1Em 1984, o recém doutor pela Universidade de São Paulo José Guilherme Cantor Magnani publicava Festa no pedaço: Cultura popular e lazer na cidade, fruto de sua tese orientada por Ruth Cardoso e defendida em 1982. Festa no pedaço trazia já no título a primeira e mais célebre da “família de categorias”, o pedaço, que, junto a suas correlatas - mancha, circuito, trajeto, pórtico - compunham a proposta de Antropologia Urbana ensinada e praticada por Magnani e por gerações de estudantes e orientandes de graduação e pós-graduação que passaram por suas disciplinas de Pesquisa de Campo em Antropologia, Práticas Culturais no Contexto Urbano e participaram do Núcleo de Antropologia Urbana, o NAU, fundado em 1988. Este livro inaugural recentemente ganhou nova edição pela Editora
2Hucitec, que abriga atualmente a coleção Antropologia Hoje em parceria com o NAU.
3Embora costume reivindicar como linhagem antropológica os etnógrafos da Escola de Chicago, a antropologia urbana de Magnani — que tomou São Paulo como seu laboratório e campo de experimentação por excelência —, seguiu diretrizes teóricas, metodológicas e políticas particulares, buscando construir uma mirada “de perto e de dentro” para se contrapor aos diagnósticos da metrópole como ambiente de caos social e semiológico, típicos de apreensões macrossociológicas das últimas décadas do século XX. Herdeiro das agendas e práticas de pesquisa de suas orientadoras, Eunice Durham e Ruth Cardoso, Magnani propôs uma investigação das periferias e seus habitantes, sensível aos seus fazeres e modos de classificação, encontrando no lazer uma chave de acesso imprescindível para não incorrer em reducionismos analíticos focados apenas na reprodução da força de trabalho e de ideologias hegemônicas.
4Sem o telos da Escola de Chicago e suas propostas de engenharia social baseada em processos de assimilação e acomodação, e a identificação das chamadas “regiões morais”, o pedaço foi um achado etnográfico, categoria êmica promovida à categoria analítica com ampliação de seus campos semânticos e possibilidades teóricas (ver Toledo, Spaggiari, nesse especial). Assim, Festa no pedaço acompanhou o circo-teatro nas periferias, churrascos e festas de aniversário, bem como outros modos de desestabilização de dicotomias rígidas entre público e privado, observando a construção de usos e sentidos do espaço urbano por seus moradores. Conforme Magnani narra em inúmeros artigos, como “Quando o campo é a cidade” (Magnani, 1996) e “De perto e de dentro” (Magnani, 2002), pedaço encontrou sua mobilidade da periferia ao centro conforme sua pesquisas e de seu grupo de orientandes dedicavam-se a novos objetos e questões de pesquisa.
5Em 1985, Magnani reuniu um grupo de pesquisadores e realizou a primeira Expedição São Paulo, percorrendo a cidade com uma perspectiva etnográfica, em diálogo com os estudos de patrimônio. Esta expedição seria repetida em 2004, com um novo grupo. Entre os diversos trabalhos e consultorias sobre patrimônio cultural urbano desenvolvidos por Magnani nos anos iniciais, junto a órgãos como o CONDEPHAAT - Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico do Estado de São Paulo, destacou-se a pesquisa realizada em Santana de Parnaíba, focada aos festejos de Corpus Christi e a confecção dos tapetes pelas ruas da cidade (Magnani, 2009). Nas décadas seguintes, foram realizadas diversas colaborações entre o NAU e museus como o Museu Paulista, Museu do Imigrante, Museu do Futebol e a criação do Museu da Cidade, no início dos anos 2000.
