Todos os países que possuem territórios em vias de transformação (áreas “sub-desenvolvidas”) recorrem largamente aos geógrafos nas tarefas de planeamento regional, económico, implantação de indústrias, arrumo da população, inventário de recursos e utilização do solo, etc.
Orlando Ribeiro (1960)
1Para compreender a razão de ser das missões científicas às colónias ou ao além-mar, é necessário ter em vista a Conferência de Berlim, realizada em 1884-1885, e que veio alterar o paradigma da posse dos territórios coloniais, que passou da “ocupação histórica” para a “ocupação efetiva". Desde 1883 que a Comissão de Cartografia, criada pelo Ministério da Marinha e do Ultramar, tentava organizar e sistematizar a investigação científica nos domínios coloniais. Um dos seus objetivos mais imediatos seria o de cartografar as possessões ultramarinas e delimitar as suas fronteiras com as colónias vizinhas. Os sucessivos Congressos Coloniais (I em 1901, II em 1924 e III em 1930) foram enfatizando a urgência de estudos científicos coloniais, e na verdade, no período entre as guerras foi-se desenhando, internacionalmente, um novo princípio de legitimação dos territórios coloniais, que assentava na “ocupação científica”. É já neste contexto que têm lugar a Missão Geográfica de Moçambique de 1932, que integrava a I Missão Antropológica de Moçambique, e a I Missão Antropológica a África (Angola, 1934), financiada pela Junta de Educação Nacional (mais tarde Instituto de Alta Cultura).
- 1 Após a revisão constitucional de 1951, os organismos na dependência do Ministério das Colónias (ult (...)
2Em 1936, o Ministério das Colónias criou a Junta das Missões Geográficas e de Investigações Coloniais (JMGIC), mais tarde, “de Investigações do Ultramar” (JIC/JIU), sob tutela do Ministério do Ultramar,1 que veio substituir a Comissão de Cartografia de 1883, e que procurava planear e organizar de forma integrada a investigação científica. Realizaram-se então a Missão Hidrográfica de Angola (1936), a Missão Botânica de Angola (1937), a Missão da Carta Magnética de Angola (1936 a 1938) e a Missão Geográfica de Timor (1938). Só em meados de 1940, a JIC ficou regularmente constituída. No entanto, com poucos recursos, não teve capacidade para cumprir o seu plano quinquenal de atividades. Ainda assim, foram realizadas missões ou campanhas Geográficas (leia-se Geodésicas) em Angola, Moçambique, Guiné Bissau e Timor; Hidrográficas em Angola e Moçambique; Botânica em Moçambique; Zoológica na Guiné; e Antropológica em Moçambique (Castelo, 2012). As missões eram formadas por pequenas equipas, que incluíam alguns técnicos ou especialistas da metrópole, sendo o apoio logístico local assegurado em parte pela administração colonial. Com a reestruturação da JIC, em 1945, a investigação passou a ter um cunho de maior intervenção, com a exploração eficiente e a questão “indígena” a tornarem-se centrais para a “ocupação científica”. As missões que se organizaram durante a segunda metade do século XX, enquadram-se e decorrem da preocupação de assegurar a prioridade científica portuguesa, e do envolvimento na cooperação científica interinstitucional.
3Em 1946, com Mendes Corrêa (médico e antropólogo físico da Escola do Porto) no cargo de diretor da Escola Superior Colonial e presidente da Junta de Investigações Coloniais, Orlando Ribeiro foi nomeado vogal deste último organismo. De imediato sugeriu incluir a ciência geográfica nos projetos de investigação, e iniciou mesmo a preparação de uma Missão a Cabo Verde (Ribeiro, 1950a), que não se veio a realizar nos moldes pensados. A oportunidade de participação na Segunda Conferência dos Africanistas Ocidentais em Bissau, em 1947, fez com que a JIC criasse duas missões à Guiné: uma de geologia, liderada por João Carrington da Costa, e outra de geografia, liderada por Orlando Ribeiro (Havik e Daveau, 2010). Por questões de afinidade científica e de logística, as duas missões foram agrupadas numa só. Ocorreram então dois problemas que caracterizam todo o trabalho de Orlando Ribeiro ao longo das três décadas seguintes e por consequência também, o funcionamento das missões. O primeiro esteve ligado com a lentidão da máquina burocrática do Estado, que dificultou o planeamento das missões e que neste caso em particular atrasou a partida, que deveria ter ocorrido no final de novembro de 1946. O segundo foi a saúde frágil de Orlando Ribeiro, que o fez chegar à Guiné com bastante atraso (Ribeiro, 1950a). Ainda assim, durante dois meses, em 1947, o geógrafo fez o seu primeiro trabalho de campo aprofundado em África.
4Em 1949, a JIC promoveu 18 colóquios para discutir abertamente as investigações que este organismo desenvolvia. Orlando Ribeiro, convidado para este efeito, aproveitou a ocasião para criticar os meandros administrativos e burocráticos existentes e as suas consequências na liberdade de investigação. Referiu-se ainda ao atraso científico dos territórios ultramarinos, criticando a tradição científica nacional, que seria, segundo as suas palavras, “uma destas flores de retórica, vulgares nos nossos discursos e nos nossos escritos, um destes lugares-comuns com que nos consolamos do atraso actual” (Ribeiro. 1950b: 4). Esta posição está bem marcada num relatório dactilografado que Orlando Ribeiro enviou à JMGIC em 1949, onde expôs as suas considerações sobre o Atlas de Portugal Ultramarino que tinha sido publicado no ano antes (Ribeiro, 2017). Ribeiro condenou a coleção aparatosa, de pobreza confrangedora, resultado de um “atraso na investigação colonial” (Ribeiro, 2017: 667) e indicou como exemplo a tomar o rigor do trabalho que tinha realizado sobre a Ilha da Madeira, no âmbito do XVI Congresso Internacional de Geografia de 1949 (Ribeiro, 1949), sugerindo que, com tempo, poder-se-ia fazer muito melhor.
5Este início dos anos 50 do século XX é fundamental para compreendermos a evolução da Geografia tropical portuguesa. Por um lado, em 1951, a erupção vulcânica da ilha do Fogo, em Cabo Verde, abriu portas a uma missão de urgência, com o propósito específico de estudar este episódio natural. Numa segunda visita, entre dezembro de 1952 e janeiro de 1953, para além do estudo de diversos materiais geológicos, cartográficos e geofísicos da erupção, vários aspetos da colonização nas ilhas foram analisados (Ribeiro, 1998 [1954]). Por outro lado, na sequência da primeira ocupação dos territórios da Índia Portuguesa pela União Indiana, surgiu a possibilidade de realização de uma missão a Goa, o que veio a acontecer em 1955-1956. Juntamente com Raquel Soeiro de Brito, que substituiu Orlando Ribeiro na coordenação da missão quando este teve que se ausentar, e Mariano Feio, o conhecimento dos trópicos e da expansão portuguesa foi-se adensando. Orlando Ribeiro foi mesmo alterando a sua posição inicial sobre o encontro colonial, sobre a suposta transposição benigna do mediterrâneo para os trópicos, e sobre os processos de integração ecológico-social (Ribeiro, 1956). Aliás, a sua desilusão em Goa foi marcante, pois o território era, nas suas palavras, “a terra menos portuguesa de todas as que vira até então” (Ribeiro, 1999: 64). O geógrafo identificou sentimentos de hostilidade da população face aos portugueses, utilizando mesmo a metáfora de “quisto” para adjetivar a presença portuguesa, metáfora essa que mais tarde usou em relação aos colonatos em Angola. O seu contacto mais próximo com África, a partir do final dos anos de 1950, e sobretudo as suas viagens a partir de 1960, alertaram-no para realidades muito distintas das sociedades harmoniosas, mestiçadas e de plena integração do breviário luso-tropicalista (Sarmento, 2022).
