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São Paulo como um laboratório de Antropologia Urbana: a experiência do NAU Cidades

São Paulo as an Urban Anthropology laboratory
Alexandre Barbosa Pereira, Giancarlo Marques Carraro Machado, Jéssica de Souza Andrade, Lucas Lopes Moraes e Michel de Paula Soares

Resumos

O artigo apresenta a trajetória do NAU Cidades, grupo de pesquisa que integra o Laboratório do Núcleo de Antropologia Urbana da USP, destacando a sua importância como espaço de formação e troca entre pesquisadores, sob inspiração e orientação de José Guilherme Magnani. Os pesquisadores do NAU Cidades tomaram, desde sua criação como um grupo específico do laboratório, em 2010, a cidade de São Paulo como seu espaço privilegiado de pesquisa. Dessa maneira, com o intuito de evidenciar a sua diversidade de pesquisas, aborda-se de maneira mais detida as trajetórias de investigação de quatro de seus antigos coordenadores, cujas pesquisas sobre o contexto urbano foram realizadas a partir do diálogo que construíram durante suas coordenações do grupo. Dessa maneira, a seguir temos o trabalho de Alexandre Pereira sobre os “rolês” dos jovens na cidade de São Paulo; de Giancarlo Machado sobre a prática do skate de rua; de Lucas Moraes sobre as controvérsias em torno da implementação de ciclovias; e de Michel Soares acerca das vicissitudes do boxe e da resistência de seus praticantes à cidade neoliberal.

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Introdução

1A proposta de criação do NAU Cidades deu-se como consequência da transformação do Núcleo de Antropologia Urbana da Universidade de São Paulo (NAU/USP) em um laboratório, passando, assim, a ser denominado como Laboratório do Núcleo de Antropologia Urbana, o LabNAU, e tendo sua abrangência de pesquisa ampliada. Deste modo, esse grupo de estudo das cidades e das práticas culturais que ocorrem no contexto urbano forma-se com a proposta de voltar-se para as múltiplas relações que se estabelecem no e com o espaço urbano. Nele, ao longo dos anos, a cidade foi tomada como um lugar fundamental de trocas e de estabelecimento de vínculos sociais, congregando pesquisas sobre os múltiplos atores sociais urbanos e suas formas de agenciar dinâmicas em conformidade ou em desacordo com as grandes lógicas estabelecidas pelos dispositivos de poder. Dinâmicas essas que estão constantemente a redefinir a própria ideia do urbano.

2No caso específico das cidades brasileiras, a dimensão centro e periferia apresentou-se por muito tempo como um ponto de partida importante para se entender a especificidade das relações sociais urbanas. Muito discutida entre os anos 1970 e 1980 pela antropologia urbana brasileira, essa dicotomia é, atualmente, muito questionada como categoria de análise válida para entender as cidades contemporâneas. Há múltiplas periferias e múltiplos centros. Em uma cidade como São Paulo, por exemplo, é possível falar de múltiplas centralidades, mas também múltiplas centralidades periféricas, bem como não se pode desprezar o que alguns especialistas apontam como processos de periferização do centro. Contudo, assim como acontece com o conceito de cultura ou de identidades culturais, a noção de periferia também tem sido tomada como objeto de reflexão pelos próprios atores. Nesse processo, passa a não ser vista apenas como local geográfico da pobreza, estigma ou marca de carência, mas também como sinal de pertencimento, afirmação de identidades positivas e de mobilizações políticas que transcendem a referência espacial.

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3O NAU Cidades tem aglutinado não apenas os orientandos de José Guilherme Magnani, atualmente professor aposentado sênior do Departamento de Antropologia da USP e coordenador geral do LabNAU, mas, também, demais interessados em compreender as potencialidades da etnografia urbana a fim de aplicá-la em pesquisas desenvolvidas em diferentes contextos citadinos. Tais pesquisadores, os quais encontram-se em múltiplos estágios de formação, analisam temáticas urbanas variadas. Apesar da particularidade de cada enfoque, algo que os aproxima é, notadamente, a utilização da família de categorias socioespaciais propostas por Magnani (2014) – pedaço, mancha, circuito, trajeto etc. –, além de uma perspectiva etnográfica de perto e de dentro do cotidiano da capital paulista. Nesse sentido é possível destacar, dentre outros participantes do NAU Cidades desde a sua criação, as investigações já finalizadas de Daniela Alfonsi Amaral, Lilian de Lucca Torres e Valéria Oliveira Santos, sendo estas doutoras em Antropologia Social, sobre os processos de musealização de práticas esportivas1, percursos da Antropologia Urbana em São Paulo2 e dinâmicas da alfaiataria e alta costura3, respectivamente; as pesquisas de mestrado em Antropologia Social concluídas por Carlos Gutierrez, Lucas Lopes de Moraes, Raphael Piva e Mariana Machini, com reflexões, na sequência, sobre judaísmo na periferia4, cena black metal5, futebol de várzea6 e hortas urbanas7; os trabalhos de iniciação científica em Ciências Sociais conduzidos por Michel de Paula Soares sobre o circuito de colecionadores de discos de vinil8, e, também, por Diego Corrêa de Araújo sobre o circuito do forró na cidade9, e ainda demais pesquisas em andamento, quais sejam, as investigações de doutorado de Marcelo Yokoi (sobre rastafaris) e Priscila Cevada (sobre saraus e salas de concertos), e as de mestrado realizadas por Fabiana Soares (sobre o espaço cultural Aparelha Luzia), Flávia Belletati (sobre formas de habitar a cidade a partir de práticas culturais), Sâmia Souza (sobre as controvérsias em torno do Parque Minhocão) e Jéssica Andrade (sobre os sentidos em jogo à volta da Galeria Olido e do Centro Novo). Além de tais orientandos de Magnani com formações vinculadas à USP e com pesquisas relacionadas à cidade de São Paulo, o NAU Cidades tem em seu histórico a participação de pesquisadores oriundos de instituições estrangeiras, a saber, Craig Schuetze (University of California, EUA), com pesquisas sobre o universo dos motoboys paulistanos; Leonardo Cardoso (Texas A&M University, EUA), com investigações sobre as políticas do som em contextos metropolitanos; Eduardo Álvarez Pedrosian (Universidad de la Republica, Uruguai), com etnografias sobre a dimensão do habitar; Javier Barneche (Universidade de Buenos Aires, Argentina), com análises sobre as experiências dos usuários de espaços públicos; dentre outros.

4Os pesquisadores vêm participando, em conjunto, de uma agenda regular de reuniões para debate de textos de referências clássicas e contemporâneas à Antropologia Urbana, trocas de experiências derivadas de suas próprias pesquisas, planejamento com vistas a realização de trabalhos de campo, organização de eventos e demais iniciativas. O professor Magnani não se esquiva do acompanhamento corriqueiro de todas as ações cotidianas do NAU Cidades desde os seus primórdios. Sempre presente nas ocasiões, o professor estimula e propõe direcionamentos e oportunidades aos membros do grupo de estudo. Deste modo, desde 2010 até o presente, inúmeras foram as ações realizadas coletivamente na cidade de São Paulo: etnografias em várias situações e contextos, como durante a Virada Cultural e os jogos da Copa do Mundo FIFA 2014; organização dos Seminários de Antropologia Urbana e do Graduação em Campo no âmbito do Departamento de Antropologia da USP; contribuição com a curadoria da “Estéticas das Periferias”, evento promovido pela ONG Ação Educativa; palestras e workshops em diversas unidades do SESC; cursos de extensão para público externo à USP sobre as temáticas “juventudes” e “esportes”; além do estabelecimento de uma parceria com o Centro de Investigación de la Arquitectura y la Ciudad (CIAC) da Pontificia Universidad Católica del Perú (PUCP), o que tem incluído, aliás, visitas técnicas na instituição situada na capital peruana.

5Dado esse breve panorama histórico do NAU Cidades no LabNAU da USP, o presente ensaio apresenta de maneira mais detida as trajetórias de pesquisa de quatro de seus antigos coordenadores, cujas pesquisas sobre o contexto urbano foram realizadas a partir do diálogo que construíram durante suas coordenações do grupo. Dessa maneira, a seguir temos o trabalho de Alexandre Pereira sobre os “rolês” dos jovens na cidade de São Paulo; de Giancarlo Machado sobre a prática do skate de rua; de Lucas Moraes sobre as controvérsias em torno da implementação de ciclovias; e de Michel Soares acerca das vicissitudes do boxe e da resistência de seus praticantes à cidade neoliberal. Na conclusão, por sua vez, apresentaremos o atual cenário do NAU Cidades, coordenado pela mestranda Jéssica Andrade, a fim de evidenciar as dinâmicas vigentes e a forma como tem se dado a atuação do grupo no presente. Tais pesquisas, em conjunto, denotam a importância fundamental de José Guilherme Magnani no processo formativo de uma geração de novos antropólogos urbanos.

Os “rolês” dos jovens em São Paulo

6O NAU Cidades iniciou seus trabalhos em 2010 com quatro membros: Alexandre Barbosa Pereira, da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), Lilian de Lucca, então doutoranda pelo PPGAS da USP, Gilberto Geribola Moreno, então doutorando pela Faculdade de Educação da USP e Craig Schuetze, pesquisador da University of California, Santa Cruz. O grupo inicia-se com a proposta de promover leituras de textos sobre a questão urbana. No período de 2010 a 2012, a coordenação do NAU Cidades ficou sob responsabilidade de Alexandre Barbosa Pereira. O período de coordenação do NAU Cidades por Pereira foi imediatamente posterior à sua defesa de doutorado e concomitante a seu início de trabalho como professor da Unifesp, inicialmente no Campus Baixada. Esse período de sua participação no NAU Cidades foi importante para os desdobramentos de suas pesquisas anteriores, sobre a “pixação” e com os jovens nas escolas de bairros periféricos de São Paulo.