6Em 1988, oficialmente foi fundado o NAU - Núcleo de Antropologia Urbana da USP. Os primeiros orientandos de mestrado de Magnani, Heitor Frúgoli Jr. e Lilian de Lucca Torres, dedicaram-se a investigar respectivamente a sociabilidade nos shoppings centers (1990) e nos serviços de disk amizades (1991). Heitor Frúgoli Jr. posteriormente empenhou-se em investigar as novas centralidades em São Paulo em seu doutorado, tornando-se também professor do Departamento de Antropologia da USP em 2003, onde criou seu próprio grupo de pesquisa, o GEAC - Grupo de Estudos de Antropologia da Cidade. As discussões sobre antropologia na cidade ou da cidade estiveram (e estão) presentes em trabalhos do NAU e do GEAC. Naquele período, Lilian continuou participando do NAU e, ao mesmo tempo, atuando como docente em universidades paulistas, até retornar para o doutorado em 2010, onde defendeu a tese A Cidade dos antropólogos (2015), orientada por Magnani. Sua tese voltou-se justamente para São Paulo como objeto de investigação da antropologia da USP entre os anos 1960 e 2000. Este interesse foi registrado em várias entrevistas produzidas por Lilian para a Revista Ponto Urbe.
7Já no início da década de 1980, Magnani passou a se interessar e se envolver com o universo das religiões afro-brasileiras na metrópole, junto a orientandes de mestrado e, posteriormente, doutorado, tais como Vagner Gonçalves da Silva e Rita de Cássia de Mello Peixoto Amaral. Das pesquisas de Magnani do período, resultaram um pequeno livro sobre Umbanda (Magnani, 1991) e alguns artigos. Vagner, que desde então produziu uma vasta obra sobre religiões de matriz africana, tornou-se professor do Departamento de Antropologia da USP em 1996, exerceu durante vários anos a função de vice-coordenador do NAU. Compartilhou com Magnani as disciplinas de Pesquisa de Campo em Antropologia, nos quais foram propiciadas a estudantes de graduação em Ciências Sociais as primeiras experiências de pesquisa etnográfica, incluindo as instruções para elaboração de projetos e relatórios de pesquisa, que desde os anos 1980 foram arquivados e compõem o Acervo do Nùcleo de Antropologia Urbana. Vagner posteriormente passa a coordenar o CERNe - Centro de Estudos de Religiosidades Contemporâneas e das Culturas Negras, do qual participam gerações de estudantes de pós-graduação.
8Rita Amaral, pioneira nos estudos antropológicos de cibercultura no Brasil foi responsável pela criação do primeiro sítio eletrônico do NAU, no qual são disponibilizadas diferentes produções do Núcleo, incluindo relatórios de pesquisa e artigos, e, em 2007, fundou a Revista Ponto Urbe, a primeira revista totalmente digital de antropologia da USP. Ela também criou, na época, um site independente sobre antropologia urbana, chamado “Os Urbanitas”. As preocupações com acessibilidade e estudos da deficiência, centrais para Rita Amaral, foram posteriormente herdadas pelo grupo de estudos sobre cultura surda no NAU, ampliado para se tornar o GESD - Grupo de Estudos da Surdez e da Deficiência. Estas pesquisas sobre noções de doença e cura nas religiões de matriz africana também se tornaram uma das pontes de aproximação de Magnani com pesquisadores e pesquisadoras do campo da psicanálise e da psiquiatria, o que resultou, entre outras colaborações, em sucessivas participações de Magnani e orientandes no encontro Moitará.
9Outras orientações de pós-graduação de Magnani nos anos 1990 foram as dissertações de: Deise Maia, Abaixo da linha: Casoni, uma vila da cidade "Londrina" (1993); Marinês Antunes Calil, A aventura do estilo: um pequeno estudo dos "fashion clubs" do gênero "dance music" na cidade de São Paulo (1994); Luiz Henrique de Toledo, Torcidas organizadas de futebol: lazer e estilo de vida na metrópole (1994); Maria das Graças Furtado, O casarão da Cleveland: representações depreciativas e práticas sociais em espaço deteriorado de moradia. 1995; Heloísa Buarque de Almeida, Cinema em São Paulo: hábitos e representações do público (Anos 40/50 e 90), 1995; Rosani Cristina Rigamonte, Sertanejos contemporâneos: entre a metrópole e o sertão, 1997; e a tese de Márcia Fantin, Cidade dividida: dilemas e disputas simbólicas em Florianópolis, 1999. Algumas das pesquisas realizadas no período comporiam os artigos presentes na coletânea Na Metrópole: textos de antropologia urbana, organizada por Magnani e Lilian de Lucca Torres e publicada originalmente em 1996.