- 2 IICT/MEGFSA, 710, Doc.1, 13.6.1952.
- 3 Espólio particular SD, 26.6.1958.
- 4 Reisen und Forschungen in Angola, Berlin: Reimar, 1936.
- 5 The Evolution of the Congo Basin, Geological Society of America, Mem, 3, 1935.
- 6 IICT/MEGFSA, 710 Doc.1, 13.6.1952.
6Em 1952, uns meses depois de ter defendido o doutoramento, Mariano Feio, um dos colaboradores mais antigos de Orlando Ribeiro, escreveu uma carta à Junta das Missões Geográficas e de Investigação do Ultramar. Nela deu conta do seu interesse em fazer um estudo metódico de geomorfologia de Angola com vista à produção de um mapa morfológico do território à escala 1: 4,000.000.2 Esta iniciativa surgiu como resposta a uma necessidade que Luís Silveira, secretario da JIU lhe tinha feito chegar,3 na medida em que o pouco que se conhecia da morfologia deste território, era devido aos trabalhos de dois estrangeiros – Otto Jessen4 e Arthur Clifford Veatch.5 Estes trabalhos já tinham sido analisados por Mariano Feio (Feio, 1946a; 1946b). O seu ambicioso programa incluiria várias campanhas, e continha um orçamento com vencimentos para 10 meses, viagens e material diverso. Contemplava ainda a compra de um veículo - uma carrinha com tração às quatro rodas – respetivos custos de deslocação, material científico e de acampamento, e o pagamento a um motorista.6
- 7 IICT/MGFHU, 829, Pasta 1, Doc.1, 7.6.1960.
- 8 Espólio particular SD, 6.6.1958.
- 9 IICT/MEGFSA, 710, Doc.11, 12.6.1958.
- 10 Espólio particular SD, 26.6.1958.
- 11 IICT/MEGFSA, 710, Doc.12, 13.7.1958.
- 12 Ibidem.
- 13 IICT/MEGFSA, 710, Doc.15, 9.8.1958.
- 14 IICT/MEGFSA, 710, Doc.12, 29.11.1958.
- 15 IICT/MEGFSA, 710, Doc.40, 15.3.1959.
7Por trás de todas estas iniciativas de Mariano Feio, que no entanto foram, nesta altura, inconsequentes, estava Orlando Ribeiro.7 Mariano Feio acabou por ir para o Brasil, tendo ensinado, durante os anos de 1952 e 1953, em Pernambuco. Mais tarde, em 1955 e 1956, participou na Missão de Geografia da Índia (ver Feio, 1979), e assim, a Missão de Estudos de Geografia Física de Angola teve de esperar. Foi só mais tarde, em 1958, que João Carrington da Costa (1891-1982), à data presidente da comissão executiva da JIU, escreveu a Orlando Ribeiro, solicitando um parecer sobre um pedido de autorização de deslocação a Angola, à região entre o Cubango e o Cuando, de uma missão científica organizada pela Universidade de Hamburgo. O parecer solicitado auscultava a necessidade de acompanhamento desta missão estrangeira por um especialista português.8 Em resposta datada do dia seguinte, Orlando Ribeiro indicou que o investigador adequado para fazer este acompanhamento seria Mariano Feio, e uns dias mais tarde, Mariano Feio foi contactado pela JIU, indagando a sua disponibilidade para acompanhar uma missão da Universidade de Hamburgo,9 ao que este acedeu. Aproveitou a oportunidade para “ressuscitar” o seu programa de 1952, argumentando que seria preferível ter autonomia em relação à expedição alemã,10 e propondo um programa de investigação de Geografia física “na faixa situada entre o rio Cubango e o mar”, programa este que seria muito semelhante ao da missão de Hamburgo, facilitando assim a troca de informações e a colaboração entre investigadores.11 Perspicazmente, indicou que os cientistas alemães “não levantarão dificuldades a pôr-me a par da súmula dos seus resultados”, e no espírito da colonização científica que agradava à Junta, explicou que esta seria a “oportunidade de evitar que a ocupação neste ramo científico, da parte sul de Angola, esteja a ser feita apenas por estrangeiros”.12 A missão na região entre os rios Cubango e Cuando, foi autorizada pelo Ministro do Ultramar.13 Mariano Feio partiu para Angola no início de dezembro desse ano,14 e em março de 1959 deu conta, num relatório detalhado, das atividades da missão da Universidade de Hamburgo, composta apenas por um assistente de geografia.15
8Numa carta de Mariano Feio a Orlando Ribeiro, percebe-se a interação com o Mestre acerca dos temas e áreas que Mariano Feio e Ilídio do Amaral deveriam estudar em Angola:
- 16 Espólio particular SD, 19.5.1959.
Ele [Cannas Martins] comprometeu-se (…) a fazer determinado trabalho, o núcleo é a economia agrícola indígena no Sul, acho que começam pelo distrito da Huíla e pelo de Moçâmedes. Mas já que faz aquilo, queria dar-lhe uma base completa, portanto Geogr. Física, Geo Humana, Botânica, Zoologia, Etnografia, etc. Pediu-me logo para eu lhe fazer a parte da Geomorf., ao que acedi tanto mais facilmente quanto… já estava na minha área de trabalho. Dentro deste plano de trabalho o que a ela calhava melhor que o Ilídio tomasse era aquilo a que nas nossas conversas se poderia ter chamado o sector médio (Benguela), talvez um pouco para baixo para acertar melhor com a área deles, digamos de Quilengues para o poente e também na direcção de Benguela. Ele não diz de modo nenhum que imporia, nem pensar nisso, irá para onde o Orl. quizer. Naquela área calhava especialmente bem por ele fazer logo a parte física e humana. Claro, fica cá mais no sul (na parte da minha Geomorf.) a necessidade de um geo humano. (…) O estudo do sul mete pedologia e tudo. A parte da economia agrícola já está entregue a um agrónomo (Cruz de Carvalho). Eu não posso ajudar na Geo humana porque tenho que fazer a Geomorf do grande interior e então não tenho tempo. Mas de resto aquilo é para vários anos e, como sempre, há-de demorar o dobro do que eles esperam.16
9Uns meses mais tarde, Mariano Feio escreveu novamente a Orlando Ribeiro, dando-lhe conta dos progressos da investigação, e com muito entusiasmo comunica-lhe:
Encontrei a chave, a maneira como se faz, a subida do litoral para a serra de Chela. E é de um género como eu nunca tinha visto: uma superfície inclinada que sai debaixo dos depósitos da orla; emerge a cerca de 200 m de altitude e sobe até uns 400-450 m, com inclinação bastante forte, isto é, numas dezenas de km. Nos 450 m é truncada por outra que ainda está horizontal. Prolongando a inclinada, dá razoavelmente com o cimo de Chela. (…) Fiquei radiante por ter quase a certeza de poder dar ao estudo uma construção sólida e precisa. E é bonito ver sair assim uma superf. debaixo do depósito…17
10A campanha continuou durante 1960, e na verdade foi no âmbito desta missão que Mariano Feio se encontrou com Orlando Ribeiro na sua viagem de 1960. Mas no início de 1961 (12 de janeiro), e quando Mariano Feio estava em Angola, as instruções dadas pela Junta foram da suspensão da Missão de Geografia Física de Angola. Assim, os trabalhos de Mariano Feio deveriam ser integrados na Missão de Geografia Física e Humana do Ultramar (MGFHU), que devia começar nesse ano. A este respeito, numa carta a Ilídio do Amaral, Mariano Feio explica bem os contornos da sua missão:
- 18 BNP, Espólio Científico de Orlando Ribeiro, Cx.31, 30.1.1960.