7Pereira estudou a “pixação” entre os anos de 2001 e 2007, as sociabilidades juvenis nas escolas entre 2006 e 2010 e o funk ostentação entre 2012 e 2014. Nessas três pesquisas, ele atenta para como diversificadas práticas culturais juvenis, protagonizadas por jovens que moram ou que se identificam com a periferia de São Paulo, desenvolvem-se, fundamentalmente, em três âmbitos: do lazer, da fruição dos espaços urbanos e da busca por reconhecimento e visibilidade. Nesse sentido, uma categoria se destacava como fundamental para pensar a articulação juventude, cidade, lazer e busca por reconhecimento: a noção de “rolê”, que faz referência direta às ideias de circulação e fruição da cidade, por meio de práticas de lazer. Trata-se, assim, de uma categoria utilizada em dois contextos pesquisados por Pereira (2018; 2016), no da “pixação”, cujos adeptos denominam as saídas para “pixar” como “rolês”, e nos “rolezinhos”, encontros de jovens que gostavam de funk ostentação, em shopping centers da cidade de São Paulo.

8No caso da “pixação”, a categoria “rolê” exerce papel fundamental, pois, em meio ao anonimato que uma metrópole proporciona, escreve-se em muros de modo não autorizado sem ser identificado e, ao mesmo tempo, alcança-se, por conta disso, certa fama dentro do grupo do qual se faz parte. Quem mais “pixa” em lugares de mais destaque e risco é identificado como alguém que tem mais “rolês” pela cidade e, assim, é mais admirado pelos pares. Consegue, por meio dessa prática, obter fama dentro de um grupo específico, aproveitando-se do anonimato da metrópole. Somente se torna um “pixador” de verdade quem deixa sua marca nos muros mais distantes do bairro onde se mora, principalmente se estiverem no centro da cidade. Exatamente por isso denominam o ato de “pixar” como “rolê”, que seria o mesmo que dar uma volta, ou fazer um passeio, para usufruir da cidade e, nesse caso, marcá-la. Aqueles que têm muitas “pixações” na cidade são reconhecidos como os que têm muitos “rolês” e, por isso, merecem o respeito dos pares.

9No caso dos “rolezinhos”, esse movimento foi uma consequência direta da ascensão, em São Paulo, do chamado funk ostentação, cujo principal objetivo, a princípio, era produzir músicas e videoclipes para justamente conseguir o maior número de visualizações e, em seguida, um grande público para os seus shows. Os “rolezinhos”, assim mesmo no diminutivo, expressavam seu caráter despretensioso. Não havia ali nenhum objetivo a não ser encontrar outros jovens, ver e ser visto. Nos “rolezinhos”, muitas vezes, após os encontros nos shoppings, os jovens perguntavam nas redes sociais por quem os tinha visto nos eventos, demonstrando a importância do ver e ser visto. Os “rolezinhos” foram, portanto, passeios coletivos em shopping centers, combinados pelas redes sociais, principalmente o Facebook, que começaram a ocorrer de forma bastante intensa entre o final de 2013 e início de 2014. Os “rolezinhos” foram formados por jovens que queriam estar nesses centros comerciais, por serem considerados espaços de prestígio e reconhecimento, mas que sofreram dura repressão policial e foram alvo de certo pânico moral, por meio de notícias que acusavam tais eventos como encontros promovidos para vandalismo e roubos, pelo fato de sua presença coletiva ser indesejada e percebida como ameaçadora. Os jovens frequentavam os “rolezinhos” para verem e serem vistos pelos seus pares e, depois, ainda comentarem nas redes sociais quem os havia visto no “rolezinho” no shopping.

10A noção de “rolê” está ligada diretamente, portanto, a uma perspectiva de desfrutar de um momento de lazer na companhia de outros jovens. Sobre essa dimensão dos usos juvenis do tempo livre, José Machado Pais (2003) afirma que haveria hábitos bastante comuns entre os grupos juvenis, como o de “matar o tempo”, que compreenderia sair, divertir-se ou, como no caso em questão, fazer um “rolê”. Conforme essa perspectiva, encontrar-se para não fazer nada seria uma das atividades mais importantes das culturas juvenis. E esse fazer nada envolve, fundamentalmente, estar com os amigos a conversar. “Os assuntos das conversas não têm de ser reais, podem ser histórias fictícias, imaginárias, irreais – tanto mais interessantes quanto mais divertidas” (PAIS, 2003, p. 131). O sair para se divertir, segundo Machado Pais, levaria a uma quebra no cotidiano por meio das sociabilidades grupais e de uma organização coletiva do tempo, na qual se procura o lado festivo da vida. Nesse sentido, o não fazer nada seria apenas aparente, pois, por meio desses encontros para usufruir do ócio, os jovens desenvolveriam formas efetivas de participação social que reforçariam coesões grupais.

11Os “rolês” da “pixação” marcados nos muros da cidade e o do funk ostentação marcando presença em shopping centers e em noticiários da mídia brasileira, guardadas as particularidades de cada uma dessas práticas culturais, constroem trajetos pelas cidades que têm profunda similaridade com a noção de espaço liso de Deleuze e Guattari (1997) em contraposição ao que os autores denominam como espaço estriado. O primeiro mais aberto a nomadismos e performatividades. Já o segundo, prezando pela ordem e o controle. As duas modalidades espaciais, que podem inclusive se imbricar com os espaços lisos engendrando espaços estriados e vice-versa, guardam ainda diferenças em relação ao modo como tendem a se configurar os trajetos. No espaço estriado, afirmam os autores, as linhas subordinam-se aos pontos, enquanto no espaço liso são os pontos que se subordinam aos trajetos. Em outras palavras, trazendo para os contextos abordados, o “rolê” é mais importante que as ordenações dos lugares aonde se vai.

12José Guilherme Magnani (2007) utiliza-se do termo trajeto como forma de categorizar determinado uso dos espaços mais ligados a fluxos mais abrangentes na cidade, que levaria a certa diversidade, pois se estenderia para além do bairro. Essa noção de trajeto de Magnani mostra-se bastante relevante para se pensar os deslocamentos dos “pixadores” dos seus bairros na periferia para o centro da cidade ou dos funkeiros para os shopping centers, situados muitas vezes em regiões próximas aos seus locais de moradia. Porém, a partir dessa discussão de Deleuze e Guattari, pode-se atribuir outros significados a noção de trajeto para, justamente, poder apreender a complexidade da noção de “rolê” utilizada nos dois contextos, com similaridades e especificidades, em ambos transcendendo a ideia de simples ligação entre pontos.

13Na “pixação”, a marca no muro, com toda a sua efemeridade, acaba sendo um modo de fixar esse trajeto, não num ponto específico, mas em referências de memória para os “pixadores”. No caso dos “rolezinhos”, é o encontro entre jovens fãs de funk mais importante que as restrições impostas a eles nos shopping centers, que, aliás, foram desafiadas em diferentes momentos com a multiplicação dos “rolezinhos”, em shoppings da cidade e do país, proporcional à repressão e à repercussão negativa dos encontros na grande mídia. José Machado Pais (2006), ao tratar do que denominou como expressividades juvenis, retoma a discussão de Deleuze e Gutattari sobre os espaços lisos e estriados e afirma que as práticas culturais juvenis situam-se justamente entre as prescrições que socializam tais jovens e as performances cotidianas que, muitas vezes, se contrapõem justamente a essas prescrições.

14Nessas duas práticas descritas, a “pixação” e os “rolezinhos”, o que se constata é a constituição de espaços privilegiados de busca de reconhecimento e visibilidade. Vivemos um contexto em que cada vez mais os sujeitos se encontram deslocalizados, conforme aponta Arjun Appadurai (1997). Os jovens que Pereira acompanhou, pela “pixação”, ou pelos adeptos do funk ostentação e seus “rolezinhos” nos shoppings, estão justamente mostrando esse desejo de circulação e a ambiguidade dos territórios nas grandes cidades. No mundo contemporâneo, intensifica-se o movimento de valorização do lugar de onde se é nativo concomitantemente ao desejo das pessoas quererem cada vez mais estar em tantos outros e diferenciados lugares. Pela “pixação”, apesar da afirmação da periferia como espaço que lhes confere certa marca identitária, é no centro que se quer estar, se encontrar e obter visibilidade. No funk ostentação, ainda que a periferia desponte como espaço de reconhecimento, como acontece na “pixação”, e muitas músicas de funk exaltem a humildade de quem vem de tais lugares marginalizados como um valor, é por meio do consumo de grifes e mesmo pela presença em shopping centers, como se viu nos “rolezinhos”, que buscam e afirmam reconhecimento.

15O período em que Pereira foi coordenador do NAU Cidades, portanto, foi um momento importante para o desenvolvimento das suas pesquisas já realizadas no mestrado e doutorado, agora sob uma outra perspectiva, mas ainda bastante influenciado pela perspectiva etnográfica defendida por Magnani (2002) de buscar um meio termo entre as categorias êmicas e as categorias de análise, a fim de não ficar preso no discurso dos interlocutores, nem de apenas replicar uma discussão teórica que não produz novidade, mas apenas reafirma o que se já tem dito. A partir da inserção de Pereira em cargos de gestão na Unifesp, a coordenação passou para Giancarlo Machado, que conduziu de forma bastante criativa o grupo, em total diálogo com o seu tema de pesquisa, produzindo importantes parcerias. Machado (2022), conforme poderá ser constatado a seguir, também observou a importância da categoria “rolê” para os skatistas, como uma importante forma de apropriação do espaço urbano.

Skatistas na cidade: citadinos incapturáveis

16O NAU Cidades foi coordenado por Giancarlo Machado entre 2013 e 2016. Neste período, na condição de doutorando em Antropologia Social pelo PPGAS/USP sob a orientação de José Guilherme Magnani, o pesquisador ficou responsável em dar continuidade ao relevante trabalho que vinha sendo desenvolvido por Alexandre Pereira, já apresentado no último tópico. Com efeito, o NAU Cidades manteve neste período um ritmo intenso de reuniões e demais articulações entre os seus membros. Constituiu-se como um espaço de trabalho, de pesquisa, mas também de muita sociabilidade e aprendizados. O professor Magnani, presente em todas as ocasiões, mantinha-se extremamente habilidoso ao convergir interesses e temáticas um tanto destoantes em prol de perspectivas centradas sobretudo nos dilemas decorrentes das apropriações urbanas bem como no protagonismo citadino em situações diversas. A sua postura de liderança acabou por estimular as pesquisas vigentes na época, dentre elas, a condução da tese de doutorado de seu orientando, Giancarlo Machado, que encontrou um ambiente profícuo para aprofundar suas análises sobre a prática do skate na cidade de São Paulo.