10Outro tema emergente no período foram os estudos sobre a chamada “Nova Era”, interessados nas emergentes práticas religiosas e espiritualistas que muitas vezes apresentavam combinações inusitadas de elementos provenientes das mais diversas tradições, integrando-se aos modos de vida na metrópole e materializando-se em manchas e circuitos no espaço urbano. Tal como pedaços do centro, como a Galeria Olido, a Galeria do Rock e a Praça da República, as incursões a Santana de Parnaíba e a terreiros de umbanda e candomblé, espaços e práticas neo esotéricas tornaram-se lugar de exercício de pesquisa de campo para estudantes de graduação e das dissertações de Antônio Carlos Fortis O buscador e o tempo: um estudo antropológico do pensamento esotérico e da experiência iniciática na eubiose (1997) e Adriana Capuchinho, O corpo sonoro: um estudo antropológico dos discursos e do uso da música nas práticas neo-esotéricas na cidade de São Paulo (2002) e a tese de Elisete Schwade, Deusas urbanas: experiências, encontros e espaços neoesotéricos no nordeste (2001, ver artigo de Schwade nessa edição especial). Magnani publicou dois livros sobre o tema, Mystica Urbe: um estudo antropológico sobre o circuito neoesotérico na metrópole (Magnani, 1999) e O Brasil da Nova Era (Magnani, 2000).
11Por sua vez, outras formas de religiosidade tiveram lugar em pesquisas de Magnani e de outras pesquisas do NAU desde a década de 1990, como a tese Sandra Jacqueline Stoll, Entre dois mundos: o espiritismo da França e no Brasil (1999), a dissertação de Silvana de Souza Nascimento. A romaria do Divino Pai Eterno: uma festa para a cidade (2000) e sua tese de doutorado, Faculdades feministas, saberes rurais - gênero e sociabilidade em Goiás (2006, ver artigo nesse especial), a dissertação de Carlos Andrade Rivas Gutierrez, Bnei anussim no bairro de São Mateus: uma experiência de judaísmo na periferia paulistana (2011) e a dissertação de Pierina Angélica Soratto Jacinto, Descer ao inferno e encontrar o sagrado: análise das relações entre cidade, carismáticos e focolares na região metropolitana de São Paulo (2011).
12Sandra Stoll, docente do Departamento de Antropologia da UFPR, retornou ao NAU no final da década de 2000 para estágio de pós-doutorado sênior, e coordenou o Grupo de Estudos de Religião na Metrópole, o GERME, agregando pós-graduandes do NAU e de outros núcleos de pesquisa do PPGAS/USP, e de outras áreas, como a sociologia. No mesmo período, também realizou estágio de pós-doutoramento na USP Edlaine Campos Gomes, com uma pesquisa sobre religião e espaço público. Também no final dos anos 2000, Marcelo Simão Mercante fez pós-doutorado sobre usos terapêuticos de ayahuasca e reuniu pesquisadores de diferentes áreas e em diferentes níveis de formação para um grupo de estudos chamado NAU Consciência, retomando discussões sobre corpo, saúde, estados alternativos de consciência e substâncias psicoativas.
13Como reflexo dos interesses e da própria faixa etária de muites estudantes que cursaram disciplinas ou foram orientados por Magnani ao longo das décadas, práticas culturais e de sociabilidade juvenis sempre estiveram entre os temas principais de pesquisa no NAU. A geração de orientandes a partir dos anos 2000 organizou-se acerca das investigações de juventude, incluindo pesquisas de graduação e pós-graduação que compuseram a coletânea Jovens na Metrópole: pedaços e trajetos, organizada por Magnani e por Brune Mantese em 2007. Entre as pesquisas de pós-graduação desse grupo, estão as dissertações de Alexandre Barbosa Pereira, De rolê pela cidade: os pichadores em São Paulo, (2005); Carolina de Camargo Abreu, Raves: encontros e disputas, (2006); Bruna Mantese, Os straight edges e suas relações com a alteridade na cidade de São Paulo, (2006); Daniela do Amaral Alfonsi, Para todos os gostos: um estudo sobre classificações, bailes e circuitos de produção do forró (2008) e a tese de Alexandre Barbosa Pereira, Baladas em Cidade Ademar: apropriações juvenis de um bairro da periferia de São Paulo. (2010). Daniela retornou ao NAU para desenvolver seu doutorado, refletindo sobre sua experiência como diretora do Museu do Futebol em perspectiva comparada, com a tese Réplicas originais: um estudo sobre futebol nos museus (2018). Alexandre acompanhou o NAU Jovens, posteriormente foi coordenador do subgrupo NAU Cidades e se tornou docente do Departamento de Antropologia da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), onde atualmente coordena o Grupo de Estudos sobre Cidade, Educação, Juventude e Curso da Vida (Cidejuv) (ver artigos nesse especial).