É certo que a Junta (Carrington) nunca desejou este trabalho, queriam era um fiscal para os alemães que viriam e eu, ou nós, é que transformamos esta acção fiscal num estudo de geomorf…Mas nós é que tínhamos razão e, por linhas tortas, fizemos o C. fazer direito.18
- 19 IICT/ACPGU, 710, Doc.86, 17.2.1961.
11Orlando Ribeiro lamentou por seu lado esta suspensão, pois o projeto da MGFHU que estava a começar, tinha expresso claramente que Mariano Feio deveria prosseguir os seus estudos, embora em ligação íntima com esta19. É interessante observar com detalhe a carta que Mariano Feio escreveu à JIU no final da Missão, já de Lisboa, que indica numa lista as despesas que deveriam ainda ser pagas. Nela se percebe que Mariano Feio estava acompanhado de um auxiliar técnico e de um cozinheiro indígena, da centralidade das amostras (areias, rochas e fósseis), das despesas com transportes, nomeadamente do veículo, e das necessidades posteriores para elaboração de uma monografia final, que apenas foi publicada anos mais tarde (Feio, 1981).
Tabela 01 – Lista de despesas que deveriam ser pagas pela JIU
Viagem do chefe de Missão de Sá da Bandeira para Luanda
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1187$30
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Viagem do auxiliar técnico, do cosinheiro indígena, do carro e da bagagem (incluindo toda a amostragem) de Sá da Bandeira para o Lobito:
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120 litros de gasolina
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486$00
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Canhão de manga do eixo que se partiu e foi necessário substituir
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500$00 986$00
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Subsídio de embarque do chefe de missão
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3000$00
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Subsídio de embarque do auxiliar técnico
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1000$00
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Viagem do cosinheiro indígena do Lobito para Luanda
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154$00
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Ordenado do auxiliar técnico durante a viagem e embarque De Sá da Band. para o Lobito e daqui para Lisboa:
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4 dias em Angola e 16 dias embarcado
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1200$00
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Reparação do carro no fim da campanha (recibo de 7.1.961)
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3556$80
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Despacho de bagagem e das amostras de rochas, de areias e de fósseis
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1937$00
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Sacos de pano para acondicionar as amostras de areias
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145$00
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Ordenados do chefe de Missão durante a redação do estudo, na Metrópole
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72000$00
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Trabalhos fotográficos
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3500$00
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Trabalhos de desenho: mapas e ilustrações para o livro
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10000$00
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98666$10”
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Fonte: IICT/ACPGU, 710, Doc.119, 12.5.1961
- 20 IICT/ACPGU, 673, Pasta 1, Doc1. 19.11.1956.
- 21 Ibidem.
- 22 Ibidem, Doc.2, 26.12.1956.
- 23 Ibidem, Doc.11, 3.12.1957.
12Em 1956, Orlando Ribeiro escreveu à Junta de Investigações do Ultramar, a indicar que haveria toda a vantagem em criar “junto da Faculdade de Letras, de Lisboa, um núcleo de estudos onde se reunisse a documentação bibliográfica, cartográfica, e fotográfica indispensável à investigação da geografia africana, e se preparassem os futuros investigadores dessa geografia”.20 Neste documento, o geógrafo apontava a necessidade de que “Angola e Moçambique deixem de ser, pelo menos para os geógrafos portugueses, a terra incógnita que tem sido até hoje.”21 A resposta não tardou,22 e após esclarecimentos adicionais, no final de 1957, a criação do Agrupamento Científico de Preparação de Geógrafos para o Ultramar (ACPGU) foi autorizada.23
- 24 IICT/ACPGU, 673, Pasta 1, Doc.30, 19.7.1958
- 25 Ibidem, Doc.36, 5.12.1958.
- 26 Ibidem, Doc.56, 16.3.1960.
- 27 .Ibidem.
- 28 Ver Daveau e Garcia (2017) a este propósito. Também o antropólogo Jorge Dias (1907-1973), que desde (...)
- 29 IICT, ACPGU, 673, Pasta 1, Doc.40, 31.12.1958.
13Em 1958, o agrupamento contou com uma bolsa integral (para Manuel Marques), e outra parcial (para João Proença Ribeiro),24 e no ano seguinte viu acrescerem duas bolsas parciais para atribuir “aos restantes assistentes de Geografia da Faculdade de Letras que dedicam ao estudo da Geografia tropical e do Ultramar grande parte da sua actividade e colaboraram benevolamente nos trabalhos do Agrupamento”.25 Nestes anos fez-se “treino de campo e de gabinete”, tendo-se realizado, em 1958 e 1959, excursões a diversas áreas do norte e centro do país. Envolvendo a realização de inquéritos diversos,26 os trabalhos estatísticos, a execução de mapas de distribuição de população e utilização do solo, elaborados em Goa, serviriam também como prática para trabalhos idênticos em África.27 Esta ideia de “treino de campo” em Portugal para preparar os jovens geógrafos para os trópicos, assenta com certeza nos inquéritos de Geografia regional e do habitat rural que Orlando Ribeiro tinha promovido no final dos anos 30 (Ribeiro, 1991; 1995)28. Central para o agrupamento e para a prática da Geografia tropical foi o pedido e posterior compra de uma máquina fotográfica Leica, tendo por orçamento cerca de 12 contos.29 A esta compra juntava-se uma grande lista de materiais para acampamento: tendas, camas, colchões, sacos de dormir, mesas, cadeiras, mochilas, bacias, lanternas e chuveiros, entre outros.
- 30 Ibidem, Doc.42, 31.12.1958.
- 31 Ibidem, Doc.50, 14.11.1959.
- 32 Inéditos, Ilídio do Amaral, Caderno de Campo nº2, Angola, coleção particular. A propósito dos cader (...)
14No último dia de 1958, Orlando Ribeiro escreveu um outro ofício à JIU, informando que Ilídio do Amaral o substituiria na missão, durante a sua estadia em Paris no ano seguinte, onde iria proferir uma série de lições no Collège de France.30 Em 1959, Orlando Ribeiro propôs que Ilídio do Amaral e Manuel Monteiro Marques deveriam permanecer cinco meses em Angola, e aproveitassem para fazer um estágio de campo com Mariano Feio. Ilídio do Amaral partiu em Agosto, mas Manuel Marques acabou por desistir da bolsa e do agrupamento, tendo-se perdido o seu contributo na área da geomorfologia e na sua especialidade de trabalho de campo, lamentando Orlando Ribeiro o sucedido.31 As figuras 1 e 2 mostram duas páginas do caderno inédito de campo de Ilídio do Amaral, de finais de 1959, e que espelham bem o modo de fazer Geografia nesta altura.32
Figura 1. Desenhos de habitação feito por Ilídio do Amaral, 1959
Caderno de campo nº2, Angola, Ilídio do Amaral, 1959
Figura 2. Esboço do Cuanza feito por Ilídio do Amaral
Caderno de campo nº2, Angola, Ilídio do Amaral, 1959
- 33 Criado em 1955, em parte para corresponder às recomendações da cooperação inter-imperial, este orga (...)
- 34 Espólio particular SD, 3.1.1959.
- 35 Ibidem.