Figura : José Guilherme Magnani coordenando reunião do NAU em 2013. Acervo NAU Cidades.

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17Machado evidenciou etnograficamente como a circulação dos skatistas pela capital paulista é marcada pela coexistência de negociações, intervenções, disputas e conflitos que reverberam múltiplas questões que extrapolam os domínios de uma prática corporal e de lazer. A modalidade skate de rua10, a qual fora como foco de sua investigação, exprime uma experiência rítmica e fugaz nas calçadas, um ziguezagueante flanar pelas superfícies do urbano que revela a plasticidade de corpos em interação com obstáculos dos mais variados tamanhos, inclinações e texturas. É pelos “picos” – termo nativo que designa equipamentos urbanos (bancos, escadas, corrimãos, rampas etc.) onde são realizadas as manobras – que os skatistas fazem seus “rolês”11, se apropriam da cidade e se sentem estrangeiros em seus próprios contextos12. É pela possibilidade de encontrá-los inesperadamente que eles estão a filtrar tudo aquilo que observam em seus cotidianos citadinos. Klaus Bohms, skatista profissional da atualidade, em entrevista concedida à Machado, enfatizou que:

É o meu anseio de sair do meu bairro e ir conhecer outros lugares. É andar de skate pela rua. E naturalmente ocupar os espaços. Mesmo eu fazendo isso sem dar a devida importância, eu acho importante para as pessoas que não andam de skate. Para que elas possam ver a cena, ver uma galera ocupando um espaço por diversão, dando um significado para aquilo, dando vida ao espaço. Acho bom para o entorno, até mais do que para a gente. A gente só quer se divertir. Mas acho que cria uma atmosfera no lugar onde a gente ocupou, dá vida, e isso é importante não só para o skate, mas para as pessoas em geral. (Klaus Bohms, skatista profissional, entrevista concedida em 2014)

  • 13 Em 1988, Jânio Quadros, então prefeito de São Paulo, proibiu a prática do skate nas ruas da cidade. (...)

18Se por um lado tais atitudes aprazem aos praticantes, por outro contrastam com os dissabores que acarretam na rotina conturbada da capital paulista: a prática do skate de rua é intrusiva, produz barulho, traz danos a equipamentos e propriedades e ainda coloca em risco a integridade física de pedestres. Em razão disso ela está sujeita tanto a criminalizações quanto a uma série de agenciamentos e intervenções que intentam causar impactos nas apropriações que os seus praticantes fazem da cidade13.

  • 14 Resultados da abordagem sobre os enquadramentos políticos da prática do skate de rua em São Paulo t (...)

19Machado, através de seu trabalho de campo realizado em São Paulo, constatou uma série de ações propostas e efetivadas por múltiplos agentes e instituições no intuito de controlar corpos em movimentos desajustados de determinadas pretensões político-espaciais e com vistas a amenizar os transtornos decorrentes dos usos que os skatistas fazem de espaços e equipamentos urbanos não planejados para a execução de suas técnicas corporais14. Dentre tais ações destacou-se a aprovação, no âmbito da Câmara Municipal de São Paulo, da “Frente Parlamentar para Defesa e Incentivo da Prática da Modalidade Esportiva de Skate na Cidade de São Paulo”.

20A iniciativa vislumbrava, dentre outros interesses, a aplicação de uma série de atividades (como seminários, simpósios, reuniões) para que fossem colocados em pauta assuntos relacionados à prática do skate em São Paulo. Para a aprovação da frente parlamentar foi elaborada uma justificativa com o intuito de embasar quais seriam os princípios de sua atuação. No rol das alegações, destacam-se as seguintes passagens:

O crescimento econômico trouxe investidores e o mercado [especializado em skate] praticamente triplicou de tamanho. Com tais mudanças as pessoas buscaram, cada vez mais, a prática da referida atividade, invadindo praças, parques, ruas, calçadas por toda a cidade, que ainda carece de quantidade de pistas adequadas para consecução de tal modalidade. Conforme estatui o artigo 217 da Constituição Federal é dever do Estado fomentar a prática esportiva, destinando recursos públicos necessários para que a população tenha acesso a prática de esportes, que proporcionam uma vida saudável, o que certamente contribuirá para melhoria da qualidade de vida de toda população. (“Justificativa”. Disponível em: http://documentacao.camara.sp.gov.br/​iah/​fulltext/​justificativa/​JPR0010-2013.pdf. Acesso em 02/01/2016. Grifos nossos)

  • 15 Segundo o jornal Estadão, “uma pesquisa realizada pela SGI Europe (Sports Good Intelligence), em pa (...)

21No excerto acima constam algumas características do universo do skate que foram acionadas de maneira estratégica pelo vereador Eduardo Tuma (PSDB), proponente da frente parlamentar. A primeira delas diz respeito ao seu mercado especializado, o qual atualmente movimenta cifras bilionárias em todo o mundo.15 Outra consideração mencionada realça que é a carência de locais apropriados que faz com que determinados espaços urbanos sejam “invadidos” pelos praticantes. É reforçado, portanto, que diante a demasiada demanda por tal “esporte” – forma como o skate é enquadrado – caberia ao Estado estimulá-lo com a promoção de condições adequadas a fim de conter a “invasão” de locais que não foram planejados para tal propósito. A justificativa ainda acentua as consequências que podem ocorrer caso este esporte, o skate, continue sendo realizado em espaços improvisados:

Ocorre que em São Paulo não há uma valorização de tal modalidade de esporte, apesar de seu crescimento, principalmente perante a população mais jovem. Faltam pistas adequadas para a prática, além de uma manutenção pontual nas existentes, fazendo com que os skatistas improvisem locais, trazendo problemas de segurança e causando conflitos com a população, por se tratar de um esporte com manobras “arriscadas”. (“Justificativa”. Disponível em: http://documentacao.camara.sp.gov.br/​iah/​fulltext/​justificativa/​JPR0010-2013.pdf. Acesso em 02/01/2016. Grifos nossos)

22Diante dos eventuais conflitos, a melhoria defendida pela frente parlamentar é, de modo geral, a construção e a reforma de pistas de skate na cidade de São Paulo. Apesar de a frente parlamentar reconhecer as potencialidades do skate e das diversas modalidades de sua prática, Machado atentou para o fato de que esta e muitas outras ações governamentais visam estabilizar os diferentes sentidos que permeiam o seu multifacetado universo em apenas um único viés, qual seja, o esportivo. Desse modo, ao tratar o skate meramente como uma prática esportiva passível de regulamentação, certos aspectos incômodos de sua realização são obliterados ao passo que outros tidos como mais aceitáveis são enfatizados estrategicamente a fim de que a sua prática se torne mais assimilável por políticas públicas e demais formas de investimento.

  • 16 Muitos interlocutores contatados afirmaram que, para a realização da prática do skate, “não importa (...)

23Malgrado as controvérsias em torno do fomento institucional ao skate, Machado assinalou que boa parte dos skatistas é favorável à construção de pistas de skate, tal como vem sendo intentado pelo poder público paulistano desde meados da década de 199016. Conforme percebido pelo pesquisador, eles não apenas as frequentam cotidianamente, mas também reclamam daquelas que se encontram em más condições, eventualmente realizam reformas nelas, fazem abaixo-assinados e buscam toda sorte de articulações a fim de propiciar o aparecimento de outras mais. Não é à toa, aliás, que diversos empresários têm investido em pistas privadas, empreendimentos estes que cresceram significativamente na cidade nos últimos anos.

24É inegável, portanto, o interesse dos skatistas por tais espaços destinados à prática. Apesar de tal constatação, Machado pondera que as pistas de skate não apenas concentram sociabilidades e manobras em seus respectivos âmbitos, mas também dão margem para que os seus frequentadores incorporem uma série de experiências que nem sempre se compatibilizam com aquelas almejadas por certos agentes defensores de suas existências.

25As pistas públicas muitas vezes são construídas tendo em vista um equilíbrio de tensões, para utilizar a perspectiva de Elias e Dunning (1992), expressas em termos corporais e espaciais. Entretanto, as suas existências não amenizam os conflitos que a prática do skate ocasiona em variados equipamentos da cidade. Elas apenas ampliam o leque de locais possíveis para a prática, porém não centralizam com rigor as manobras dos praticantes em seus limites. Realocam, via de regra, novas assimetrias no que toca aos usos dos espaços urbanos. Como atestado por Machado, de nada tem adiantado a tentativa de cercear e confinar uma prática urbana numa área que dispõe de obstáculos que simulam equipamentos encontrados nas ruas. Desse modo, independentemente das disponibilidades e das qualidades das pistas de skate – considerada, por vezes, como “ruas artificiais” – os adeptos do skate de rua continuarão fazendo “rolês” por toda São Paulo com olhares demasiados astuciosos e refinados a ponto de enxergar na materialidade da cidade probabilidades surpreendentes de usos. Eles se aproveitam dos mínimos detalhes, de equipamentos triviais, daquilo que poucos notam, das sobras do urbano.

Figura : Giancarlo Machado e José Guilherme Magnani em incursão etnográfica realizada na Zona Leste de São Paulo em 2014. Acervo NAU Cidades.

  • 17 O CITADINO (Núcleo Interdisciplinar de Temáticas Urbanas da Unimontes-MG) foi criado em 2020, por G (...)

26A tese de Giancarlo Machado foi defendida em 2017 no PPGAS/USP. A inspiração provocada pelos trabalhos de Magnani, mas também de Pereira, foi crucial para a descoberta de categorias nativas que permearam a consolidação de sua investigação – dentre elas, “picos” e “rolês” –, a partir da qual tornou-se possível pensar, diga-se de passagem, numa cidade do skate. Machado tornou-se professor do Departamento de Ciências Sociais da Universidade Estadual de Montes Claros (Unimontes-MG), onde atualmente coordena o Núcleo Citadino, sendo este inspirado nas dinâmicas e experiências obtidas durante a orientação que tivera com Magnani17. Devido à sua inserção profissional e acadêmica em outro contexto, Machado abdicou da coordenação do NAU Cidades, que passou a ser liderado por outro então doutorando, Lucas Lopes Moraes, que ampliou as dinâmicas do grupo de estudos, conforme se verá a seguir.