14No curso de graduação em Ciências Sociais da Universidade de São Paulo, Magnani oferecia (e ainda oferece) disciplinas de metodologia, tais como Pesquisa de Campo em Antropologia, bem como optativas, tais como Práticas Culturais no Contexto Urbano e Antropologia Urbana. Naquele momento, as disciplinas também eram ministradas por Vagner Gonçalves. Em grande parte dos cursos, Magnani oferecia a proposta de realização de experimentos etnográficos na cidade de São Paulo, cujos trabalhos hoje se encontram disponíveis para consulta no acervo do Laboratório do NAU.
15Assim, como parte do processo formativo de estudantes, o NAU passou a volver e dar maior visibilidade aos debates e resultados de pesquisa que eram produzidos na graduação e criou, em 2002, o evento “Graduação em Campo”. Em 2006, pela primeira vez, foram convidades participantes de outras instituições, premiades na Reunião Brasileira de Antropologia (RBA) daquele ano e, em 2007, o evento se tornou nacional e passou a ser uma referência principal para pesquisas de graduação em Antropologia pelos anos seguintes, inclusive para integrantes do NAU (ver artigo de Teixeira, Mahe, Chiquetto e Tambucci nesse especial). O “Graduação em Campo” ajudou a consolidar a fama de Magnani como um professor preocupado com a graduação e com a formação em pesquisa desde o início do curso. Entre conferencistas de abertura do evento, estiveram Eunice Durham, Alba Zaluar, Mariza Peirano, Omar Ribeiro Thomaz, Peter Fry e Marilyn Strathern.
16Entre o final dos anos 2000 e o começo dos anos 2010, o NAU começou, além de reuniões gerais, conduzir reuniões específicas em seus subgrupos. Foi o momento em que surgiram o NAU Cidades (ver Pereira, Machado, Lopes, Soares, Andrade, nesse especial), o NAU Surdos (ver Assis Silva; Asensio, nesse especial), o GERME (citado acima), o Grupo de Etnologia Urbana - GEU (ver Fiori, nesse especial) e o CyberNAU, buscando pensar possibilidades etnográficas de pesquisas com a internet. Além destes, alguns grupos temporários formaram-se a partir de pesquisas do NAU, como a EtnOcupação (com estudantes de primeiro ano de graduação pesquisando a Ocupação da Reitoria da USP em 2007), o NAU Imigração (reunindo pesquisas individuais e parcerias com o Museu da Imigração), pesquisadores com projetos com o SESC, com os CEUs, e outras iniciativas. Mais recentemente, formou-se também um grupo de pesquisa em estudos cemiteriais.