15Ainda nesse ano, Orlando Ribeiro escreveu ao engenheiro agrónomo Virgílio Canas Martins (1909-1973), que à data era o diretor do Instituto de Investigação Científica de Angola (IICA),33 sugerindo-lhe a constituição de uma “Missão de Estudos de Geografia a Angola”. Esta deveria “iniciar um reconhecimento de conjunto”, “preparar um mapa da população”, “proceder à escolha de dois ou mais assuntos de Geografia física, humana ou regional que constituíssem matéria de investigações aprofundadas, podendo, eventualmente, servir de tema a dissertações de doutoramento” e “colaborar na elaboração de planos regionais ou económicos e dar toda a assistência técnica às autoridades administrativas (…)”.34 Refere ainda que está muito ocupado com estudos sobre a Índia e o Brasil e que não será possível dedicar-se a trabalhos profundos, mas acompanhará os seus colaboradores e discípulos, fazendo “viagens de prospeção e acompanhando depois, in loco, os seus trabalhos”.35 A sugestão de Orlando Ribeiro era de que a primeira campanha se realizasse em julho desse mesmo ano, ou seja em 1959, o que não veio a acontecer.
16Sabemos que uns meses mais tarde, Mariano Feio escreveu de Angola a Orlando Ribeiro, contando que se tinha encontrado com Canas Martins, e que tinham falado da organização da missão.36 A carta que Orlando Ribeiro tinha dirigido a Canas Martins dava ainda conta que se devia fazer um convite a Pierre Gourou (1900-1999), que designa como o “mais reputado especialista das regiões tropicais e com a larga experiência que possui através dos seus estudos no Congo Belga”. O geógrafo francês era já um nome incontornável na Geografia tropical, e teve uma profunda influência na Geografia portuguese praticada na época. A deslocação de Pierre Gourou ocorreu nas campanhas de 1962 e 1963.
- 37 IICT, ACPGU, 673, Pasta 1, Doc.55, 16.3.1960.
- 38 Ibidem, Doc.136, 28.1.1965.
- 39 Oliveira (1966), Gomes (1966) e Coelho (1966). Ibidem, Doc.241, 26.10.1966.
17Numa nota informativa, a JIU deu conta do plano de trabalho do agrupamento para 1960, que incluía investigação na Índia portuguesa e no norte de Moçambique (Raquel Soeiro de Brito), em São Tomé (Francisco Tenreiro) e Angola (Ilídio do Amaral).37 Referia ainda que Orlando Ribeiro estaria a terminar os estudos “A cidade portuguesa no mundo” e “Os telhados de Tavira”. O trabalho do agrupamento prosseguiu, tendo sempre orçamentos anuais que permitiam fazer missões em diversos territórios. Em 1965, Raquel Soeiro de Brito desvinculou-se do agrupamento, sendo substituída por João Pereira Evangelista, um assistente que trabalhava em Geografia da população.38 Significativo é o facto deste agrupamento ter financiado o trabalho de três estudantes finalistas de geografia, que defenderam as suas teses de licenciatura em Ciências Geográficas em 1966 com dois trabalhos em Angola e um em Moçambique.39
- 40 IICT/ACPGU, 673, Pasta 1, Doc184, 28.2.1967.
- 41 Mendes (1970). A autora, nascida na Gabela, foi uma das primeiras professoras no recém-criado curso (...)
- 42 IICT/ACPGU, 673, Pasta 1, Doc.274, 17.2.1961.
- 43 Ibidem, Doc.246, 18.5.1971.
18Em 1967, João Evangelista saiu do agrupamento, pois foi convidado para ser assistente dos Estudos Gerais Universitários de Angola. Em sua substituição, entrou o geólogo António Marcos Galopim de Carvalho (1931-), à data assistente da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa.40 Os trabalhos do agrupamento desenrolaram-se normalmente, e no início de 1971, Orlando Ribeiro deu conta disso mesmo à Junta, indicando que mais uma tese de licenciatura tinha sido concluída – um estudo sobre Gabela, uma pequena cidade de Angola41 – sendo de prever a conclusão da primeira “Bibliografia Geográfica de Angola”, orientada por Ilídio do Amaral.42 Mas nesse mesmo ano, a suborçamentação da missão (50 contos atribuídos de 188 contos solicitados), levou à suspensão das bolsas de Orlando Ribeiro, Ilídio do Amaral, João Proença Ribeiro e Maria Alfreda Cruz43, esta última assistente do IICA entre 1966 e 1968. Nos dois anos seguintes, os últimos do agrupamento, a verba disponível manteve-se em 50 contos por ano, permitindo que apenas um bolseiro trabalhasse em Angola.
- 44 Portaria n.º 17935, Diário do Governo n.º 210/1960, Série I de 9 de setembro de 1960; IICT/MGFHU, 8 (...)
19A Missão de Geografia Física e Humana do Ultramar foi criada em 1960, por três anos prorrogáveis, tendo o projeto de criação da missão sido assinado por Orlando Ribeiro em 7 de junho de 1960.44 Nele o geógrafo insistia no interesse científico da África subsaariana, no desconhecimento científico existente, e no facto de que os poucos trabalhos existentes terem sido feitos por estrangeiros. Dá o exemplo do estudo do colonato de Cela em Angola, feito por um geógrafo belga (Denis, 1956) e por um brasileiro (Penteado, 1959-1960), e que mereceria estudo por parte de investigadores nacionais. Foi a mais robusta Missão de Geografia tropical em Portugal, funcionando até 1973, e compreendeu dezenas de campanhas ao longo dos seus 13 anos de funcionamento. Tal como refere Ilídio do Amaral, a especificidade do nome da missão prende-se com a clarificação do campo científico das mesmas, pois as missões de geografia eram tradicionalmente cartográficas (Amaral, 1983a).
- 45 IICT/MGFHU, 829, Pasta 1, Doc.52, 10.7.1961.
- 46 IICT/MGFHU, 829, Pasta 1, Doc.32, 3.3.1961.
20O orçamento da missão, comunicado a 10 de janeiro, foi considerável.45 A tomada de posse de Orlando Ribeiro aconteceu a 2 de março de 1961. O geógrafo, escreveu à JIU no dia seguinte, propondo uma autorização urgente para o projeto de trabalho do chefe da missão, pois com os atrasos na nomeação dos adjuntos, entre outras delongas, era difícil apresentar o projeto completo para esse ano. Sugeriu ainda uma viagem dividida em duas partes. Na primeira parte, visitaria o Instituto Francês da África Negra e o Departamento de Geografia da Universidade de Dakar, no Senegal (8-10 dias). Na segunda parte, visitaria algumas ilhas de Cabo Verde (Brava, São Nicolau e Boavista), com vista a completar o estudo da ilha do Fogo e outros trabalhos sobre o arquipélago (20-25 dias).46 As férias da Páscoa seriam aproveitadas para o efeito, numa viagem de cerca de um mês, a ter início em 17 de março. Angola e Moçambique teriam de esperar pela nomeação dos adjuntos da missão.
- 47 Ibidem.
- 48 Ibidem.
- 49 IICT/MGFHU, 829, Pasta 1, Doc.118, 13.7.1962.