Ciclistas, ciclovias e os modos de vida em movimento

27No período de 2017 a 2020 o Nau Cidades foi coordenado por Lucas Lopes de Moraes, pesquisador na condição de doutorando sob a orientação do professor José Guilherme Magnani, que recebeu a tarefa de dar continuidade ao trabalho realizado por Giancarlo Machado. Nesse período, o grupo manteve um cronograma quinzenal de reuniões, nas quais os seus membros voltaram sua atenção a dois temas principais: mobilidades urbanas e patrimonialização dos espaços e equipamentos urbanos. Conjugando os interesses dos pesquisadores e pesquisadoras, as reuniões e as experiências compartilhadas de campo permitiram transitar entre diferentes áreas do conhecimento, como a Sociologia Urbana, Arte e Arquitetura, Ciência Política e a própria Antropologia Urbana, sempre com um ponto de interesse entre os participantes: a etnografia em contextos urbanos. Destacaram-se as discussões que abordaram os autores da Virada da Mobilidades, que em muito contribuíram para o andamento das pesquisas realizadas pelos integrantes do grupo, possibilitando articular as propostas de pesquisadores como Mimi Sheller e John Urry (2006), com todo o arcabouço teórico-metodológico já consagrado pelo NAU e por Magnani. A ênfase no habitar em movimento e nas mobilidades urbanas como ponto de partida para as pesquisas em contexto urbano, trazida pelos autores do Novo Paradigma das Mobilidades, mostrou-se alinhada com a aplicação de categorias descritivas e analíticas como pedaço, circuito, trajeto e manchas, gerando um conjunto de reflexões sobre os modos de vida urbanos a partir de diferentes objetos de pesquisa.

28Ainda, a articulação com as contribuições de colegas pesquisadores do Programa de Pós-graduação em História da Arte da Unifesp, que entre os anos de 2019 e 2020 passaram a contribuir com as atividades do NAU Cidades, permitiu tanto o aprofundamento de leituras sobre patrimônio e grandes projetos urbanos, quanto a interlocução com uma literatura relativa às urbans assemblages, uma proposta interdisciplinar (Fárias, 2011; Blok; Fárias, 2016) que aborda a cidade em sua múltiplas composições espaciais e relacionais, com ênfase nas copresenças e nas disputas. Manteve-se assim, a vocação interdisciplinar do grupo, mas sempre com o interesse na etnografia como método capaz de estabelecer esse contato entre diferentes áreas do conhecimento e seus objetos, sem deixar de lado o pano de fundo das questões caras à Antropologia Urbana.

29A coordenação do grupo seguiu no sentido de agregar as experiências de pesquisa dos seus integrantes contando com seminários realizados por membros do NAU Cidades, que na ocasião das reuniões apresentaram suas pesquisas em andamento, com destaque para: Laís Silva Amorim, à época mestranda do Programa de Pós-graduação em História da Arte da Unifesp, Paulo Tácio Aires Ferreira, doutorando do Programa de Pós-graduação em Turismo da EACH-USP e Vinícius Spira, doutorando do Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social da USP.

  • 18 Entre 2012 e 2014, Lucas Lopes de Moraes foi orientando de José Guilherme C. Magnani no mestrado, d (...)

30Por sua vez, o coordenador Lucas Lopes de Moraes manteve em desenvolvimento sua pesquisa no âmbito do doutorado do PPGAS/USP18. Iniciado em 2016, esse trabalho voltou-se à observação e descrição das disputas em torno da implantação de um Sistema Cicloviário na cidade de São Paulo. Tal questão ganhou visibilidade a partir das ações da gestão municipal de Fernando Haddad (2013-2016), que ampliou a malha cicloviária paulistana, investindo em mudanças estruturais no trânsito da cidade, com a ampliação de corredores de ônibus, propostas de redução da velocidade máxima de determinados trechos e “abertura”, aos pedestres, de avenidas aos domingos. Essas medidas, no decorrer dos primeiros anos dessa gestão, geraram um conjunto de resistências e embates entre diferentes atores, que se intensificaram com a eleição de João Dória e Bruno Covas à prefeitura em 2016. Com as novas propostas desses gestores de “Acelerar São Paulo”, revertendo muitas das mudanças trazidas pelo prefeito anterior, tais controvérsias se aqueceram.

31Sendo assim, Moraes tratou de observar e descrever as disputas em torno da implantação de um Sistema Cicloviário na cidade de São Paulo, assim como os enunciados e práticas de ciclistas e seus coletivos sobre as mobilidades em São Paulo, e o debate com os demais atores envolvidos nessa questão. Frente ao desdobramento dessas situações de campo, buscou-se seguir esses atores “até onde foi possível”, tomando o método etnográfico como norte metodológico, descrevendo as associações, práticas e enunciados de ciclistas e seus coletivos, com atenção às interlocuções com os demais atores envolvidos no que foi definida pelo autor como uma “controvérsia sobre as mobilidades paulistanas” (Moraes, 2021). Tal controvérsia foi mapeada sob inspiração da abordagem proposta por Bruno Latour (2012) e Tommaso Venturini (2010), tendo em vista que diante do debate sobre a implantação e permanência de ciclovias e o direito de mobilidade de ciclistas e bicicletas, atores humanos e não-humanos tornaram-se visíveis diante dos grandes projetos urbanos e conseguiram colocar em xeque modelos sedimentados e seculares de cidade, evidenciando formas de mover-se atreladas aos modos de vida em contexto urbano.

32Moraes, por meio da observação dos embates e interlocuções entre ciclistas, comerciantes, moradores locais e agentes públicos, demonstrou o quanto a cidade aparece como modelo inacabado, arena de disputas e compartilhamentos na qual diversos sentidos e experiências sobre a vida em contexto urbano se conectam e fazem proliferar atores, que no debate sobre a importância ou não das ciclovias, apresentam propostas diferentes sobre como a cidade deve ser. São “modos de vida compartilhados” (Magnani, 2014, p. 04), capazes de esgarçar a noção clássica da Antropologia Urbana sobre o “urbanismo como modo de vida” (Wirth, 1967 [1938]), e que permitem que cidades vividas emerjam e possam colocar em causa noções sedimentadas sobre o urbano.

33Nas situações observadas, moradores de Higienópolis (bairro de classe média alta, na região central da cidade), manifestaram-se e entraram com uma representação no Ministério Público do Estado. De outro ponto, ciclistas fizeram uso de um arcabouço jurídico, exigindo o cumprimento das propostas dos Planos de Mobilidade e do Plano Diretor da Cidade de São Paulo, exigindo respeito ao Código de Trânsito Brasileiro. A partir desses movimentos, novos canais de interlocução foram estabelecidos, como a Câmara Temática de Bicicleta e ciclos de audiências públicas.

34Já em Cidade Tiradentes, bairro da região Leste de São Paulo, comerciantes e moradores locais elaboraram um abaixo-assinado solicitando a remoção de uma das poucas ciclovias da região. A via estaria atrapalhando o comércio, ocupando o espaço das vagas dos carros e estrangulando a principal avenida de conexão da região com o resto da cidade. A Associação dos Ciclistas Urbanos de São Paulo (Ciclocidade) realizou uma pesquisa, contou ciclistas, descobriu que os usuários da ciclovia eram, em sua maioria, crianças, adolescentes e idosos, que todos os dias usavam a via para acessar a praça do bairro, um dos poucos equipamentos públicos disponíveis.

35Nas audiências públicas, representantes dos ciclistas expuseram seus argumentos, relataram suas experiências diárias e defenderam a permanência da ciclovia. A via permaneceu para ser apagada anos depois, mas as disputas se mantiveram. A partir dessas situações de campo, Moraes buscou demonstrar o quanto atores elaboram formas de produção de visibilidade, mas também sentidos sobre seus movimentos e os espaços urbanos. As negociações, típicas do contexto heterogêneo da cidade de São Paulo no qual arranjos coletivos diversos circulam e interagem (Magnani, 2012), são alçadas ao plano da disputa por mobilidades, e por isso, novas associações são produzidas, mas sem que a experiência cotidiana de pedalar seja deixada de lado.

36O trabalho de Moraes, para além das descrições sobre uma controvérsia sobre concepções do urbano entre diferentes modos de vida, também trouxe o debate relativo à centralidade das mobilidades como ponto de convergência de disputas sobre acesso e direito à cidade. Sob a influência das reflexões propostas pelos autores da virada das mobilidades (ou Novo Paradigma das Mobilidades), Moraes propõe uma interlocução com as categorias desenvolvidas por Magnani, demonstrando o quanto os trabalhos realizados pelo fundador do NAU já apontavam a importância do olhar sobre as mobilidades. Pedaços, trajetos, circuitos, pórticos e manchas, são categorias que evidenciam movimentos, paradas, estagnações e partidas, que permitem descrever a cidade e suas “paisagens, equipamentos e instituições” (Magnani, 2012, p. 325) como produto de práticas associadas aos movimentos e circulações. Magnani evidencia uma antropologia que, se não define mobilidades, aponta para a dimensão fundamental do movimento, dos encontros pelas manchas, trajetos e pedaços, como constituinte dos modos de vida citadinos. É nessa interlocução entre os autores dos Novos Paradigmas das Mobilidades e Magnani, que Moraes propõe uma Antropologia das Mobilidades, que ao aplicar o método etnográfico para observar e descrever como atores circulam pela cidade e disputam seus direitos de acesso e coexistência nos espaços urbanos, pode revelar dimensões fundamentais dos modos de vida citadinos.

37Em 2020, diante da iminência dos prazos para a defesa de sua tese (aprovada em outubro de 2021), Lucas Lopes de Moraes afastou-se da coordenação do NAU Cidades, que passou a ser realizada interinamente pela pesquisadora (à época mestranda orientada por Magnani) Sâmia Pereira de Souza, que já atuava no apoio da coordenação como membro ativa do grupo. Coordenação que, depois de alguns meses, foi repassada ao doutorando Michel de Paula Soares.