17No decorrer das pesquisas de iniciação científica e pós graduação realizadas pelo NAU junto à comunidade surda, Magnani fez questão de que houvesse um professor de Libras para o grupo. As pesquisas de pós-graduação orientadas por Magnani foram a tese de César Augusto de Assis Silva, Entre a deficiência e a cultura: análise etnográfica de atividades missionárias com surdos (2010) e a dissertação de Cibele Assensio, Liderando surdos, representando diferenças: um estudo sobre líderes da Federação Nacional de Educação e Integração de Surdos (2015). Cibele atualmente realiza doutorado com Silvana Nascimento. Por sua vez, as pesquisas em cidades amazônicas, iniciadas em 2009, propiciaram parcerias com grupos de pesquisa amazônicos e idas coletivas, além das pesquisas individuais, algumas com apoio financeiro do próprio Magnani. Resultaram das pesquisas amazônicas as dissertações José Agnello Dias Alves de Andrade, Indigenização da cidade:etnografia do circuito sateré-mawé em Manaus/AM e arredores (2012), Rodrigo Valentim Chiquetto. A cidade do futebol: Etnografia sobre a prática futebolística na metrópole manauara (2014); Yuri Bassichetto Tambucci, Rio a fora, cidade adentro: transporte fluvial e modos de viver no Amazonas, (2014); Ana Luísa Sertã, Seguindo sementes: um estudo sobre circuitos e trajetos Sateré-Mawé na Amazônia (2017); e as teses de José Agnello Andrade, “Tudo pra onde eu chego tenho minha casa”: Mobilidade, Parentesco e Territorialidade Sateré-Mawé entre Cidades Amazônicas, (2018) e de Ana Letícia de Fiori, Conexões da interculturalidade: cidades, educação, política e festas entre Sateré-Mawé do Baixo Amazonas (2018). Diana Paola Mateus Gomez defende no próximo mês 'Y después de la coca, ¿qué?' Substituição de cultivos no Putumayo colombiano. Nos últimos anos, o NAU tem realizado parcerias com a Universidade Católica do Peru, resultando em visitas trocadas entre os grupos, discussões das pesquisas em andamento e experimentos etnográficos em São Paulo e Lima com relatos publicados aqui na Revista Ponto Urbe.
18Entre os anos 2000 e o presente, uma miríade de outros temas foram abordados em pesquisas de pós-graduação orientadas por Magnani. Entre as dissertações, além das já mencionadas, foram defendidas Pedro Paulo M. Guasco, Num país chamado periferia: identidade e representação da realidade entre os rappers de São Paulo (2001); Rosa Maria Monteiro Lopez, Uma família institucional à brasileira: a experiência na Aldeia Infantil SOS (2002); Vânia Feichas Vieira, Os donos do centro: o discurso da requalficação do centro da cidade de São Paulo e as práticas de apropriação do espaço (2004); Natacha Simei Leal, "É de Agronegócio?": circuitos, relações e trocas entre peões de manejo, peões de rodeio e tratadores de gado em feiras de pecuárias (2008); Thomas Antonio Burneiko Meira, A Cidade e seus símbolos: uma etnografia dos circuitos de jovens urbanos na cidade de Londrina a partir do Bar Valentino (2009); Rafael Adriano Marques, Formas de apropriação lúdica da cidade: um estudo antropológico sobre as práticas de Parkour e Skateboard em São Paulo (2011); Lucas Lopes de Moraes, Hordas do metal negro:guerra e aliança na cena black metal paulista (2014); Michel de Paula Soares, “Enterrem meu coração sob o viaduto”: A “Nobre Arte” e o bairro negro de São Paulo (2018); Raphael Piva, O futebol de várzea no Campo de Marte: disputas e sentidos em torno de uma prática cultural urbana (2018); Fabiana Botton, Roubamos sem dar um tiro: uma etnografia de grupos de fraudadores no espaço virtual (2022); Leandro Carneiro de Souza, De maloca em maloca: fazer família e o fazer político nas ruas de São Bernardo do Campo (2024). Entre os doutorados, Ciméa Bevilacqua defendeu a tese O consumidor e seus direitos: um estudo sobre conflitos no mercado de consumo, em 2002, em uma antropologia do estado que tinha interlocução com Piero Leirner, dedicado desde o mestrado a pesquisas os militares no BRasil, e que foi orientando de Maria Lucia Montes, de relação fraterna com o NAU. Antônio Maurício Dias da Costa retomou o tema das festas trabalhado por Magnani, Rita Amaral e o NAU Jovens com a tese Festa na cidade: o circuito bregueiro de Belém do Pará, defendida em 2004. Silvana de Souza Nascimento defende a tese Faculdades femininas, saberes rurais: uma etnografia sobre gênero e sociabilidade no interior de Goiás em 2006. Giancarlo Machado, seguindo o tema já desenvolvido no mestrado sob orientação de Heitor Frugoli Jr., defende a tese A cidade dos picos: a prática do skate e os desafios da citadinidade em 2017. Valéria Santos, com um enfoque em antropologia da técnica, defendeu a tese Alfaiates e alfaiatarias: estudo das práticas de confecção artesanal de roupas em 2018, Lucas Moraes. Ciclovias malditas: controvérsias em torno das bicicletas em São Paulo. 2021.