21No entanto, mais uma vez a máquina burocrática do Estado fez-se sentir, não permitindo que a viagem da Páscoa fosse realizada. Por um lado, o orçamento só foi posto à disposição em meados de abril,47 e por outro lado, a publicação em Diário do Governo da missão, com o orçamento e projeto de trabalhos completos, demorou bastante tempo. Orlando Ribeiro referia no plano para 1961 que “a gravidade do momento actual obriga a encarar a possibilidade de interromper ou desviar para outros lugares a actividade da Missão”, e a retoma do trabalho de Ilídio do Amaral de 1958 e 1960, no norte de Angola, financiado pelo IICA, era incerta.48 Neste plano indicava-se também o papel dos vários adjuntos em 1961, a saber: Raquel Soeiro de Brito (trabalhos em Lourenço Marques e no litoral Moçambicano, bem como em Macau, Taipa, Coloane e Hong Kong), Fernandes Martins (norte de Moçambique), Francisco Tenreiro (alguma aldeia em Moçambique; Lourenço Marques; e três cidades do sul de Angola) e Ilídio do Amaral (Santiago de Cabo Verde). Referia-se ainda que Pierre Gourou já tinha sido convidado para colaborar com a Missão nos trabalhos em Moçambique (com conhecimento e concordância do Ministro de Ultramar), sendo que se procurariam estabelecer contactos com investigadores da Universidade de Dakar. No entanto, “o mais eminente especialista de Geografia das regiões tropicais (…) solicitado para outras viagens e missões, não pôde (…) aceder ao convite que lhe foi dirigido”.49
Quadro 1. Missões de Geografia (1947-1973)
Anos
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Nome da Missão
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Chefe
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Adjuntos
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Bolseiros
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1947
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Missão de Geografia à Guiné
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Orlando Ribeiro
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-
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-
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1951, 1952-53
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Missão a Cabo Verde
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Orlando Ribeiro
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1955-1956
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Missão de Geografia à Índia
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Orlando Ribeiro
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Mariano Feio
Raquel Soeiro de Brito
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-
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1958-1961
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Missão de Estudos de Geografia Física de Angola
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Mariano Feio
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-
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-
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1958-1973
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Agrupamento Científico de Preparação de Geógrafos para o Ultramar
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Orlando Ribeiro
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Ilídio do Amaral
Francisco Tenreiro
Raquel Soeiro de Brito (-1965)
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João Proença Ribeiro (1958-)
Manuel M. Marques (1958-59)
Ilídio do Amaral (1958-)
João Evangelista (1965-67)
A. Galopim de Carvalho (1967-)
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1961-1973
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Missão de Geografia Física e Humana do Ultramar
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Orlando Ribeiro
(2.1961-)
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Raquel Soeiro de Brito (6.1961-)
Alfredo Fernandes Martins (7.1961-)
Ilídio do Amaral (7.1961-)
Francisco Tenreiro (6.1961-1963)
Mariano Feio (6.1965-)
Lucília Gouveia (6.1966-)
José Gabriel Correia da Cunha (1965-1967)
Joaquim Lino da Silva (9.1967-1969)
|
Wanda Amaral (6.1964-)
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- 50 IICT/MGFHU, 829, Pasta 1, Doc.125, 6.8.1962.
- 51 Ibidem, Doc.134, 6.11.1962.
22Em 1962, para além de Orlando Ribeiro e Francisco Tenreiro, que juntamente com Pierre Gourou viajaram para Angola, Ilídio do Amaral deslocou-se a Cabo Verde, e A. Fernandes Martins e Raquel Soeiro de Brito a Moçambique.50 Em novembro de 1962, Raquel Soeiro de Brito, adjunta da Missão de Geografia, escrevia, em nome do chefe da missão, uma carta ao presidente da Comissão Executiva da JIU, a dar conta do projeto de orçamento para 1963, que incluía o chefe da missão, Orlando Ribeiro, os adjuntos com a categoria B, Mariano Feio, Francisco Tenreiro, Fernandes Martins e a própria Raquel Soeiro de Brito, e o adjunto com a categoria C, Ilídio do Amaral.51 O documento indicava também as despesas com o material, que se dividia em: científico, isto é, barómetros, bússolas, outros instrumentos e acessórios para fotografia; e cinema e fotografia, dizendo respeito a rolos de película, revelações, cópias e ampliações. As despesas com as deslocações abrangiam duas viagens para Cabo Verde, quatro para Moçambique e apenas uma para Angola. Incluíam-se também despesas com subsídios de embarque, transporte de material e pessoal auxiliar. O total ascendia a 884 mil e 200 escudos.
23Dois meses antes da segunda viagem de Orlando Ribeiro a Angola, a Junta de Investigações do Ultramar procurou avaliar a disponibilidade de materiais na província, para o funcionamento da MGFHU. Nesse sentido, questionou Mariano Feio, que chefiava a Missão de Geografia Física de Angola, tendo este respondido que, sem prejuízo para o funcionamento da sua missão, poderia dispensar algum material, que já tinha “herdado” da Missão Antropológica de Moçambique, e que estaria, quase todo, depositado em Sá da Bandeira e na Sociedade Agrícola do Cassequel, na Catumbela, próximo do Lobito. Essa lista, traça uma imagem do funcionamento das campanhas, e continha os seguintes materiais:
- 52 IICT/MGFHU, 829, Pasta 1, Doc.6, 9.7.1960.
24“1 lavatório com bacia de lona;
3 sacos bornais;
5 sacos de lona para água;
2 baldes de lona com bico;
1 chuveiro de lona;
1 mala cantina completa, conforme as listas existentes nessa Junta;
3 cadeiras campex fauteils (as armações estão boas, mas alguns panos precisam concertados);
1 banco campex;
1 cadeira campexauto de tubo de aço;
1 saco contendo um burro, um colchão e um mosquiteiro;
1 cadeira Paris de ferro e lona;
80 balas para carabina 275 Magnum;
1 bussola;
1 bidon de plástico de 2 1.”52
25A um mês da viagem de Orlando Ribeiro, a JIU perguntou às diversas missões em funcionamento em Angola (geográfica; botânica; hidrográfica e pedologia); se teriam algum do seguinte material disponível, para ser fornecido à missão a criar:
-
Station Land-Rover, tipo “Jardineira” e Jeep Willys.
-
Barómetros, altímetros, bússolas, esteroscópios.
-
Material de campo.
-
- 53 Ibidem, Doc.13, 20.7.1960.
Material de fotografia e cinema.53
- 54 Ibidem, Doc.19, 20.8.1960.
26As respostas das missões foram todas negativas, à exceção da Missão Geográfica de Angola, que através do seu chefe da missão, o engenheiro geógrafo Alberto Pereira Bastos, respondeu do Zaire, que poderia ceder “um número limitado de altímetros, bússolas, e estereoscópios de bôlso”.54 Em todo o caso, e como já vimos, a MGFHU só teve aval da JIU para entrar em funcionamento no ano seguinte.
- 55 IICT/MGFHU, 829, Pasta 1, Doc.209, 16.11.1963.
- 56 Ibidem. Ver Brito (1997).
- 57 IICT/MGFHU, 829, Pasta 2, Doc.235, 21.3.1964.
27Já depois da campanha de 1963 ter terminado, Orlando Ribeiro escreveu ao presidente da comissão executiva da JIU, argumentando que ao fim dos três anos previstos da missão, os trabalhos justificavam continuidade.55 Referiu-se concretamente aos seus próprios trabalhos em Moçambique (onde não voltará) e em Angola, aos de Ilídio do Amaral em Angola e Cabo Verde, e aos de Raquel Soeiro de Brito e de Francisco Tenreiro (que faleceria em dezembro deste mesmo ano) em Moçambique (ver Castelo, 2021). Abordou também a necessidade de efetuar trabalhos em Macau, onde Raquel Soeiro de Brito tinha já feito um “sumário reconhecimento”, e em Timor, que “nunca foi aflorado”.56 O pedido foi de uma prorrogação da missão de quatro anos, que teve resposta favorável em 1964, mas com a duração de três anos.57
- 58 IICT/MGFHU, 829, Pasta 2, Doc.249, 22.7.1964.