Circuitos de consumo, circuitos insurgentes: das feiras de discos ao boxe olímpico

38 A partir de outubro de 2020 até o final do ano de 2022, o NAU Cidades foi coordenado por Michel de Paula Soares, então doutorando em Antropologia Social pelo PPGAS/USP desde 2019, sob a orientação de José Guilherme Magnani. Michel iniciou sua trajetória como pesquisador do LabNAU a partir de 2012, em seu segundo ano de graduação em Ciências Sociais, através do extinto programa Ensinar com Pesquisa, oferecido pela Pró-Reitoria de Graduação da Universidade de São Paulo. Dessa maneira, pode acompanhar a gestão de todos os coordenadores anteriores do NAU Cidades, participando das reuniões, organização de eventos, assim como auxiliando em pesquisas e projetos durante esses mais de dez anos.

39A coordenação do NAU Cidades sob gestão de Michel Soares iniciou-se durante o período da pandemia do Coronavírus. Por isso, as reuniões, debates e encontros ocorreram de forma virtual. E mesmo após a atenuação da pandemia, com a aplicação em massa das vacinas, os encontros seguiram a mesma dinâmica, com encontros quinzenais e de maneira online. A vantagem desse formato foi possibilitar a participação de estudantes, pesquisadoras e pesquisadores de diversas localidades, as quais não poderiam participar caso as reuniões voltassem a serem apenas presenciais. Assim, houve a participação de pessoas localizadas em Olinda, Belo Horizonte, Rio de Janeiro, Goiânia, além de algumas cidades do interior de São Paulo. Vale destacar a participação do professor Antônio Carlos, de Maputo, Moçambique, além das apresentações das pesquisas de Alvaro Kanasiro, diretamente do Japão, e de Alberto Fierro, da Itália.

40Em sua trajetória enquanto pesquisador, sempre sob orientação de José Guilherme Magnani, Michel Soares privilegiou a prática etnográfica através da “participação observante” (Wacquant, 2002) desde o trabalho de iniciação científica ao trabalho de campo para a construção de sua tese em antropologia. Em sua pesquisa de iniciação científica, realizada de 2013 a 2014, buscou compreender as relações de sociabilidade que se davam durante as feiras de discos de vinil, realizadas mensalmente em diferentes pontos na cidade de São Paulo, assim como a relevância do próprio objeto – o disco de vinil – para estas relações. Ao adotar a estratégia de trabalhar, durante as feiras, como auxiliar de um colaborador da pesquisa, pode realizar as observações, conversas, entrevistas e interlocuções a partir do lugar de vendedor de discos, experimentando assim o lugar do outro. Enquanto experimentação metodológica, a postura apresentou algumas vantagens, mas também restrições. Entretanto, permitiu ultrapassar o nível estritamente discursivo dos consumidores, possibilitando um acesso às experiências subjetivas de seus interlocutores. Esta perspectiva micro de análise, com um recorte bem delimitado, permitiu uma cuidadosa descrição etnográfica, além de examinar processos reais de consumo, revelando reações e utilizações dos discos diferenciadas e complexas por parte do público. Desta maneira, pode identificar, além de um mercado de bens simbólicos, qual a importância para as relações sociais e para a formação de uma identidade pessoal o consumo de discos possuía para os atores envolvidos (frequentadores destas feiras, consumidores, vendedores, colecionadores, curiosos, entre outros), além de identificar a construção de uma rede de sociabilidade que vai estabelecer seu próprio circuito (Magnani, 2002) pela cidade de São Paulo, perpetuando-se para além das Feiras.

41Contudo, para além da aplicação da categoria circuito, teve rendimento uma outra categoria, o enlace, um local “onde se articulam circuitos diferentes” (Magnani, 2007, pág.248). Esta categoria permitiu uma ampliação da rede de relações para além de algum circuito específico. Desta maneira, pode-se encontrar Straight Edges procurando discos de bandas Hardcore, góticos buscando discos do The Cure, amantes de Bossa Nova atrás de discos originais de João Gilberto, entre outras dezenas de grupos, todos circulando em um mesmo ambiente, por mais que não possuíssem afinidades de estilo de vida ou classe social.

42Já em seu mestrado, realizado de 2016 a 2019 no PPGAS/USP, Soares iniciou sua pesquisa sobre o boxe, tema de interesse que se manteve também no doutorado. Para a construção de sua dissertação, partiu de sua própria experiência enquanto aprendiz de boxe em três academias, instaladas em distintas regiões – Baixada do Glicério, Tatuapé e Bom Retiro – da cidade de São Paulo. Essa trajetória possibilitou, de certa forma, tomar uma posição comparatista, mesmo que de forma experimental e especulativa, sem a intenção de dar um quadro geral sobre o pugilismo em São Paulo, mais interessado em aprofundar questões e inquietações sobre as complexas relações que permeiam o mundo do boxe, seus praticantes e territórios. Assim, foi possível acompanhar o fazer-cidade (Agier, 2015) de corpos vulneráveis em mobilidade que se comprometem com a prática do boxe como tarefa regular.

43Partindo da compreensão de que o cenário e o corpo são suportes da memória, Soares buscou compreender a conexão entre o boxe e a cidade a partir da construção, composição e descrição de histórias de vida. Para isso, registrou, a partir de seu lugar social no campo dessas relações, narrativas sobre si de pessoas comprometidas com a prática do pugilismo. Isso porque boxeadores, em suas memórias e lembranças, contadas e recontadas regularmente, falam sobre a cidade e sobre os modos como se relacionam com ela. Para tanto, essas histórias de vida não foram tratadas como relatos factuais, mas sim como instrumentos de (re)construção de si. Assim, foi possível alinhar as categorias trajeto e trajetória; a primeira pensada para analisar a circulação e a segunda, cunhada pelo antropólogo urbano Gilberto Velho, pensada enquanto projeto de vida e campo de possibilidade dos interlocutores da pesquisa.

44Outra contribuição importante foi o diálogo com o trabalho do colega e ex-coordenador do NAU, Alexandre Barbosa Pereira, que discutiu a categoria “quebrada” em seu trabalho com “pixadores” da capital paulistana, conforme descrito anteriormente. Isso porque a Baixada do Glicério, território onde a pesquisa de mestrado se iniciou, foi apresentada pelos interlocutores como uma “quebrada no centro”. Para Pereira, assim como outras categorias estigmatizantes, “quebrada” adquiriu “novos contornos em seu cotidiano, revertendo-se de sinal negativo, de estigma e/ou carência, a sinal positivo, de afirmação e mesmo de superioridade” (Pereira, 2013, p. 98). Assim, “quem vive nas quebradas da cidade, conforme essa perspectiva, adquire maior força por saber lidar com os riscos sociais de tais lugares” (Idem, p. 98). Dessa maneira, conforme analisou Soares, a “quebrada” apresentaria características diferentes da categoria pedaço (Magnani, 2002). O reconhecimento, atividade característica da categoria pedaço, operaria na “quebrada” de maneira singular, resultado da intensa mobilidade em que operam seus habitantes, incluindo aqui as populações imigrantes em mobilidade. Foi significativa também a contribuição de outra colega do LabNAU, a professora Silvana Nascimento, para quem “a etnografia urbana coloca ênfase não sobre os processos de fragmentação, hibridização e caos urbano, mas sobre as malhas tecidas pelos(as) citadinos(as) em suas trajetórias cotidianas, ou rituais” (Nascimento, 2016, p. 2).

45A partir de 2019, Soares inicia sua pesquisa de doutorado, agora interessado na formação nacional de atletas competitivos do boxe olímpico, assim como na influência da pedagogia cubana na estruturação das equipes e academias de iniciação, com ênfase nos sujeitos históricos e seus respectivos espaços de engajamento e acolhimento cotidiano. Busca, portanto, alcançar algum entendimento sobre o boxe olímpico, uma prática de apelo global, transformada e adaptada, no Brasil, a partir de apropriações, cruzamentos e referências diversas (do carnaval popular soteropolitano à militância política antifascista), ancorada em pedagogias transnacionais e de importância indiscutível para projetos políticos de emancipação, assim como na experiência urbana e de mobilidade das pessoas envolvidas.

46Assim, em sua atual pesquisa, a circulação ocupa lugar central na formação das carreiras. Como visto em outros trabalhos sobre circulação de talentos esportivos (Palmieri, 2009; Spaggiari, 2016), é na circulação – trajeto, trajetória, cenário e cena – onde se desenvolve o talento. Ou melhor, a própria circulação potencializa o dom e ambos se potencializam em intrínseco diálogo. Dessa maneira, se a noção de pedaço (Magnani, 2002) opera na dobra casa-rua (ao propor mediações e outras escalas possíveis de espaços relacionais), a circulação opera na dobra tática-estratégia (Certeau, 1994) ao permitir a formação de arranjos criativos na formação das equipes competitivas, incluindo configurações familiares.

47Outra discussão importante a ser realizada em diálogo com as categorias de Magnani diz respeito à categoria tempo, partindo do pressuposto de que a apropriação dessa categoria na descrição e análise do circuito não foi devidamente valorizada. Como Soares vem observando, são escalas de tempo, e não apenas escalas de espaço, que precisam entrar em nossas análises. São escalas de tempo que atuam quando um atleta sobe no ringue: todas as circulações descritas, com diferentes temporalidades, qualidades e sujeitos implicados, contribuem para a magia da técnica no sujeito em ação. O circuito seria, então, uma necessidade de (re)construir certos tipos de estabilidade também no tempo.

48Contudo, a principal contribuição de sua tese é a qualificação das formas de circulação a partir do paradigma de que as relações sociais são racializadas. Ou seja, pretende-se construir um conceito racializado de mobilidade, buscando nos aproximar de um entendimento real sobre assimetrias, desigualdades e performances de poder. Isso porque algumas circulações são incentivadas pelo Estado e mesmo pelo modelo de consumo da cidade pelo mercado, enquanto outras são perseguidas, silenciadas, vigiadas e mesmo proibidas. Assim, raça passa a ser uma categoria fundamental pela qual as práticas de fazer-cidade são vividas, imaginadas e percebidas no contexto urbano, determinando a própria produção do espaço urbano.

