró universitário. Por fim, o terceiro momento que também é evidenciado na década de 1990 quando o forró eletrônico entrou em cena.

16Na narrativa do DJ Thobias fica evidente essa complementariedade, a relação de troca entre as diferentes gerações quando ele cita “Luiz Gonzaga e Falamansa”. Existe um passado cultuado nos bailes de forró que é intermediado pelos ícones vindos da geração de Luiz Gonzaga, conforme citado acima (Jackson do Pandeiro, Marinês, Dominguinhos, Carmélia Alves, Marinês, entre outros artistas).

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Bom, eu [DJ Maicow Leite] comecei a gostar de forró porque o meu irmão mais velho já curtia forró, dançava o forró pé-de-serra, em 1997/98, na época que o forró pé-de-serra veio pra São Paulo, mais ou menos nessa época. Eu era muito moleque, mas depois peguei influência. Conheci um amigo chamado Doug Funnie, ele comprou uma zabumba na época e eu um triângulo, a gente meio que aprendia as músicas do forró porque era meio difícil de ter mídia [divulgando as músicas]. Então a gente ia pro forró e eu mesmo gravava, chegava lá ficava na caixa de som, escutando a música bem grudado mesmo, pra aprender. E assim foi indo. Comprei zabumba, um outro amigo triângulo... Eu conheci o Fernando que também participou de uns projetos da época, a gente com 17, 18 anos tocava numa praça lá na Conceição, chamada Redondo, onde a gente tinha zabumba e triângulo, chamava a galera toda do colégio ia lá e fazia o som. E aí fui tomando gosto pelo vinil, colecionando, até chegar hoje em dia que é o Baile dos Ratos, fechando com meus amigos aqui! (Entrevista realizada em 28/09/2019). [Grifos meus].

18 A relação de aprendizado está presente nas narrativas dos DJs, neste caso acima, o irmão de Maicow já era iniciado nas práticas associadas aos bailes de forró, porventura, situado na mesma época dos bailes que formaram o circuito da Zona Oeste de São Paulo entre 1997/98. Havia, portanto, uma “comunidade dos iniciados” que facilitava a circulação dos bailes de forró (dança, música e festa). A sensibilidade somada à observação passa a ser um quesito importante para que esses frequentadores iniciantes conheçam melhor os contextos nos quais estavam inseridos, o que fica evidente neste trecho da entrevista: “(...) era meio difícil de ter mídia [divulgando as músicas], então a gente ia pro forró e eu mesmo gravava, chegava lá ficava na caixa de som, escutando a música bem grudado mesmo, pra aprender”.

Eu [DJ Nando Ronca] comecei a colecionar [discos] já pegando um embalo do meu pai que colecionava samba-rock, música black e tal. Aí quando eu vi que tinha possibilidade também de comprar discos de vinil de forró, eu caí de cabeça. Isso aí lá para 2003/2004. E eu vou pro forró desde os anos 2000, então já tem uns anos aí, junto com Maicow Leite. [Grifos meus].

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20 É instigante pensar nos períodos relatados pelos DJs, eles certamente configuram uma nova forma de experiência no circuito iniciado na Zona Oeste, o que poderíamos chamar de uma distensão do mesmo, isto é, as casas que iniciaram o trabalho com o forró (ora universitário, ora pé-de-serra), Projeto Equilíbrio (1994-2003), KVA (1997-2006), desempenharam um papel importante para a socialização das bandas e trios e também para os demais produtores que trabalham com o gênero musical. Dessa forma, pensar nas casas especializadas em forró da atualidade, o Canto da Ema, que está ativo desde 2000 e o Remelexo Brasil desde 1995, nos coletivos que atuam nos parques e praças públicas e outros grupos, como o Baile dos Ratos que fazem diferentes tipos de intervenção relacionados ao forró, significa considerar as compreensões plurais que, por hipótese, foram adquiridas nesse processo de socialização mediante essa série histórica.

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Bibliografia

ALFONSI, D. A. Para todos os gostos: um estudo sobre classificações, bailes e circuitos de produção do forró. 2007. Dissertação (Antropologia Social) - Departamento de Antropologia, Faculdade de Filosofia, Letra e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2007.

DREYFUS, Dominque. A vida do viajante: A saga de Luiz Gonzaga. São Paulo: Editora, 34, 1996.

MAGNANI, José Guilherme Cantor. Festa no Pedaço – cultura popular e lazer na cidade. São Paulo: Huicitec/ Ed. UNESP. 1998. 2ª Ed. 166 p.

______. De perto e de dentro: notas para uma etnografia urbana. In: Revista brasileira de ciências sociais. São Paulo, n. 49, v. 17, p. 11- 29, jun. 2002.

SILVA, E. L. Forró no asfalto: mercado e identidade sociocultural. São Paulo: Anablume; Fapesp, 2003.

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Notas

1 Descrição do evento inserida no site da Prefeitura de São Paulo. Acessado em 29/09/19.

https://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/cultura/noticias/index.php?p=26763.

2 Entende-se forró como sendo um baile, como também um gênero musical, seguindo a linguagem usual dos forrozeiros.

3 União de estabelecimentos/ equipamentos que ofertam esse baile de forró na paisagem urbana, reconhecido pelos usuários (Magnani, 1998, 2002).

4 Para um entendimento maior ver https://revistaescritapulsante.com/2015/03/17/forro-dos-amigos-desenhando-uma-historia/

5 Transcrição da entrevista feita por um repórter da TV Cultura, com permissão, pude acompanhar e registrar a fala do DJ Nando Ronca. Entrevista realizada em 28/09/2019.

6 Para o tratamento das entrevistas, foram utilizados os procedimentos em história oral baseados no Núcleo de Estudos em História Oral (NEHO-USP).

7 Trecho da entrevista concebida por Paulinho Rosa, produtor e proprietário da casa de forró Canto da Ema, realizada em minha pesquisa de Iniciação Científica no ano de 2014, sob orientação do Prof. Dr. José Guilherme Cantor Magnani.

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Índice das ilustrações

Créditos Momento da apresentação do Baile dos Ratos. Diego Araújo (2019)
URL http://journals.openedition.org/pontourbe/docannexe/image/14757/img-1.png
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Créditos Momento da apresentação do Baile dos Ratos. Diego Araújo, 2019
URL http://journals.openedition.org/pontourbe/docannexe/image/14757/img-2.png
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Créditos Da esquerda para direita: entrevistador Diego, DJ Nando Ronca, DJ Maicow Leite, DJ Thobias Silva e entrevistador da TV Cultura. Diego Araújo, 2019
URL http://journals.openedition.org/pontourbe/docannexe/image/14757/img-3.png
Ficheiro image/png, 298k
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Para citar este artigo

Referência eletrónica

Diego Corrêa de Araújo, «Forró de vinil: notas sobre o Baile dos Ratos no evento SP na Rua»Ponto Urbe [Online], 31 | 2023, posto online no dia 25 julho 2023, consultado o 02 dezembro 2023. URL: http://journals.openedition.org/pontourbe/14757; DOI: https://doi.org/10.4000/pontourbe.14757

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Autor

Diego Corrêa de Araújo

Graduado em Ciências Sociais e mestre em Ciências e Humanidades pela Universidade de São Paulo

E-mail: diegocorrea@alumni.usp.br

ORCID: https://orcid.org/0000-0001-6137-8371

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