- 59 IICT/MGFHU, 829, Pasta 2, Doc. 251, 31.7.1964.
- 60 Ibidem, Doc.249, 22.7.1964.
- 61 Ibidem, Doc. 260, 24.8.1964.
28Em 1964, Ilídio do Amaral, que entretanto tinha terminado a tese de doutoramento sobre a ilha de Santiago de Cabo Verde (Amaral, 1964), continuou a fazer investigação em Angola, onde esteve a partir de 20 agosto.58 O objetivo era estudar Luanda e os seus musseques, trabalho que mais tarde viria a publicar (Amaral, 1968), bem como visitar outros centros urbanos como “Sá da Bandeira, Moçâmedes e, talvez, Luso”59 No final desse mesmo mês, Raquel Soeiro de Brito partiu para Moçambique, para estudar os povos Ajaúas e Nianjas, nas margens do Niassa,60 seguida de Fernandes Martins, que viajou nos primeiros dias de setembro.61
- 62 IICT/MGFHU, 829, Pasta 2, Doc. s/n, 15.12.1964.
29O projeto de orçamento para o ano de 1965, propôs três novos colaboradores: Lucília Dora de Andrade Gouveia, assistente na Universidade de Coimbra e docente da disciplina de Geografia tropical, e José Gabriel da Cunha, recente colaborador do Centro de Estudos Geográficos, entravam para a missão como adjuntos (letra C); Wanda Maria Peres do Amaral, irmã de Ilídio do Amaral, juntava-se à equipa como auxiliar da missão.62
- 63 Ibidem, Doc. 309, 17.7.1965.
- 64 Ibidem.
- 65 Ibidem.
30Numa carta datada de 1965 e dirigida ao presidente da comissão executiva da JIU, Orlando Ribeiro comunica que “infelizmente, por motivo de saúde, não me foi possível, no ano transato, deslocar-me a África. Este ano também apenas poderei dedicar umas três ou quatro semanas a trabalho de campo em Angola”.63 Os objetivos que apresenta para o trabalho a realizar são vários e estão em sintonia com os apontamentos ecléticos dos seus cadernos de campo. Em primeiro lugar, queria analisar o estudo de Ilídio do Amaral em Luanda, refletindo sobre o desaparecimento da fisionomia tradicional da cidade, que, invoca o geógrafo, constituiria parte integral de um livro sobre “A cidade portuguesa no mundo”.64 Em segundo lugar, pretendia continuar a estudar os “modos de vida europeus e africanos, e respetivas interferências, nas áreas de Benguela, Moçâmedes e Sá da Bandeira”. Nesta temática indicou que procuraria orientar Lucília Gouveia, na escolha de uma monografia aprofundada, para tese de doutoramento, a terceira sobre África, depois de Tenreiro (1961) e Amaral (1964). Em terceiro lugar, gostava de prosseguir a investigação sobre a geomorfologia das paisagens de montes-ilha, desde o clima de savana até ao clima árido.65
- 66 IICT/MGFHU, 829, Pasta 2, Doc.328, 3.11.1965.
31No ano seguinte o grupo deixou de contar com José Gabriel Correia da Cunha, mas no final do ano de 1965, Orlando Ribeiro deu conta de que apenas Ilídio do Amaral e Fernandes Martins puderam realizar os programas propostos66. Assim, por não se terem executado despesas previstas, por se prever trabalho de campo intenso em Angola no ano seguinte, e porque a missão apenas dispunha de uma viatura em Moçambique, propôs a aquisição de duas viaturas (um Land Rover e um Renault 4L). Esta despesa foi autorizada no último dia desse ano.
- 67 Ibidem, Doc.357, 11.7.1966.
32Na apresentação do plano de atividades de 1966, Orlando Ribeiro refere que a redução do orçamento da missão inviabilizava o trabalho de Raquel Soeiro de Brito em Timor, a investigação de Ilídio do Amaral no norte de Angola, e a sua própria deslocação a África. Continuaram apenas os trabalhos de Mariano Feio, sobretudo no sudoeste de Angola, no planalto de Humpata, e de Lucília Gouveia, em torno da região de Lobito-Benguela67. Orlando Ribeiro referiu ainda que esperava que Lucília Gouveia tivesse o apoio de Maria Alfreda Cruz, que se iniciava nos estudos de Geografia humana do norte e centro de Angola. O ano de 1966 marca o início da publicação Finisterra – Revista Portuguesa de Geografia, fundada por Orlando Ribeiro, conjuntamente com Suzanne Daveau e Ilídio do Amaral. O primeiro número incluiu um artigo de Pierre Gourou, sobre Geografia humana, e vários artigos sobre África.
- 68 Ibidem, Doc.404, 9.8.1967.
- 69 Ibidem, Doc.410, 15.9.1967.
33Em 1967 a missão é prorrogada por mais três anos, e em articulação com o chefe da missão, Raquel Soeiro de Brito apresenta um plano focado em Angola, nomeadamente na cidade de Moçâmedes.68 A esta mudança não é alheia a situação no norte de Moçambique, pois a geógrafa vinha desenvolvendo trabalho “nos planaltos e bordos do lago Niassa”. Lino da Silva, que colaborava com o IICA, juntou-se também à missão como 2º assistente.69 Este etnólogo, com formação na Escola Superior Colonial, realizou investigação sobre as embarcações e utensílios de pesca dos ilhéus de Luanda (Silva, 1960), defendeu uma tese sobre Armações de Pesca (Silva, 1966) e preparou uma tese sobre os Cuvales do sudoeste de Angola (Amaral, 1983b), que não terminou. Fez duas campanhas em Angola, a de 1967 e de 1968, em que estudou com bastante detalhe os povos Tuás, material que mais só muito mais tarde publicou (Silva, 1988). Em 1969, rescindiu a colaboração com a MGFHU, e tornou-se investigador permanente do IICA.
- 70 IICT/MGFHU, 829, Pasta 2, Doc.412, 12.10.1967.
- 71 Carlos Krus Abecasis (1918-2012), foi subsecretário de Estado do Ultramar entre 1955 e 1958, e foi (...)
34Entretanto, Orlando Ribeiro informou a JIU que iria para Paris, ficando a lecionar na Universidade de Paris-Sorbonne, durante todo o ano letivo de 1967/68.70 Há uma troca de correspondência em 1968, que nos permite avaliar os problemas de tempo na conciliação da realização das campanhas e do trabalho de campo, com os compromissos académicos, nomeadamente as aulas, mas não só. Estes constrangimentos sempre tiveram presentes nas missões, e Orlando Ribeiro refere-os amiúde. No início desse ano, Raquel Soeiro de Brito, em substituição de Orlando Ribeiro que se encontrava em Paris, escreveu à JIU, enviando os relatórios da campanha de 1967. Passados três dias, nessa mesma carta, o presidente da JIU, Krus Abecasis71, escreveu que se devia dar conhecimento ao Ministro de que: “foi muito prejudicada a utilidade das campanhas, relativamente ao que era lícito esperar dos praticados dos cientistas que as realizaram, pela demasiado curta duração da permanência na Província. Por outro lado, os instantes problemas a que esta colaboração poderia trazer contributo muito útil aconselhariam um contacto mais acentuado com a Secretaria Provincial de Fomento Rural”.