49Temos, assim, desde a iniciação científica ao doutorado, a permanência e transversalidade das formas de circulação nas pesquisas de Michel Soares, partindo de uma escala que vai dos circuitos de consumo aos circuitos insurgentes dos boxeadores olímpicos em formação. A tese foi defendida em outubro de 2024.

Considerações finais

  • 19 Av. São João, 473 - Centro Histórico de São Paulo, São Paulo - SP.

50No presente momento, o NAU Cidades é coordenado por Jéssica de Souza Andrade, integrante do grupo desde 2021, ainda sob coordenação de Michel Soares, e recém ingressa no Programa de Pós-graduação em Antropologia Social da USP sob a orientação de José Guilherme Magnani. Sua pesquisa está ancorada no centro de São Paulo, no perímetro nomeado de Centro Novo, região na qual se situa o equipamento cultural: Centro Cultural Olido19, recorte principal de sua investigação, nesta investigação Jéssica se atenta aos sentidos, dinâmicas e práticas culturais em jogo nesta espacialidade, que também revela e abre pistas para o entendimento das dinâmicas, disputas e negociações da própria centralidade em questão. A coordenação foi assumida por Jéssica Andrade após o afastamento do pesquisador Michel Soares, que obteve a oportunidade de realizar um intercâmbio cultural na cidade de Havana, Cuba, no percurso de seu doutorado.

51Quando se fala do edifício localizado na Av. São João, 473 - centro histórico de São Paulo - é possível utilizar uma variedade de designações para referir-se a este espaço: Galeria Olido, Cine Olido, Centro Cultural Olido (CCO) ou só Olido para os frequentadores mais assíduos. Cada um destes nomes parece conter certa temporalidade, certo índice relacional entre citadino, equipamento cultural e modos de usar. Além de, em determinadas designações, revelar pistas acerca dos tantos processos de transformações urbanas submetidos a esta região no curso do tempo.

  • 20 Entre a Av. Ipiranga, São Luís, o Largo do Paissandu e a Praça Júlio Mesquita, no intervalo das déc (...)

52A Galeria Olido e o Cine Olido são importantes elementos históricos da cidade de São Paulo, seja por ser a primeira galeria comercial a sediar salas de exibições com cadeira marcada, feito que se tornaria tendência nos anos seguintes, seja por meio do seu reconhecido e “glamuroso” cinema, integrante do extinto circuito de cinemas de rua da chamada Cinelândia Paulista20. A presença ativa do circuito de cinemas da Cinelândia organizava na região um estilo de lazer que se consolidou em torno da prática de “ir ao cinema”. De modo que tal prática não se limitava apenas ao entretenimento da população ou a uma visita pontual e restrita apenas ao cinema, o “ir ao cinema” desencadeava o caminhar pela cidade, a produção de itinerários e a exploração da vida urbana que se apresentava nas imediações mobilizando atores sociais procedentes de diferentes localidades e atrelados a distintas classes sociais.

53Contudo, não é preciso olhar para este "passado" com ares saudosistas, como se estas articulações de mobilidade, produção de itinerários e exploração da vida urbana, tenham se encerrado junto ao apagamento das luzes da Cinelândia. O olhar etnográfico contemporâneo lançado para o Centro Cultural Olido, espaço que comporta atividades em oito áreas artísticas e tecnológicas - cinema, teatro, dança, fotografia, áudio, vídeo, circo, informática (FabLab) -, e mais recentemente passou a sediar também o primeiro polo de cultura digital com foco em cibercultura (Olido HUB) revela outros rearranjos que carregam em si, vestígios e marcas de sociabilidades advindas de outro espaço-tempo.

54Observar o Olido em sua resistente permanência na paisagem e cotidiano desta centralidade paulistana lida aqui como Centro Novo tem apontado pistas para o entendimento de aspectos da vida urbana deste local, tanto no que se concerne aos usos, dinâmicas e táticas, quanto a moção de estratégias, por parte da governança municipal e de agentes do setor privado, ambos conformadores de sentidos desta trama que se articula a partir de um olhar de perto e de dentro / de fora e de longe (Magnani,2012).

55Partindo do Olido e não se circunscrevendo a ele, é possível se aproximar de lógicas que auxiliam no entendimento de processos mais amplos e atuais, submetidos ao Centro de São Paulo norteados por intenções políticas e imobiliárias para concitação da chamada revitalização urbana. A motivação da pesquisa de Jéssica, ainda em curso, se constrói em torno da seguinte proposição: como se dá, na contemporaneidade, o diálogo entre o Olido e a Centralidade que o hospeda? Como e por meio de quais práticas e representações o Olido promove situações e experiências de sociabilidade entre o citadino e a sua localidade? Quais são os sentidos que o atravessam hoje?

  • 21 Parece ser do interesse desta associação intitulada como Pró-Centro e criada em 2021 adensar o flux (...)

56No ano de 2022 e nos seguintes, sob a gestão do atual prefeito Ricardo Nunes, filiado ao partido Movimento Democrático Brasileiro (MDB), irrompeu no âmbito político um conjunto de programas e ações em prol da requalificação da área central da cidade de São Paulo, compreendendo as áreas do Triângulo Histórico, do Centro Velho, do Centro Novo e adjacências. Tais áreas passaram a ser lidas como regiões com potencial turístico, nas quais um grupo de empresários com atividades e empreendimentos nos ramos de comércio, restaurante, hotelaria, fundação sem fins lucrativos, casas de câmbio, escritório de advocacia e afins passaram a se organizar em formato de associação, esta intitulada de Pró-Centro21.

57Notou-se que, a escolha de algumas iniciativas (Núcleo Cultural Paissandu, Programa Ruas Abertas São João, Distrito Turístico Urbano do Centro), lançadas pela municipalidade, com apoio da associação Pró-Centro, e, em alguns casos, com o apoio do próprio Estado de São Paulo, por envolver projetos de maior escala, poderia ser útil para observar diferentes modos pelos quais o equipamento cultural Olido era agenciado. Sobretudo, tendo em vista que estas iniciativas propunham intervenção política urbanística na territorialidade que o abrange. Ao acompanhar etnograficamente as etapas de debate público a respeito da viabilidade dessas propostas – por meio de encontros como diálogos abertos e consultas públicas – percebeu-se como estes momentos institucionais estabeleciam uma interlocução entre diversos representantes da sociedade civil, do poder público e da iniciativa privada. Ouvir este grupo diverso e presenciar seus argumentos e manifestações tornou-se revelador de como a Galeria Olido é incorporada ora por discursos institucionais, ora por discursos privados, que estrategicamente atribuem sentidos a ela. Por outro lado, estar em campo acompanhando a programação cultural do equipamento, estabelecendo contato com os frequentadores, passantes, usuários assíduos e os eventuais deflagrava outra dimensão, não aquela institucionalizada e estratégica, e sim a dimensão cotidiana, onde os usos, contra usos, trajetórias de vida, aspectos vinculados a memória e afeta ganhavam materialidade no compartilhamento de impressões, causos e histórias.

58A questão fundante da investigação centra-se em desvelar qual é a distância entre a) as dimensões políticas e urbanísticas, via discurso dos agentes do poder público, estratégias das governanças municipais aliadas à iniciativa privada, b) e as dinâmicas cotidianas do Olido, considerando a produção de experiências, as trajetórias de vida e os modos de usar a partir de seus múltiplos usuários? Como essas duas perspectivas atribuem sentido para este equipamento cultural hoje? Os sentidos se coadunam, divergem, se encontram? Tensionar essas questões em campo revela uma pista, ao passo que exige da pesquisadora o entendimento de que a compreensão dos sentidos articulados neste estudo não poderiam ser analisados apenas pautando-se no Olido e suas instalações. O espaço é político, é parte do território, do lugar e, por isso, um elemento relevante cuja exclusão ou isolamento afetaria a leitura pretendida.

59A interdisciplinaridade com outros campos do conhecimento como o Urbanismo, a Geografia Humana e Crítica une-se a Antropologia Urbana para tal empreitada. Enquanto o Urbanismo aprofunda-se na relação entre sociedade e espaço após a Revolução Industrial e é revelador de assimetrias em termos de planejamento urbano que desafiam as diretrizes do direito à cidade em sua busca por criar ambientes urbanos que promovam o bem-estar físico, emocional e social dos seus habitantes. A Geografia Crítica atua de forma complementar ao Urbanismo, aproximando o modus operandi do capitalismo como sistema e avaliando sua incidência na produção do espaço. Averiguando de que forma as dinâmicas sociais, políticas, econômicas e culturais influenciam na distribuição e no uso deste espaço, além de atentar-se a como essas relações espaciais reproduzem ou desafiam as desigualdades existentes. À Antropologia coube, nas palavras de Ingold, prestar atenção nas coisas, flagrar o mundo em ação exercitando uma observação que não se dá na objetificação dos outros, “mas prestando atenção a eles, vendo o que fazem e escutando o que dizem [...] Estudamos com as pessoas, ao invés de fazer estudos sobre elas (2019, p. 12)”.

60Ao aproximar aspectos teóricos e metodológicos da Antropologia a outras áreas do saber que comungam o interesse para com o urbano a perspectiva se amplia e o tônus etnográfico das apreensões colhidas em campo geram conhecimento e sabedoria, usando os termos de Ingold (2019), pois articulam a tríade entre o acadêmico, a vida vivida dos citadinos e a cidade, o que se espera como fim é que os três elementos façam uso do aprendizado depreendido desta experiência.

61Diante deste percurso de pesquisa em desenvolvimento, o que se pode afirmar é que o Olido pode ser depreendido como um observatório de sua centralidade. O equipamento assume um modo híbrido frente a cada ciclo partidário, frente a cada nova leva de projetos de intervenção em sua centralidade, a cada perfil de público que o atravessa, que o frequenta, que o descobre ou não. O Olido parece refletir aspectos de fora, de sua centralidade, e sua centralidade revela aspectos de dentro, de representações e relações possíveis de serem vistas no Olido. No início o motivo era o cinema, depois já não cabia se restringir a ele, pois cabem muitos Olidos numa única galeria endereçada em uma centralidade paulistana tão diversa.