19Em 2011, o NAU se tornou institucionalmente um Laboratório (o LabNAU), com estatuto próprio, e ganhou uma sala no Prédio de Filosofia e Ciências Sociais, que abriga o acervo de trabalhos de estudantes, uma pequena biblioteca com obras de interesse de seus diferentes grupos. Um pouco depois, em 2013, Silvana Nascimento ingressou como docente no departamento de Antropologia, após uma temporada de seis anos na Universidade Federal da Paraíba e, com a aposentadoria de Magnani, assumiu a coordenação administrativa do laboratório e, posteriormente, criou o grupo de pesquisa CÓCCIX - Estudos indisciplinares do corpo e da cidade (ver artigo nesse número especial).
20Vale a pena ainda relembrar o apoio entusiasmado de Magnani e do NAU por alguns anos ao evento promovido pela ONG Ação Educativa desde 2011, Estéticas da Periferia. A revista Ponto Urbe abriga um texto de Magnani sobre esta participação, com fotos.
21O ambiente do LabNAU tem sido um espaço de sociabilidade e de acolhida, com a presença de bolsistas e estudantes, que podem, ali, estudar e trabalhar (ou cochilar no sofá vermelho). Frequentemente, Magnani chegava (e chega) ao NAU com a saudação “Olá, jovens na metrópole” e outras expressões célebres, alguma anedota de campo, um koan budista ou a ideia de um novo projeto. Também, frequentemente, a acolhida não se restringe a orientações acadêmicas e indicações bibliográficas, mas envolve o acompanhamento de estudantes em seus campos de pesquisa, indicações para trabalhos, e escutas sensíveis diante de diferentes eventos biográficos corriqueiros ou críticos que marcam os anos de formação de cada estudante.
22Famosa se tornou sua comparação de leituras ou campos difíceis, impenetráveis, à observação de baleias no oceano, inspirada por um sobrinho que é biólogo marinho: longas e tediosas observações, releituras e esperas podem ser premiadas com o avistar das baleias na superfície, mas só para quem sabe ter atenção etnográfica. Este cuidado atento a detalhes, revestido de simplicidade, confluente com as práticas zen budistas de Magnani, acompanha, por vezes, os convites a práticas de meditação e tai chi, fora do ambiente da universidade, e mesmo durante alguns campos coletivos de mais longa duração, como as incursões a cidades e aldeias amazônicas.
23A didática antropológica de Magnani pressupõe a imersão em diferentes campos e universos sociais, não apenas aqueles das pesquisas individuais de orientandes, de modo a permitir trocas de impressões, experiências e anotações de campo. A pesquisa coletiva (ver Fiori, nesse especial) tornou-se marca das práticas do NAU. Indispensável a qualquer etnografia, como diz um de seus artigos, é sempre necessário produzir “o bom e velho caderno de campo”, muitas vezes fabricado por integrantes do NAU como um caderninho de bolso, para anotações rápidas, que depois podem ser tornar relatos de campo, passados a limpo e discutidos, antes de se desdobrarem em outros produtos de pesquisa. Mesmo após ter defendido a Livre Docência em 2010 e se tornado Professor Titular em 2015, aposentando-se em 2016, Magnani continua oferecendo cursos de graduação e pós-graduação e orientando grandes grupos de estudantes.
24Esta Edição Especial José Guilherme Magnani - 40 anos no pedaço da antropologia, é uma homenagem e um gesto de amizade. A partir de convites a pessoas que foram orientadas por Magnani em diferentes períodos (nem todas as pessoas estavam disponíveis para produzirem textos, infelizmente), o Especial contempla artigos que oferecem pontos de vistas pessoais, a partir de diferentes trajetórias de formação e pesquisa, reflexões teóricas e metodológicas, e contam, a muitas vozes, parte das histórias do NAU em suas diferentes navegações. Esperamos que a leitura seja apreciada por Magnani, por todas as pessoas que passaram e se relacionaram com o NAU ao longo de décadas, por seus atuais integrantes e pelas pessoas leitoras da Ponto Urbe.