- 72 IICT/MGFHU, 829, Pasta 3, Doc.17, 20.4.1968.
- 73 Joaquim da Silva Cunha (1920-2004) foi ministro do Ultramar entre 1965 e 1973.
- 74 IICT/MGFHU, 829, Pasta 3. Doc.19, 6.5.1968.
35Este parecer chegou a Orlando Ribeiro, que de passagem por Lisboa, escreveu à JIU a esclarecer diversos pontos, entre os quais o de que todos os membros da missão eram professores universitários e que as universidades prestavam “mais atenção aos exames do que à pesquisa”, de que as campanhas se realizavam no período de férias destes professores, de que as verbas não eram suficientes para campanhas muito longas, e finalmente de que a missão tinha já produzido obras significativas72. Krus Abecasis foi mais brando com o que escreveu no seu parecer, sublinhando que só com investigadores muito experientes valeria a pena realizar campanhas de um a dois meses. O ministro do ultramar, Silva Cunha,73 deu despacho escrevendo “continuo a julgar que os trabalhos de campo deverão ter mais duração”.74
- 75 Ibidem, p.71. A este propósito ver Castelo (2017), que refere que as conclusões de Raquel Soeiro de (...)
36Mais tarde Orlando Ribeiro deu conta de um episódio passado em Angola por esta altura. Segundo o geógrafo, Canas Martins solicitou a colaboração de Orlando Ribeiro acerca da despossessão de terras indígenas na periferia semiárida do deserto do Namibe, no sul de Angola, por criadores de gado brancos (Ribeiro, 1975: 70). Nesse ano de 1968, foi Raquel Soeiro de Brito que produziu um relatório preliminar sobre o assunto, em que constava “um clima de tensão está criado em muitos lugares e rapidamente se pode estender a vastas áreas; por isso é urgente o estudo do problema”.75 O relatório, entregue a diversas autoridades e serviços, foi ignorado, tendo sido publicada uma pequena nota sobre o assunto num artigo na revista Finisterra, em 1970: “Urge, por isso, completar o estudo da vegetação, com o do clima e dos solos, de modo a poderem orientar-se as populações nativas para, se possível, uma evolução mais racional e mais rentável da sua economia e não as afugentar com o estabelecimento não cuidadosamente estudado de criações ‘de brancos’, criações que, falhas de um apoio técnico suficiente, em pouco tempo se poderão transformar em desastre económico, pela necessidade de fazerem uma transumância extensiva tal como a dos nativos, vindo a sobrecarregar os pastos e os pontos de água de maneira insustentável.” (Brito, 1970: 81-82). Retomou este assunto quando no final dos anos 70 escreveu “Num espaço semiárido, com pontos de água raros e distantes, os criadores brancos fizeram-se outorgar grandes concessões, aramando-as, sob o olhar complacente da administração colonial.” (Ribeiro, 2014: 66).
- 76 IICT/MGFHU, 829, Pasta 3, Doc.129, 29.11.1969.
- 77 Ibidem, Doc.94, 6.5.1970.
37Em 1969 Orlando Ribeiro ainda enviou para a JIU o projeto para a campanha de 1970. Nele constam as propostas de estar 30 dias em Moçambique e mais 30 dias em Angola, acompanhado pela geógrafa Suzanne Daveau; de 60 dias em Timor para Raquel Soeiro de Brito; 30 dias em Angola para Ilídio do Amaral; 60 dias em Angola para Lucília Gouveia, havendo ainda lugar a um subsídio para Wanda do Amaral.76 Com a prorrogação por três anos da MGFHU,77 as oportunidades também surgiram, mas por diversas razões não se concretizaram. Em 1969, os três anos do curso em Geografia tinham sido estabelecidos em Sá da Bandeira e em Lourenço Marques. As licenciaturas, coordenadas por Orlando Ribeiro e Ilídio do Amaral, eram de cinco ano, o padrão na época, e teriam que ser concluídas em Lisboa ou em Coimbra. Em 1970, Carlos Alberto Medeiros, Isabel Medeiros e Lino da Silva, estavam a lecionar em Sá da Bandeira, e Maria Eugénia Moreira, Celeste Coelho, Maria Clara Mendes, Esmeralda Ferreira, com o apoio de Gaspar Soares de Carvalho (1920-2016), que tinha estado envolvido nas Missões Geológicas na Guiné-Bissau (1959), Goa (1960) e Angola (1960), lecionavam em Lourenço Marques (Sarmento, 2018; 2019).
- 78 Ibidem, Doc.148, 10, 11, 1971.
38Em 1971, a verba foi reduzida, e só Raquel Soeiro de Brito e Ilídio do Amaral viajaram. A primeira continuou o trabalho em Timor e o segundo em Angola. Orlando Ribeiro lamentou-se sobre a impossibilidade de alargar a missão, e especificamente lastimou não se ter celebrado o contrato com Suzanne Daveau, “especialista em geomorfologia, antiga professora das Universidades de Dakar e de Besançon”, bem como com Maria João Vilar Queiroz, na altura assistente no Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas do Ultramar, e licenciada em Geografia.78
- 79 IICT/MGFHU, 829, Pasta 4, Doc.42, 12.6.1973.
- 80 Refere-se aqui a Carlos Alberto Medeiros (ver Medeiros, 1976), a Isabel Medeiros, que preparava uma (...)
- 81 IICT/MGFHU, 829, Pasta 4, Doc.46, 12.7.1973.
- 82 Ibidem, Doc.52, 17.10.1973.
- 83 Ibidem, Doc.55, 14.11.1973.
- 84 No final de 1979, a Junta passou a Laboratório Nacional de Investigação Científica Tropical, e a pa (...)
- 85 IICT/MGFHU, 829, Pasta 4, Doc.69, 10.4.1975.
39Suzanne Daveau e Orlando Ribeiro preparavam então um livro científico-didático sobre os trópicos, publicado pela editora Armand Colin, em Paris, em 1973, com o título La Zone Intertropicale Humide (Daveau e Ribeiro, 1973: 197). Nele os dois geógrafos recorreram a toda a sua experiência em diversos continentes, traçando, sob forte influência de Pierre Gourou, uma geografia panorâmica dos trópicos, desde o Perú, Cuba, México e Índia, com destaque para o Brasil e África, sobretudo a África ocidental e a África lusófona. Ainda nesse ano de 1973, Orlando Ribeiro escrevia à JIU a solicitar autorização para se deslocar a Angola numa missão de 45 dias, a começar a 15 de agosto.79 O geógrafo pretendia fazer: 1. Estudo do sudoeste de Angola; 2. Rápida deslocação a Cabinda; 3. Rápida deslocação a Carmona; 4. Troca de impressões in loco com os três assistentes que estão em Sá da Bandeira e que têm teses de doutoramento adiantadas.80 A deslocação chegou a ser autorizada,81 mas por motivos de doença, Orlando Ribeiro não viajou.82 Entretanto, Wanda do Amaral pediu a rescisão do contrato como auxiliar-estagiária, e em novembro desse ano, Orlando Ribeiro pediu a prorrogação da MGFHU por mais três anos, sobretudo para que Raquel Soeiro de Brito, Ilídio do Amaral e Alfredo Fernandes Martins, continuassem os trabalhos em Timor, Angola e Moçambique, respetivamente.83 Uns dias antes, no entanto, o decreto lei 583/73 de 6 de novembro de 1973, alterava a orgânica da investigação científica no País, e a prorrogação solicitada não foi autorizada. As atividades da MGFHU e do ACPGU passaram a estar integradas no Centro de Geografia do Ultramar (pertencente ao Instituto de Ciências da Terra, parte da Junta de Investigações do Ultramar, que se passava a designar Junta de Investigações Científicas do Ultramar),84 mas estavam suspensas. Em 1974, a MGFHU já não teve orçamento.85
- 86 Ibidem, 829, Pasta 4, Doc.s/n, 6.4.1974.