62Além da pesquisa sobre o Olido, a oportunidade de estar na coordenação de um grupo como o NAU Cidades, enquanto mestranda, conforma para a pesquisadora uma responsabilidade de continuar o árduo trabalho orquestrado por Magnani desde 1988, período no qual se inicia os primeiros encontros e saídas a campo do grupo, antes mesmo de seu reconhecimento institucional como Laboratório (LabNAU) por parte do Departamento de Antropologia da USP em meados dos anos 2000; e realizado com destreza por cada um dos responsáveis anteriores na constante renovação da atuação do grupo, no que concerne ao incentivo de novos vínculos entre o NAU Cidades e estudantes de distintas localidades, de níveis de formação, de instituições acadêmicas e de proposições de pesquisas. Além do comprometimento na elaboração de uma agenda de atividades que fomente experiências individuais, porém sem obliterar a potência da partilha com o coletivo.

63Magnani, como bom aluno que foi em seu período de formação, passou adiante o que aprendeu com Eunice Durham e Ruth Cardoso nos seminários de segundas-feiras, ocasião em que suas professoras faziam questão de reunir seus orientandos e os estimulavam a falar de suas pesquisas, seus percalços em campo, suas dificuldades com determinadas bibliografias para os colegas, o cotidiano do grupo tem esse parentesco. O legado permanece vivo e atravessa não só a maneira de condução do NAU Cidades a cada ciclo, bem como torna-se, também, uma prática e experiência intrínseca na formação acadêmica e subjetiva de cada estudante. Ouvir os colegas e falar repetidas vezes sobre as nuances do projeto de pesquisa, segundo Magnani, a cada oportunidade de vocalizar as pretensões e o que está sendo feito na pesquisa, ela se costura melhor.

  • 22 Parcerias e vínculos citados anteriormente: Centro de Investigación de la Arquitectura y la Ciudad (...)
  • 23 O grupo NauCidades a partir de fevereiro de 2022 passou a estar presente na plataforma Instagram, e (...)

64No panorama de atuação do NAU Cidades, neste período corrente, alguns pontos guardam ressonâncias com movimentos empreendidos em seus ciclos anteriores e outros foram concebidos há pouco, devido ao entendimento do avanço das tecnologias digitais no campo da comunicação, sendo as redes sociais, uma ferramenta ativa na ampliação da abrangência do grupo, um canal com potencialidade para conectar pesquisadores e estudantes para além do lócus da cidade universitária, do estado e território nacional. A exemplo destes dois pontos pode-se mencionar o exercício de vinculação e trocas de saberes com pesquisadores, alunos e instituições situados no contexto de uma produção acadêmica procedente do sul global22, resultando, neste ano, na aproximação com a Facultad de Arquitectura de la Universidad Nacional Autónoma de México (FA-UNAM), na figura da Profa. Diana Laura Canela Navarro, que se realizou por meio da oferta, em caráter remoto, de um minicurso de Antropologia Urbana com apresentação das categorias de análise de Magnani para os alunos de graduação do curso de Arquitetura. O segundo ponto se configura na presença do NAU Cidades nas redes23, ofertando o registro e compartilhamento, de modo público e gratuito, do conteúdo ministrado por pesquisadores do grupo nas sessões Modo Campo, na qual os estudantes, de diferentes níveis, vocalizam determinada experiência etnográfica vivida recentemente. Uma ação que promove maior democratização de uma parcela deste conhecimento acadêmico engendrado nos limites da universidade.

65Essas cinco pesquisas relatadas aqui retratam um pouco da perspectiva fundamental que o NAU Cidades tem desenvolvido sobre o urbano. De certa maneira, trata-se de pensar a própria cidade de São Paulo como uma espécie de laboratório de pesquisa para a Antropologia Urbana, um laboratório que não isola atores, práticas, dinâmicas, temporalidades, táticas, nem tampouco teme a aparente desordem veiculada nas mídias ou o caos proferido no âmbito político, a orientação se estabelece na via contrária, na tentativa de compreender e de se aproximar deste ecossistema complexo e vertiginoso das vivências e sociabilidades em contexto. Essas abordagens da cidade referenciadas neste texto colocam luz a formas específicas de fazer a cidade de São Paulo (Agier, 2011) a partir de suas práticas e atores sociais. A tomada da cidade de São Paulo como um laboratório de experimentos etnográficos e teóricos no campo da Antropologia Urbana é um dos legados do professor José Guilherme Magnani.

66Há uma brincadeira comum feita com estudantes recém chegados ao NAU, mais ou menos assim: se você for ao aniversário de sua avó no interior de São Paulo e contar ao Magnani, ele vai prestar atenção e dizer, em algum momento: “já escreveu seu relato?”. Agora, para aqueles que estão imersos na etnografia, e, no encontro de orientação da pesquisa, revelarem certo desânimo à Magnani, alegando que ainda não encontraram conexões tangíveis em campo, ele irá te dizer: “calma, uma hora vai aparecer o duende da antropologia ou um erê vai brincar no seu campo e as conexões irão se revelar”.

67Magnani é um entusiasta da pesquisa etnográfica e de sua escrita, através dos relatos de campo, disposto a explorar e discutir as dimensões éticas e epistemológicas da pesquisa etnográfica como parte integral da produção de conhecimento sobre a cidade e seus habitantes. Porque a etnografia não é um método aplicável a qualquer situação e somos encorajados por Magnani, constantemente, a inventar nosso próprio método, quase sempre seguindo as pistas de nossos interlocutores, ou seja, de acordo com a própria experiência vivida. E se este é um dos principais motivos de fertilidade de nossa disciplina, por outro lado nos coloca dúvidas e problemas com muita frequência, porque muito do que acontece no campo nos é dado de surpresa ou por caminhos imprevistos; são os “imponderáveis da vida real” (Malinowski, 2018).

68Com Magnani aprendemos a importância da ênfase à agência dos interlocutores, buscando, assim, descrever como estes vivem, sentem e fazem a cidade, o que possibilita incorporar ao texto o ponto de vista dos colaboradores através da transcrição de suas falas, que irão apontar para categorias nativas, construindo no curso da pesquisa e da escritura uma visão compartilhada de mundo. Podemos assim, sempre incentivados pelo mestre, verificar o compromisso do antropólogo com aqueles coletivos e indivíduos aos quais ele se alia durante a pesquisa, e para além dela, porque a prática antropológica, é bom dizer o óbvio, não se dá no abstrato.

69A constante ênfase de Magnani na importância do olhar etnográfico, de perto e de dentro, e na tomada das categorias êmicas como categorias de análise é de grande importância no sentido de nos livrar da ficção totalitária do conhecimento. Lidamos com aquilo que, pessoalmente, conseguimos e suportamos lidar, através de nosso esforço em construir boas relações, ou relações qualificadas e comprometidas em torno de algo em comum. Que a vocação de Magnani para ouvir e acompanhar as pessoas, que inspira tanto quem faz pesquisa sob sua orientação, quanto quem dele se aproxima, continue a influenciar as próximas gerações de pesquisadores e pesquisadoras.

  • 24 Canção e composição de Paulinho da Viola, 1993

70Por fim, não há quem adentre ao grupo ou ouça falar sobre o NAU Cidades e não construa em seu imaginário a imagem de uma embarcação atravessando a cidade, sem romper com o concreto armado das edificações e nem invisibilizar os modos de vida em (re)existência. Paulinho da Viola tem uma canção chamada Timoneiro24, a cargo de curiosidade, o timoneiro é o responsável por guiar o barco e fazer a orientação em relação à direção e as manobras realizadas, também é o responsável pela vela grande (principal), usada, contra ou a favor do vento. Em muitos casos, o timoneiro também é o comandante, apesar de não ser uma regra. É na alegoria desta personagem que aproximamos a importância de José Guilherme Magnani para o NAU Cidades e para a consolidação de um repertório teórico na literatura de Antropologia Urbana, a sua forma de pensar e ensinar o fazer antropológico e a etnografia como potência na construção política do cotidiano da cidade. Numa tentativa de traduzir suas orientações e conselhos a cada interpelação sobre a nossa prática, tomamos emprestado o verso de Paulinho da Viola “Não sou eu quem me navega, quem me navega é o mar”.

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Notas

1 AMARAL, Daniela Alfonsi. “Réplicas originais: um estudo sobre futebol nos museus”. Tese apresentada à Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo para obtenção do título de Doutora em Antropologia Social. São Paulo, 2018.

2 TORRES, Lilian de Lucca. “Uma cidade dos antropólogos: São Paulo nas dissertações e teses da USP. 1960 – 2000”. Tese apresentada à Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo para obtenção do título de Doutora em Antropologia Social. São Paulo, 2015.

3 SANTOS, Valéria Oliveira. “Sob medida: uma etnografia da prática da alfaiataria”. Tese apresentada à Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo para obtenção do título de Doutora em Antropologia Social. São Paulo, 2018.

4 GUTIERREZ, Carlos Andrade Rivas. “Bnei anussim: uma experiência de judaísmo na periferia paulistana”. Dissertação apresentada à Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo para obtenção do título de Mestre em Antropologia Social. São Paulo, 2011.

5 MORAES, Lucas Lopes. "Hordas do metal negro: guerra e aliança na cena black metal paulista”. Dissertação apresentada à Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo para obtenção do título de Mestre em Antropologia Social. São Paulo, 2014.

6 FAVERO, Raphael Piva Favalli. “A várzea é imortal': abnegação, memória, disputas e sentidos em uma prática esportiva urbana”. Dissertação apresentada à Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo para obtenção do título de Mestre em Antropologia Social. São Paulo, 2018.

7 MACHINI, Mariana Luiza Fiocco. “Nas fissuras do concreto: política e movimento nas hortas comunitárias da cidade de São Paulo”. Dissertação apresentada à Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo para obtenção do título de Mestra em Antropologia Social. São Paulo, 2017.

8 SOARES, Michel de Paula. O que adquirem quando compram discos? Etnografia das Feiras de discos de vinil na cidade de São Paulo”. Iniciação Científica realizada durante o curso de Graduação em Ciências Sociais, 2014.

9 ARAÚJO, Diego Corrêa de. “Produção de Bailes: uma etnografia do forró na zona oeste de São Paulo”. Iniciação Científica realizada durante o curso de Graduação em Ciências Sociais, 2014.

10 Também chamada de street skate. Para uma análise mais aprofundada sobre a prática do skate de rua, ver Machado (2014; 2017).

11 A noção de “rolê” revela uma circulação citadina guiada por uma série de perspectivas. Ela é muito evidente no cotidiano juvenil paulistano, sendo recorrentemente utilizada para designar formas de mobilidades características de certos universos pautados por ordens de consumo (“rolezinhos” em shopping center), artísticas (grafite e “pixação”), musicais (funk ostentação, rap, punk etc.), dentre tantos outros. No caso do skate, os “rolês” são motivados por aquilo que Machado (2014; 2022) chamou em pesquisas precedentes de olhar skatista, expressão que reverbera a percepção que os praticantes possuem dos espaços e equipamentos urbanos. É por meio desse olhar aguçado que eles enxergam “as ruas que lhes interessam” (Magnani, 1993).

12 De acordo com Simmel (1983 [1908]), a mobilidade pelos espaços urbanos permite às pessoas experimentarem tudo por meio de diversas sensações que proporcionam certo estranhamento que as condicionam se sentirem estrangeiras em suas próprias cidades.

13 Em 1988, Jânio Quadros, então prefeito de São Paulo, proibiu a prática do skate nas ruas da cidade. Vários skatistas tiveram na época seus skates confiscados pela Polícia Militar. Para mais detalhes sobre a proibição do skate em São Paulo, vide Machado (2017).

14 Resultados da abordagem sobre os enquadramentos políticos da prática do skate de rua em São Paulo também podem ser vistos em Machado (2022).

15 Segundo o jornal Estadão, “uma pesquisa realizada pela SGI Europe (Sports Good Intelligence), em parceria com a Adventure Sports Fair (ASF) e a promotora alemã de eventos esportivos ISPO, o país conta com quatro milhões de praticantes e o mercado movimenta mais de R$ 1 bilhão por ano com a venda de roupas e acessórios” (“Skate movimenta R$1 bilhão em vendas no país e há oportunidades para pequenos empresários”. Disponível em: http://pme.estadao.com.br/noticias/noticias,skate-movimenta-r-1-bilhao-em-vendas-no-pais-e-ha-oportunidades-para-pequenos-empresarios,4291,0.htm. Acesso em 05/01/2016). Em razão de seu mercado lucrativo, a cidade de São Paulo conta também com a realização de feiras de negócios especializadas em skate, como a Urb Trade Show, a qual ocorre semestralmente.

16 Muitos interlocutores contatados afirmaram que, para a realização da prática do skate, “não importa o terreno!”. Ou seja, eles frequentam diversos espaços, em pistas ou nas ruas, embora tais espaços sejam valorizados de maneiras dissonantes. No caso da modalidade street skate, as ruas são mais valorizadas.

17 O CITADINO (Núcleo Interdisciplinar de Temáticas Urbanas da Unimontes-MG) foi criado em 2020, por Giancarlo Machado, a fim de problematizar não somente questões caras ao impacto da produção capitalista de Montes Claros, mas, de igual maneira, as tantas formas de citadinidade que transcorrem nesta cidade média cujos espaços urbanos são marcados por demasiadas disputas, exclusões e segregações. Dessa maneira, ao tentar compreender como os citadinos fazem a cidade a partir de suas lógicas e vivências concretas, as discussões e demais propostas buscam se desvencilhar de eventuais perspectivas essencializantes, que consideram a cidade como uma coisa ou uma norma, em prol de investigações centradas em processos que intercalam, embaralham e/ou superpõem diferentes planos, espaços, procedimentos e uma vasta rede de agentes e saberes sóciotécnicos. Mais detalhes sobre as particularidades da Antropologia Urbana desenvolvido no Sertão dos Gerais, ver Machado (2024).

18 Entre 2012 e 2014, Lucas Lopes de Moraes foi orientando de José Guilherme C. Magnani no mestrado, desenvolvendo a pesquisa intitulada "Hordas do metal negro": guerra e aliança na cena black metal paulista”, na qual mapeou as diferentes formas de sociabilidade construídas entre os atores ligados à cena black metal paulistana, apontando como esses arranjos coletivos e suas categorias nativas podem expressar uma perspectiva específica sobre a urbanidade e o fazer musical (Moraes, 2014).

19 Av. São João, 473 - Centro Histórico de São Paulo, São Paulo - SP.

20 Entre a Av. Ipiranga, São Luís, o Largo do Paissandu e a Praça Júlio Mesquita, no intervalo das décadas de 1930 e 1960, existiu Cinelândia Paulista, reconhecido conjunto de cinema de rua de São Paulo, portador da maior concentração de salas do chamado Centro Novo.

21 Parece ser do interesse desta associação intitulada como Pró-Centro e criada em 2021 adensar o fluxo de visitantes, turistas e atividades comerciais do perímetro, considerando que os seus membros possuem empreendimentos comerciais na área. O argumento mobilizado fortemente pela associação concentra-se no desejo de promover benefícios para a população e empresas do Centro de SP. Estabelece como proposta a colocação: “Sabemos que a tarefa não é simples, mas estamos dispostos a melhorar o centro histórico de São Paulo, focando em propostas sobre temas de maior urgência para trazer dignidade a todos da região” (trecho retirado do site da Pró-Centro). Destaca-se que o termo “todos da região” é empregado de forma generalizante, pois não se sabe quem de fato está contemplado neste “todos”.

22 Parcerias e vínculos citados anteriormente: Centro de Investigación de la Arquitectura y la Ciudad (CIAC) da Pontificia Universidad Católica del Perú (PUCP) e Universidade de Buenos Aires, Argentina.

23 O grupo NauCidades a partir de fevereiro de 2022 passou a estar presente na plataforma Instagram, endereço: @naucidades.usp

24 Canção e composição de Paulinho da Viola, 1993

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Índice das ilustrações

Créditos Figura : José Guilherme Magnani coordenando reunião do NAU em 2013. Acervo NAU Cidades.
URL http://journals.openedition.org/pontourbe/docannexe/image/17004/img-1.jpg
Ficheiro image/jpeg, 352k
Créditos Figura : Giancarlo Machado e José Guilherme Magnani em incursão etnográfica realizada na Zona Leste de São Paulo em 2014. Acervo NAU Cidades.
URL http://journals.openedition.org/pontourbe/docannexe/image/17004/img-2.jpg
Ficheiro image/jpeg, 364k
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Para citar este artigo

Referência eletrónica

Alexandre Barbosa Pereira, Giancarlo Marques Carraro Machado, Jéssica de Souza Andrade, Lucas Lopes Moraes e Michel de Paula Soares, «São Paulo como um laboratório de Antropologia Urbana: a experiência do NAU Cidades»Ponto Urbe [Online], 32 | 2024, posto online no dia 25 outubro 2024, consultado o 17 fevereiro 2025. URL: http://journals.openedition.org/pontourbe/17004

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Autores

Alexandre Barbosa Pereira

Professor do Departamento de Ciências Sociais e do Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Universidade Federal de São Paulo. Coordenador do Grupo de Estudos sobre Cidade, Educação, Juventude e Curso da Vida (CIDEJUV). Membro fundador da Rede de Estudos sobre Experiências e Ações Juvenis (REAJ)

ORCID: https://orcid.org/0000-0003-3977-1171

Email: alebp1979@gmail.com

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Giancarlo Marques Carraro Machado

Doutor em Antropologia Social pelo PPGAS/USP, com estágio pós-doutoral no Departamento de Antropologia da mesma instituição. Professor permanente do Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Social (PPGDS) e docente vinculado ao Departamento de Ciências Sociais da Universidade Estadual de Montes Claros (Unimontes-MG). É coordenador do Núcleo Citadino/Unimontes e bolsista de Produtividade em Pesquisa do CNPq (bolsa PQ nível 2) desde 2023

ORCID: https://orcid.org/0000-0001-7404-9737

Email: giancarlo.machado@unimontes.br

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Jéssica de Souza Andrade

Mestranda em Antropologia Social pelo PPGAS/USP com a pesquisa em curso Os sentidos do Olido: dinâmicas culturais e transformações urbanas numa centralidade paulistana, sob orientação do Prof. José Guilherme Magnani. Bolsista FAPESP, coordenadora do grupo de estudos NAU Cidades-USP, pesquisadora vinculada ao LabNAU (Laboratório do Núcleo de Antropologia Urbana da Universidade de São Paulo), integrante do corpo editorial da Revista Cadernos de Campo, na mesma instituição e sócia fundadora do estúdio Ceda el Paso, desenvolvendo produção cultural dos temas urbanos no Centro de São Paulo. Espaço de oficinas, publicações e experimentações do caminhar. SP/CDMX.

ORCID: https://orcid.org/0000-0001-6150-6732

Email: jessica.souza.andrade@usp.br

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Lucas Lopes Moraes

Mestre e Doutor em Antropologia Social pelo PPGAS/USP. Membro pesquisador do LabNAU (Laboratório do Núcleo de Antropologia Urbana da Universidade de São Paulo) com pesquisas realizadas nas áreas das mobilidades urbanas, práticas culturais e etnomusicologia.

ORCID: https://orcid.org/0000-0001-8146-3442

Email: llm.lucasmoraes@gmail.com

Michel de Paula Soares

Doutor em Antropologia Social pelo PPGAS/USP com a tese recém defendida Corpo fechado Antropologia do boxe olímpico brasileiro, sob orientação do Prof. José Guilherme Magnani. Mestre em Antropologia Social pela mesma instituição. Membro pesquisador do LabNAU (Laboratório do Núcleo de Antropologia Urbana da Universidade de São Paulo) com pesquisas realizadas nas áreas do lazer, patrimônio, práticas culturais, cidade e raça. Também atua como treinador de boxe, educador e produtor cultural.

ORCID: https://orcid.org/0000-0002-2761-8017

Email: michelcantor@gmail.com

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