- 87 Ibidem, 829, Pasta 4, Doc.s/n, 27.11.1974.
- 88 Ibidem, 829, Pasta 4, Doc.71, 9.8.1976.
- 89 Ibidem, 829, Pasta 4, Doc.74, 20.6.1977.
40Umas semanas antes da revolução, ainda Raquel Soeiro de Brito fazia esforços para que uma campanha de 45 a 60 dias em Timor fosse possível,86 diligências essas reforçadas por Orlando Ribeiro, já em novembro de 1974, quando indicou a necessidade de terminar os trabalhos em curso sobre os Ajauas e Nianjas no Niassa, Moçambique, e em Timor.87 As restantes peças do arquivo mostram o encerramento destas missões, com missivas trocadas entre Orlando Ribeiro, Raquel Soeiro de Brito, Ilídio do Amaral ou o secretário do Centro de Estudos Geográficos, Machado Guerreiro, e o gestor da Junta de Investigações Científicas do Ultramar. Sintomático deste desmantelamento, são dois documentos datados de 1976 e 1977, respetivamente. O primeiro diz respeito ao reencaminhamento, de Orlando Ribeiro para a Junta, de uma nota de débito da seguradora Portugal Previdente, datada de agosto de 1976, das apólices de seguro das duas viaturas que a MGFHU tinha ao serviço em Angola.88 O segundo, refere-se à resposta a um pedido do Gestor da Junta, acerca do arrolamento do material da MGFHU. O secretário do Centro de Estudos Geográficos dá conta nesta altura do desconhecimento do paradeiro de parte dos materiais que ficaram em Angola e Moçambique, não sabendo o que será para abate e o que estará em falta.89
41Na segunda metade do século XX, o Estado Novo português investiu recursos sem precedentes, direcionados para o conhecimento científico dos territórios ultramarinos, o que permitiu a realização de trabalhos de campo e possibilitou diversos contributos para o avanço científico. Estes contributos situavam-se na fronteira entre as necessidades indicadas pelo regime, tendo em vista a tomada de decisão política, e as linhas de pesquisa que mais interessavam aos investigadores e chefes de missão. Naturalmente, como argumenta Castelo (2022), a relação entre Estado e cientistas não se processou sem tensões, negociações e contradições. O fim do império português e a saída abrupta de militares e população civil dos territórios africanos no pós-25 de abril de 1974, bem como o início de guerras civis, em particular em Angola e Moçambique, dificultaram ou impediram uma continuidade dos trabalhos da Geografia tropical portuguesa. Encerrou-se assim um ciclo científico produtivo, coerente e estruturado, que tinha começado no pós-segunda guerra, e para o qual as missões de Geografia foram fundamentais. Ciclo este, que coincidiu com a crescente amplificação da contestação anticolonial a vários níveis e, grosso modo, com as guerras de libertação dos territórios africanos ocupados.
42No caso específico da Geografia, o funcionamento de seis missões na segunda metade do século XX, das que tratamos três em mais detalhe (um agrupamento científico e duas missões), entre o final dos anos de 1950 e 1973, viabilizou as condições financeiras, materiais e logísticas, para a realização de trabalho científico em todos os territórios do império, com especial relevo para África. Estas Missões agruparam um conjunto de colaboradores e bolseiros (Quadro 1), e potenciaram uma rede de investigação que Orlando Ribeiro tinha em mente para analisar “um povo na terra” (Ribeiro, 2008 [1946]), ou como referiu num relatório de missão em 1961, no ultimar os estudos de conjunto para uma “Geografia da Expansão Portuguesa”. Os resultados científicos deste investimento significativo são inúmeros, desde a formação académica de um conjunto de investigadores, com a realização de diversas teses de licenciatura e doutoramento sobre territórios africanos, até à publicação de inúmeros trabalhos científicos de várias subáreas da Geografia física e humana no continente, alguns dos quais continuam a ser referências chave (Ribeiro, 1950a; 1998[1954]; Tenreiro, 1961; Amaral, 1964; 1968; Medeiros 1976; Moreira, 1979; Mendes, 1979; Feio, 1981). Estes esforços foram também críticos no estabelecimento do ensino superior de Geografia em Angola e Moçambique (Sarmento, 2018; 2019).
- 90 Ibidem, Doc.180, 15.7.1963.
- 91 Ibidem, Doc.187, 3.8.1963.
- 92 IICT/MGFHU, 829, Pasta 1, Doc.1, 7.6.1960.
43Num parecer manuscrito, incluído na carta a que Orlando Ribeiro anexou os diversos relatórios da campanha de 1962 (chefe da missão, Francisco Tenreiro, Raquel Soeiro de Brito e Ilídio do Amaral), o presidente da JIU solicitou a “esclarecida atenção” do Ministro do Ultramar para partes dos relatórios que se afiguram “matéria política e socialmente relevante, de que conviria dar esclarecimentos às Províncias, em documento confidencial”.90 Apesar da descontinuidade do arquivo, a resposta de Orlando Ribeiro ao presidente da JIU ainda nesse mês, mostra bem a posição firme do geógrafo acerca do assunto: “Conforme já uma vez tive ocasião de dizer a V.ª Ex.ª, os Relatórios das Missões não são publicações de carácter científico; larga parte é reservada às circunstâncias exteriores, administrativas, facilidades ou dificuldades das mesmas, etc.; é meu costume, aliás, apenas indicar uma súmula ou condensação (às vezes apenas enunciado) dos resultados científicos. V.ª Ex.ª concordou, noutra altura, com esta opinião, mandando suspender a publicação de um relatório da minha autoria que já estava composto”.91 Orlando Ribeiro era sabedor do frágil equilíbrio entre o fazer ciência desinteressada e os objetivos e fins que ela poderia ter, sobretudo no âmbito de missões com financiamentos apreciáveis. Mais tarde escreveria que “quanto ao trabalho de campo, nos estudos subsidiados pela Junta de Investigações do Ultramar, manda a justiça que se diga que são grandes as facilidades e generosa a retribuição” (Ribeiro, 1969, cit. in Daveau, 2014: 12). Aliás, na proposta da MGFHU, Orlando Ribeiro escreveu: “É evidente que qualquer tentativa de aplicação e utilização de elementos geográficos se baseia, por um lado, na pesquisa desinteressada e no conhecimento de conjunto dos territórios, por outro na informação que nos seja pedida e nos problemas (de administração, de economia, de planeamento) para os quais a nossa atenção e colaboração seja solicitada. À minha formação agrada mais a pesquisa desinteressada; mas não negaria, antes gostosamente daria, toda a colaboração que neste campo me viesse a ser pedida”.92 Naturalmente que estas missões, tal como outras organizadas neste tempo, foram instrumentais para um Estado colonial e ditatorial, que tinha como fundamento político a “ocupação científica” do além-mar. Independentemente do seu posicionamento crítico em determinados aspetos da atuação do regime e das condições de vida de muitas populações, mais ou menos subtis em relatórios e produção científica, as Missões eram parte integrante da colonização científica e mantinham uma relação privilegiada com a dominação colonial. Basta olhar para os lugares estudados nas diversas campanhas, em particular o norte de Moçambique e o Sul de Angola, para se perceber o seu valor estratégico para o regime.